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OS DEMARCADORES DE GÊNERO NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA: ANÁLISE DA OBRA BISA BIA, BISA BEL DE ANA MARIA MACHADO

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OS DEMARCADORES DE GÊNERO NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA: ANÁLISE DA OBRA “BISA BIA, BISA BEL” DE ANA MARIA MACHADO

Maria Géssica Romão da Silva¹ gessicaromao@hotmail.com

Semíramis Linhares Alves² semiramis_jp@hotmail.com Tatianne da Conceição Ferreira³

tati_anne2008@hotmail.com Profª Orientadora: Fabiana Sena

fabianasena@yahoo.com.br I - INTRODUÇÃO

A partir da segunda metade do século XX, a literatura infantil contemporânea assumiu importante papel social dentro do contexto da educação escolar, qual seja a de tratar de “assuntos e temas humanos, isto é, que têm relação com a vida humana (sentimentos, afetos, temores, desejos, vivências)”, conforme Costa (2007, p. 23). Através das narrativas que inicialmente abordavam temas com soluções de variáveis morais para educar por meio do maravilhoso, deu-se início a uma evolução contínua, que transformou a escola em veículo de mediação entre a criança e a literatura

Dentro dessa perspectiva, a obra Bisa Bia, Bisa Bel, publicada em 1981, por Ana Maria Machado seguiu esse quadro crescente da utilização da literatura também para o tratamento de questões sociais, tais como as relações de poder pré-estabelecidas culturalmente, e que são indissociáveis dos processos que fomentam o preconceito e a discriminação dentro da nossa sociedade.

Para tanto, a obra supracitada promove através da leitura a capacidade de que o sujeito consiga pensar por si mesmo e de maneira crítica, a realidade social que lhe é imposta. A análise apresentada evidencia a importância de se trabalhar dentro da educação escolar os demarcadores de gênero, a utilização adequada da linguagem verbal, e a preocupação que os educadores e demais profissionais que lidam com o público infantil, precisam ter, também, com a linguagem não-verbal.

Nesse sentido, o presente trabalho enfatiza o confronto entre presente, passado e futuro vivenciado pela personagem principal da narrativa, colocando à tona a questão do papel da mulher na sociedade e desvendando demarcadores de gênero predominantes até os dias atuais.

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² Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da Universidade Federal da Paraíba ³ Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da Universidade Federal da Paraíba 4

Professora Drª da Universidade Federal da Paraíba

Também foi realizada uma análise bibliográfica que permeia o campo da literatura infantil, tais como a origem e as tendências da mesma, a linguagem e as representações que demarcam as questões de gênero na sociedade e uma análise do livro Bisa Bia, Bisa Bel.

II - A LINGUAGEM VERBAL E NÃO-VERBAL COMO DEMARCADORES DE GÊNERO NO UNIVERSO ESCOLAR

Segundo o dicionário Aurélio, linguagem é “todo tipo de manifestação do pensamento, estabelecida entre os indivíduos como forma de manter comunicação, entre eles” (AURÉLIO, 1999, p. 356). Nessa perspectiva, poderíamos entendê-la como peça principal na estruturação da consciência humana, pois é por meio dela que os indivíduos permitem a entrada e saída de ideologias que concomitantemente permearão seus pensamentos. Vê-se a necessidade, assim, de discutirmos a linguagem verbal e a linguagem não-verbal expressa no cotidiano escolar, como demarcadores de gênero que influenciam, influenciaram e influenciarão os diversos contextos, vivenciados pelas mulheres.

A linguagem verbal explícita no ambiente escolar, geralmente, traduz e reproduz – através dos estereótipos – pensamentos e imagens que desvalorizam determinado grupo. Muitas vezes, tais estereótipos estão presentes na fala dos professores, funcionários ou até mesmo dos próprios alunos. Eles aparecem, de forma a reproduzir imagens e comportamentos que separam os indivíduos em categorias. Quando nos direcionamos ao gênero feminino, podemos enxergar que durante séculos predominaram-se culturas estereotipadas que transitam até os dias de hoje. A escola que deveria ser um ambiente, onde os pensamentos são refletidos e criticados, torna-se ambiente de alienação, através da predominância e perpetuação de linguagens depreciativas e significados maldosos atribuídos à classe feminina.

Como ressalta Alves, (2004, p. 7),

A linguagem corrente, os ditos populares, os chistes, os gracejos, os provérbios, as piadas e os palavrões refletem e reforçam as

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desigualdades de gênero, ao apresentar as relações sociais entre os sexos de forma estereotipada.

Já a linguagem não-verbal caracteriza-se pelo modo inconsciente que transmite e reproduz a inferioridade de gênero. Geralmente, na escola, esse tipo de linguagem é expresso através dos cartazes, dos gestos, brinquedos, brincadeiras, músicas ou até mesmo os livros didáticos que permeiam o ambiente. Assim, faz-se necessário estarmos atentos ao uso desses materiais com a finalidade de intervir quanto à linguagem negativa que esses trazem aos nossos alunos.

Dessa forma, é necessário, na posição de educadores, observarmos atitudes que, muitas vezes, consideramos determinados tipos de brincadeiras, que podem ser decisivas na construção de identidade negativa da mulher. É importante lembrarmos que tal identidade é construída pela imagem que outros fazem de nós, junto aquela que presumimos ser. Sobre isso, Leite (1997, p. 305) afirma que:

a imagem que temos de nós mesmos não é, certamente, o retrato do que os outros veem em nós mesmos porque os outros não veem a mesma pessoa. Entretanto, sem as sucessivas imagens que os outros nos dão de nós mesmos, não poderíamos saber quem somos.

Então, é imprescindível atentarmos às expressões utilizadas cotidianamente, tais como, as imagens trazidas nos livros didáticos, que tantas vezes apresentam a mulher de uma forma inferiorizada, atribuindo-a funções domésticas. Desse modo, a escola deverá interferir quando necessário, de maneira a combater tais posturas e pensamentos equivocados.

III – A INFLUÊNCIA DAS OBRAS LITERÁRIAS CONTEMPORÂNEAS NA FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO

Em face de uma sociedade em constante transformação, a literatura está assumindo o papel de agente de formação do indivíduo, para tratar de questões importantes na construção da consciência de mundo, de crianças e jovens.

As obras literárias contemporâneas são alteradas pela pressão do processo social, cultural e político. De modo que, a função do produto literário, acaba sendo transformada com resultados que não vão só alterar a estrutura da obra quanto a sua

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forma, gênero e linguagem, mas, também, quanto à oportunidade de ampliar, transformar e enriquecer a experiência de vida do leitor.

A literatura contemporânea está “para além do prazer/emoção estéticos, (...) visa alertar ou transformar a consciência crítica de seu leitor ou receptor.” (COELHO, 1991, p.25). Nessa perspectiva, ela age como uma abertura para a formação de uma nova mentalidade. Mas, para isso, faz-se necessário ter o hábito de ler como um instrumento de emancipação cultural e de transformação do indivíduo, pois a literatura é capaz de estimular a construção de conceitos, chegando a ser considerada um objeto de massificação social.

Segundo Carvalho e Bedendo (apud FRACASSO e FORMAGINI, 2001, p. 10):

A literatura deve propiciar uma reorganização das percepções do mundo e, desse modo possibilitar uma nova ordenação das experiências existenciais da criança. A convivência com textos literários provoca a formação de novos padrões e o desenvolvimento do senso crítico.

Nessa perspectiva, consideramos que o ato de ler possui influência direta na formação do indivíduo e que o uso da literatura propicia o desenvolvimento de uma consciência crítica e transformadora, estimulando a busca de novas possibilidades de atuação na sociedade. Assim, oferece subsídios elementares para desconstrução das diferenças (de gênero), produzidas historicamente, e que tantas vezes permeiam as relações sociais do mundo atual.

IV – ANA MARIA MACHADO, UMA MULHER, UMA ARTISTA, UMA ESCRITORA DE QUEBRA DE PARADIGMAS

Na tentativa de contar um pouco sobre a autora, assim como, sobre a sua trajetória de trabalho até chegar à escrita do livro analisado, trataremos aqui de perceber o contexto no qual a mesma viveu, haja vista entender-se que essas vivências dizem muito sobre seu modo peculiar de escrever e encantar com seus livros.

Em 1941, nasceu uma das mais consagradas escritoras da Literatura Infanto-Juvenil no Brasil, Ana Maria Machado. Carioca, ela cresceu nas areias de Ipanema dividindo sua infância entre o dia-a-dia no Rio e as férias na praia de Manguinhos, no Espírito Santo (MACHADO, 2011). Conforme a escritora, ela informa:

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Nasci e me criei no Rio, mas quando era criança costumava passar os verões na praia de Manguinhos, no Espírito Santo. Ficava quase três meses por ano à beira do mar, com meus avós, junto à natureza e às tradições. Como não havia eletricidade, todas as noites as pessoas se reuniam para contar e escutar histórias. Cada adulto tinha a sua especialidade, contando os mais variados tipos de história. Tenho certeza que sem os verões em Manguinhos eu escreveria bem diferente (MACHADO, 2011).

São marcos importantes na sua formação enquanto escritora, a casa repleta de livros, assim como, o fato de ter crescido em um ambiente, no qual era possível ouvir as mais diferentes histórias. De certa forma, essas vivências acabaram influenciando a mente imaginativa da escritora, que somada à continuidade da proposta Lobatiana, lhe rende, mais tarde, inúmeros prêmios.

Ana Maria Machado iniciou sua carreira como pintora. Estudou no Museu de Artes Modernas e chegou a fazer exposições individuais e coletivas. Nesse período, após desistir do curso de geografia, foi estudar Letras concluindo o curso no ano de 1964 na Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil e fez estudos de pós-graduação na UFRJ. Embora seu objetivo fosse o de continuar sendo pintora, a escritora passou a trabalhar como professora de letras também na UFRJ, na PUC-Rio e ensinou nos colégios Santo Inácio e Princesa Isabel, ambos no Rio.. Por não conseguir se manter omissa diante das imposições da Ditadura Militar, em 1969, após ter sido presa, Ana Maria Machado deixou o país, ficando exilada no exterior durante alguns anos. Nessa fase, ela trabalhou basicamente como jornalista, mesmo assim, não parou de produzir, escrevendo algumas histórias infantis, como: E nasceu Quenco, o pato! capa de uma das primeiras revistas Recreio, publicada pela Editora Abril, que abre caminhos para uma nova literatura brasileira.

De volta ao Brasil em 1972, a escritora se concentrou na imprensa, quando começou a trabalhar no jornal do Brasil e na Rádio JB como chefe do departamento de radiojornalismo, onde ficou durante sete anos. Os anos seguintes foram marcados pela escrita de inúmeros livros infantis, entre eles está o ganhador do prêmio João de Barro, História Meio ao Contrário. Dois anos depois, ela abriu a livraria Malasartes, pois, segundo a mesma: “(...) estava faltando uma livraria especializada, onde as crianças pudessem ler e encontrar bons livros”. (MACHADO, 2011).

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A década de 80 para Ana Maria Machado foi marcada pela dedicação exclusiva a escrita de seus livros. Em 1981, ela escreveu Bisa Bia, Bisa Bel, livro que obtevemais de 500 mil exemplares vendidos, além de inúmeros prêmios, entre eles, o Maioridade Crefisul, Crefisul (Originais Inéditos), o Melhor Livro Infantil do Ano, Ass. Paulista de Críticos de Arte, e o merecido lugar na Lista de honra do IBBY.

Bisa Bia, Bisa Bel é uma obra que foi traduzida em vários outros países, a exemplo da Espanha, México, Alemanha e Suécia. Sem imaginar que a história da menina que encontra um retrato antigo da bisavó, ficaria conhecida mundialmente, a autora conta, em seu site oficial, que escreveu esse livro porque sentiu saudades das avós e queria falar sobre elas para os filhos.

V- CONTEXTUALIZANDO BISA BIA, BISA BEL

Ao repensar as questões de gênero e a sua relação com a literatura infantil, logo direcionamos o pensamento a obra Bisa Bia, Bisa Bel de Ana Maria Machado. O fato de a linhagem escolhida pela escritora seguir uma concepção lobatiana, “diferenciada de literatura até então escrita” (GUSSATO e RADAELLI, 2008, p. 4) foi um dos pontos primordiais ao qual nos influenciou.

Sabemos da imensa importância que tem a literatura infantil nos dias atuais por assumir um “um papel informativo e que abre as portas do saber, propicia o acesso ao conhecimento, traz informações para a vida prática, num processo sem fim” (COSTA, 2007, p. 28). Porém, é fato que durante décadas, a mesma era vista apenas com a função de entretenimento, sem que se fosse estabelecido o senso-crítico, posto no Brasil, somente, a partir de Monteiro Lobato, em sua obra Narizinho Arrebitado, no ano de 1921.

Utilizando a literatura infantil como aquela que abre caminhos para formação de uma nova mentalidade, Lobato vem quebrar os paradigmas existentes. É o que ressalta Albino (2000, p. 7), quando diz que:

Publicando em 1921, Narizinho arrebitado, Lobato inaugura uma nova estética da literatura infantil no país, concebendo-a como arte capaz de modificar a percepção de mundo e emancipar seus leitores.

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Sucessora de Monteiro Lobato, as obras de Ana Maria Machado são caracterizadas pela renovação e pelo rompimento com os moldes literários tradicionais, fazendo com que a literatura infantil, além de divertir, emocionar, distrair e proporcionar imaginação desenvolvesse nos pequenos leitores à capacidade de pensar criticamente diante da realidade social vigente.

Gussato e Radaelli (2008, p.12), ao discutirem sobre a convergência entre a escrita de Monteiro Lobato e Ana Maria Machado, ressaltam que:

Seguindo o mesmo modelo de escrita os autores produziram livros com alto valor estético, intencionando que as crianças que lessem suas histórias se identificassem com os personagens, não importando a época, afinal um bom autor introduz o leitor do presente numa história que talvez tenha sido escrita mesmo antes deste nascer, é o que fazem esses dois escritores.

A obra aqui enfatizada destaca o confronto entre o presente, passado e futuro, vivenciado pela personagem principal, trazendo à tona a questão do papel da mulher na sociedade e desvendando demarcadores de gênero predominantes até os dias atuais.

VI - BISA BIA, BISA BEL: LINGUAGEM E DEMARCADORES DE GÊNERO

Considerando que a linguagem enquanto produto da cultura humana é resultante de um interminável processo de acumulação precedido da experiência vivida, a literatura de maneira geral, caracteriza-se como um elemento interferente entre a linguagem verbal e o desenvolvimento da criança, assim sendo, a literatura entendida como representação social possui significados culturais da sociedade em que está inserida.

Partindo desse pressuposto, a análise da obra literária Bisa Bia, Bisa Bel de Ana Maria Machado revela a utilização de uma linguagem verbal simples. Porém, ela é composta de elementos que apontam para o modo com que as relações de gênero têm sido produzidas e estabelecidas ao longo dos anos na conjuntura social.

A narrativa se desenvolve a partir do processo de autoconhecimento vivido pela personagem Isabel (presente). Através de um encontro com um retrato antigo de sua bisavó, Bisa Bia (passado),a personagem inicia uma série de experiências que colocam

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em evidência as tendências comportamentais de uma mulher que viveu no século XIX, a exemplo de quando descobre que Bisa Bia

não gosta de ver menina usando calça comprida, short, todas essas roupas gostosas de brincar. Acha que isso é roupa de homem, já pensou? De vez em quando ela vem com umas idéias assim esquisitas. Por ela, menina só usava vestido, saia, avental, e tudo daqueles bem bordados, e de babado. (MACHADO, 2001, p. 11)

Nesse trecho do livro torna-se evidente o comportamento imposto ao gênero feminino, especialmente em meados do século XIX (menina pode usar saia e menino não pode; menina não pode usar calça comprida, menino pode). Essas percepções quanto às diferenças de gênero, vividas pela personagem Isabel a faz pensar em novas maneiras de conceber o futuro, desse modo, resultam também no surgimento de outra personagem, a neta Beta (futuro).

As três personagens, Bisa Bia, Isabel e Neta Beta, traçam diálogos que permitem ao leitor imaginar diferentes cenários ideológicos, nos quais a transição do papel social da mulher é percebido em decorrência das mudanças de valores, provocados pela transição temporal presente no texto.

Bisa Bia discutindo com Neta Beta e eu no meio, pra lá e pra cá. Jeitos diferentes de menino e menina se comportarem, sempre mudando. Mudanças que eu mesma vou fazendo, por isso é difícil, às vezes dá vontade de chorar. (MACHADO, 2001, p.62)

Em meio às inúmeras informações adquiridas pela personagem Isabel através de sua bisavó sobre as atitudes de uma menina em sua época, e as aspirações futuras incutidas por Neta Beta, é possível enxergar que

Isabel é uma menina como outra qualquer, com vontades e dúvidas próprias de uma adolescente de sua idade; apenas, incorpora a sua vida presente, e de forma bastante incisiva e questionadora, a presença de atitudes aceitas no passado, do qual faz parte sua bisavó. (NIEDERAUER e FONTANELLA, s/d, p. 4)

A identidade feminina na geração de Bisa Bia, indica, de acordo com a narrativa, um tempo em que a mulher era dona de casa, quase não exercia qualquer função de agente social, além da criação dos filhos. Pode-se compreender esse contexto, através

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do diálogo de Isabel com a sua mãe, quando ela descobre que os lenços utilizados pela sua bisavó “eram um sintoma de um tempo em que as mulheres geralmente não trabalhavam fora e ficavam inventando trabalho dentro de casa para se sentirem úteis.” (MACHADO, 2001, p.45)

É possível ainda perceber o dinamismo temporal presente na obra literária, através do diálogo entre Bisa Bia e Isabel, em que a primeira compara o tempo passado, no qual: “se lavava o rosto no quarto mesmo, e sempre tinha uma bacia e um jarro d’água, com uma toalha limpinha do lado”, com o tempo presente, tempo do “congelado, enlatado, desidratado, ensacado, emplasticado...” (MACHADO, p. 25-26).

A percepção de mundo vivenciada pela menina Isabel, através da maneira com que a sua bisavó lidava e enxergava os padrões comportamentais a conduz rumo a sua própria maneira de lidar e enxergar outras formas possíveis para se viver:

Jeitos diferentes de meninos e meninas se comportarem, sempre mudando. Mudanças que eu mesma vou fazendo, por isso é difícil, às vezes dá vontade de chorar. Olhando para trás e andando para a frente, tropeçando de vez em quando, inventando moda. (MACHADO, 2001, p. 56)

A possibilidade de encontro com a Bisa Bia, que morava dentro dela, proporcionou a Isabel à percepção de que as mudanças são possíveis, mesmo as mais difíceis, como a quebra de estereótipos fixados na sociedade e os padrões comportamentais impostos pelas relações de gênero. Estas, por sua vez, são derivadas das relações de poder que foram sendo estabelecidas sob características que associavam a figura masculina ao sexo forte, enquanto a figura do sujeito feminino era considerada frágil. Portanto, sem grandes perspectivas de atuação ativa na produção política, e econômica da sociedade.

Por outro lado, as posturas femininas apresentadas a Isabel pela Neta Beta, referem-se à mulher pós-moderna, que não teme ligar para um garoto quando está interessada, que sobe em árvores, e tem autonomia para guiar-se por seus próprios caminhos.

você aí, deixe de ser boba, perdendo seu tempo, espetando agulha num pano, só para agradar um bobalhão que ri de você, só para bancar a menininha fina. Para que fingir? Tem horas que não dá mesmo para

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fingir. Largue isso e vá fazer alguma coisa útil. (MACHADO, 2001, p.49)

Compreende-se que as duas vozes (passado e futuro) conduziram Isabel para que a mesma encontrasse um ponto de equilíbrio, pelo qual ela poderia começar a entender as maneiras de ser mulher em tempos distintos. Segundo Isabel era

Impossível saber sempre qual o palpite melhor. Mesmo quando eu acho que minha bisneta é que está certa, às vezes meu coração ainda quer-porque-quer fazer as coisas que minha bisavó palpita, cutum-cutum-cutum, com ele… Mas também tem horas em que, apesar de saber que é tão mais fácil seguir os conselhos de Bisa Bia, e que nesse caso todos vão ficar tão contentes com o meu bom comportamento de mocinha, tenho uma gana lá de dentro me empurrando para seguir Neta Beta, lutar com o mundo, mesmo sabendo que ainda vão se passar muitas décadas até alguém me entender. Mas eu já estou me entendendo um pouco – e às vezes isto me basta.” (MACHADO, 200,1 p. 53)

Essa compreensão da menina Isabel, de que os padrões comportamentais não são definitivos, e que ela pode ser agente transformadora de sua própria história, transmite ao leitor a percepção de que as desigualdades podem ser vencidas, e que as inseguranças e os medos podem ser diminuídos, quando conhecemos a nós mesmos. Desse modo, evidencia-se à contribuição da obra na formação de novos sujeitos, dotados de novas concepções e de comportamentos capazes de transformar o mundo a sua volta.

VII - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a escrita desse artigo foi possível analisar a linguagem enquanto demarcadora de gênero no universo escolar, assim sendo observou-se a predominância de expressões verbais e não-verbais que acabam, por muitas vezes, inferiorizam a mulher. Do mesmo modo, verificou-se que as obras literárias contemporâneas possuem elementos capazes de influenciar na construção da consciência de mundo dos indivíduos.

Visando a melhor compreensão da obra Bisa Bia, Bisa Bel buscou-se investigar a vida da autora Ana Maria Machado, posto que, o conhecimento do universo em que a mesma viveu, tende a refletir seu modo de pensar e escrever. Diante disso, foi possível

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perceber que a partir da contextualização da história evidencia-se a maneira peculiar de escrita da autora.

Nesse sentido, considerar a linguagem enquanto produto da cultura humana através de uma ótica tridimensional nos revelou a figura feminina em relação às tendências comportamentais impostas pela sociedade em três diferentes momentos da história.

A leitura de Bisa Bia, Bisa Bel da autora Ana Maria Machado proporciona ao leitor a oportunidade de ir ao encontro de si mesmo, de experimentar as leituras de mundo através de outros prismas, por promover ainda, a reflexão de que as grandes transformações humanas precisam acontecer de dentro para fora.

Evidenciamos o importante papel social assumido pela literatura contemporânea na educação escolar quando percebemos que o ato de ler é capaz de transformar o leitor, assim, como o faz a obra analisada ao conduzir a personagem Isabel aos seus próprios caminhos, colocando-a frente ao seu passado, presente e futuro. Afinal, nada é de repente, mas de “trança em trança”, ou de livro em livro podemos inventar todo dia, um jeito novo de viver.

VIII - REFERÊNCIAS

ALBINO, Lia Cupertino Duarte. A Literatura Infantil no Brasil: origem, tendências e ensino, 2000. Disponível em: http://www.litteratu.com/literatura_infantil.pdf

ALVES, José Eustáquio Diniz. A Linguagem e as Representações da Masculinidade. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Ciências Estatísticas, 2004. 33p. - (Textos para discussão. Escola Nacional de Ciências Estatísticas, ISSN 1677-7093; n. 11).

AURÉLIO, B de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. São Paulo: DCL, 1999, p. 356.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: Teoria, análise e didática, 5º Ed. São Paulo: Ática, 1991.

COSTA, Marta Morais. Metodologia do ensino da Literatura infantil. Curitiba: Ibpex, 2007.

FRACASSO, Gabriele; FORMAGINI, Vivia Cenci. PROBLEMATIZANDO GÊNERO

ATRAVÉS DA LITERATURA INFANTIL. Disponível em:

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GUSATTO, Gisely Ana. RADAELLI, Patrícia B. Monteiro Lobato E Ana Maria Machado: Convergências Possíveis Em Narizinho e Izabel. Disponível em:

http://www.docstoc.com/docs/42406878/monteiro-lobato-e-ana-maria-machado-converg%c3%8ancias-poss%c3%8dveis-em Acessado em: Setembro de 2011.

LEITE. Dante Moreira. Educação e relações interpessoais. In: PATTO, M. H. S. Introdução à Psicologia Escolar. 3 ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

MACHADO, Ana Maria. Bisa Bia, Bisa Bel: novela/3.ed. São Paulo: Moderna, 2001.

MACHADO, Ana Maria. Caderno de Notas - Informações e curiosidades sobre Ana:

Do outro lado tem segredos. Disponível em:

http://www.anamariamachado.com/exposicao-virtual/1 Acessado em: Setembro de

2011.

NIEDERAUER, Carine. FONTANELLA, Silvia. Bisa Bia Bisa Bel: A transformação da personagem feminina na literatura infanto-juvenil. UNIFRA, S/D, p. 4.

Referências

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