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CAUTELAR FISCAL E COMBATE À SONEGAÇÃO FISCAL

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE VIVIAN LEINZ

CAUTELAR FISCAL E COMBATE À SONEGAÇÃO FISCAL

São Paulo

2020

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VIVIAN LEINZ

CAUTELAR FISCAL E COMBATE À SONEGAÇÃO FISCAL

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico.

Orientador: Daniel Francisco Nagao Menezes

São Paulo

2020

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VIVIAN LEINZ

CAUTELAR FISCAL E COMBATE À SONEGAÇÃO FISCAL

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Direito da

Universidade Presbiteriana Mackenzie,

como requisito parcial para a obtenção do

título de Mestre em Direito Político e

Econômico.

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A meu pai. Exemplo de vida e

dotado de elevado espírito

científico, seu incentivo abriu-me

os olhos para o fascinante caminho

da pesquisa.

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AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Daniel Francisco Nagao Menezes, estimado orientador, por me acompanhar ao longo da realização desse trabalho, lendo e relendo incansavelmente meus esboços, sempre com palavras de alento nas horas mais desesperadoras.

Ao Dr. José Francisco Siqueira Neto, pelas valorosas críticas e pela cortesia em me auxiliar no aprimoramento dessa dissertação. Colocou-se gentilmente à minha disposição, contribuindo com valiosos apontamentos e mostrando caminhos.

Ao Dr. Roberto Carvalho Veloso, pelas perfeitas colocações durante minha banca de qualificação.

Ao Dr. Eduardo Marcial Ferreira Jardim, por me apresentar o programa de mestrado da Universidade Presbiteriana Mackenzie por meio de gentil convite para ingressar em seu grupo de pesquisa. Aos Drs. Vicente Bagnoli e Fabiano Del Mazzo, pelas excelentes aulas ministradas ao longo do curso, mostrando novas e promissoras possibilidades no Direito, contribuindo para o fluxo de ideias que conduziram a esse trabalho.

A Escola da Advocacia-Geral da União pela concessão de bolsa para custear parte do curso de mestrado. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional por me possibilitar a aquisição da gama de conhecimento prático essencial à realização do presente trabalho, e aos Procuradores atuantes nessa instituição pela rica troca cotidiana de experiências, levando ao amadurecimento de vários pontos tratados nessa dissertação, especialmente Wellington Viturino de Oliveira, Mariana Fagundes Lellis Vieira, Marcos Exposito Guevara, Tainá Ferreira Nakamura, Cesar Richa Teixeira Ananias, Tatiana Fidelis de Lima Santos, Letícia Alessandra Costa Nauata, Ana Carolina Barros Vasques, Luciana Couto Rennó, Eduardo Cunha da Silveira e Marcelo Dantas Rosado Maia; aos dois últimos rendo ainda um agradecimento especial pelo empréstimo de algumas obras utilizadas na elaboração desse trabalho.

Aos amigos Ivo Cordeiro Pinho Timbó e Carlos Alexandre Dias Torres, pelas sempre calorosas e profundas discussões, que em muito contribuíram para o resultado dessa dissertação.

A John de Sousa, que me auxiliou na correção do abstract.

E a René Garios Jabur Wegner, in memoriam. Lembro de suas palavras, mesmo quando

a saúde já há muito lhe faltava: “Faça um pouquinho por vez, que você chega lá”.

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RESUMO

A cautelar fiscal foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro como ferramenta de combate à sonegação fiscal e mecanismo posto à disposição da Fazenda Pública para resguardar seu direito de crédito no longo período entre a constituição do crédito tributário e sua efetiva satisfação, evitando que o devedor se desfaça de seu patrimônio em prejuízo ao credor. No entanto, o que ocorre na prática com esse instituto? A proposta desse trabalho é responder a essa indagação, evidenciando na praxe forense a eficiência da cautelar fiscal na proteção dos direitos fazendários frente a atos de ocultação, confusão, esvaziamento e blindagem patrimoniais e, por consequência, no enfrentamento da sonegação fiscal. Primeiro ressaltou-se a importância da arrecadação tributária. No momento seguinte traçou-se um panorama sobre a sonegação fiscal, o tratamento dispensado pelo ordenamento jurídico ao sujeito ativo desse delito e as causas que contribuem para sua prática, dentre elas a morosidade da cobrança do crédito tributário. Passou-se então a discorrer sobre o procedimento da cautelar fiscal, fazendo- se considerações sobre alguns de seus aspectos relevantes, para se chegar no ponto crucial do trabalho: o direito aplicado à prática. Utilizando-se a metodologia do estudo de caso, foram analisadas oito cautelares fiscais propostas pela Fazenda Nacional em São Paulo entre os anos de 2018 e 2019. Inicialmente descreveram-se individualmente os casos estudados para, ato contínuo, compará-los, analisando-se os fundamentos e pedidos da Fazenda Nacional, a decisão liminar, os desdobramentos desse pronunciamento jurisdicional, a relação de bens tornados indisponíveis, os percalços processuais, sentenças e recursos, explorando-se diferentes variáveis com o objetivo de verificar se a cautelar fiscal alcança, na prática, os objetivos que fomentaram sua concepção. Ao final concluiu-se que ela, da maneira como vem sendo utilizada, não atinge as finalidades que ensejaram sua criação, sugerindo-se alterações legislativas a fim de aprimorar o instituto.

Palavras-chave: cautelar fiscal – sonegação fiscal – direito aplicado – estudo de caso

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ABSTRACT

The conservancy measures were introduced in the Brazilian legal system as a tool to combat tax evasion and as a mechanism made available to the Public Treasury for the safeguarding of its rights during the collection period, thereby preventing the debtor from disposing of his/her assets to the detriment of the creditor. Hence, what happens in practice with these measures?

The purpose of this thesis is to answer this inquiry, after observing the efficiency of the precautionary measures in the forensic practice in protecting the Public Treasury´s rights against acts of concealment of assets, confusion of goods, fraudulent conveyance and illegal asset protection and, consequently, in fighting tax evasion. First of all, the importance of tax collection has been highlighted. Thereafter, a panorama of tax evasion was drawn up; included in this topic is the sanction provided by the legal system to the offender of this crime and the causes that contribute to its practice, such as amongst others the protracted collection period.

Subsequently the procedure of the conservancy measures was discussed, and some observations about their relevant aspects were made, to arrive at the crux of the thesis: theory applied to practice. Using the case study methodology, eight conservancy measures proposed by the National Treasury in São Paulo between 2018 and 2019 were analyzed. Initially, the studied cases were individually described so as to allow for their continuous comparison, the study of the grounds and requests of the National Treasury, the preliminary ruling and its consequences, the frozen assets, procedural difficulties, judgments and appeals, allowing for an exploration of different variables in order to verify whether the conservancy measures fullfill, in practice, the objectives that fostered their conception. The conclusion is that the conservancy measures, in the way they are used, do not attain the goals they were designed for. Therefore, legislative changes were recommended in order to improve these measures.

Keywords: conservancy measures - tax evasion – empirical legal research - case study

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LISTA DE ABREVIAÇÕES

Advocacia-Geral da União (AGU)

Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) Banco Central (BACEN)

Cadastro da Pessoa Física (CPF)

Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS)

Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos Privados (CETIP)

Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (CADIN) Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB)

Certidão de Dívida Ativa (CDA) Código de Processo Civil (CPC) Código Penal (CP)

Código Tributário Nacional (CTN)

Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Constituição Federal (CF)

Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)

Dívida Ativa da União (DAU) Imposto de Exportação (IE) Imposto de Importação (II) Imposto de Renda (IR)

Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF)

Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA) Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR)

Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU)

Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS)

Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)

Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF)

Imposto sobre Serviços (ISS)

Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD)

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Imposto sobre Transmissão Inter Vivos (ITBI) Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI)

Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) Lei Complementar (LC)

Lei de Execuções Fiscais (LEF)

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) Ministério Público (MP)

Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (NEF/FGV) Parcelamento Especial (PAES)

Parcelamento Excepcional (PAEX)

Pedido de Revisão de Dívida Inscrita (PRDI) Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN)

Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional da Terceira Região (PRFN3)

Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (PROIES)

Programa de Fortalecimento das Entidades Privadas Filantrópicas e das Entidades Sem Fins Lucrativos que Atuam na Área da Saúde e que Participam de Forma Complementar do Sistema Único de Saúde (PROSUS)

Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (PROFUT)

Programa de Reestruturação Fiscal (REFIS)

Programa Especial de Regularização Tributária (PERT) Regime Diferenciado de Cobrança de Crédito (RDCC)

Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB)

Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional (SINPROFAZ)

Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal (SINDIFISCO NACIONAL) Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (SISBAJUD)

Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Supremo Tribunal Federal (STF)

Tribunal Regional Federal da Terceira Região (TRF3)

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LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS Gráficos

Gráfico 1 - Fintechs em operação no Brasil 85

Quadros

Quadro 1 - Receitas correntes federais 2017 19

Quadro 2 - Receitas correntes federais 2018 20

Quadro 3 - Fluxo geral da dívida ativa da União 38

Quadro 4 - Características gerais das cautelares fiscais analisadas 109

Quadro 5 - Intercorrências e eficácia das cautelares analisadas 116

Quadro 6 – Porcentagem de eficácia das cautelares analisadas 121

Quadro 7 – Responsabilidade pelas intercorrências que afetaram as cautelares analisadas 122

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

CAPÍTULO 1. ESTRUTURA FISCAL BRASILEIRA E SONEGAÇÃO 27

1.1 Estrutura fiscal brasileira 27

1.2 Sonegação fiscal 43

CAPÍTULO 2. MEDIDA CAUTELAR FISCAL 61

2.1 Disposições gerais 61

2.2 Aspectos que podem influenciar a eficácia da cautelar fiscal 76

2.2.1 Sujeição passiva 76

2.2.2 Constituição do crédito como pressuposto da cautelar fiscal 79

2.2.3 Alcance da indisponibilidade de bens 81

2.2.4 Alcance do sistema Bacen Jud 84

2.2.5 Interpretações do inciso VI, art. 2º, da Lei nº 8.397/92 86

CAPÍTULO 3. DIREITO APLICADO 89

3.1 Descrição e análise individual dos casos estudados 89

3.2 Análise comparativa dos casos estudados 108

CONCLUSÃO 120

REFERÊNCIAS 133

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INTRODUÇÃO

A República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel de Estados, Distrito Federal e Municípios, além da própria União Federal. Ela tem como fundamentos, previstos explicitamente na Constituição Federal (CF), (i) a soberania, (ii) a cidadania, (iii) a dignidade da pessoa humana, (iv) os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e (v) o pluralismo político (art. 1º CF).

Além desses fundamentos, possui como objetivos essenciais (i) construir uma sociedade livre, justa e igualitária, (ii) garantir o desenvolvimento nacional, (iii) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e, por fim, (iv) promover o bem de todos, sem qualquer forma de discriminação (art. 2º CF).

Ademais, em termos de relações internacionais, deve obedecer aos seguintes princípios:

(i) independência nacional, (ii) prevalência dos direitos humanos, (iii) autodeterminação dos povos, (iv) não-intervenção (v) igualdade entre os Estados (vi) defesa da paz, (vii) solução pacífica dos conflitos, (viii) repúdio ao terrorismo e ao racismo, (ix) cooperação entre os povos para progresso da humanidade e (x) concessão de asilo político (art. 4º CF).

A realização de todas essas determinações constitucionais, que culminam na finalidade última do Estado que é suprir as necessidades públicas, garantindo uma vida digna às pessoas, dá-se por meio da execução de obras e prestação de serviços públicos. E para que essas obras e serviços sejam ofertados de forma adequada, imperativa a disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, recursos esses também indispensáveis à manutenção da estrutura estatal, sem a qual o papel constitucionalmente atribuído ao Estado não poderá ser cumprido.

A administração dos recursos públicos com vistas à consecução do bem comum é denominada atividade financeira do Estado. Ela possui três momentos constitutivos – a obtenção dos recursos, sua gestão e, ao final, sua aplicação.

1

A Ciência das Finanças “tem por objeto o estudo teórico da atividade financeira do Estado, que se desdobra em receita, despesa, orçamento e crédito público, visando (sic) municiar os agentes públicos de elementos necessários à formulação da política financeira do Estado”.

2

Sob o viés jurídico, a atividade financeira do Estado é objeto de análise do Direito Financeiro, que pode ser definido como “o ramo do Direito no qual se estuda como o Estado arrecada, reparte,

1 CAMPOS, Dejalma de. Direito financeiro e orçamentário. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 24.

2 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 14.

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gasta e se endivida, e como isso é organizado e controlado visando a (sic) consecução dos objetivos constitucionais”.

3

Scaff aponta que uma das formas de se classificar a doutrina do Direito Financeiro baseia-se na dicotomia entre as correntes procedimentalista e substancialista. A primeira linha prega que o Direito Financeiro se refere unicamente ao ingresso de receitas e realização de despesas, regulando apenas a entrada e a saída de valores. Já para os substancialistas, há uma finalidade a ser perseguida nesse processo, não bastando a mera regulação da entrada e saída de capital: a atividade financeira do Estado deve se voltar ao objetivo de cumprir as disposições constitucionais.

4

Nabais, ao discorrer sobre o “mínimo de subsistência estatal”, referindo-se ao limite de despesas mínimas que o Estado deve ser capaz de suportar para se manter como tal, estabelece uma diferença entre o “mínimo de subsistência estadual” e o “mínimo de subsistência de um dado estado constitucional”, e vai na vertente da corrente procedimentalista acima referida:

[...] o princípio do estado fiscal apenas requer que o estado não se afunde por incapacidade financeira, e já não que ele satisfaça aquelas necessidades que uma dada constituição lhe impõe muito para além das funções básicas e imprescindíveis da ‘estadualidade’. Tais tarefas hão-de, pois, ser prosseguidas porque assim o requer a constituição e não porque constituam uma exigência de subsistência do estado.

5

Deixando de lado essa disparidade de entendimentos em relação ao caráter finalístico ou não do Direito Financeiro, é inconteste que o ingresso de valores nos cofres públicos é imprescindível à manutenção da engrenagem estatal.

3 SCAFF, Fernando Facury. Orçamento republicano e liberdade igual: ensaio sobre direito financeiro, república e direitos fundamentais no Brasil. 1.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 80.

4 “Entende-se por ‘procedimentalistas´ aqueles autores que veem o direito financeiro apenas como um meio de obtenção de receitas e realização de gastos, seja pela técnica ‘A’ ou através do instituto ‘B’. Para tais autores, o direito financeiro não tem conteúdo ‘axiológico’, ou seja, não tem nenhum ‘valor’ em si mesmo; e nenhuma perspectiva ‘teleológica’, isto é, finalística. Para esses autores o direito financeiro é uma disciplina jurídica que meramente estuda as contas públicas, sem ‘valores’ a serem protegidos e nenhuma ‘finalidade’ a ser perseguida.

Por contraponto, os ‘substancialistas’ agregam ao direito financeiro aspectos ‘axiológicos’ e ‘teleológicos’, indicando que existem ‘valores’ e ‘finalidades’ a serem perseguidas pelo governo, segundo parâmetros estabelecidos na Constituição que rege cada Estado. Parodiando a máxima de Maquiavel, o direito financeiro não é apenas um ‘instrumento’ que justifica ‘qualquer finalidade’; ele deve ser estudado como um instrumento que busque atingir ‘determinada finalidade’ e que tenha ‘conteúdo específico’. No Brasil, essa ‘finalidade’ e esse

‘conteúdo’ constam dos ‘fundamentos’ (art. 1º) e dos ‘objetivos fundamentais’ (art. 3º) da Constituição [...].”

(Ibid., p. 81).

5 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1998. p. 216.

(16)

O Estado, para que possa desempenhar adequadamente suas funções, exercendo a contento suas atividades, necessita de recursos financeiros, os quais são oriundos de algumas fontes de financiamento.

O Estado pode obter dinheiro explorando os bens públicos (venda, locação), exercendo atividades econômicas (por meio de suas empresas estatais) ou por intermédio da tributação.

Exclui-se a obtenção de capital por meio do endividamento, uma vez que esses valores deverão ser futuramente devolvidos, não ingressando definitivamente nos cofres públicos.

6

A depender de como o Estado se financia, ele é classificado em Estado proprietário, produtor ou empresário (aquele que tem como principal fonte de obtenção de recursos financeiros a exploração de seus bens ou o exercício de atividades econômicas) ou em Estado fiscal (aquele que depende precipuamente dos tributos para sua mantença)

7

.

São exemplos de Estado proprietário, produtor ou empresário o Estado absolutista moderno, os Estados socialistas, os que vivem da exploração de matéria-prima e aqueles que se sustentam por meio da concessão de jogos.

8

Apesar da possibilidade de existirem Estados proprietários, produtores ou empresários, fato é que a maioria dos Estados modernos se constitui em Estado fiscal, tendo como principal fonte de recursos a arrecadação tributária.

Nabais vai além, diferenciando o Estado fiscal (não mais como gênero – Estado que se financia por meio de tributos, mas como Estado fiscal espécie – financiado por meio de

6“[...] Existem três maneiras do Estado se financiar (estou excluindo a possibilidade de endividamento, pois basicamente a dívida um dia teria que ser paga): com arrecadação de impostos, vendendo (alugando) ativos, ou produzindo riquezas (empresas estatais). (SACHSIDA, Adolfo. Considerações econômicas, sociais e morais sobre a tributação. 1.ed. São Luís: Resistência Cultural, 2015. p. 23).

7 “[...] sendo o estado fiscal o estado cujas necessidades financeiras são essencialmente cobertas por impostos, facilmente se compreende que ele tem sido (e é) a regra do estado moderno. Todavia, se é certo que este, pela própria natureza da realidade económica moderna, é necessariamente um estado financeiro – um estado cujas necessidades materiais são cobertas através de meios de pagamento, ou seja, de dinheiro que ele obtém, administra e aplica, e não, salvo em casos muito excepcionais e limitados, através de prestações naturais (prestações em espécie ou de ‘facere’) exigidas aos seus cidadãos -, não é menos certo que ele nem sempre se tem apresentado como um estado fiscal, havendo estados que claramente configuraram (ou configuram) verdadeiros estados proprietários, produtores ou empresariais”. (NABAIS, op. cit., p. 191-192).

8 “[..] Um estado deste tipo consubstanciou, desde logo, a primeira forma de estado (moderno) – o estado absoluto do iluminismo – que foi predominantemente um estado não fiscal, uma vez que o seu suporte financeiro foram fundamentalmente, de um lado e em continuação das instituições medievais que o precederam, as receitas do seu patrimônio ou propriedade e, de outro, os rendimentos da atividade comercial e industrial por ele próprio assumida e desenvolvida em tributo ao ideário iluminista. Também os estados ´socialistas´ são (quanto aos que ainda subsistem) estados não fiscais, pois, que enquanto ´productive states´ a sua base financeira assenta essencialmente nos rendimentos da atividade económica produtiva por eles monopolizada ou hegemonizada, e não em impostos lançados sobre os seus cidadãos, impostos estes a quem assim falta o próprio pressuposto económico. Finalmente, há certos estados que, em virtude do grande número de receitas provenientes, por exemplo, da exploração de matérias primas (petróleo, gás natural, ouro, etc.) ou até da concessão do jogo (como o Mónaco ou Macau), podem dispensar os respectivos cidadãos de constituírem com os seus rendimentos e patrimónios o seu principal suporte financeiro.” (Ibid., p. 193).

(17)

impostos) em contraposição ao Estado tributário, cuja principal fonte de recursos são as taxas e contribuições, assentando a maior parte de suas receitas em tributos bilaterais. Essa última espécie estatal raramente irá ter lugar na prática, podendo ser listados alguns motivos para tanto, dentre eles: (i) grande parte dos bens e serviços públicos é de uso coletivo, não sendo possível a divisão de seu custo para pagamento por meio de taxas (ex: iluminação e segurança públicas, política externa, política econômica); (ii) há bens e serviços públicos que são de uso individual, mas mesmo assim devem ser remunerados por toda a coletividade, uma vez que quem deles

usufrui não tem condições de pagar (educação básica, saúde, assistência social).

9

E o Estado brasileiro não foge a essa regra: analisando-se a CF, observa-se que o Brasil

é claramente um Estado fiscal, no sentido amplo e estrito do termo.

10

9 “Mas, do que dissemos até agora a respeito do estado fiscal, não se pode concluir ainda que o estado contemporâneo tenha de se apresentar necessariamente como um estado fiscal, já que o mesmo pode atingir idêntico desiderato configurando-se como um estado tributário, isto é, um estado predominantemente assente em termos financeiros, não em tributos unilaterais – impostos -, mas sim em tributos bilaterais – taxas, contribuições especiais, etc.

[...] Todavia, uma tal possibilidade é mais aparente do que real. [...] Vários fatores se podem apontar para que as coisas sejam assim e não de outro modo. Por um lado, um bom número de tarefas do estado, que constituem mesmo o núcleo clássico e o núcleo duro da autoridade do estado, dada a sua natureza de ‘bens públicos’ que satisfazem apenas necessidades colectivas e não comportam a possibilidade de exclusão da sua utilização ou consumo, são insupcetíveis de individualização nas suas vantagens ou benefícios e de divisão dos correspondentes custos: é o que acontece com as tarefas estaduais relativas à polícia e às política externa, económica, de defesa, etc., que não podem assim ser financiadas senão através de impostos.

Por outro lado, há tarefas estaduais que, embora satisfaçam necessidades individuais e portanto sejam susceptíveis de ver os seus custos divididos pelos cidadãos, por imperativas constitucionais, não podem, no todo ou em parte, ser financiadas senão por impostos. Assim acontece na generalidade dos actuais estados, que se configuram como estados sociais, em que a realização de um determinado nível de direitos económicos sociais e culturais, quer se traduzam em prestações materiais, quer em prestações financeiras a favor dos cidadãos, tem por exclusivo suporte financeiro os impostos. Como exemplo que ilustra o que vimos de dizer podemos referir, tendo em conta a nossa Constituição, a gratuidade do ensino básico [...], dos serviços de saúde [...], da segurança social relativamente aqueles que economicamente não podem contribuir para o sistema [...], dos serviços de justiça no respeitante aos que não podem suportar a respectiva taxa [...]”. (NABAIS, op. cit., p. 199-200).

10 Sachsida questiona se não existem outros mecanismos mais eficientes de financiamento do Estado que não por meio da arrecadação de tributos e elenca alternativas como a locação ou alienação de bens públicos e a obtenção de renda por meio da produção de riquezas via empresas estatais. No entanto, conclui que, diante da imensidão do Estado Brasileiro não é possível, no momento, abdicar dos impostos: “Não é tão absurdo assim supor que o Estado possa se financiar sem recorrer a impostos. Por exemplo, em Mônaco não é cobrado imposto de renda dos residentes. Isto é, um dos tradicionais impostos está simplesmente ausente nesse país. Na Noruega existe um fundo soberano, poupança para gerações futuras, que é alimentado basicamente com recursos de extração de petróleo.

Pode ser argumentado que empresas estatais cuidando de setores estratégicos da economia (energia, abastecimento, infraestrutura) poderiam gerar excedentes suficientes para diminuir a dependência estatal de impostos. Apesar de ser uma possibilidade teórica, ao menos no Brasil, a realidade prática é bem distinta.

Empresas estatais por aqui dificilmente geram lucros na magnitude necessária para sustentar o argumento. Ao contrário, não é incomum ver diversas empresas estatais passando dificuldades financeiras e sendo socorridas por recursos oriundos dos impostos pagos pelos contribuintes. Ou seja, em vez de ajudarem os contribuintes, tais empresas é que são ajudadas por eles.

Mais verossímil parece o argumento de que o Estado poderia se sustentar arrendando (alugando) seus bens. Por exemplo, ao assinar contratos de concessão o Estado poderia receber de entes privados importantes somas que lhe diminuiriam a dependência dos impostos. Isso é particularmente verdadeiro para o caso de pequenos países, com um Estado diminuto, ricos em recursos naturais. Certamente essa não é a realidade brasileira (a menos que estejamos dispostos a fragmentar nosso país em pequenas cidades-estado). Outra opção seria o arrendamento de

(18)

Com substrato na análise realizada por Nabais em relação ao caráter fiscal do Estado português, e fazendo-se um paralelo com o ordenamento jurídico brasileiro, constata-se que não há, com efeito, afirmação expressa na CF de que o Brasil é um Estado fiscal (em ambos sentidos do termo), assim como não o há na portuguesa, mas tal característica é facilmente deduzível dos preceitos nela estampados e das normas por ela veiculadas.

11

A começar pelo art. 1º, que estabelece como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV). Ora, ao prever a livre iniciativa e os valores sociais do trabalho como um dos pilares da República, está a CF a estabelecer o exercício da atividade econômica pelos particulares como uma de suas bases e, portanto, reduzindo o caráter empresarial do Estado brasileiro.

O incentivo à atividade econômica pelos particulares é também extraído de alguns dos direitos e garantias fundamentais constantes do art. 5º: livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (inciso XIII), direito de propriedade (inciso XXII), proteção à pequena propriedade rural onde se desenvolve atividade produtiva (inciso XXVI) e proteção a inventos e criações industriais, marcas, nomes empresariais e outros signos distintivos (inciso XXIX).

Na mesma toada, o Título VIII (Da Ordem Econômica e Financeira), especialmente seu Capítulo I (Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica), que dispõe no art. 170 ser a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, devendo ser observados os seguintes princípios, dentre outros: propriedade privada (inciso II), função social da propriedade (inciso III), livre concorrência (inciso IV) e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país (inciso IX). No parágrafo único desse artigo ainda traz a todos a garantia do livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização, salvo nos casos previstos em lei. Corroborando que a atividade econômica deve precipuamente ser exercida por particulares, o que exclui a caracterização do Estado brasileiro como Estado

terrenos públicos, com a criação de fundos imobiliários. Nesse caso o Estado faria contratos de arrendamento de seus terrenos, e receberia em troca pagamentos de dividendos (mensalidades) das empresas e indivíduos arrendatários. Essa opção é pouco explorada, e certamente poderia render ótimos dividendos em determinadas unidades da federação.

Apesar de outras soluções existirem, dado o atual tamanho do Estado Brasileiro, hoje é virtualmente impossível abrir mão dos impostos. [...] o Estado não tem condições de se financiar sem a cobrança de impostos.”

(SACHSIDA, op.cit., p. 23-24).

11 “Suponho que não haverá quaisquer dúvidas quanto à natureza fiscal do estado português. É certo que não há na Constituição actual, como não havia nas constituições anteriores, nem há, ao que supomos, em nenhuma das constituições dos estados fiscais, uma afirmação expressa nesse sentido. Mas uma tal ideia resulta muito claramente da Constituição: do seu conjunto, das diversas partes ou (sub)constituições e, muito especialmente, de alguns preceitos concernentes especificamente à fisionomia fiscal do estado, como são os integrantes da

‘constituição financeira’ e sobretudo da ‘constituição fiscal’.” (NABAIS, op. cit., p. 210-216).

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empresário há, por fim, a previsão de que a atividade econômica estatal é limitadíssima e residual, somente podendo ser objeto de exploração direta pelo Estado “quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo” (art. 173, caput).

12

O caráter fiscal do Estado brasileiro, nesse caso em seu viés estrito (Estado financiado por impostos e não tributos bilaterais) é ainda facilmente verificável sob outros ângulos, à exemplo da afirmação constitucional tácita de que os impostos constituem a receita precípua de nosso orçamento. Isso se infere do rol de impostos trazidos pela CF, a qual discrimina as competências para sua instituição, determinando a quais entes federados cabe a criação de cada uma das espécies de impostos. São quatro artigos que preveem à exaustão a regulamentação dos impostos federais, estaduais, municipais e distritais (arts. 153 a 156), ao passo que as taxas são mencionadas em um único artigo, com estrita normatização

,

juntamente com os demais tributos (art. 145). Quanto a elas há apenas a determinação de que União, Estados, Distrito Federal e Municípios poderão institui-las em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição. Ora, ante a larga referência dada aos impostos, em contraposição às taxas, verifica-se que a CF dá muito mais importância à primeira espécie tributária como forma de financiamento estatal do que aos tributos bilaterais.

13

Nesse mesmo caminho a repartição das receitas tributárias. Ao prevê-la, a CF somente faz menção a impostos (à exceção de uma hipótese de repartição de receitas de contribuições

12 A fim de assegurar a livre concorrência prevista como princípio da ordem econômica (art. 170, inciso IV, CF), as empresas públicas e sociedades de economia mista que excepcionalmente explorem atividade econômica deverão se sujeitar “ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (art. 173, §1º, inciso II, CF), não podendo gozar “de privilégios fiscais não extensíveis aos do setor privado” (art. 173, §2º, CF). Isso para evitar que as empresas estatais se valham de condições especiais inerentes à sua própria natureza, tendo alguma espécie de vantagem concorrencial sobre as sociedades privadas, submetidas integralmente ao regime de direito privado.

13 Não se fez menção aos empréstimos compulsórios, porque não são verdadeira fonte de receita, já que deverão ser devolvidos ao contribuinte em momento futuro. Quanto às contribuições especiais (art. 149 CF), foram consideradas, no presente raciocínio, como espécie de imposto, sendo que também compõem grande fatia da receita pública, conforme se verá adiante. Com efeito, há várias formas de se classificarem os tributos. Segundo a corrente tripartite, calcada na redação do Código Tributário Nacional (CTN), há três espécies de tributos – impostos, taxas e contribuições de melhoria. Uma outra linha, baseada no CTN e na CF, traz cinco espécies tributárias - impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais.

Eduardo Jardim entende que as espécies tributárias são sete – impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios, contribuições sociais, contribuições interventivas econômicas e contribuições profissionais. Por fim, a classificação proposta pela Escola de Direito Público da PUCSP, encampada por Geraldo Ataliba, Roque Carrazza e Paulo de Barros Carvalho, que afirma existirem somente duas espécies de tributos – impostos e taxas. Para essa corrente, as contribuições de melhoria são impostos se o fato gerador for a valorização do imóvel, e taxas se a hipótese de incidência for a obra pública; empréstimos compulsórios e contribuições sociais revestem-se do caráter de imposto (JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de direito financeiro e tributário.

15.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 141-145). Para fins de consideração do Estado Brasileiro como fiscal, adotou-se no presente trabalho essa última classificação doutrinária, razão pela qual somente contrapõem- se impostos e taxas.

(20)

de intervenção sobre o domínio econômico, considerada nesse trabalho como espécie de imposto), deixando de fora as taxas

14

. Isso demonstra mais uma vez a relevância dos tributos, e especialmente dos impostos, na composição da renda da União, corroborando a natureza fiscal do Estado brasileiro.

Ademais, conforme mencionado em linhas anteriores, a maioria dos bens e serviços prestados pelo Estado é de uso coletivo, sendo impossível o fracionamento do custo de sua utilização para pagamento por meio de taxas, assim como não é possível proibir aqueles que não pagam tributos de usufruir desses bens e serviços (ex: bens de uso comum da população, como estradas, parques, praças, ruas, praias; segurança pública, assistência judiciária gratuita, limpeza urbana, política externa, política econômica). Sem mencionar os bens e serviços de uso individual, mas que deverão ser pagos por toda a sociedade: em virtude do princípio da solidariedade, as pessoas que tem condições financeiras arcam com o custo dos bens e serviços usufruídos por aqueles que não tem a mesma disponibilidade (ex: educação e saúde públicas).

Esses bens e serviços, tal qual os de uso comum, não poderão ser financiados por intermédio de taxas, já que essas supõem uma contraprestação estatal em benefício de quem pagou. Sendo assim, seu financiamento deverá se dar por intermédio de impostos, tributos unilaterais que não demandam uma contrapartida específica por parte da Administração Pública.

14 A Constituição brasileira prescreve que pertencem aos Estados e ao Distrito Federal “o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem”; e vinte por cento do produto da arrecadação do imposto residual que a União instituir (art. 157, incisos I e II). Aos Municípios, por seu turno, pertence “o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem”; “cinquenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados”, cabendo a totalidade na hipótese de os Municípios optarem por sua fiscalização e cobrança; “cinquenta por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios”; e “vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação” (art. 158, incisos I, II, III e IV – grifos da autora). Além disso, a União disponibilizará 49% “do produto da arrecadação dos impostos sobre a renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados”, sendo desse percentual 21,50% ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal, 22,50% ao Fundo de Participação dos Municípios (desse percentual 1% será entregue no primeiro decênio do mês de julho de cada ano e 1% no primeiro decênio do mês de dezembro) e 3% “para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região” (art. 159, inciso I, alíneas “a”, “b”, “c”, “d” e “e”); 10% do imposto sobre produtos industrializados aos Estados e ao Distrito Federal, “proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados” (art. 159, inciso II); 29% do produto da arrecadação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) referente à importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível, para Estados e Distrito Federal, para que seja aplicado no financiamento de programas de infraestrutura de transporte (art. 159, inciso II, c.c. art. 177, §4º, inciso II, alínea “c”). Do montante de receita relativa ao imposto sobre produtos industrializados e CIDE repassado pela União, Estados deverão transferir 25% aos Municípios (art. 159, §3º e §4º).

(21)

A afirmação de que o Brasil é um Estado fiscal também é comprovável na prática por meio de números extraídos do Portal da Transparência, conforme adiante se demonstrará.

Contudo, antes disso, para melhor compreensão da forma pela qual o Estado se capitaliza, impõe-se breve incursão pelo conceito de receita pública e seus desdobramentos.

O dinheiro que ingressa de forma permanente nos cofres públicos é denominado receita pública

15

, podendo essa ser classificada em receita corrente ou de capital e receita originária ou derivada.

16

Receitas correntes são “as receitas tributária, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas Correntes.”

17

Receitas de capital, por seu turno, são “as provenientes da realização de recursos financeiros oriundos de constituição de dívidas; da conversão, em espécie, de bens e direitos; os recursos recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas de Capital e, ainda, o superávit do Orçamento Corrente.”

18

Os tributos são classificados como receita corrente, sendo a principal fonte de financiamento estatal.

Segundo dados extraídos do Portal da Transparência do Governo Federal

19

, em 2017 o total de receitas previsto foi de 3,41 trilhões de reais, com realização da quantia de 2,56 trilhões, o que equivale a 74,92% daquela. No âmbito dos valores efetivamente realizados, ingressaram a título de receita corrente R$ 1.449.147.463.871,84 (um trilhão, quatrocentos e quarenta e nove bilhões, cento e quarenta e sete milhões, quatrocentos e sessenta e três mil, oitocentos e setenta e um reais e oitenta e quatro centavos), equivalente a 96,43% do previsto; a receita de capital foi de R$ 1.119.287.544.689,11 (um trilhão, cento e dezenove bilhões, duzentos e oitenta e sete milhões, quinhentos e quarenta e quatro mil, seiscentos e oitenta e nove reais e onze centavos), perfazendo 58,06% do previsto. Vê-se, portanto, que a receita corrente, dentro da qual estão inseridos os tributos, é responsável pela maior fatia do orçamento.

Na esfera dessa receita corrente, R$ 799.732.985.807,96 (setecentos e noventa e nove bilhões, setecentos e trinta e dois milhões, novecentos e oitenta e cinco mil, oitocentos e sete

15 Esse não é o caso dos empréstimos, os quais são classificados como mero ingresso, uma vez que sua entrada é provisória, devendo ser restituídos.

16 Para os fins desse trabalho somente tem relevância a classificação da receita em corrente e de capital.

17 Art. 11, §1º, da Lei nº 4.320/1964.

18 Art. 11, §2º, da Lei nº 4.320/1964.

19 BRASIL. CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Receitas Públicas 2017. Disponível em:

<http://www.portaltransparencia.gov.br/receitas?ano=2017>. Acesso em: setembro de 2019.

(22)

reais e noventa e seis centavos) – 57,23%, dizem respeito a contribuições, ao passo que R$

464.192.966.967,44 (quatrocentos e sessenta e quatro bilhões, cento e noventa e dois milhões, novecentos e sessenta e seis mil, novecentos e sessenta e sete reais e quarenta e quatro centavos) – equivalente a 33,22% das receitas correntes, referem-se a impostos, taxas e contribuições de melhoria

20

. Assim, mais de 80% da receita corrente em 2017 foi oriunda de tributos. O quadro abaixo ilustra as receitas correntes federais relativas ao ano de 2017:

Quadro 1 – Receitas correntes federais 2017

ORIGEM ORÇAMENTO

ATUALIZADO (VALOR PREVISTO)

VALOR REALIZADO (VALOR ARRECADADO)

PORCENTUAL ENTRE REALIZADO E

PREVISTO

PORCENTUAL EM RELAÇÃO AO TOTAL

ARRECADADO

VALOR LANÇADO

Contribuições R$ 792.634.516.777,00 R$ 799.732.985.807,96 100,90% 57,23% R$ 308.975.734.711,96

Impostos, Taxas e Contribuições de Melhoria

R$ 506.229.240.505,00 R$ 464.192.966.967,44 91,70% 33,22% R$ 147.793.251.676,61

Receita Patrimonial R$ 83.240.105.353,41 R$ 100.235.650.184,97 120,42% 7,17% R$ 65.087.808,05

Receita de Serviços R$ 37.076.482.979,43 R$ 39.599.085.485,94 106,80% 2,83% R$ 0,00

Outras Receitas Correntes R$ 27.590.593.594,00 R$ 26.408.667.506,88 95,72% 1,89% R$ 2.921.644.248,33

Receita Industrial R$ 1.734.518.339,00 R$ 1.054.736.215,38 60,81% 0,08% R$ 0,00

Transferências Correntes R$ 613.331.598,00 R$ 310.213.672,31 50,58% 0,02% R$ 0,00

Receita Agropecuária R$ 28.674.726,00 R$ 18.957.156,71 66,11% 0,00% R$ 0,00

Receitas Correntes – a classificar

R$ 0,00 -R$ 34.196.983.034,60 - -2,45% R$ 0,00

• Quadro elaborado com base em informações extraídas do Portal da Transparência

Mas não é só: somando-se os valores arrecadados a título de tributo em 2017 (R$

799.732.985.807,96 + R$ 464.192.966.967,44), obtém-se a quantia de R$

1.263.925.952.775,40 (um trilhão, duzentos e sessenta e três bilhões, novecentos e vinte e cinco milhões, novecentos e cinquenta e dois mil, setecentos e setenta e cinco reais e quarenta centavos) que, por si só, ultrapassa todo o montante correspondente à receita de capital – R$

1.119.287.544.689,11 (um trilhão, cento e dezenove bilhões, duzentos e oitenta e sete milhões, quinhentos e quarenta e quatro mil, seiscentos e oitenta e nove reais e onze centavos). Desse modo, além da tributação perfazer a maior parcela da receita corrente, em 2017 ela também correspondeu à maior fonte de receita pública.

Situação análoga ocorreu em 2018.

21

Nesse período o total de receitas previsto foi de 3,51 trilhões de reais, sendo realizada a importância de 2,94 trilhões, o que corresponde a 83,93% daquela. Dentro dos valores realizados, o total de receitas correntes que ingressou nos cofres públicos federais foi de R$ 1.537.735.953.916, 26 (um trilhão, quinhentos e trinta e sete

20 O Portal da Transparência adota, pelo que se pode observar, a teoria que divide os tributos em cinco espécies:

impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais.

21 BRASIL. CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Receitas Públicas 2018. Disponível em:

<http://www.portaltransparencia.gov.br/receitas?ano=2018>. Acesso em: setembro de 2019.

(23)

bilhões, setecentos e trinta e cinco milhões, novecentos e cinquenta e três mil, novecentos e dezesseis reais e vinte e seis centavos), o que corresponde a 101,64% do previsto, enquanto que a título de receitas de capital foi realizada a importância de R$ 1.370.786.620.189,31 (um trilhão, trezentos e setenta bilhões, setecentos e oitenta e seis milhões, seiscentos e vinte mil, cento e oitenta e nove reais e trinta e um centavos), equivalente a 70,23% da receita prevista.

Mais uma vez a receita corrente superou a receita de capital.

Dentro dessa receita corrente, R$ 844.483.544.946,04 (oitocentos e quarenta e quatro bilhões, quatrocentos e oitenta e três milhões, quinhentos e quarenta e quatro mil, novecentos e quarenta e seis reais e quatro centavos), ou seja 54,93%, referem-se a contribuições, enquanto que R$ 506.605.667.042,83 (quinhentos e seis bilhões, seiscentos e cinco milhões, seiscentos e sessenta e sete mil, quarenta e dois reais e oitenta e três centavos), o que corresponde a 32,95%

das receitas correntes, dizem respeito a impostos, taxas e contribuições de melhoria. Novamente a receita advinda de tributos federais correspondeu a mais de 80% da receita corrente anual:

Quadro 2 – Receitas correntes federais 2018

ORIGEM ORÇAMENTO

ATUALIZADO (VALOR PREVISTO)

VALOR REALIZADO (VALOR ARRECADADO)

PORCENTUAL ENTRE REALIZADO E

PREVISTO

PORCENTUAL EM RELAÇÃO AO TOTAL

ARRECADADO

VALOR LANÇADO

Contribuições R$ 743.378.329.812,00 R$ 844.483.544.946,04 100,13% 54,93% R$ 314.189.172.626,31

Impostos, Taxas e Contribuições de Melhoria

R$ 491.075.630.271,00 R$ 506.605.667.042,83 103,16% 32,95% R$ 150.963.488.883,72

Receita Patrimonial R$ 89.298.704.925,28 R$ 112.372.238.110,15 125,84% 7,31% R$ 62.999.791,79

Receita de Serviços R$ 40.632.696.698,00 R$ 44.338.856.373,75 109,12% 2,88% R$ 0,00

Outras Receitas Correntes R$ 46.693.828.952,00 R$ 26.314.790.289,53 56,36% 1,71% R$ 2.876.535.978,26

Receita Industrial R$ 954.923.467,00 R$ 2.598.036.681,62 272,07% 0,17% R$ 0,00

Transferências Correntes R$ 476.569.995,00 R$ 378.322.302,64 79,38% 0,02% R$ 0,00

Receita Agropecuária R$ 23.453.001,00 R$ 20.718.554,07 88,34% 0,00% R$ 0,00

Receitas Correntes – a classificar

R$ 0,00 R$ 263.779.625,62 - 0,02% R$ 0,00

• Quadro elaborado com base em informações extraídas do Portal da Transparência

Somando-se os valores correspondentes à receita oriunda de tributos (R$

844.483.544.946,04 + R$ 506.605.667.042,83), chega-se à importância de R$

1.351.089.211.988,80 (um trilhão, trezentos e cinquenta e um bilhões, oitenta e nove milhões, duzentos e onze mil, novecentos e oitenta e oito reais e oitenta centavos), valor muito próximo ao da receita de capital - R$ 1.370.786.620.189,31 (um trilhão, trezentos e setenta bilhões, setecentos e oitenta e seis milhões, seiscentos e vinte mil, cento e oitenta e nove reais e trinta e um centavos).

Verifica-se que no ano de 2018 a receita oriunda de tributos não superou a receita de

capital, como aconteceu em 2017, mas ficou muito próximo dela, o que não deixa de corroborar,

(24)

mais uma vez, a essencialidade da receita tributária para a saúde financeira do Estado, bem como a característica de Estado fiscal do Estado brasileiro.

Isso porque o Estado proprietário, produtor ou empresário, para que seja assim caracterizado, deverá ter como principal fonte de obtenção de recursos a exploração de seus bens ou o exercício de atividades econômicas. A receita oriunda dessas atividades é também classificada de receita corrente, estando, portanto, dentro da mesma classificação da receita tributária. No ano de 2018, enquanto a receita decorrente de tributos foi de 1.351.089.211.988,80 (um trilhão, trezentos e cinquenta e um bilhões, oitenta e nove milhões, duzentos e onze mil, novecentos e oitenta e oito reais e oitenta centavos), a proveniente da exploração de bens públicos e atividade econômica foi de R$ 130.909.778.091,28 (cento e trinta bilhões, novecentos e nove milhões, setecentos e setenta e oito mil, noventa e um reais e vinte e oito centavos), abrangendo a receita patrimonial (R$ 89.298.704.925,28), a de serviços (R$

40.632.696.698,00), a industrial (R$ 954.923.467,00) e a agropecuária (R$ 23.453.001,00).

Como se pode observar, a receita decorrente da exploração de bens e exercício de atividade econômica em 2018 correspondeu a um décimo da receita tributária, o que só reforça a característica fiscal, em sentido lato, do Estado brasileiro. No senso estrito, ou seja, o Estado sendo caracterizado por ser financiado em sua maior parte por impostos (em contraposição às taxas), os dados extraídos do Portal da Transparência não tem o condão de demonstrá-lo, já que o orçamento de impostos, taxas e contribuições de melhoria é apresentado em conjunto, não havendo discriminação da receita relativa a cada uma dessas espécies tributárias. Todavia, sob o ponto de vista teórico, restou caracterizado que o Estado brasileiro é fiscal, seja no sentido amplo, seja no sentido estrito.

Voltando à proeminência dos tributos como fonte de receita pública, comprovada pelos números acima apresentados, verifica-se a relevância deles na sua composição, possuindo papel imprescindível na formação do orçamento estatal.

A arrecadação tributária é, portanto, essencial à manutenção da estrutura do Estado e à

garantia do atendimento das necessidades públicas. Sem ela, fundamentos, objetivos e

princípios basilares do Estado Brasileiro deixarão de ser cumpridos, culminando,

principalmente, no desrespeito à dignidade da pessoa humana, que é a razão de ser e o escopo

derradeiro e primordial de todas essas previsões constitucionais. O ingresso de recursos nos

cofres públicos por intermédio da arrecadação tributária é imperativo, do contrário a finalidade

para a qual foi instituído o Estado democrático brasileiro (assegurar o exercício dos direitos

(25)

sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça) não será atingida.

22

Sendo a tributação um dos sustentáculos de todo o Estado brasileiro, ela gera grande parte da receita necessária à consecução das obras e prestação dos serviços públicos, sendo que sua insuficiência acarreta a inviabilidade do desenvolvimento de qualquer projeto governamental, bem como a manutenção do aparato estatal. Além disso, a escassez de recursos públicos põe em risco a própria essência do Estado brasileiro, caracterizado como Estado de bem-estar social, uma vez que as medidas necessárias à sua concretização não poderão ser executadas. Assim, não restam dúvidas quanto à imprescindibilidade da receita oriunda de tributos. Todavia, existem graves problemas que afetam a arrecadação tributária como um todo.

O Sistema Tributário Nacional é irracional, composto por uma base complexa, com excesso de espécies tributárias, entes tributantes e normas aos borbotões, dificultando o entendimento por parte do contribuinte e do próprio Estado em relação ao que se deve pagar, a quem deve se pagar e como fazê-lo.

Agregue-se a isso a desigualdade na distribuição da carga tributária. É frequente a afirmação de que os menos favorecidos suportam a maior quantidade de tributos. E isso se deve ao fato de as camadas mais inferiores da sociedade serem desprovidas de voz ativa, não sendo ouvidas pelos detentores de poder. De outro lado, aqueles que gozam de influência política e econômica invariavelmente tem seus pleitos atendidos pelos poderes constituídos, sendo a carga tributária mais baixa para esses segmentos justamente em razão dessa ingerência, que se efetiva por meio dos institutos do lobby e da captura, e até mesmo da corrupção.

23

Sem mencionar a sonegação fiscal no Brasil, que é gigantesca. Segundo cálculo realizado pelo Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional (SINPROFAZ), por meio do denominado Sonegômetro, entre 01.01.2020 e 16.05.2020 foram sonegados aproximadamente R$ 234.800.000.000,00 (duzentos e trinta e quatro bilhões e oitocentos milhões de reais) em tributos, o que equivale a aproximadamente R$ 1.700.000.000,00 (um bilhão e setecentos milhões de reais) por dia. Cada habitante, nesse período, deixou de recolher aos cofres públicos, em média, R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais).

24

E isso somente a título de sonegação, aí não se incluindo o mero inadimplemento.

22 Preâmbulo da CF.

23 Sobre a influência do poder econômico na aprovação de benefícios tributários: cf. LEINZ, Vivian. MENEZES, Daniel Francisco Nagao. A influência do poder econômico na aprovação de normas jurídicas e sua relação com as teorias sobre o pensamento jurídico contemporâneo. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unochapecó, Chapecó, v. 2., p. 270-286, jan/dez. 2019.

24 SINDICATO DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL. Quanto custa o Brasil. Disponível em:

<www.quantocustaobrasil.com.br>. Acesso em: maio de 2020.

(26)

Junte-se a todos esses fatores a irracionalidade e morosidade da cobrança administrativa e judicial da dívida ativa. A legislação atinente ao processo administrativo põe à disposição do contribuinte uma série de recursos, o quais são usados muitas vezes de forma procrastinatória, prolongando a discussão administrativa e postergando em alguns anos a constituição definitiva do crédito. O processo atinente ao executivo fiscal, por outro lado, é obsoleto e extremamente vagaroso.

Toda essa lentidão, que vai do lançamento do tributo até a efetiva satisfação do crédito tributário (nas raras vezes em que essa ocorre), contribui para o crime de sonegação, deixando o sujeito ativo em sua “zona de conforto”: ele sabe que a cobrança do crédito tributário irá se arrastar por anos a fio, tempo esse mais do que suficiente para seu esvaziamento patrimonial, permanecendo o Fisco lesado de forma permanente.

É nesse contexto que se insere a medida cautelar fiscal. Instituída pela Lei n. 8.397, de 06 de janeiro de 1992, ela tem o condão de tornar indisponíveis os bens do devedor até o limite da satisfação da obrigação, salvaguardando os direitos da Fazenda Pública contra possíveis atos do contribuinte que possam inviabilizar a futura recuperação do crédito de que ela é titular.

A cautelar fiscal foi criada especificamente com o escopo de combater a sonegação fiscal, tanto que assim consta na exposição de motivos da norma que a instituiu:

[...] O empenho demonstrado pelo Poder Público no sentido de combater a sonegação fiscal tem sido prejudicado pela dificuldade ou, freqüentemente, impossibilidade de cobrar o crédito tributário resultante das ações fiscais, ante a insuficiência de recursos, por parte do devedor, para saldá-lo.

Ocorre, entretanto, na maioria das vezes em que tal circunstância se materializa, que a ausência de recursos é resultado da transferência premeditada de patrimônio, com o fim específico de colocá-lo a salvo da ação de cobrança judicial movida pelo Poder Público.

Tal prática torna-se possível e é facilitada pelo lapso temporal transcorrido entre a constituição do crédito tributário e o trânsito em julgado da ação competente para a cobrança da dívida.

Imperioso se torna, portanto, evitar que a ação danosa ao Erário tenha continuidade e assegurar que procedimentos como o narrado não mais constituam meio freqüente e seguro de que se valem elementos inescrupulosos para se apropriarem, indevidamente, de dinheiro público.

Com este objetivo o anexo projeto de lei institui a medida cautelar fiscal e contém disposições relacionadas com a formalização do processo, prazos, elementos de prova, direitos do requerido, dentre outros aspectos, conforme se explicita a seguir [...].

25

25 BRASIL. Projeto de Lei nº 2.156, de 4 de novembro de 1991. Disponível em:

<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1139562&filename=Dossie+- PL+2156/1991>. Acesso em: maio de 2020.

(27)

Portanto, a medida cautelar fiscal foi criada precipuamente como ferramenta de enfrentamento da sonegação fiscal, uma das grandes mazelas que afetam a arrecadação tributária.

No entanto, o que ocorre na prática em relação a essa ação? Quais os entraves judiciais e extrajudiciais? Ela atinge esse objetivo específico traçado pela norma jurídica, acarretando a indisponibilidade dos bens do sonegador e evitando que ele esvazie seu patrimônio no curso do procedimento de cobrança do crédito tributário?

As questões acima postas são importantíssimas e, a depender das respostas, podem comprovar a real eficácia da medida cautelar como forma de combate à sonegação fiscal e à salvaguarda dos direitos creditícios das Fazendas Públicas. Ou, ao contrário, podem demonstrar a total ineficiência desse instituto, não tendo sido atingido o escopo do legislador ao editar o diploma legal em questão, hipótese em que deverão ser encontrados meios alternativos de prevenção e repressão à sonegação de tributos.

Na parte inicial do primeiro capítulo do presente trabalho traçar-se-á um panorama da sonegação fiscal, passando pelo instituto da obrigação tributária e seu inadimplemento, diferenciando-o da sonegação fiscal. A seguir será abordada a sonegação fiscal sob o ponto de vista criminal e o tratamento dispensado pelos legisladores e tribunais ao sujeito ativo desse delito. Encerrando esse subcapítulo, serão demonstradas as razões de ordem extrapenal que contribuem para a propagação da sonegação fiscal, nelas incluídas regras de natureza tributária extremamente benéficas ao mau pagador, havendo uma profusão de parcelamentos ao longo dos anos, com redução de juros e multa em valores aviltantes, anistias e até remissões. A segunda parte desse capítulo versará sobre o processo administrativo fiscal e a execução fiscal, demonstrando-se sua morosidade e ineficiência, características que são um incentivo à sonegação fiscal.

O segundo capítulo terá por objeto a medida cautelar fiscal, sendo analisadas questões legislativas, jurisprudenciais e doutrinárias, com todas suas nuances e exposição de aspectos que eventualmente tenham o condão de impactar a eficácia da cautelar fiscal como forma de combate à sonegação fiscal.

No terceiro capítulo verificar-se-á o que ocorre na prática em relação às medidas

cautelares fiscais: examinar-se-ão alguns processos cautelares, seu procedimento e

desdobramento em primeira e segunda instâncias, quando houver. Para tanto, a metodologia

empregada será a pesquisa empírica do Direito, ou seja, analisar-se-á o direito aplicado à

prática, realizando-se um estudo de caso.

(28)

Fugindo do método de pesquisa comum às ciências jurídicas baseado na revisão bibliográfica, na pesquisa empírica do Direito vai-se a campo a fim de verificar na prática os fenômenos jurídicos, estabelecendo-se uma ligação entre o dever ser e o ser, aproximando a realidade da teoria do Direito. A intenção é sair do debate de teses jurídicas e interpretação das leis em abstrato e partir para a constatação do reflexo dos institutos jurídicos e das normas legais no mundo fenomênico; deixam-se de lado as hipóteses e conjecturas e, por meio da análise e coleta de dados, parte-se para a comprovação efetiva, baseada na experimentação - e não mais na especulação - dos fenômenos jurídicos.

O estudo de caso, metodologia enquadrada na análise empírica do Direito e que será adotada no presente trabalho, é uma “pesquisa que se concentra no estudo de um caso particular, considerado representativo de um conjunto de casos análogos, por ele significativamente representativo.”

26

Seu objetivo é possibilitar que o pesquisador “adquira compreensão mais acurada sobre as circunstâncias que determinaram a ocorrência de determinado resultado, apreendendo as peculiaridades envolvidas na situação.”

27

Esse método, “ao invés de utilizar uma metodologia rígida, com um protocolo fixo e determinado, [...] pressupõe certa autonomia na construção da narrativa e da estrutura de exposição do problema.”

28

Trata-se de uma pesquisa qualitativa em que seu resultado “pode mostrar o que funciona ou não em determinados contextos (ou o que deu certo e o que deu errado), ainda que não assegure o domínio completo das explicações causais”

29

, pressupondo “a avaliação crítica de uma solução já adotada, com sugestões de aprimoramento (proposições contrafáticas) ou de alargamento do campo de aplicação (proposições abrangentes)”

30

. Ou seja, analisam-se profundamente os casos escolhidos e, com base nesse estudo, constatam-se quais foram as soluções adotadas, sugerindo-se melhorias e caminhos alternativos a fim de aperfeiçoar determinado instituto.

Tendo em vista a experiência profissional da autora, que é Procuradora da Fazenda Nacional lotada na Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional da Terceira Região (PRFN3), optou-se pela análise de cautelares fiscais ajuizadas pela Fazenda Nacional perante a circunscrição do Tribunal Regional Federal da Terceira Região (TRF3), especificamente a

26 SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23.ed. São Paulo: Cortez Editora, 2010. p.

121.

27 FREITAS FILHO, Roberto. LIMA, Thalita Moraes. Metodologia de análise de decisões - MAD. Univ. JUS, Brasília, n. 21, jul/dez. 2010. p. 2.

28 Ibid., p. 2.

29 QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo. FEFERBAUM, Marina (coord.). Metodologia da pesquisa em direito:

técnicas e abordagens para elaboração de monografias, dissertações e teses. 21.ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2019.

p. 49.

30 Ibid., p. 49.

(29)

subseção judiciária de São Paulo. Reuniram-se dados sobre ações dessa natureza já propostas,

cotejando-se a teoria e a prática, com o escopo de verificar se a cautelar fiscal auxilia,

efetivamente, na garantia do crédito público durante o longo procedimento para sua cobrança,

e se ela atinge a finalidade constante da exposição de motivos da lei que a instituiu, expondo-

se também as dificuldades enfrentadas pelo Poder Público no bojo desse importante

instrumento de combate à sonegação fiscal.

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