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Tribunal da Relação de Lisboa Processo nº 4583/ Relator: FILOMENA CLEMENTE LIMA Sessão: 26 Outubro 2004 Número: RL Votação: UNANIMIDADE Meio Pro

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Tribunal da Relação de Lisboa Processo nº 4583/2004-5

Relator: FILOMENA CLEMENTE LIMA Sessão: 26 Outubro 2004

Número: RL

Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO

APROVEITAMENTO DE OBRA CONTRAFEITA

APROVEITAMENTO DE OBRA USURPADA

Sumário

Texto Integral

1. No âmbito do processo comum n. ... foi julgado, pelo tribunal singular, J., pronunciado pela prática, em autoria material, de um crime de

aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, p. e p. nos art.ºs 197º e 199º, do CDADC.

O arguido apresentou contestação escrita e indicou testemunhas.

Na contestação, invocou em síntese que, ao negociar com a empresa estrangeira, não tinha motivos de desconfiança acerca da idoneidade e honorabilidade da mesma.

À data em que a empresa inglesa vendeu as casas à sociedade por si representada, a obra ainda não se encontrava registada a favor de B.,

desconhecendo a empresa inglesa, que as casas regionais portuguesas fossem consideradas obra artística e nessa qualidade se encontrassem registadas, pelo que, a referida empresa não produzira as referidas casas de forma ilícita.

Também o arguido desconhecia que as casas regionais que importou e

comercializou se encontrassem registadas como obra artística, uma vez que, na data em que encomendou as casas à sociedade inglesa, o B. não havia ainda registado a obra a seu favor, não sendo assim ilícita a sua

comercialização.

Também não era do conhecimento do arguido, que a S., Lda., tivesse vendido à

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sociedade M., Lda., exemplares de casas regionais portuguesas em Novembro de 1993.

Realizado o julgamento, sem documentação da prova por as partes dela terem unanimemente prescindido, foi proferida sentença que :

- condenou o arguido J., como autor material, da prática de um crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, p. e p. no art. 199º, n º 1 e 197º, do CDADC, nas penas de 5 meses de prisão e de 170 dias de multa, substituindo a pena de 5 meses de prisão pela pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 12,00, o que perfaz o montante total de € 3.240,00 (três mil duzentos e quarenta euros);

- declarou perdidas a favor do Estado as casas identificadas a fls. 10 e a sua posterior destruição.

- condenou o arguido nas custas do processo, fixando-se em 2 UC o valor da taxa de justiça - art. 513º e 514º do C.P.P. e 74º, n º 1, 82º e 85º, n º 1, b) do C.C.J., acrescida de 1%, nos termos do n º 3, do art. 13º, do DL n º 423/91, de 30 de Outubro e Decreto Regulamentar n º 4/93, de 22 de Fevereiro; fixando- se em ¼ o valor da procuradoria – art. 514º, n º 1 do C.P.P. e 89º, n º 1, g) e 95º, n º 1 e 2 do C.C.J.

Inconformado com esta decisão, interpôs recurso o arguido motivando o mesmo com as conclusões:

a) A douta sentença recorrida não apreciou a prova produzida em audiência de julgamento, que deveria obrigatoriamente ter tomado em consideração,

violando por isso o princípio da livre apreciação da prova e do contraditório, consagrados respectivamente no art.º 127º do CPP e 32º nº5 do CRP.

b) O Tribunal ao não considerar na sua motivação que só apreciou parte do depoimento do arguido, está obrigado a validar todo o seu depoimento.

c) O Tribunal deveria ter considerado a impugnação do documento rasurado e os documentos juntos e apreciados em audiência (Pesquisa do INPI).

d) Não poderia ter dado como provado os pontos 10 e 11 com base no ponto 6, porque este é inconclusivo quanto a datas, ficando por isso a dúvida no ar neste ponto violando assim o princípio do “in dubio pro reo”.

e) A douta sentença enferma de erro de direito pela não aplicação do disposto no art.º 368º nº2 e 374º nº2 do CPP.

f) O Tribunal violou por erro na interpretação e por omissão da matéria de facto o art.º 14º do CP.

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g) As casas do queixoso não estão protegidas pelo direito de autor porque não revelam originalidade suficiente para se considerar obra artística, isto porque estão clara e definitivamente vinculadas à realidade.

h) São cópias em miniatura de casas há muito existentes em Portugal e que fazem parte do nosso património cultural comum,

i) A douta sentença violou por erro de interpretação o art.º 199º nº1 e 197º do CDADC.

j) A douta sentença, violou por omissão o art.º 174º do Código da Propriedade Industrial e o disposto nos Dec.- Lei 41/2001, de 2 de Setembro e o Dec.- Lei 110/02, de 16 de Abril, ao não enquadrar a matéria de facto provada no âmbito de protecção e enquadramento destes diplomas legais.

Por todo o exposto e com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, deverá ser dado provimento ao recurso, absolvendo-se o arguido do crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada em que foi condenado, ou declarar-se a nulidade do douto acórdão recorrido, assim, se fazendo a costumada JUSTIÇA

Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, respondeu a assistente Sociedade Portuguesa de Autores, concluindo :

1. O Tribunal recorrido fez uma criteriosa apreciação da prova, como se deduz da respectiva fundamentação, aplicando o direito aos factos.

2. E fê-lo no âmbito da sua livre convicção e de harmonia com o estatuído no dito art.º 127º do CPP.

3. Pelo que se deve concluir pela inexistência, na decisão recorrida, do apontado vício contemplado nos art.ºs 127.º do C.P.P. e 32.º da C.R.P..

4. Não assiste razão ao recorrente quando invoca o erro de direito pela não aplicação do disposto no art. 368.º, n.º 2 e 374.º, n.º 2 do C.P.P.,

designadamente no que respeita à discriminação dos factos e à fundamentação da sentença.

5. Estão claramente indicadas na sentença recorrida as provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

6. Pelo que não se verificam os requisitos da nulidade prevista no art. 379.º, al. a) do C.P.P..

7. A originalidade é a marca da personalidade resultante do esforço do autor;

nada tem que ver com a novidade requerida em matéria de propriedade industrial, que se mede objectivamente a partir do conceito de anterioridade.

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8. A Obra “Casas Portuguesas Tradicionais” de B. encontra-se certificada com a assinatura do autor e com a indicação do local de origem das que lhe

serviram de base, além de uma memória descritiva, com a explicação da origem da casa e sua integração histórico-social.

9. As “Casas Tradicionais Portuguesas” de B. são a súmula de todo um processo criativo, revestem novidade são únicas e originais

10. As “Casas Tradicionais Portuguesas” de B. são na sua expressão uma criação do espírito, com base no estudo, imaginação, saber e técnica do seu autor,

11. Independentemente da protecção relativa à Propriedade Industrial, uma Obra pode ser protegida pelos direitos de autor

12. As “Casas Tradicionais Portuguesas”, da autoria de B., são uma obra artística e como tal protegidas pela tutela dos direitos de autor.

13. O Arguido J. cometeu o crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, previsto e punido nos termos do art. 199.º, n.º 1 do CDADC, uma vez que:

a) Encontram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal;

b) Inexistem causas que excluam a ilicitude ou a culpa do Arguido;

c) A matéria em discussão nos presentes autos é tutelada pelo Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão proferida em Primeira Instância,

Assim se fazendo JUSTIÇA!

Também o MºPº respondeu ao recurso pugnando pela improcedência do mesmo por, em síntese, considerar que:

- tendo os intervenientes processuais prescindido da documentação da prova, não pode o recorrente invocar a violação do princípio da livre apreciação da prova, tendo o tribunal apreciado criticamente toda a prova produzida, inclusive o depoimento integral do arguido ;

- vistos os autos, em nenhum momento processual ter o arguido impugnado a validade do documento que afirma ter sido rasurado;

- as casas em miniatura do queixoso são uma obra artística e estão tuteladas pelo direito de autor.

2.

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2.1. O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas conclusões de recurso, reporta-se à apreciação :

1.- da errada e insuficiente apreciação da prova produzida feita pelo tribunal recorrido, nomeadamente do depoimento integral do arguido, em violação dos princípios da livre apreciação da prova, do contraditório e do “in dubio pro reo” e do alegado erro de direito pela não aplicação do disposto no art. 368.º, n.º 2 e 374.º, n.º 2 do C.P.P, subordinados pelo recorrente ao título da nulidade da sentença por não apreciação da matéria de facto com relevância para a boa decisão da causa.

2.- da errada decisão de direito provocada por erro e omissão da matéria de facto

3.- do errado enquadramento jurídico dos factos

2.1. São os seguintes os factos apurados pela decisão recorrida:

Factos provados:

1 - No dia 21 de Fevereiro de 1997, foram encontradas expostas para venda ao público, uma réplica da casa “Santana”, na papelaria Universal, três réplicas da casa “Loulé” e duas réplicas da casa “Milfontes”, no estabelecimento Anacletas, uma réplica da casa “Milfontes” na Lojinha, uma réplica da casa

“Santana” e duas outras da casa “Loulé”, na papelaria da Rua Marques Pólvora, n º 33, em Sesimbra, as quais foram objecto de apreensão.

2 – Essas casas são cópias dos modelos originais, existindo como únicas

diferenças as tonalidades das cores e a não existência da assinatura do autor e a menção do modelo.

3 – Quando expostas para venda ao público, são susceptíveis de serem confundidas com modelos originais.

4 – As “Casas Regionais Portuguesas” encontram-se inscritas na DGESP, como obra artística de B., desde 1 de Março de 1996.

5 – As casas referidas de 1 a 3, foram fornecidas pela Sociedade “A. C. & C., Lda.”, da qual o arguido é legal representante e director geral, indirectamente ou directamente, em 12-02-96, 27-05-96, 17-06-96 e 19-03-96.

6 – A Sociedade “A. C. & C., Lda.” adquiriu tais casas à Sociedade estrangeira

“H. G. L. & R. F., Importers, Ltd.”, em 11-01-96, que por sua vez as

encomendou e recebeu da “K. Internacional Corporation” em Agosto de 1995.

7 – A “S., Lda.”, de que B. era representante, vendeu à Sociedade “M. & F., Lda.”, com sede em Sesimbra, exemplares de casas regionais portuguesas, em Novembro de 1993.

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8 – O arguido adquiriu à empresa que B. representava, algumas casas

regionais, que vinham publicitadas numa revista, no ano de 1995, em Abril ou Outubro.

9 – Em 1995, o arguido adquiriu diversos exemplares de “Casas Regionais Portuguesas” a B., autor das mesmas.

10 – O arguido, ao adquirir à firma estrangeira referida, por preço

consideravelmente mais baixo e de inferior qualidade, pela cor mais esbatida, não conter assinatura do autor, a indicação do modelo e ser de diferente material, previu a proveniência e natureza contrafeita de tais casas e ao adquiri-las para revenda e vendê-las, fê-lo com intenção de obter lucros, que previu poderem ser ilícitos e estar assim a praticar um crime, com o que se conformou.

11 – Agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta não lhe era permitida.

12 - Como director geral da “A. C. & C., Lda.”, aufere mensalmente € 1.500,00, montante a que acrescem mensalmente cerca de € 1.500,00 de comissões de vendas.

13 - Vive com a esposa, que é sua colaboradora, e 3 filhos, encontrando-se dois ainda a estudar.

14 – Não foi efectuada mais nenhuma encomenda de casas tradicionais portuguesas pela “A. C. & C., Lda.”.

15 – A “A. C. & C., Lda.” recolheu as casas dos clientes que as quiseram devolver e procedeu à sua destruição.

16 - Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido.

Factos não provados:

17 - Que o arguido já tivesse visto expostas para venda, noutros estabelecimentos, em Sesimbra, casas da autoria de B..

Fundamentação da matéria de facto:

O tribunal formou a sua convicção na análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, designadamente:

1 – No relatório de fls. 10 e nas declarações das testemunhas ...., proprietárias dos estabelecimentos em causa, que tinham um conhecimento directo dos factos e os confirmaram.

2 e 3 – No relatório pericial de fls. 57 e nas próprias declarações do arguido e de B., que conheciam as casas em causa e que confirmaram tais factos.

4 – No documento de fls. 8.

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5 – Nos documentos de fls. 9, 32, 33, 34, 35, 38, 40, 41 a 44 e 66.

Nas declarações das proprietárias dos estabelecimentos referidos em 1, onde foram encontradas casas à venda, afirmando umas tê-las adquirido

directamente à A. C. & C, Lda., enquanto outras referiram terem-nas adquirido a J. Silva, tendo este, por sua vez, ao ser inquirido, referido ter adquirido tais casas à A. C. & C., Lda. e tê-las revendido às referidas clientes.

Quanto à relação existente entre o arguido e a sociedade em causa, resulta a prova da mesma da contestação apresentada pelo arguido e das declarações que prestou.

6 – Nos documentos de fls. 541 a 545 e nas declarações do arguido.

7 – Nas declarações das testemunhas..., sócios da M & F., Lda., e que de forma credível confirmaram os factos.

8 e 9 – Nos documentos de fls. 260 a 262 e nas declarações do arguido que confirmou tais factos, o mesmo tendo acontecido com B..

10 e 11 – No relatório pericial de fls. 57, conjugado com os documentos de fls.

260 a 262 e os documentos de fls. 9, 32, a 35, 38, 40, 41 a 44, 66 e 541 e ainda as declarações do arguido e de B., conjugadas com as regras da experiência.

Também em sede de direito, quando analisarmos o elemento subjectivo do tipo, fundamentaremos com mais precisão os factos dados como provados em 10 e 11.

12 e 13 – Nas declarações do arguido.

14 e 15 – Nas declarações do arguido e das testemunhas ...

16 - No CRC junto aos autos.

17 – Não foi produzida qualquer prova quanto a tal facto.

3.

3.1.

Existe uma certa confusão de conceitos na alegação do recorrente. Assim, alega o mesmo a nulidade da sentença por não apreciação da matéria de facto com relevância para a decisão da causa (fls. 573) para no desenvolvimento desse tema invocar que o tribunal não apreciou a prova produzida em julgamento.

Esta, pelo menos, aparente confusão entre conceitos, como os de prova e matéria de facto, não abona a favor da sua argumentação que se torna pouco compreensível. Porém, tanto quanto é possível concluir, o recorrente pretende que o tribunal recorrido não apreciou correcta e totalmente a prova

produzida, nomeadamente o depoimento integral do arguido que impugnou um documento comprovativo de uma encomenda que se mostra rasurado.

O recorrente coloca, assim em causa, a forma como o tribunal apreciou e

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valorou a prova produzida em audiência e como, a partir dessa valoração, formou a sua convicção e determinou a matéria de facto apurada.

Porém, não houve lugar a gravação nem a outra forma de documentação dos actos da audiência, por as partes terem prescindido de tal faculdade (cfr. acta de audiência de 9.2.2004 – fls. 547).

Não pode constituir objecto da apreciação por este Tribunal, a discordância do recorrente acerca da forma como o tribunal fixou a matéria de facto. No

campo da apreciação das provas, é livre a forma como o tribunal atinge a sua convicção.

Trata-se de emanação do princípio que vigora no nosso sistema processual penal, o princípio da livre apreciação da prova ou da livre convicção,

consagrado no art.º 127º do C.P.P., de acordo com o qual e, ressalvados os casos em que a lei dispuser diferentemente, " a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente".

“Significa basicamente uma ausência de critérios legais que predeterminem ou hierarquizem o valor dos diversos meios de apreciação das provas” ( Ac.

R.L. 1.6.94, CJ XIX, 3º, 157).

O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja

"vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório" ( Prof. Cavaleiro Ferreira, em Curso de Processo Penal, 1986, 1º vol., fls. 211).

Essa apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova ; tem como pressupostos valorativos a

obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.

Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida , temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da “liberdade para a objectividade”( Rev. Min.

Públ., 19º,40).

Também a este propósito, salienta o Prof. Figueiredo Dias ( "Direito Processual Penal I, 202) " a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material - , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo ".

Outro princípio geral da prova é o princípio “in dubio pro reo”, segundo o qual, perante a existência de factos incertos e perante uma dúvida irremovível e razoável, deverá o tribunal, na decisão acerca da apreciação e valoração das

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provas e determinação dos factos provados, favorecer o arguido.

O que há que apurar, para resolver a questão colocada pelo recorrente, é se, perante as provas produzidas, o tribunal deveria razoavelmente ter

permanecido em dúvida quanto à verificação de factos que deu como não provados e, se tal dúvida era insanável e impossível de remover pelos meios de prova valorados em audiência ou por outros de que ainda pudesse lançar mão, com vista a remover tais dúvidas ou a atingir a plena e justificada convicção de que tais dúvidas eram definitivamente inultrapassáveis.

O local ideal para apreciar valorativa e criticamente as provas é, por

excelência, a audiência de julgamento em que o julgador dispõe das melhores condições para apreciar, mormente em sede de prova testemunhal, a forma como são prestados os depoimentos, para analisar todas as questões

relevantes e susceptíveis de serem ponderadas, de acarear os depoimentos contraditórios para, de um modo geral, criar a convicção necessária à fixação dos factos.

A sentença, depois de ter apreciado os elementos e meios de prova avaliados em audiência, determinou quais os factos que considerava fixados, com base nos seus poderes livres de cognição e de convicção.

A apreciação de eventuais vícios da sentença deverá excluir quaisquer elementos estranhos à decisão (art.º 410º,n.º2 CPP) e perante os elementos constantes do processo não resulta que a sentença contenha alguma

desconformidade, erro, contradição ou insuficiência da matéria de facto que sejam manifestos ou perceptíveis a qualquer cidadão médio.

Analisada a decisão, nomeadamente quanto à matéria de facto apurada e à fundamentação de facto, não resulta da mesma que contenha algum dos vícios que resulte exclusivamente do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum ou que contenha nulidade que não deva ter-se por sanada.

Também se mostra esta devidamente motivada .

A motivação deve consistir numa exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas mas permitindo verificar se a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova e se não foi ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras da experiência comum.

O tribunal, além de enumerar os factos provados e não provados e as provas analisadas, deverá indicar “os elementos que, em razão das regras da

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experiência ou de critérios lógicos, constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência “ (Marques Ferreira, Jornadas, 229 ss.).

Deverá ter a preocupação de esclarecer quais as razões que determinaram o

“percurso” lógico, racional e objectivo que o fez concluir pela valoração que fez dos meios de prova, de forma razoável, racional, consistente e de acordo com o respeito pelas regras da experiência da vida que lhe permitiram dar mais credibilidade a uns depoimentos do que a outros, a estabelecer

presunções que, por obediência a essas regras, lhe permitiram, a partir de uns factos apurados, dar outros como provados ou a afastar fundada e

justificadamente provas tarifadas como acontece, por exemplo, com a prova pericial ou decorrente de documento autêntico.

A indicação da factualidade apurada há-de reportar-se aos factos definidos pelo objecto do processo e enunciados na acusação (ou pronúncia) e na contestação.

Analisando o teor da pronúncia e da contestação apresentada, não resulta da factualidade constante dessas peças confrontadas com a decisão relativa à matéria de facto, que a sentença, ao definir os factos provados e não provados, tenha deixado de se pronunciar acerca de alguns dos factos que sejam

relevantes (obviamente terão de ser afastadas as conclusões, juízos valorativos e conceitos bem como a mera impugnação de factos de sinal contrário aos apurados) e que tenham sido alegados formalmente por qualquer uma das partes em litígio.

Entendeu o Ac. STJ de 11.2.93 Acórdãos STJ 1º, 191, que “Se o acórdão omite na enumeração dos factos provados e não provados uma parte da matéria alegada pela defesa do arguido com potencialidade para influir na decisão da causa é o mesmo nulo.”

Porém, no caso, a decisão mostrou que apreciou todos os factos essenciais e relevantes para a apreciação do preenchimento dos elementos do crime e os factos e que foram alegados, tendo tido em devido apreço a alegação referente à invocada inexistência de dolo ou de consciência da ilicitude por parte do arguido, mas pronunciando-se pela sua constatação justificada e alicerçada na prova examinada criticamente.

Bastará reler a motivação para verificar que desta resulta, não só, a indicação dos meios de prova que o tribunal ponderou e que serviram para formar a sua convicção, bem como as razões que o levou a considerá-los decisivos para formar a sua convicção, pois refere ainda as razões porque os considerou nessa avaliação e de que forma os avaliou e em que medida o fez.

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Descreveu portanto de forma suficientemente completa o percurso lógico que fez, mostrando ter seguido um processo objectivo e racional na apreciação da prova e consentâneo com as regras da experiência comum.

Não sofre, portanto, a decisão de nenhum dos vícios ou nulidade que lhe são apontados.

E, sendo a sentença insindicável, no que concerne à apreciação da forma como o tribunal apreciou e valorou as provas, uma vez que não é admissível o

recurso de facto por terem as partes prescindido da documentação escrita dos actos da audiência (art.º 428º CPP), tendo renunciado a ele, terá de

improceder, nessa parte, o recurso o que é manifesto perante a mera leitura das conclusões.

Também não faz sentido a alegada violação dos art.ºs 368º, n.º2 e 374º,n.º2 CPP cuja invocação nem se entende uma vez que a sentença contem a

indicação dos factos provados e não provados e a respectiva motivação

perante a indicação e exame crítico das provas relativamente a toda a matéria de facto dada como provada e não provada incluída a respeitante à

culpabilidade do arguido (conclusão e).

Aliás, também aqui a falta de documentação da prova impede que se averigue nesta instância se o tribunal apreciou ou não o depoimento integral do arguido ou se apreciou devidamente o documento rasurado ou se apreciou conjugada e acertadamente tais meios de prova, além dos demais produzidos em

audiência, tal como não permite avaliar se a decisão em causa contém o erro e omissão da matéria de facto alegada a fls. 575 (conclusão f).

O recorrente, a este propósito continua a invocar ineficazmente que da prova produzida não se pode dar como provado que o arguido actuara com dolo eventual mas antes que actuou de modo a afastar qualquer ilicitude do seu comportamento.

Ora da matéria de facto apurada, nomeadamente do facto descrito sob os pontos 10 e 11 resulta que o arguido agiu com dolo eventual e plena consciência da ilicitude, não constando de tal matéria qualquer facto que possa integrar circunstância susceptível de afastar a ilicitude do seu

comportamento, não havendo portanto qualquer violação do art.º 14º, n.º3 CP.

Mais uma vez o recorrente, pretende ver discutida a matéria de facto apurada fazendo assentar a sua alegação numa factualidade que não se mostra fixada e que pelas razões invocadas não é lícito sindicar nesta instância.

Como tal, é manifesta a improcedência do recurso relativamente às questões de facto suscitadas e sintetizadas nos pontos 2. 1.1. e 2.1.2. desta decisão.

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3.2.

Pelo exposto, o invocado errado enquadramento jurídico dos factos será obviamente apreciado, nesta sede, a partir dos factos dados como provados e não provados pela decisão recorrida.

O recorrente considera que a obra do queixoso não está protegida pelos

direitos de autor por não revelar originalidade suficiente para ser considerada obra artística e, como tal, protegida pelos Direitos de Autor. Refere ainda que as casas tradicionais portugueses do queixoso são uma mera cópia de casas existentes em Portugal e que fazem parte do nosso património cultural.

São elementos objectivos do tipo imputado ao arguido: a) a venda, o pôr à venda, a importação, a exportação ou distribuição ao público, por qualquer modo; b) de obra usurpada ou contrafeita ou de cópia não autorizada de fonograma ou videograma ; tudo isto, independentemente de os exemplares terem sido produzidos em Portugal ou no estrangeiro.

A A. C. & C., Lda., por intermédio do arguido, importou, pôs à venda e vendeu as casas tradicionais portuguesas encontradas em diversos estabelecimentos comerciais de Sesimbra e apreendidas à ordem dos presentes autos.

Para que se possa concluir pela verificação de todos os elementos objectivos do tipo, há que definir ainda se as casas tradicionais portuguesas da autoria do queixoso B., apreendidas nos estabelecimentos comerciais em Sesimbra, no dia 21 de Fevereiro de 1997, integram o conceito de obra usurpada ou

contrafeita.

Usurpação é toda a utilização não autorizada de uma obra alheia, ou que exceda os limites da autorização concedida.

A obra em causa, tratava-se antes de uma imitação da obra verdadeira ou original.

Esta, ou seja, “As casas tradicionais portuguesas “ de B. encontra-se

certificada com a assinatura do autor e com a indicação do local de origem das casas que lhe serviram de base e da memória descritiva com a explicação da origem da casa e a sua integração histórico social.

Ora, as casas apreendidas à ordem destes autos e vendidas a partir de Fevereiro de 1996, são cópias dos modelos originais, existindo como únicas diferenças as tonalidades das cores e a não existência da assinatura do autor e

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a menção do modelo. Estas, quando expostas para venda ao público, são susceptíveis de serem confundidas com modelos originais.

Acresce que, embora as “Casas Regionais Portuguesas” se encontrassem inscritas na DGESP, como obra artística de B., apenas desde 1 de Março de 1996, a verdade é que, a “S., Lda.”, de que B. era representante, já vendia à Sociedade “M. & F., Lda.”, com sede em Sesimbra, exemplares de casas regionais portuguesas, desde Novembro de 1993.

A referida obra decorre de um processo criativo do autor e da ideia que lhe subjaz de a partir de casas tradicionais portuguesas realizar uma obra com interesse cultural de divulgação de uma realidade histórica e social

relacionada com as mesmas tendo o interesse didáctico associado às referências à sua memória descritiva.

Nessa ideia reside a originalidade da obra e não na sua novidade. Como bem refere a assistente SPA “a anterioridade destrói a novidade, mas não

forçosamente a originalidade”. No caso, a obra encontra tal originalidade e o carácter de verdadeira criação na ideia que lhe subjaz de reproduzir uma realidade social e histórica como a da casa tradicional portuguesa com o interesse referido e com o cunho pessoal assinalado e que lhe foi dado especificamente pelo seu autor, que reflectem a individualidade da mesma.

Como refere a decisão recorrida e cita-se :

A contrafacção, reconduz-se à utilização, como própria, de uma criação ou prestação alheias, no todo ou em parte, é aquilo que se costuma designar por plágio, traduz-se numa imitação ou alteração de uma obra alheia ou de tal forma semelhante, que não tenha individualidade própria.

Será pelas semelhanças e não pelas diferenças entre o original e a obra que a contrafaz, que as contrafacções têm que ser apreciadas.

Não basta a reprodução não autorizada de uma obra ou prestação, como na usurpação, sendo ainda necessário que o autor da reprodução apresente como sua a obra ou prestação reproduzida.

Enquanto na usurpação é o conteúdo patrimonial do direito de autor que é essencialmente violado, no caso da contrafacção o direito moral consistente na reivindicação da paternidade da obra é ofendido em grau idêntico ao do

direito patrimonial lesado em consequência da utilização abusiva dessa obra.

A contrafacção consiste, fundamentalmente, na apropriação abusiva do

conteúdo de obra feita, sendo irrelevante que a sua reprodução obedeça a um processo diferente ou não respeite as características dessa obra.

A semelhança entre duas obras não constitui contrafacção quando cada uma delas possua a sua individualidade própria.

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Resulta da factualidade apurada que ... o arguido, antes de pôr à venda as casas apreendidas, em 1995, adquirira à empresa que o assistente representa e de que era autor, algumas dessas casas, que vinham publicitadas numa revista, nesse mesmo ano de 1995, em Abril ou Outubro.

Perante a factualidade apurada é possível concluir que a empresa que terá fabricado as casas tradicionais portuguesas, que posteriormente foram postas à venda pela A. C. & C., Lda., utilizou e vendeu, como sendo criação sua, uma obra que era mera reprodução ou imitação da obra criada por B., que já assim a apresentara desde, pelo menos, Novembro de 1993.

A referida empresa produtora, sem autorização do seu criador, contrafez os objectos em questão.

Assim sendo, a A. C. & C., Lda., por intermédio do seu representante e director geral, importou, pôs à venda e vendeu obra contrafeita.

Verificam-se, pois, todos os elementos objectivos do tipo de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, p. e p. no art. 199º, do CDADC.

E, conforme é assinalado igualmente pela decisão recorrida, o processo

criativo é protegido desde a sua origem, ou seja desde a própria criação, sem que o registo da obra na DGESP seja constitutivo do direito de autor (art.º 213º CDADC), mas tendo a importância de dar publicidade ao direito.

Os factos apurados permitem concluir que o arguido possuía conhecimentos especiais e pessoais que lhe garantiam o necessário conhecimento da

existência da criação da obra em causa, da autoria do queixoso,

independentemente de tal registo (factos 8 e 9), bem como da previsível e provável ilicitude da obtenção dos exemplares contrafeitos, tendo previsto a proveniência e natureza contrafeita de tais casas, com o que conformou (10).

Assim e, perante a matéria de facto apurada e definida pela decisão recorrida, não há também que colocar em dúvida o preenchimento do elemento

subjectivo do tipo na forma de dolo eventual como se deixou já referido.

4. Pelo exposto, acordam os juízes nesta secção em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente com t.j. fixada em 6 UC.

Elaborado, revisto e assinado pela relatora Filomena Lima e assinado pelos

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Desembargadores Adjuntos Ana S. Sampaio e J.Vieira Lamim sob a presidência do Desembargador Celestino Sousa Nogueira.

Lisboa, 26/10/2004

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