1 PREFEITURA DE PORTO ALEGRE
SECRETARIA MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
INSTITUTO DE DEFESA DOS DIREITOS DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS - IDAFRO, inscrito no CNPJ/MF sob n. 32.285.550/0001-90, sediada na Rua Barão de Itapetininga, 120, 7º and., cj. 711, Bairro República, São Paulo-SP, cep 01042-904, por sua Presidente SUELI CHAN FERREIRA, brasileira, separada, aposentada, portadora da cédula de identidade RG n. 7.182.414-5, inscrita no cadastro da pessoa física CPF - sob n. 677.813.578-68, domiciliada na Rua Barão de Itapetininga, 120, 7º and., cj. 711, Bairro República, São Paulo-SP, cep 01042-904, e-mail suelichan@gmail.com, por seus advogados, com fundamento no art. 5º, inciso XXXIV, da Constituição Federal, Lei federal n. 9.784/99, Lei Orgânica do Município e Leis Complementares Municipais 12/75 e 790/16, vem perante Vossa Senhoria requerer
CASSAÇÃO DO ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO
do CARREFOUR COMERCIO E INDUSTRIA LTDA, inscrito no cadastro nacional de pessoa jurídica sob o n. 45.543.915/0007-77, sediado na Rua Albion, n. 99/111, bairro Partenon, Porto Alegre/RS, cep 91.530-010, conforme razões de fato e de direito aduzidas a seguir.
II. DA LEGITIMIDADE DA REQUERENTE
Convém assinalar inicialmente que a Lei federal 9.784/99 e a Lei Complementar Municipal n. 790/16, atribuem às associações representativas legitimidade para provocar o processo administrativo, verbis:
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“Lei Federal n. 9.784 , de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
Art. 9º. São legitimados como interessados no
processo administrativo:
III - as organizações e associações
representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos;”
“Lei Complementar n. 790, de 10 de fevereiro de 2016.
Art. 5º São legitimados como interessados no
processo administrativo:
III – as organizações e as associações
representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos; e”
Conforme consta em seus atos constitutivos(anexos), a Requerente tem como objetivo principal:
“Art. 1º. Parágrafo único. A missão do IDAFRO é a
defesa da liberdade de consciência e de crença, a luta pela superação da intolerância religiosa e a promoção da tolerância como ideário republicano e princípio de política educacional, incluindo a concretização dos direitos das Religiões Afro-brasileiras, seu acesso à Justiça, a fruição e gozo de todos os benefícios legais outorgados às organizações, sacerdotes/sacerdotisas, templos e fiéis das religiões Afro-brasileiras.”
“Art. 2º Constituem finalidades do Instituto:
§ 6º Defender a diversidade e o pluralismo religioso e atuar objetivando a superação da discriminação e intolerância religiosas, da difamação religiosa motivada por racismo, bem como a superação da
discriminação racial e de todas as demais manifestações de discriminação ilícita.”
Cumpre enfatizar ainda que o IDAFRO é uma organização que atua cotidianamente na defesa e valorização da liberdade de crença e na luta contra o racismo, sendo público o reconhecimento do seu trabalho por órgãos governamentais e organizações não-governamentais, setores da sociedade civil e sobretudo pelos segmentos vitimados por intolerância, preconceito e discriminação de natureza religiosa e racial.
3 Com estas considerações pretendemos encarecer a representatividade e interesse jurídico da Requerente na causa, predicados que podem ser aferidos, entre outros critérios, pela pertinência temática comprovada por seu estatuto social e pela expertise dos advogados que a integram.
I. DOS FATOS
Conforme consta de vídeo anexo, confissão explícita do Requerido e noticiário amplamente veiculado pela imprensa nacional e internacional, no último dia 19 de novembro o cidadão negro JOÃO ALBERTO FREITAS, foi brutalmente assassinado a socos e pontapés desferidos por seguranças patrimoniais do Requerido, em estabelecimento comercial localizado no município de Porto Alegre, fato este que inclusive deflagrou persecução penal e prisão em flagrante dos homicidas (Proc. n. 5104286-81.2020.8.21.0001 – 2º Juízo da 2ª Vara do Júri do Foro Central da Comarca de Porto Alegre).
A cólera animalesca e o ódio racial e genocida dos assassinos, atestam que JOÃO ALBERTO FREITAS teve sua vida ceifada unicamente em razão de sua pertença racial e do fato de encontrar-se realizando compras no estabelecimento do Requerido.
Vejamos as declarações públicas do Requerido:
Comunicado feito no dia 21/11/20 – exibido inicialmente na Rede Globo, durante o intervalo do Jornal Nacional
CEO do Grupo Carrefour no Brasil, Noel Prioux
"O que aconteceu na loja do Carrefour foi uma tragédia de dimensões incalculáveis, cuja extensão está além da minha compreensão como homem branco e privilegiado que sou. Antes de tudo, meus sentimentos à família de João Alberto. E meu pedido de desculpas aos nossos clientes, à sociedade e a nossos colaboradores".
João Senise - Vice-Presidente Recursos Humanos Carrefour Brasil “O que aconteceu em
nossa loja não representa quem somos e nem os nossos valores. 57% dos nossos funcionários são negros e negras. E mais de um terço dos gestores se declaram pretos ou pardos.
Mas estamos conscientes que precisamos de mais ações concretas e efetivas para o fortalecimento da nossa cultura de diversidade.”
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CEO do Grupo Carrefour no Brasil, Noel Prioux
“Reforço meu compromisso com todas as famílias brasileiras. Se uma crise como essa está acontecendo conosco é porque temos a responsabilidade de mudar isso na sociedade. A morte de João Alberto não pode passar em vão, e é por isso que assumimos hoje o compromisso de ajudar a combater o racismo estrutural. Comunicaremos nos próximos dias todas as nossas iniciativas e o comitê dedicado exclusivamente a esta causa. Mais uma vez, minhas sinceras desculpas.”
Comunicado em rede nacional, na noite de sexta-feira (20/11)
"Este dia que deveria ser marcado pela conscientização da inclusão de negros e negras na sociedade, está sendo o mais triste da história do Carrefour. Palavras não expressarão nossa angústia com a brutalidade. Daremos todo apoio à família de João Alberto Silveira Freitas e, em respeito a ele, nossa loja de Passo D'Areia fechou hoje e permanecerá fechada amanhã. Além disso, todo o resultado das vendas de hoje das lojas Carrefour hipermercados será doado para entidades ligadas à luta pela consciência negra. Amanhã, abriremos mais tarde para reforçamos o treinamento
antirracista com todos os nossos funcionários e
terceiros. Continuaremos com nossa transparência informando os próximos passos. Nada trará a vida de João Alberto de volta, mas estamos certos de que este momento de pesar se converterá em ações concretas que impedirão que tragédias como essa se repitam."
Ao admitir a ocorrência de racismo, o Requerido subscreveu, sponte
propria, confissão extrajudicial, nos exatos termos dos arts. 389 e 341, do
Código de Processo Civil.
A este respeito, convém pôr em realce as posturas municipais que disciplinam penalidades administrativas para infrações desta natureza:
“Lei Orgânica do Município de Porto Alegre”
Art. 150. Sofrerão penalidades de multa até
cassação do alvará de instalação e funcionamento os estabelecimentos de pessoas
físicas ou jurídicas que, no território do Município,
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por orientação sexual, étnica ou religiosa; em razão de nascimento; de idade; de estado civil; de trabalho rural ou urbano; de filosofia ou convicção política; de deficiência física, imunológica, sensorial ou mental; de cumprimento de pena; cor ou em razão de qualquer particularidade ou condição.”
Lei Complementar n. 12/1975 - Institui Posturas para o Município de Porto Alegre e dá outras providências.
“Art. 29 - Nenhum estabelecimento comercial, industrial, de prestação de serviços ou de entidades associativas poderá funcionar sem prévia licença do Município.
Pena: multa de 3,50 a 17,50 URMs e fechamento
do estabelecimento.”
Lei Complementar n. 790 de 10/02/2016
“Art. 17. Os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente a exigir.
§ 1º Os atos do processo administrativo devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, contendo a data e o local de sua realização, as identificações nominal e funcional e a assinatura da autoridade responsável.
§ 2º Os atos e os termos processuais poderão ser formalizados, tramitados, comunicados e transmitidos em formato digital, nos termos da
regulamentação.
“Art. 18. Os atos do processo administrativo
devem realizar-se em dias úteis, no horário de funcionamento da repartição em que tramitar, admitindo-se, excepcionalmente, que sejam praticados em finais de semana e à noite, se a circunstância do caso assim o exigir e desde que sejam fundamentados.
Mais do que responsável por homicídio motivado por discriminação racial, o Requerido, dada a contumácia com que seus empregados e/ou colaboradores violam direitos da população negra brasileira, revela-se um genocida, na acepção jurídica do termo:
Lei n. 2.889/56, Genocídio: “Art. 1o
Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
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b) causar lesão grave à integridade física ou
mental de membros do grupo;
art. 3o Incitar, direta e publicamente, alguém a cometer qualquer dos crimes de que trata o art. 1: Pena - metade das penas ali cominadas.”
Estatuto de Roma, Dec. 4.388/02:
“Art. 6º. Para os efeitos do presente Estatuto,
entende-se por ‘genocídio’, qualquer um dos atos
que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto
tal:
b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;
Artigo 7o Crimes contra a Humanidade
1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:
h) Perseguição de um grupo ou coletividade que
possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou
de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal;
2. Para efeitos do parágrafo 1o:
a) Por ‘ataque contra uma população civil’
entende-se qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1o contra uma população civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política;
g) Por ‘perseguição’ entende-se a privação
intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa;”
7 II. DO PEDIDO
Pelo exposto, protesta por juntada posterior de procuração (CPC, art. 104, in fine) e requer imediata CASSAÇÃO DE ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO do Requerido, sob pena de responsabilização cível por improbidade administrativa (Lei 8.429/92, art. 11, caput e inciso I) e responsabilização criminal por prevaricação (CP, art. 319).
Nestes termos, Pede deferimento.
São Paulo, 22 de novembro de 2020.
HÉDIO SILVA JR.
OAB/SP 146.736
KARLA MEURA
OAB/RS 82.234
Documentos anexados:
1. Atos Constitutivos da Requerente; 2. Vídeo contendo imagens do homicídio;
3. Extratos de movimentação do processo-crime;
4. Matéria publicada no jornal “Folha de São Paulo”, em 2004, registrando ocorrência de racismo em loja do Carrefour de São Paulo.
