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PARTIR DO EPISÓDIO 7 DA SÉRIE “UNIDADE BÁSICA”

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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

Danilo Bonato Andrade

ANÁLISE DA SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA A PARTIR DO EPISÓDIO 7 DA SÉRIE “UNIDADE BÁSICA”

Taubaté – SP

2019

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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

Danilo Bonato Andrade

ANÁLISE DA SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA A PARTIR DO EPISÓDIO 7 DA SÉRIE “UNIDADE BÁSICA”

Taubaté – SP 2019

Trabalho de Graduação apresentado ao Departamento de Psicologia, da Universidade de Taubaté como parte dos requisitos para obtenção de Graduação em psicologia.

Orientador: Prof. Pedro Ivo Freitas de Carvalho Yahn

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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

Danilo Bonato Andrade

ANÁLISE DA SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA A PARTIR DO EPISÓDIO 7 DA SÉRIE “UNIDADE BÁSICA”

Data: _____/_______________/_______

Resultado: ________________________

BANCA EXAMINADORA

Prof. Me. Pedro Ivo Freitas de Carvalho Yahn Universidade de Taubaté Assinatura: _______________________________________________

Prof. Dr. Regis de Toledo Souza Universidade de Taubaté

Assinatura: _______________________________________________

(4)

Agradecimentos

Escrevo estes agradecimentos me referindo a todo processo de planejamento e produção da “entidade” TG, desde o início até a finalização da presente pesquisa.

Inicialmente agradeço ao Comitê de Ética em Pesquisa Humana da UNITAU, pois sem suas práticas este trabalho não teria nem sido planejado. Agradeço também a toda equipe do CAPS AD de Taubaté por terem me acolhido, apoiado, confiado em meu trabalho e me incentivado durante todos os percalços da trajetória, especialmente a Elô, Claudinha e Pedro. Agradeço ao meu amigo e orientador Pedro Ivo por ter abraçado minhas ideias, me acompanhado e auxiliado durante todo o processo de produção do trabalho de graduação, desde o primeiro projeto até este finalizado. Obrigado por ter confiado em mim, por apontar minhas dificuldades e principalmente minhas potencialidades, que as vezes desaparecem a nossos próprios olhos. Obrigado por ter me orientado quando tudo caiu por terra e me ajudado a encontrar uma nova possibilidade, planejar e iniciar do zero uma outra pesquisa. Nossos pontos de vista por muitas vezes convergem, e as perspectivas sobre a importância da relevância de uma pesquisa também, acho que foi isso o que fez tudo dar certo como deu. E agradeço também ao Prof. Regis por aceitar compor a banca de apresentação do meu TG e me deixar tão feliz com isso pois é alguém que sempre gostei e me identifiquei dentro da faculdade.

Agradeço também a Profa. Elvira, por ter me acolhido em um momento difícil

e me mostrado caminhos para seguir e superar minhas dificuldades, segundo ela,

como fiz até então. Ao amigo e quase colega de profissão Plínio, por também me

acolher e desvendar os mistérios e fantasias sobre a tal entidade TG. À minha mãe

por me incentivar e auxiliar com toda sua experiência acadêmica, ao meu primo

Netto por me ajudar no abstract, à minha companheira Marina por ter escutado

todas as minhas críticas à academia e indignações, me acompanhado em

momentos de produção e auxiliando a superar as desatenções e dispersões. E

agradeço também a meus amigos por terem compreendido e respeitado minhas

ausências. Espero que gostem do trabalho e que seja relevante como espero.

(5)

Resumo

O presente documento é um Trabalho de Graduação do curso de Psicologia da Universidade de Taubaté que tem como objetivos compreender, problematizar, e delimitar equívocos e boas práticas em saúde mental na atenção básica do SUS, a partir da análise do episódio 7 da série Unidade Básica da Universal Channel.

Este episódio diz respeito de um caso de saúde mental atendido por uma unidade básica de saúde na periferia de uma cidade grande. A metodologia de pesquisa utilizada é a cartografia, pois entendo que uma pesquisa deve trazer a dimensão ético-política no campo de análise dando visibilidade ao jogo de forças que dá forma a determinados fenômenos e objetos. Dentre as forças foi possível detectar, na análise do processo de trabalho da equipe em questão, a força hegemônica que

“atravessa” a produção de cuidado em saúde mental, como o modo médico

centrado e o discurso psiquiátrico que transforma modos de vida singulares em

transtorno mental tendo como efeito a medicalização da diferença. Mas também foi

possível detectar algumas linhas de fuga, como um modo equipe de operar e

problematizar o cuidado.

(6)

Abstract

This present document is a graduation work for the Psychology course at

Universidade de Taubaté. It's objectives are to comprehend, problematize and

delimit misconceptions and good practices in mental health in SUS's basic attention,

from the analysis of episode 7 from the Universal Channel's TV series

Unidade Básica. This episode concerns about a mental health event attended by a basic

health unity on the outskirts of a large city. The research methodology used in this

document is the cartography, because I understand that a research should bring

political and ethical dimensions in the field of analysis, giving visibility to the game of

forces that shapes certain objects and phenomena. It was possible to identify among

the forces, in the analysis of the work process of that team, the hegemonic force that

goes through the production of mental health care, such as the centered medical

mode and the psychiatric speech that transforms singular lifestyles into a mental

disorder, having as effect the medicalization of the difference. But it was also

possible to identify some escape lines, such as a team mode of operation and

problematizing care.

(7)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 8

1.1 PROBLEMA DE PESQUISA 10

1.2 OBJETIVOS 10

1.3 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA DO ESTUDO 11

2 MÉTODO 12 2.1 TIPO DE PESQUISA 12 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 14

3.1 O MODO HEGEMÔNICO DE PRODUÇÃO DO CUIDADO 14

3.2 REFORMA PSIQUIÁTRICA E ATENÇÃO PSICOSSOCIAL 15

3.2.1 História da Reforma Psiquiátrica no Brasil 15

3.2.2 Atenção Psicossocial 17

3.3 POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO BÁSICA 19

3.3.1 Princípios e Diretrizes 19

3.3.2 Organização do Processo de Trabalho 22

3.3.3 Ferramentas de Gestão do Cuidado 24

4 ANÁLISE DAS CENAS 27

4.1 CENA 01 27

4.1.1 Análise da cena 01 27

4.2 CENA 02 29

4.2.1 Análise da cena 02 30

4.3 CENA 03 32

4.3.1 Análise da cena 03 32

4.4 CENA 04 34

4.4.1 Análise da cena 04 35

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 37

REFERÊNCIAS 39

(8)
(9)

1 INTRODUÇÃO

Atualmente o tema da Saúde Mental está em destaque tanto pela “epidemia”

do consumo do Crack, quanto por outros fatores como o aumento do índice de suicídios e do número de pessoas que apresentam algum tipo de sofrimento psíquico comum, como irritabilidade, ansiedade, depressão, insônia, e queixas somáticas. Segundo ONOKO & GAMA (2008), estes sintomas chamados Transtornos Mentais Comuns, caracterizam-se pelo fato de não preencherem os critérios formais para diagnóstico de ansiedade e depressão, porém, “trazem uma incapacidade muitas vezes pior do que quadros crônicos já bem estabelecidos”

(ONOKO & GAMA, 2008, p 222).

Segundo documento intitulado “Saúde Mental na Atenção Básica: o vínculo e os diálogos necessários – Inclusão de ações de Saúde Mental na Atenção Básica”

emitido, em novembro de 2003, pela Coordenação de Saúde Mental e Coordenação de Gestão da Atenção Básica estima-se que 3% da população (5 milhões de pessoas) necessita de cuidados contínuos (transtornos mentais severos e persistentes), e mais 9% (totalizando 12% da população geral do país – 20 milhões de pessoas) precisam de atendimento eventual (transtornos menos graves). Em relação aos transtornos decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas, a necessidade de atendimento regular atinge a cerca de 6% a 8% da população, embora existam estimativas ainda mais elevadas.

O Brasil desenvolveu uma Política Nacional de Saúde Mental consistente e fruto de uma ampla mobilização social. O debate sobre a assistência psiquiátrica ganhou domínio público no final dos anos 70, diante de um contexto histórico marcado pela retomada dos movimentos sociais, de onde surge o movimento da reforma psiquiátrica. Como desdobramento desta reforma foi consolidada uma rede de serviços substitutivos com base territorial denominadas Centro de Atenção Psicossocial, os CAPS.

Os Centros de Atenção Psicossocial foram regularizados pela portaria n º

336 GM, de 19 de fevereiro de 2002, ampliando o seu funcionamento e

complexidade, integrando-se ao SUS como dispositivos estratégicos para a

organização da rede de atenção em saúde mental.

(10)

ONOKO & GAMA (2008) apontam que esta Política mostra-se eficaz em relação aos portadores de Transtorno Mental Severo e Persistente, por meio dos equipamentos substitutivos, programas de transferências de renda e moradias protegidas, constituindo-se uma rede de proteção, tratamento e reinserção social, porém o mesmo não acontece com as demandas menos graves, mostrando a fragilidade e necessidade de articulação de uma rede assistencial mais consistente e abrangente, destacando a dificuldade de integração da rede Caps e a Atenção Básica (ONOKO & GAMA, 2008, p. 223).

Muitos destes apontamentos são efeitos de algumas distorções produzidas ao longo dos anos destacando o equívoco de resumir as ações de um processo de reforma psiquiátrica à criação e implantação de um equipamento de saúde substitutivo aos equipamentos asilares. Investir num processo de mudança tomando um equipamento pelo outro, no caso os hospitais psiquiátricos pelos Centros de atenção psicossocial, não significa transformar o modelo de atenção e gestão dos serviços de saúde mental na lógica do “Paradigma Psicossocial” (PPS) em detrimento do “Paradigma Psiquiátrico Hospitalocêntrico Medicalizador” (PPHM) (Costa-Rosa, 2011).

Assim sendo torna-se urgente conceber o atual desafio de transformação do modelo de atenção à saúde mental numa rede de serviços de saúde e intersetoriais.

Neste sentido foi instituído pela Portaria 3.088, de 23 de dezembro de 2011, a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Nesta portaria há a inclusão da atenção básica como um componente da Rede de Atenção Psicossocial.

Segundo ONOKO & GAMA (2008), a Política de Saúde Mental conseguiu

produzir ações e dar respostas a uma parte significativa da demanda, porém se

mostra insuficiente para outras demandas, também significativas, que muitas vezes

entram pela atenção básica, mas não são acolhidas. Este não acolhimento é

produto de vários fatores ligado a uma não escuta aos determinantes

socioeconômicos e questões ligadas à subjetividade contemporânea que por sua

vez são consequência da forma como estão organizados os serviços e que tipo de

demanda induzem, até a capacidade dos profissionais envolvidos nesta tarefa.

(11)

Sendo assim um dos desafios atuais da Política Nacional de Saúde Mental é o fortalecimento dos equipamentos de atenção básica como pontos de atenção da Rede de atenção psicossocial, promovendo o acolhimento e o cuidado integral ao usuário portador de um sofrimento psíquico, assim como cuidado compartilhado com outros serviços dependendo da gravidade e intensidade desse sofrimento. O presente documento tem como objetivo problematizar os desafios do cuidado em saúde mental na atenção básica a partir da análise do episódio 7 da série “Unidade Básica”, produzido pela Universal Channel.

1.1 PROBLEMA DE PESQUISA

A política Nacional de Saúde mental durante seus primórdios ficou centrada nos serviços substitutivos como os CAPS tendo como consequência a centralização do cuidado aos serviços de especialidade desresponsabilizando outros serviços, como os serviços da atenção primária, no cuidado à pessoa em sofrimento psíquico.

Esta centralização teve como efeito encaminhamentos desnecessários, longas filas de espera e uma alta medicalização, sendo que muitos aspectos do adoecimento são de origem sócio econômicas e não anátomo fisiológicas. Atualmente a Política de Saúde mental vem investindo no fortalecimento da atenção básica como equipamento primordial na produção de saúde mental da população o que exige uma série de mudanças, tanto no processo de trabalho das equipes, quanto na incorporação de ferramentas de cuidado em saúde mental. Sendo assim o problema de pesquisa é: como a atenção básica pode ser acolhedora e resolutiva com as demandas e necessidade de saúde mental do seu território? Levando em conta que a Atenção Básica é o primeiro contato da população com o SUS, desta forma, de que modo ocorre cuidado em saúde mental na Atenção Básica?

1.2 OBJETIVOS Objetivo Geral

Compreender, problematizar, e delimitar equívocos e boas práticas em saúde

mental na atenção básica do SUS, a partir da análise do episódio 7 da série Unidade

Básica da Universal Channel.

(12)

Objetivos Específicos

● Compreender as práticas em saúde mental na atenção básica a partir

do Ep.7 da série “Unidade Básica”;

● Discutir modelo hegemônico de cuidado em saúde mental;

● Identificar mudanças de práticas na atenção em saúde mental, a partir

dos princípios e diretrizes da atenção básica e da saúde mental.

● Delimitar ferramentas de gestão do cuidado em saúde mental na

atenção básica.

1.3 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA DO ESTUDO

Como apontado na introdução deste documento, a Política Nacional de Saúde Mental durante os últimos anos investiu na ampliação da Rede de serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos por meio da implantação dos Centros de atenção psicossocial. Porém como aponta ONOKO &GAMA a Política de Saúde Mental conseguiu produzir ações e dar respostas a uma parte significativa da demanda, focadas nos transtornos graves, porém se mostra insuficiente para outras demandas, também significativas como sofrimentos psíquicos leves mas que afetam uma grande parte da população, como ansiedade, insônia e depressão leve.

Assim sendo é de extrema relevância fortalecer a atenção básica como um ponto

estratégico da rede de atenção psicossocial, nas suas diretrizes de coordenação do

cuidado e ordenação da rede assim como de ferramentas de gestão do cuidado.

(13)

2 MÉTODO

2.1 TIPO DE PESQUISA

A ciência moderna, assim como a maioria das nossas práticas, quando busca representar objetos por meio de construções universais, se fixa apenas no plano das formas, plano do instituído, onde a realidade já está organizada. Mas ao fixar- se neste plano é como se tirasse uma fotografia, destituindo de temporalidades as formas que sempre estão em mutação, pois sempre estão em relação com o plano das forças. “As formas resultam dos jogos de forças e correspondem a coagulações, a conglomerados de vetores” (Escóssia, Tedesco, 2009, p. 94).

Assim sendo o tipo de pesquisa escolhido é a cartografia, pois parto da perspectiva de que uma pesquisa deve trazer uma dimensão ética e política das questões contemporâneas, buscando no seu processo mais do que dar visibilidade às formas instituídas de determinados fenômenos e objetos, denunciar às forças que estão em jogo na produção das formas, assim como os processos de subjetivação enquanto efeitos deste embate. Processos de subjetivação que produzem formas de ser, estar e narrar o/no cotidiano. O desafio do método cartográfico é justamente a investigação de formas, porém indissociadas de sua dimensão processual, ou seja, do plano coletivo das forças que agem sobre o movimento do objeto.

Se o plano pré-individual das forças está sempre presente ao lado do plano das formas, como potência para novas individuações, acessar o plano coletivo das forças é essencial à pesquisa cartográfica (Escóssia, Tedesco, 2009, p. 99).

Desta forma trata-se de uma pesquisa implicada, pois não só busca dizer de um jogo de forças mas se posiciona no combate pois este trabalho tem como objetivo compreender as forças que determinam o modo hegemônico de organização do processo de trabalho em saúde e da produção do cuidado, assim como “linhas de fuga”, ou seja, modos contra hegemônicos que desafiam as formas estabelecidas e que diz muito de como o poder circula nas práticas de saúde.

Como procedimento da pesquisa cartográfica usamos como referência o

episódio 07 da série Unidade Básica, que retrata o cotidiano de uma equipe de

atenção básica de saúde frente a um intervenção junto à uma família dita “anormal”.

(14)

Para efeito de análise delimitamos seis cenas do episódio que produziram uma afectação

1

em relação ao modo de cuidado em saúde mental.

Utilizei a categoria cena apropriando do que SCHAEDLER (2013) chama de paisagem na sua tese “Pedagogia Cartográfica: A estética das redes no setor da saúde como política cognitiva e ética do ensino-aprendizagem em coletivos”:

As paisagens, antes de serem ilustrações e recortes da realidade ou declarações da verdade, fazem parte de universos e narrativas possíveis. Se aproximam mais de nuvens ou névoas de imagens virtuais. O que importa é que são narrativas que podem: podem ter acontecido ou estar acontecendo, agora mesmo enquanto lemos...

Podem se constituir em acontecimentos – na medida em que acontecimentos são potências de afecção.

Pedacinhos de vidas possíveis. Não têm ordem cronológica, nem título, nem se propõem a serem cenários para explicações, mas para exploração. São paisagens que indicam os universos de afecção e apontam as implicações ético-políticas para a educação na saúde. (p.24)

1 “Em meio a uma diversidade de afetos vivenciados, se percebe que alguns nos convocam à pesquisa, tentar entender mais, falar sobre. A expectativa, vontade de vivenciar traz afeto, e é exatamente nesta experiência que causa afeto, que a pesquisa acontece” (LAZZAROTTO; CARVALHO, 2012, p. 24).

(15)

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 O MODO HEGEMÔNICO DE PRODUÇÃO DO CUIDADO

Bezerra (2001) tece uma crítica à clínica psicossocial, partindo do princípio que já é sabida e vencida a luta que se travara entre o ideológico de práticas manicomiais, carcerárias, asilares, e as práticas de um novo cuidado psi, que pensam o indivíduo vinculado a seu meio e em relação. Em sua crítica, Bezerra fala que ainda que a clínica psicossocial parta desta concepção pós reforma psiquiátrica, ela muitas vezes age a partir de algum modelo normativo, partindo sua análise do sujeito tendo um horizonte previamente estabelecido como parâmetro de que seria adequado. Na perspectiva do autor, uma clínica mais adequada permite compreender o sujeito a partir da pluralidade que a cultura e as diversas possibilidades de subjetividades oferecem, uma clínica que permite que o sujeito se expresse, se sinta e se produza a partir de sua perspectiva sem que isso seja julgado como certo ou errado, normal ou patológico, e a partir daí sim, se pensa clínica, novas propostas assistenciais e novas formas de se constituir equipe.

A prática médica foi identificada com a prática científica e os médicos tornaram-se os detentores de um saber que pode ser verificado “cientificamente”.

Assim, esses profissionais tiveram seu poder fortalecido na sociedade, ocorrendo uma desqualificação dos outros saberes e práticas curadoras tradicionais, como a medicina chinesa, a homeopatia, o saber popular, entre outros, ao identificá-los como “não-científicos” e, por isso, ineficazes (LUZ, 1988 apud BRASIL, 2005).

As pessoas buscam por cuidado, porém o profissional está voltado para a queixa, diagnosticar e tratar uma doença. Além disso, o modelo de pensamento predominante, orientado por uma racionalidade científica, considera que a

“verdade” sobre as doenças está na alteração dos tecidos, na alteração da anatomia e funcionamento dos órgãos do corpo. A prática em saúde, particularmente a médica, estrutura-se então para a identificação e eliminação das lesões do corpo

“doente” e, por pretender ser científica, pela busca da objetividade, da precisão e da exatidão (CAMARGO, 1992,1993 apud BRASIL, 2005

3

).

As práticas Hegemônicas em saúde também costumam trazer lógicas

Tayloristas na organização do processo de trabalho das equipes, CAMPOS (1998)

discute o conceito:

(16)

A Teoria Geral da Administração, o taylorismo em particular, coloca-se a tarefa de administrar pessoas como se elas fossem instrumentos, coisas ou recursos destituídos de vontade ou de projeto próprio. Faz parte da cultura tradicional da maioria das Escolas da Administração o objetivo explícito de disciplinar o trabalhador, quebrar-lhe o orgulho, a autonomia e a iniciativa crítica. Delegando a padrões, normas e programas a função de operar o trabalho cotidiano daqueles encarregados de executar ações. Algumas Escolas apostaram mais em controles disciplinares para realizar este intento, bastaria-lhes a domesticação do comportamento dos trabalhadores; outras, entretanto, mais modernas e com pensamento mais estratégico, inventaram modos para modificar a subjetividade dos sujeitos, ganhar-lhes a alma.

(p.865)

3.2 REFORMA PSIQUIATRICA E ATENÇÃO PSICOSSOCIAL 3.2.1 História da Reforma Psiquiátrica Brasileira

O Brasil desenvolveu uma Política Nacional de Saúde Mental consistente e fruto de uma ampla mobilização social. O debate sobre a assistência psiquiátrica ganhou domínio público no final dos anos 70, diante de um contexto histórico marcado pela retomada dos movimentos sociais, de onde surge o movimento da reforma psiquiátrica.

Nos anos 80 manteve-se a preocupação em sintonizar o movimento da reforma psiquiátrica com o contexto histórico, articulando-se com outros setores sociais a fim de ampliar a discussão e promover ações. Segundo YASUI (1999), “a luta pela transformação da saúde mental passou, portanto, para uma luta maior pela transformação da saúde e da sociedade” (YASUI, 1999). Esta década foi marcada pelas realizações de inúmeros encontros, plenárias, congressos de profissionais que atuavam nos serviços de assistência psiquiátrica (de onde foram tiradas várias propostas), a criação do SUS (Sistema Único de Saúde), e a incorporação de setores da própria população (usuários e familiares) na construção de um projeto comum, além da eleição, por eleições diretas, de governos progressistas e populares, em São Paulo, tanto no âmbito estadual, como no municipal, o que possibilitou ações no campo da saúde mental e da saúde como um todo.

Essas experiências instituintes consolidaram-se e foram criadas oficialmente

a partir da portaria GM 224/92 onde eram definidas como “unidades de saúde locais/

(17)

regionalizadas que contam com uma população adscrita definida pelo nível local e que oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar, em um ou dois turnos de quatro horas, por equipe multiprofissional”.

O Centro de Atenção Psicossocial foram regularizados pela portaria n o 336 GM, de 19 de fevereiro de 2002, ampliando o seu funcionamento e complexidade, integrando-se ao SUS como dispositivos estratégicos para a organização da rede de atenção em saúde mental.

Segundo LUZIO:

O CAPS têm como proposta clínica a prática centrada na vida diária da instituição, de modo a permitir o estabelecimento de rede de sociabilidade capaz de fazer emergir a instância terapêutica. Busca-se, portanto, a criação de espaços coletivos, de espaços concretos destinados à circulação da fala e da escuta, da experiência, da expressão, do fazer concreto e da troca, do desvendamento de sentidos, da elaboração e da tomada de decisão.(LUZIO, 2003; p. 84).

Esta proposta clínica rompe com o modelo que têm a doença como erro, distúrbio, cujo tratamento seria a pura remissão de sintomas, através de práticas morais, mecanicistas, homogeneizadoras e burocratizadas.

A décima edição do “Saúde Mental em Dados”, de março de 2012 apresenta um quadro geral da rede de atenção apontando que:

Com o cadastramento de 122 novos CAPS, entre eles 5 CAPSad 24h, a cobertura nacional em saúde mental chegou a 72% (considerando‐se o parâmetro de 1 CAPS para cada 100.000 habitantes), com 1742 CAPS.

A Rede de Atenção Psicossocial conta ainda com 625 Residências Terapêuticas, 3.961 beneficiários do Programa De Volta Para Casa, 92 Consultórios de Rua e 640 iniciativas de inclusão social pelo trabalho de pessoas com transtornos mentais. (BRASIL, 2012, p.4)

(18)

3.2.2 Atenção Psicossocial

Amarante (2003) se refere ao movimento de reforma psiquiátrica, considerando-a como um processo em quatro dimensões sendo a primeira o campo epistemológico ou teórico-conceitual, que seriam as questões que envolvem a produção de conhecimento científico, que vão fundamentar e legitimar o saber e o fazer psiquiátrico. A segunda dimensão é a técnico-assistencial que se refere a qual modelo assistencial seria possível se colocar em prática mediante o entendimento que a loucura traria incapacidade de razão e juízo ao dito louco, vindo portanto discutir o isolamento e os sentidos primeiros da técnica como função curativa da loucura. A terceira dimensão prevista por Amarante diz respeito ao campo jurídico/político, por a psiquiatria historicamente ter relacionado a loucura a diversas questões como periculosidade, irracionalidade, irresponsabilidade civil e incapacidades, logo, esta dimensão vêm debater e reconstruir a relação entre o conceito de loucura e relações sociais no que diz respeito a direitos humanos civis e sociais. E por fim Amarante (2003) descreve a quarta dimensão do processo de reforma psiquiátrica, que é a sociocultural. A partir do imaginário social criado sobre a loucura, proveniente da ideologia psiquiátrica que influiu o senso comum, a loucura foi relacionada a incapacidade de produzir trocas sociais e simbólicas, desta forma, a dimensão sociocultural diz respeito a transformação do entendimento sobre a loucura no senso comum, transformando a relação entre sociedade e loucura. A transformação do lugar social da loucura talvez seja a expressão maior dos objetivos de uma reforma psiquiátrica.

Existe uma hipótese de que a instituição de Saúde Mental é efeito da luta de força entre dois paradigmas que configuram os processos de produção na Atenção do sofrimento psíquico: o “Paradigma Psiquiátrico Hospitalocêntrico Medicalizador”

(PPHM) e “Paradigma Psicossocial” (PPS).

COSTA-ROSA (2011) identifica a partir desses dois paradigmas dois subconjuntos de significantes que expressam a relação entre instituição e clientela, cada quais correspondentes aos paradigmas contraditórios que estão em ação nas instituições de saúde mental neste momento histórico.

O primeiro é o lócus depositário e de administração de suprimentos,

vinculado ao Paradigma Psiquiátrico Hospitalocêntrico Medicalizador (PPHM).

(19)

Neste a instituição reafirma o sentido dos significantes com que é designada, não apresentando nenhum movimento de descontrução/desistitucionalização.

Reproduz as relações sociais do modo capitalista de produção, marcada por relações verticalizadas de saber-poder, utilizando a medicalização como resposta aos impasses subjetivos e, até mesmo, sociais, repondo os indivíduos no processo de produção saúde-adoecimento, ou seja, repor na reprodução do capital e/ou consumo. Em contrapartida a esta “oferta de relação transferencial” a população toma a instituição como espaço depositário das suas queixas e agenciadora de suprimentos.

O segundo é o lócus de (inter)locução, se vincula ao Paradigma Psicossocial (PPS):

O PPS exige que se ponha em exercício outra lógica e outras ações decorrentes da ética que o constitui. A instituição 19 apresenta-se e se situa como instância de interlocução e de locução: o valor recai sobre a palavra, o diálogo, a intersubjetividade, o saber do sujeito;

abrem-se condições para a participação do sujeito na resolução dos seus problemas com um saber de criação consciente e inconsciente, e para a sua participação na definição dos modos de ser e funcionar da própria instituição. De lócus depositário e de suprimentos, transita-se na direção da função de instância de fala e escuta. Como efeito, recupera-se a dimensão da enunciação e da Demanda Social: é meta criar as condições complexas capazes de permitir que ressurjam, nas instituições, as pulsações desejantes e instituintes que, por definição, deram origem a queixas e pedidos e neles estão presentes. (COSTA-ROSA, 2011, p.75)

Neste paradigma busca-se reposicionar os indivíduos nos conflitos e contradições de que vieram se queixar.

A RAPS (Rede de Atenção Psico Social), segundo BRASIL (2013) tem como

objetivos ampliar o acesso à atenção psicossocial da população em geral, promover

a vinculação das pessoas que demandam cuidado em saúde mental e com

necessidades decorrentes do uso de drogas e suas famílias aos pontos de atenção,

e garantir a articulação e integração dos pontos de atenção das redes de saúde no

território, qualificando o cuidado por meio do acolhimento, do acompanhamento

contínuo e da atenção às urgências. Para tanto lança mão da integração de serviços

como, na Atenção Básica em Saúde, Unidade Básica de Saúde, Núcleo de Apoio a

(20)

Saúde da Família, Consultório na Rua, Apoio aos Serviços do componente Atenção Residencial de Caráter Transitório, Centros de Convivência e Cultura. Na Atenção Psicossocial Estratégica, Centros de Atenção Psicossocial, nas suas diferentes modalidades (CAPS I; CAPS II; CAPS III; CAPS AD, CAPS AD III; CAPS i).

Os CAPS são serviços especializados que oferecem tratamento diário e continuando a pessoas com problemas de saúde mental severos e persistentes e problemas relacionados ao uso abusivo de drogas que interferem nas diversas dimensões da vida (família, trabalho, educação, saúde etc.) Constituem-se em serviços subsntitutivos aos manicomios, sendo abertos, de base comunitária que funcionam segundo a lógica do território e fornecem atenção contínua às pessoas.

Devem produzir, em conjunto com o usuário e seus familiares, um Projeto Terapêutico Singular que acompanhe o usuário nos contextos cotidianos, promovendo e ampliando as possibilidades de vida e mediando suas relações sociais. (BRASIL 2013

,

p.112)

3.3 POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO BÁSICA

3.3.1 Princípios e Diretrizes

Segundo BRASIL (2017), os Princípios da Atenção Básica são Universalidade, Equidade e Integralidade:

Universalidade: possibilitar o acesso universal e contínuo a serviços de saúde de qualidade e resolutivos, caracterizados como a porta de entrada aberta e preferencial da RAS (primeiro contato), acolhendo as pessoas e promovendo a vinculação e corresponsabilização pela atenção às suas necessidades de saúde. O estabelecimento de mecanismos que assegurem acessibilidade e acolhimento pressupõe uma lógica de organização e funcionamento do serviço de saúde que parte do princípio de que as equipes que atuam na Atenção Básica nas UBS devem receber e ouvir todas as pessoas que procuram seus serviços, de modo universal, de fácil acesso e sem diferenciações excludentes, e a partir daí construir respostas para suas demandas e necessidades.

Equidade: ofertar o cuidado, reconhecendo as diferenças nas condições de vida e saúde e de acordo com as necessidades das pessoas, considerando que o direito à saúde passa pelas diferenciações sociais e

(21)

deve atender à diversidade. Ficando proibida qualquer exclusão baseada em idade, gênero, cor, crença, nacionalidade, etnia, orientação sexual, identidade de gênero, estado de saúde, condição socioeconômica, escolaridade ou limitação física, intelectual, funcional, entre outras, com estratégias que permitam minimizar desigualdades, evitar exclusão social de grupos que possam vir a sofrer estigmatização ou discriminação; de maneira que impacte na autonomia e na situação de saúde.

Integralidade: É o conjunto de serviços executados pela equipe de saúde que atendam às necessidades da população adscrita nos campos do cuidado, da promoção e manutenção da saúde, da prevenção de doenças e agravos, da cura, da reabilitação, redução de danos e dos cuidados paliativos. Inclui a responsabilização pela oferta de serviços em outros pontos de atenção à saúde e o reconhecimento adequado das necessidades biológicas, psicológicas, ambientais e sociais causadoras das doenças, e manejo das diversas tecnologias de cuidado e de gestão necessárias a estes fins, além da ampliação da autonomia das pessoas e coletividade. (p.6)

O PNAB (BRASIL, 2017) também traz as diretrizes que devem ser empregadas na Atenção Básica:

Regionalização e Hierarquização dos pontos de atenção da RAS. A primeira condiz a um recorte espacial estratégico (redes de saúde) a fim de planejar, organizar e gerir redes de ações e serviços de saúde em determinada localidade;a segunda refere-se à forma de organização de pontos de atenção da RAS entre si, com fluxos e referências estabelecidos.

Territorialização e Adstrição visam permitir o planejamento, a programação descentralizada e o desenvolvimento de ações setoriais e intersetoriais focando em um território específico, impactando na saúde das pessoas e coletividades que constituem aquele espaço e estão, portanto, adstritos a ele.

Território remete a unidade geográfica única, de construção descentralizada do SUS na execução das ações estratégicas destinadas à vigilância, promoção, prevenção, proteção e recuperação da saúde. Busca-se dinamizar a ação em saúde pública mediante estudo multivariado possibilitando uma ampla visão de cada unidade geográfica e subsidiando a atuação na AB a fim de atender a necessidade da população adscrita e ou as populações específicas.

População Adscrita é a população inserida no território da Unidade Básica de Saúde (UBS), de forma a estimular o desenvolvimento de relações de vínculo e

(22)

responsabilização entre as equipes e a população, garantindo a continuidade das ações de saúde e a longitudinalidade do cuidado.

Cuidado Centrado na Pessoa aponta para o desenvolvimento de ações de cuidado de forma singularizada, que auxilie as pessoas a desenvolverem os conhecimentos, aptidões, competências e a confiança necessária para gerir e tomar decisões embasadas sobre sua própria saúde e seu cuidado de saúde de forma mais efetiva. O cuidado é construído com as pessoas, de acordo com suas necessidades e potencialidades na busca de uma vida independente e plena. A família, a comunidade e outras formas de coletividade são elementos relevantes, muitas vezes condicionantes ou determinantes na vida das pessoas e, por consequência, no cuidado.

Resolutividade reforça a importância da Atenção Básica ser resolutiva, utilizando e articulando diferentes tecnologias de cuidado individual e coletivo, por meio de uma clínica ampliada capaz de construir vínculos positivos e intervenções clínica e sanitariamente efetivas, centrada na pessoa, na perspectiva de ampliação dos graus de autonomia dos indivíduos e grupos sociais. Deve ser capaz de resolver a grande maioria dos problemas de saúde da população, coordenando o cuidado do usuário em outros pontos da RAS, quando necessário.

Longitudinalidade do cuidado pressupõe a continuidade da relação de cuidado, com construção de vínculo e responsabilização entre profissionais e usuários ao longo do tempo e de modo permanente e consistente, acompanhando os efeitos das intervenções em saúde e de outros elementos na vida das pessoas, evitando a perda de referências e diminuindo os riscos de efeitos adversos resultantes do tratamento médico decorrentes do desconhecimento das histórias de vida e da falta de coordenação do cuidado.

Coordenar o cuidado refere-se à elaboração, acompanhamento e organização do fluxo dos usuários entre os pontos de atenção das RAS. Atuando como o centro de comunicação entre os diversos pontos de atenção, responsabilizando-se pelo cuidado dos usuários em qualquer destes pontos através de uma relação horizontal, contínua e integrada, com o objetivo de produzir a gestão compartilhada da atenção integral.

Articulando também as outras estruturas das redes de saúde e intersetoriais, públicas, comunitárias e sociais.

Ordenar as redes objetivando reconhecer as necessidades de saúde da população sob sua responsabilidade, organizando as necessidades desta população em relação aos outros pontos de atenção à saúde, contribuindo para que o planejamento das ações, assim como, a programação dos serviços de saúde, parta das necessidades de saúde das pessoas.

(23)

Participação da comunidade a fim de estimular a participação das pessoas, a orientação comunitária das ações de saúde na Atenção Básica e a competência cultural no cuidado, como forma de ampliar sua autonomia e capacidade na construção do cuidado à sua saúde e das pessoas e coletividades do território.

Considerando ainda o enfrentamento dos determinantes e condicionantes de saúde, através de articulação e integração das ações intersetoriais na organização e orientação dos serviços de saúde, a partir de lógicas mais centradas nas pessoas e no exercício do controle social. (p.6 e 7)

3.3.2 Organização do Processo de Trabalho

Há problemas graves para o financiamento dos sistemas de saúde - o modelo de atenção predominante é insuficiente às necessidades da população, que também está insatisfeita com a relação com os profissionais da saúde. (BRASIL, 2005

2

)

Tradicionalmente, o Ministério e as Secretarias de Saúde trabalham com as políticas de saúde de modo fragmentado: gestão separada da atenção, atenção separada da vigilância e cada uma delas dividida em tantas áreas técnicas quanto são os campos de saber especializado. (BRASIL, 2005

2

)

A fragmentação do trabalho traz desinteresse, à alienação e à desresponsabilização do profissional aos resultados finais. O trabalho mecânico se dá à custa de mecanismos coercitivos além de uma moralização diferencial do trabalho dos profissionais, particularmente dos médicos. Com isso, o saber e as práticas dos demais trabalhadores acabam ficando subordinados ao saber e às práticas médicas. (BRASIL, 2005

2

)

À gestão corresponde todo o conjunto de ações de governo com o objetivo de manter a articulação funcional das partes com o todo geralmente expresso em uma estrutura vertical de poder. (BRASIL, 2005

2

)

Um sistema de saúde usuário-centrado somente pode ser construído com

trabalhadores dispostos a acolher, responsabilizar-se e cuidar. Essa disposição

precisa ser construída e, para tanto, faz-se necessária a construção de contratos

coletivos em defesa da vida; é preciso ter trabalhadores e unidades que possibilitem

invenção e criação; é preciso ter trabalhadores e unidades que possam contar com

o apoio necessário para enfrentar com responsabilidade situações que extrapolam

(24)

sua governabilidade; é preciso fazer política de saúde orientada ao fortalecimento da capacidade de resposta de gestores e trabalhadores diante das circunstâncias de seu contexto. (BRASIL, 2005

2

)

Na práticas em saúde, os trabalhadores são produtores de saúde, assim integrando com o consumidor (usuário), enquanto estão produzindo os procedimentos que serão consumidos pelo usuário no momento em que são produzidos. Nesse sentido, o trabalho nessa área é fundamentalmente caracterizado como relacional, ou seja, acontece mediante a relação entre um trabalhador e o usuário, seja ele individual ou coletivo. As relações que se estabelecem apresentam uma finalidade: a saúde. (BRASIL, 2005

2

)

Todo ator em situação de governo encontra diante de si outros atores que também governam e disputam com ele a direcionalidade da ação mediante normas e regras instituídas – o que cria um ambiente de tensões pela polaridade entre autonomia e controle. Para tanto, o gestor utiliza de recursos dos quais dispõe para aumentar sua governabilidade e deve buscar construir um espaço de possibilidades para a elaboração de estratégias que levem os trabalhadores a utilizarem seu espaço privado de ação em favor do interesse público (dos usuários) disparando novos processos de produção de saúde, novos desafios às práticas e conceitos dominantes e novas relações de poder. (BRASIL, 2005

2

)

O território das práticas de saúde é um espaço de múltiplas disputas e de constituição de políticas desenhado a partir da ação de distintos atores e suas relações de poder. A solução é fazer os interesses dos usuários por meio do controle social e da pactuação política. (BRASIL, 2005

2

)

A produção de atos de saúde é um terreno do trabalho vivo (isto é, predominam as tecnologias leves – relacionais – em detrimento das tecnologias duras – equipamentos e saberes estruturados). Isso acontece porque tal produção opera com altos graus de incerteza e com grau não desprezível de autonomia dos trabalhadores. É exatamente essa característica que abre grandes possibilidades para estratégias que possibilitam a construção de novos valores, compreensões e relações, pois há espaço para a invenção. (BRASIL, 2005

2

)

Frequentemente no processo de trabalho em saúde a relação, o diálogo e a

escuta são colocados em segundo plano ao priorizar um processo de trabalho

centrado no formulário, protocolos, procedimentos, como se esses fossem um fim

(25)

em si mesmos. O resultado último que se pretende é o de reduzir o sofrimento, melhorar a qualidade de vida, criar autonomia nas pessoas para viverem a vida.

(BRASIL, 2005

2

)

3.3.3 Ferramentas de Gestão do Cuidado

Brasil (2017) aponta que dentre as diversas características do processo de trabalho na AB temos a resolutividade, a qual se entende pela capacidade de identificar e intervir nos riscos, necessidades e demandas de saúde da população, atingindo a solução de problemas de saúde dos usuários. Para tanto, é necessário o uso de diferentes tecnologias e abordagem de cuidado, como as ferramentas da clínica ampliada, gestão da clínica e promoção da saúde.

Entende-se por ferramentas de gestão clínica um conjunto de tecnologias de microgestão do cuidado destinado a promover uma atenção à saúde de qualidade, como protocolos e diretrizes clínicas, plano de ação, linhas de cuidado, projetos terapêuticos singulares, genograma, ecomapa, gestão de listas de espera, auditoria clínica, indicadores de cuidado, entre outras. Para a utilização dessas ferramentas, deve-se considerar a clínica centrada nas pessoas; efetiva, estruturada com base em evidências científicas; segura, que não cause danos às pessoas e aos profissionais de saúde; eficiente, oportuna, prestada no tempo certo; equitativa, de forma a reduzir as desigualdades e que a oferta do atendimento se dê de forma humanizada. (BRASIL, 2017)

O Projeto Terapêutico Singular é uma forma de organização da gestão do cuidado, instituída no processo de trabalho em saúde entre as equipe da Atenção Básica. Trata-se de uma ferramenta de organização e sistematização do cuidado constituído pela equipe de saúde e usuário que precisa considerar a singularidade do sujeito e a complexidade de cada caso, sendo um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas para um indivíduo, família ou coletivo, que tem como resultado a discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar, com apoio matricial se necessário. (BRASIL, 2013)

Entende-se projeto como uma ferramenta assistencial que ao ser construída

deve ter como meta final ir além da formulação da ação, visando a transformação

da realidade em questão. Terapêutico porque tem como proposta de intervenção

(26)

o dever de compreender para além das patologias ou distúrbios da saúde.

Considera- se que os problemas dos indivíduos, grupos ou comunidades são processos que envolvem diversos setores condicionantes. E singular, pois expressa o foco da ação em torno da qual uma equipe é mobilizada em seu conjunto para pensar e encontrar possíveis respostas, devendo saber e reconhecer que esse foco pode ser relacionado em uma diversidade de outros focos ou problemas.

(BRASIL, 2017)

A utilização do PTS se constitui também em um dispositivo de gestão capaz de provocar processos de reflexão e ação nos trabalhadores de saúde, possibilitando a ressignificação e corresponsabilização de sua postura profissional e de suas práticas à luz das realidades institucionais e comunitárias onde estão inseridos, na perspectiva do compartilhamento de saberes e responsabilidade.

(BRASIL, 2017)

O PTS é elaborado a partir de uma análise com toda a equipe para entender todas as dimensões do sujeito, considerando todas as visões sobre ele. É um processo dinâmico que precisa manter em seu horizonte um caráter provisório dessa construção, devido ao fato das relações entre os profissionais e o usuário estarem constantemente se transformando. (BRASIL, 2017)

Existem quatro momentos para a formação do projeto: o diagnóstico situacional, a definição de metas, a divisão de responsabilidades e a reavaliação. O diagnóstico situacional refere-se à identificação das necessidades, demandas, vulnerabilidades e potencialidades mais relevantes de quem busca ajuda. Além das dimensões subjetivas, também é necessário reconhecer o contexto social e histórico em que se inserem a pessoa, a família, o grupo ou o coletivo ao qual está dirigido o PTS. A definição de metas é entendida como irão se formar as questões as quais se podem intervir. A operação deste processo se dá por meio de uma comunicação sensível e das combinações entre o técnico de referência e a equipe e pelo técnico de referência com a pessoa, família grupo ou coletivo. É importante fazer projeções de curto, médio e longo prazo.

A divisão de responsabilidades envolve a definição clara e a atuação do

técnico de referência por meio do esclarecimento do que vai ser feito, por quem e

em que prazos. O técnico tem a responsabilidade de coordenar o PTS, suas tarefas,

metas e prazos por meio do acompanhamento, articulação, negociação pactuada e

(27)

reavaliação do processo com a pessoa, seus familiares, a equipe de saúde e outras instâncias que sejam necessárias. E por fim, a reavaliação deve ser sistemática, agendada com a equipe e a pessoa cuidada. Deve ser realizada em vários momentos os quais incluem encontros entre a pessoa cuidada, seus familiares e o técnico de referência, além das reuniões de equipe e as reuniões ampliadas com outros serviços e instituições implicados no PTS.

É necessário observar aspectos importantes como a escolha dos casos para reuniões de PTS, escolhendo os usuários ou famílias em situações mais graves e difíceis; as reuniões para a discussão de PTS, reservando um tempo fixo, semanal ou quinzenal para as reuniões exclusivas do PTS; o tempo do PTS; a mudança e as diferenças, conflitos e contradições.

Finalmente, algumas considerações precisam ser estabelecidas sobre o

PTS: é importante fazer junto e não pelo outro, buscar resoluções com e não para

o outro, ofertar contatos, encontros e momentos de conversa, seja nos espaços dos

serviços, na rua ou no domicílio das pessoas e oportunizar o vínculo e a formação

de algo em comum. O caminho do usuário ou do coletivo é somente dele, sendo ele

quem dirá se e quando quer ir, negociando ou rejeitando as ofertas da equipe de

saúde.

(28)

4 ANÁLISE DAS CENAS 4.1 CENA 01:

Após uma visita domiciliar feita pelo ACS (Agente Comunitário de Saúde) Malaquias à casa da família de Joel, a enfermeira e coordenadora da Unidade de Saúde, Beth, convoca a equipe para uma reunião para discutir o caso. Beth pede para Malaquias falar sobre o caso por fazer parte da área de abrangência onde ele atua como ACS, então Beth faz algumas perguntas para expor o caso à equipe, como, ‘quem mora na casa e como é o ambiente?’. Malaquias expõe que na casa moram o casal e dois filhos e que o ambiente é escuro, “sinistro” e com muitos objetos acumulados, principalmente materiais eletrônicos. Em seguida o médico Paulo questiona se ele chegou a falar com a família, Malaquias responde que não foi possível, pois eles estavam no meio de um “ritual” e pediram para voltar mais tarde. Beth então relata ter recebido um

email do pronto atendimento dizendo que

uma menina de 8 anos que mora na casa foi ao pronto atendimento com febre de 40 graus e sinais de Subnutrição, levada pelo irmão mais velho de 13 anos que não sabia sequer a data de nascimento dela. Malaquias ressalta que as informações que conseguiu colher sobre a família foi através dos vizinhos, que disseram que eles praticam “magia negra”. A reunião encerra quando Paulo se dispõe a acompanhar o ACS em uma segunda visita domiciliar, e Beth ressalta que a equipe precisa solucionar logo o caso, antes que envolva outras esferas como conselho tutelar, vigilância sanitária e ministério público.

4.1.1 Análise da Cena 01

A partir desta cena podemos compreender alguns aspectos positivo sobre a

produção do processo de trabalho da equipe, que se mostra horizontal e valorizador

do trabalho multiprofissional, tendo em vista o protagonismo do ACS nas falas sobre

o caso que diz respeito ao território de sua abrangência. Este processo é nomeado

como uma prática da micropolítica do processo de trabalho, onde se dá o

protagonismo do trabalhador da saúde em seu espaço de trabalho e relação,

organizando assim as ações em saúde, sendo elas individuais ou coletivas. (Brasil

2005)

(29)

Também compreende-se a reunião de equipe como um dispositivo indispensável e importantíssimo para a produção de cuidado em saúde, a reunião é o momento de compartilhamento de ideias, saberes, perspectivas e afecções a respeito de um caso, do processo de trabalho e de outras questões pertinentes à produção de saúde. Sobre o dispositivo reunião de equipe Brasil (2009) aborda que:

Para que a equipe consiga inventar um projeto terapêutico e negociá-lo com o usuário, é importante lembrar que reunião de equipe não é um espaço apenas para que uma pessoa da equipe distribua tarefas às outras. Reunião é um espaço de diálogo e é preciso que haja um clima em que todos tenham direito à voz e à opinião. Como vivemos numa sociedade em que os espaços do cotidiano são muito autoritários, é comum que uns estejam acostumados a mandar e outros a calar e obedecer.

(

p.55)

Quando a equipe consegue estabelecer um ambiente relacional propício para o uso adequado das reuniões de equipe, o processo de produção de cuidado é facilitado, se distanciando de produções hegemônicas tayloristas de organização do processo de trabalho. Segundo CAMPOS (1998):

A Teoria Geral da Administração, o taylorismo em particular, coloca-se a tarefa de administrar pessoas como se elas fossem instrumentos, coisas ou recursos destituídos de vontade ou de projeto próprio. Faz parte da cultura tradicional da maioria das Escolas da Administração o objetivo explícito de disciplinar o trabalhador, quebrar-lhe o orgulho, a autonomia e a iniciativa crítica. Delegando a padrões, normas e programas a função de operar o trabalho cotidiano daqueles encarregados de executar ações. Algumas Escolas apostaram mais em controles disciplinares para realizar este intento, bastaria-lhes a domesticação do comportamento dos trabalhadores; outras, entretanto, mais modernas e com pensamento mais estratégico, inventaram modos para modificar a subjetividade dos sujeitos, ganhar-lhes a alma. (p.865)

Quando se discute de forma multidisciplinar e horizontal um caso, a

discussão tende a partir de perspectivas mais amplas sobre o processo saúde-

doença, do que uma conduta definida e estabelecida por um único profissional,

partindo exclusivamente de sua perspectiva para analisar e estabelecer a conduta

a ser aplicada. Mais adiante na cena 3 e 4 será discutido uma situação onde a

(30)

conduta da equipe foi estabelecida de forma isolada, vertical e centrada num saber biomédico.

Outro ponto a ser ressaltado em relação a esta primeira cena é o papel do ACS na equipe. O agente comunitário é quem faz o primeiro contato com a comunidade através de visitas domiciliares, lançando mão de uma busca ativa.

Segundo Brasil (2017) o ACS busca compreender aspectos quanto aos contextos demográficos, sociais, culturais, ambientais e sanitários das famílias do território de sua abrangência e atuação, a fim de contribuir no processo de territorialização, assim como indicar a necessidade de internações domiciliares, mantendo a responsabilização pelo acompanhamento da pessoa e desenvolver e planejar junto a equipe ações a fim de integrar a equipe à população adscrita, considerando contextos e características das famílias.

4.2. CENA 02

Paulo e Malaquias retornaram à casa da família e durante a visita, na tentativa de examinar Lua, a filha mais nova, infringem as regras da casa e são violentamente expulsos de lá. Para reverter o vínculo rompido, contradizendo a conduta de denúncia do resto da equipe, Paulo tem a ideia de dar presente diplomático para Joel, um gramofone quebrado com um convite para uma reunião na unidade.

No dia da reunião à unidade a família se sente ameaçada por sinais de telefonia, alarmes, antenas

wifi e câmeras, Joel sente que sua mente está sendo

invadida por ondas eletro-cósmicas e decide ir embora com toda a família por suspeitar que a equipe de saúde quer capturar seu filho ainda em gestação, e dominar a mente de sua família.

Após o encontro frustrado Paulo percebe que Joel devolveu o gramofone concertado e entende este ato como um pedido de desculpas pela agressão na última visita domiciliar, mas Laura e a estagiária Samara não concordam compreendendo que o caso não terá solução via UBS, Samara entende que a melhor conduta é de medicalização e internação compulsória e Laura, que está à frente do caso, decide que encaminhará o caso para um psiquiatra.

Na reunião de matriciamento com Diógenes, o psiquiatra matriciador, sugere

um atendimento compartilhado, em que ele, Laura e a estagiária Samara

(31)

atenderiam Joel juntos, porém Laura argumenta que Joel não voltaria na unidade após o trauma da última reunião e então Diógenes sugere uma visita domiciliar que também não é viável pois por atuar em 3 unidades só voltaria a esta unidade em dois meses. Percebendo a impossibilidade do psiquiatra atuar no caso, Laura expõe que Joel está impedindo o atendimento da esposa gestante e o acompanhamento da gestação e Samara diz que por ser agressivo precisa ser medicado. Diógenes respondeu dizendo que não é possível definir nenhuma conduta sem ver o paciente e alerta que tomem muito cuidado seja qual for a conduta que forem tomar.

4.2.1. Análise da Cena 02

Entende-se as visitas domiciliares como uma importante ferramenta no processo de produção de cuidado, tanto em relação a compreensão dos contextos aos quais a família se insere, âmbitos social, econômico, cultural, costumes e dinâmicas familiares por exemplo, quanto a questão de fazer contato com a família em seu ambiente, trazendo uma compreensão mais ampla e real do contexto, e até no que se refere à produção de vínculo entre os profissionais de saúde e os usuários, questão essencial para o alcance de confiança e produção contextualizada de cuidado em saúde com a família. As visitas podem evitar por exemplo, condutas descontextualizadas em saúde, que não teriam efeitos de cuidado.

No caderno de atenção básica 34, saúde mental (BRASIL, 2013) explana-se

sobre questões a serem trabalhadas pela equipe nos momentos das visitas

domiciliares aos usuários com demandas de cuidado em saúde mental, dentre

essas se destacam por exemplo, identificar quem são os cuidadores da pessoa em

sofrimento psíquico e/ou uso de álcool e outras drogas, e procurando envolvê-los

na troca, entrevista e produção do planejamento do processo de cuidado. Traçar

com eles uma lista dos cuidados que a pessoa em sofrimento psíquico e/ou uso de

álcool e outras drogas recebe em casa, a fim de organizar essa lista de acordo com

prioridades discutidas e consensuadas entre os membros da equipe de saúde e

principalmente familiares e o próprio usuário. A partir desta listagem, elencar

cuidados que faltam ou apresentam defasagem, no que diz respeito ao próprio

usuário em sofrimento psíquico e à família, a depender do contexto e das demandas

que a envolvem. Buscar junto com a família identificar possíveis causas das

(32)

dificuldades e buscarem alternativas possíveis de serem alcançadas, definindo metas para a aplicação e solução das questões além de compreender e listar pessoas, grupos e instituições que compõem a rede social da família, a fim de se possível ou necessário, envolver outros atores no processo de cuidado.

Na cena 2, o médico Paulo e o ACS Malaquias lançam mão da visita domiciliar a fim de tentar compreender melhor as dinâmicas familiares, mediante aos poucos dados que Malaquias conseguiu coletar na primeira visita, e na tentativa de avaliar o estado de saúde de Lua. No decorrer da investigação acabaram por fragilizar o vínculo que ainda não havia estabelecido. Apesar da visita um tanto desastrosa, Paulo conseguiu compreender alguns aspectos da dinâmica familiar e conseguiu de alguma forma reestabelecer um vínculo através do presente e convite para uma reunião na Unidade. O Caderno Caminhos do Cuidado explica vínculo como uma ferramenta do processo de produção de cuidado:

Vínculo significa algo que ata ou liga as pessoas, indica relações com duplo sentido, compromissos de profissionais com os usuários e destes com os profissionais, portanto a criação de vínculos depende do movimento e desejo, tanto dos usuários, quanto da equipe. O vínculo é um dispositivo de intervenção que possibilita a troca de saberes entre o técnico e o popular, o objetivo e o subjetivo, contribuindo para construção de projetos terapêuticos elaborados na perspectiva da integralidade da atenção em saúde (BRASIL, 2013, p.55).

Posteriormente, na reunião, a confiança entre Joel e a equipe foi novamente quebrada fazendo com que Laura, médica responsável pelo caso, não aceitasse mais as propostas de Paulo, compreendendo que o caso não teria resolutividade apenas via UBS, recorrendo, via apoio matricial (psiquiatra Diógenes), o encaminhamento ao psiquiatra. Segundo Brasil (2017) recomenda-se às equipes a articulação e implementação de processos que aumentem sua capacidade clínica, como recorrer a serviços especializados, apoio matricial presencial, entre outros.

Não sendo possível o acompanhamento do psiquiatra no caso, Laura e Samara sozinhas prosseguem com o caso, a partir de uma conduta “normatizadora”

e “medicalizante” condizentes com as condutas hegemônicas da perspectiva

médico centrada que parte da perspectiva de solucionar o caso eliminando o

sintoma. Segundo o Caderno de atenção básica 34, saúde mental:

(33)

É preciso cuidado para que as intervenções de saúde não se transformem em regras rígidas, sob a consequência de que estas ações estejam apenas baseadas na remissão dos sintomas, descontextualizadas da vida do usuário e do território em que ele vive. É preciso que o usuário possa se perguntar sobre a relação do seu sofrimento com a manifestação sintomática que está acontecendo. Ainda que necessárias para alguns casos, nem sempre intervenções que se orientem diretamente à supressão dos sintomas estarão aliadas a uma intervenção positiva na vida do usuário.

(BRASIL, 2013, p.26)

4.3 CENA 03:

Laura e Samara vão visitar Joel que as recebe dizendo ter uma surpresa.

Desconfiada, Samara sai da casa dizendo também ter uma surpresa, mas a surpresa de Joel era um disco romântico que dá a Laura para ouvirem na Unidade de Saúde, no gramofone que ele havia consertado. Enquanto entrega o presente, Joel diz que em casa fica mais calmo, por estar sob a guarda de sua rede de proteção eletro-cósmica e ressalta que ninguém ali está sob risco. Neste momento Samara entra na casa com os enfermeiros que levam Joel internado, Laura lamenta a conduta antecipada e a família se desespera enquanto Joel é levado à força para a ambulância.

4.3.1 Análise da Cena 03

Bezerra (2001) tece uma crítica à clínica psicossocial, partindo do princípio

que já é sabida e vencida a luta que se travara entre o ideológico de práticas

manicomiais, carcerárias, asilares, e as práticas de um novo cuidado psi, que

pensam o indivíduo vinculado a seu meio e em relação. Em sua crítica, Bezerra fala

que ainda que a clínica psicossocial parta desta concepção pós reforma psiquiátrica,

ela muitas vezes age a partir de algum modelo normativo, partindo sua análise do

sujeito tendo um horizonte previamente estabelecido como parâmetro de que seria

adequado. Na perspectiva do autor, uma clínica mais adequada permite

compreender o sujeito a partir da pluralidade que a cultura e as diversas

possibilidades de subjetividades oferecem, uma clínica que permite que o sujeito se

expresse, se sinta e se produza a partir de sua perspectiva sem que isso seja

julgado como certo ou errado, normal ou patológico, e a partir daí sim, se pensa

clínica, novas propostas assistenciais e novas formas de se constituir equipe. Na

(34)

análise da cena em questão, percebemos que na atuação das profissionais, este debate sobre clínica psicossocial pós reforma não foi considerado, e se foi, a conduta partiu de parâmetros biomédicos do que seria adequado, saudável e

“normal”

A prática médica foi identificada com a prática científica e os médicos tornaram-se os detentores de um saber que pode ser verificado “cientificamente”.

Assim, esses profissionais tiveram seu poder fortalecido na sociedade, ocorrendo uma desqualificação dos outros saberes e práticas curadoras tradicionais, como a medicina chinesa, a homeopatia, o saber popular, entre outros, ao identificá-los como “não-científicos” e, por isso, ineficazes (LUZ, 1988 apud BRASIL, 2005).

As pessoas buscam por cuidado, porém o profissional está voltado para a queixa, diagnosticar e tratar uma doença. Além disso, o modelo de pensamento predominante, orientado por uma racionalidade científica, considera que a

“verdade” sobre as doenças está na alteração dos tecidos, na alteração da anatomia e funcionamento dos órgãos do corpo. A prática em saúde, particularmente a médica, estrutura-se então para a identificação e eliminação das lesões do corpo

“doente” e, por pretender ser científica, pela busca da objetividade, da precisão e da exatidão (CAMARGO, 1992,1993 apud BRASIL, 2005

3

).

No caso da conduta na cena em questão, o objetivo seria eliminar o comportamento “inadequado”, “perturbado”, “confuso” a partir de uma perspectiva normatizadora e de excluir, afastar o sintoma ou o “problema” do meio. E assim foi feito, excluindo o indivíduo “transtornado” do convívio familiar, acreditando que neutralizando seus pensamentos viria a solução para a família. No caso seria mais adequada a discussão junto a equipe de um projeto terapêutico.

Campos (1996)

apud Brasil (20053

) ressalta a importância dos projetos terapêuticos buscarem uma construção da autonomia do usuário em relação a sua

“doença”, aumentar sua capacidade de superar as limitações e dificuldades causadas pela relação com o problema de saúde, ser protagonista na produção da sua saúde. Ou seja, construir um processo de cuidado junto com o usuário, de forma que este compreenda sua situação e consiga com o auxílio da equipe, superar suas questões alcançando melhor qualidade de vida.

Também é importante ressaltar aqui a função da produção de vínculo na

construção de um projeto terapêutico que visa o cuidado integral do usuário, e a

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