• Nenhum resultado encontrado

Um estudo sobre a couraça de época moderna de Alcácer Ceguer (Ksar Seghir, Marrocos)

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Um estudo sobre a couraça de época moderna de Alcácer Ceguer (Ksar Seghir, Marrocos)"

Copied!
75
0
0

Texto

(1)

Estudo da Couraça da Fortificação de Época Moderna

de Alcácer Ceguer (Ksar Seghir), Marrocos

Adriana Miranda Gomes

Relatório de Estágio de Mestrado em Arqueologia

(Versão corrigida e melhorada após a sua defesa pública)

(2)

Relatório de Estágio apresentado para cumprimento dos requisitos

necessários à obtenção do grau de Mestre em Arqueologia realizado sob a

(3)

Declaro que este Relatório de Estágio é o resultado da minha investigação pessoal e independente. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia.

A candidatada, ____________________ (Adriana Miranda Gomes) Lisboa, 1 de junho de 2020

Declaro que este Relatório de Estágio se encontra em condições de ser apreciada pelo júri a designar.

O orientador, ____________________ (André Pinto de Sousa Dias Teixiera)

(4)

Agradecimentos

De forma breve, em primeiro lugar, agradeço ao meu orientador Professor Doutor André Teixeira, assim como ao meu co-orientador Dr. Cristóvão Fonseca, pelo apoio que me proporcionaram ao longo da realização deste trabalho.

Por outro lado, devo também a minha gratidão aos meus amigos e colegas que me acompanharam e acompanham desde o começo desta jornada.

(5)

ESTUDO DA COURAÇA DA FORTIFIAÇÃO DE ÉPOCA MODERNA DE ALACÁCER CEGUER (KSAR SEGHIR), MARROCOS

ADRIANA MIRANDA GOMES

RESUMO

Alcácer Ceguer ou Ksar Seghir, corresponde a uma pequena vila no norte de Marrocos ocupada pelos portugueses durante quase um século, mais precisamente entre 1458 e 1550. Foi durante este período que os portugueses se apropriaram das fortificações medievais islâmicas preexistentes na vila, modificando-as a par dos cânones militares do século XV e inícios do XVI.

Depois de amplas campanhas de escavações americano-marroquinas entre 1974 e 1981, o sítio é mais recentemente objeto de projetos de investigação luso-marroquinos. Estando em curso o estudo de um plano de intervenção de conservação e valorização da fortificação de Alcácer Ceguer, importa analisar a evolução da sua couraça, isolando as diferentes fases do seu desenvolvimento.

Este relatório é, assim, realizado com recurso a levantamentos fotogramétricos e a sua interpretação através de metodologias da Arqueologia da Arquitetura. Pretende-se, portanto, apresentar um contributo, ainda que breve, à história deste sítio arqueológico e particularmente da couraça, estrutura militar que foi outrora abandonada e negligenciada.

PALAVRAS-CHAVE: Norte de África; Arqueologia Militar; Arqueologia da Arquitetura; Expansão Portuguesa; Séculos XV-XVI.

(6)

STUDY OF THE POST MEDIEVAL FORTIFICATION’S COURAÇA OF KSAR SEGHIR, MOROCCO

ADRIANA MIRANDA GOMES

ABSTRACT

Ksar Seghir is a small village in northern Morocco occupied by Portuguese for almost a century, more precisely between 1458 and 1550. It was during this period that the Portuguese appropriated the pre-existing medieval Muslim fortifications from the village, altering those by the military standards of the fifteenth and the early sixteenth centuries.

After extensive American-Moroccan archaeological excavation between 1974 and 1981, the site is more recently subject of several Luso-Moroccan research projects. As the study of a conservation and enhancement intervention’s plan for the Ksar Seghir is in progress, it’s important to analyze this military structure, the couraça, improvements, isolating different phases of its development.

Therefore, this paper is conducted using photogrammetric surveys and its interpretation through some Archaeology of Architecture approaches. It is intended to presented a contribute, even briefly, to this archaeological site’s History and particularly to its couraça, military structure that was abandoned and neglected over several centuries.

KEYWORDS: North Africa; Military Archaeology; Archaeology of Architecture; Portuguese Overseas Expansion; 15th-16th Centuries.

(7)

Índice

Introdução ... 1

Metodologia ... 4

Estado da Arte... 7

1. Contexto Histórico-Arqueológico ... 10

1.1. O Aglomerado Urbano Islâmico ... 10

1.2. A Ocupação Portuguesa ... 13

3. Couraças: Breve Análise de um Elemento Arquitetónico ... 19

4. Descrição da Couraça de Alcácer Ceguer ... 21

4.1. Paramento Oeste ... 21 4.1.1. Primeiro Momento ... 21 4.1.2. Segundo Momento ... 22 4.2. Paramento Este ... 24 4.2.1. Primeiro Momento ... 24 4.2.2. Segundo Momento ... 25 4.2.3. Terceiro Momento ... 25

5. Discussão dos Dados Obtidos ... 26

5.1. Primeira Couraça ... 27 5.2. Segunda Couraça ... 27 Considerações Finais ... 29 Referências Bibliográficas ... 32 Anexos ... 38 • Figuras ... 38

(8)

Introdução

O presente relatório refere-se ao estágio, realizado no CHAM – Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa, que constituiu a componente não-letiva selecionada para a conclusão do ciclo de Mestrado em Arqueologia, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, desenvolvido entre outubro de 2018 e fevereiro de 2019. O referido estágio foi realizado ao abrigo do protocolo entre a NOVA FCSH e CHAM – Centro de Humanidades, sob a orientação científica do Professor Doutor André Teixeira e a coorientação do Dr. Cristóvão Fonseca, investigador do centro de investigação mencionado e colaborador em trabalhos arqueológicos no sítio estudado.

Com a realização do presente estágio procura-se contribuir para o melhor conhecimento do elemento arquitetónico - a couraça - da fortaleza de Alcácer Ceguer durante a Época Moderna, mais concretamente no período da Expansão Portuguesa. A seleção deste tema deveu-se à intenção de interligar a temática da arquitetura com a Arqueologia Militar, de forma a elaborar uma análise mais extenuante da estrutura escolhida, com o propósito de realizar uma análise usando a metodologia da Arqueologia da Arquitetura numa estrutura pouco estudada, mas que desempenhou um papel pertinente na história da fortificação de Alcácer Ceguer.

Assim, procura-se encontrar paralelos com outras couraças existentes do mesmo âmbito cronológico, tanto no espaço ibérico como além-mar, utilizando toda a bibliografia estudada previamente. Neste sentido, é realizada uma análise detalhada dos resultados obtidos na vetorização e análise dos paramentos da couraça de Alcácer Ceguer, os seus componentes, dimensões, materiais e outros elementos relevantes que foram identificados durante o estudo realizado.

É processada toda a informação selecionada sobre o referido elemento arquitetónico, nomeadamente os dados recolhidos nos levantamentos fotogramétricos, de forma a compreender melhor os pormenores desta estrutura, particularmente as diferentes etapas da construção militar da couraça, através de análises estratigráficas no domínio da Arqueologia da Arquitetura, investigando também as técnicas de construção da couraça, com o objetivo de contribuir para o futuro restauro da estrutura.

Este estágio enquadra-se no projeto de estudo científico e a valorização do sítio arqueológico de Alcácer Ceguer iniciado em 2011 pelo centro de investigação do CHAM

(9)

– Centro de Humanidades. O seu objetivo é analisar uma parcela da informação ainda por estudar derivada de intervenções arqueológicas realizadas, interpretando os dados adquiridos e realizando o levantamento e estudo das estruturas com o fim de contribuir para a conservação e valorização deste local arqueológico.

Deste modo, entre 2011 e 2012, desenvolve-se em Alcácer Ceguer o projeto “Cidades e Arquitecturas de Origem Portuguesa no Norte de Marrocos: Alcácer Ceguer e Arzila” coordenado por Jorge Correia e Mehdi Zouak, e com parceria da Direção do Património Cultural Marroquino e da Direção Regional da Cultura. Este projeto teve como objetivo o reconhecimento dos vestígios portuguesas, do seu levantamento e desenho arquitetónico e urbano (TEIXEIRA; CORREIA, 2017: 203).

Entre 2011 e 2012 um novo projeto proporciona a realização de novas campanhas no sítio arqueológico de Alcácer Ceguer, onde é delimitada uma estratégia para futuras intervenções no terreno. Neste sentido, é analisado o estado do acervo pré-existente proveniente das escavações das campanhas da equipa de Redman. Não apenas o espólio, mas igualmente o registo de campo e das estruturas restantes. Assim, o acervo é organizado, os vários documentos digitalizados e é realizado um levantamento topográfico e arquitetónico das estruturas, disposto de maneira a poderem ser conservadas e investigadas (TEIXEIRA; CORREIA, 2017: 205).

Posteriormente, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e o Centre National pour la Recherche Scientifique et Technique (CNRST) financiaram um novo projeto da Universidade Nova de Lisboa, intitulado “O sítio arqueológico de Ksar Seghir: confluência de civilizações entre o Mediterrâneo e o Atlântico (séculos XIV-XVI)”, dirigido por André Teixeira e Abdelatif El-Boudjay, que ocorre durante os anos 2013 e 2014. Este projeto visa a compreensão das evidências portuguesas na vila, nomeadamente as estruturas militares e religiosas, espaços domésticos, o seu quotidiano e o estudo da cultura material. Conjugando com estes objetivos é também estabelecida a necessidade de valorizar as diferentes estruturas para a sua conservação, conduzindo a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) ao projeto (TEIXEIRA; CORREIA, 2017: 206).

Entre 2014 e 2015 surge outro projeto derivado do concurso para projetos de arqueologia da Fundação Calouste Gulbenkian nomeado de “Espaços e vivências urbanas do período português no Norte de África: Arqueologia em torno do Estreito de Gibraltar (séculos XV a XVII)” igualmente dirigido por André Teixeira. É assim continuado o trabalho de estudo da vida doméstica portuguesa em Alcácer Ceguer, fazendo

(10)

comparações com o material arqueológico e a informação de campo (TEIXEIRA; CORREIA, 2017: 206). Como referido, uma tarefa de grande ênfase destes projetos é a conservação do local arqueológico, levando a equipa à realização de uma limpeza e pequena escavação na igreja matriz. É também realizado o restauro do troço ribeirinho da muralha da vila, que levou à identificação de uma porta não identificada pela equipa americana, concretamente a Porta de Ribeira (TEIXEIRA; CORREIA, 2017: 207).

No presente relatório é apresentada uma contextualização do local estudado, conjugando a sua geografia, história e dados arqueológicos recolhidos relativamente ao local, através da pesquisa bibliográfica realizada ao longo do estágio. É, pois, fornecida a informação relacionada com o trabalho elaborado no referido estágio e como se procedeu ao seu estudo. Inclui-se uma síntese sobre a temática da arqueologia da arquitetura, e como está relacionado com o trabalho elaborado. Ainda assim, o foco do relatório é a couraça de Alcácer Ceguer, descrita o mais integralmente possível de acordo com as informações disponíveis, acompanhada de conclusões relativas aos resultados obtidos e comparada com outras estruturas em território ibérico e norte africano.

(11)

Metodologia

O primeiro passo para a realização deste estágio curricular foi o reconhecimento do objecto do estudo, a couraça do castelo de Alcácer Ceguer, através de visitas ao campo e uma pesquisa bibliográfica sobre o território em estudo, a sua história, desde os primórdios da ocupação da vila e as suas várias fases de ocupação até aos tempos atuais. Também foram analisado os vários trabalhos arqueológicos realizados no local de forma a ter uma percepção dos vários estudos e informações existentes sobre a fortificação de Alcácer Ceguer e, mais particularmente, a sua couraça.

Numa segunda fase procedeu-se à limpeza e desmatação da área para a colocação de alvos ao longo de toda a fortaleza, com vista ao levantamento topográfico e fotogramétrico detalhado da área em estudo, de forma a recolher os dados necessários para a realização deste estágio, pois a deslocação para o local configura-se logisticamente difícil, sendo necessário obter todas as informações possíveis nos breves períodos em que se proporciona possível ir até ao sitio em estudo.

Após a colocação dos alvos foram efetuadas as fotografias1 necessárias para que, usando o programa Agisoft, pudesse ser montado o desenho 3D da estrutura e, por sua vez, configurar as fotografias de forma a puderem ser aplicadas no programa AutoCad, realizando a vetorização dos alçados da couraça.

A vetorização realizada inclui o paramente oeste exterior, bem como o este interior. A partir desta vectorização foi possível fazer uma análise extensiva dos alçados, percebendo os métodos de construção, os materiais utilizados, as várias fases, e os diferentes elementos arquitetónicos ainda perceptíveis. Com os dados obtidos foram realizadas fichas de unidades estratigráficas e posteriormente realizada uma matriz relacionando todos os elementos existentes na couraça analisada.

É de mencionar que este trabalho é realizado em paralelo com a bibliografia recolhida e lida durante o período do estágio, em particular a alusiva à Arqueologia da Arquitetura. Neste sentido, a temática mencionada é uma vertente da Arqueologia que estuda o conjunto de vestígios materiais deixado pelo Homem, onde se estuda a história de um edifício, conjugando os dados arqueológicos e históricos, os estudos de patologias, comportamentos estruturais e caracterização de materiais construtivos. Nesta, aplicam-se

1 As fotografias foram efetuadas por Cristóvão Fonseca, a quem se agradece pela disponibilização de

(12)

fontes escritas, iconográficas, e paralelos estilísticos na análise do edifício. As metodologias são as mesmas utilizadas na Arqueologia, mas adaptadas ao património arquitetónico (SANTOS, 2010: 15), devendo facultar dados em relação às formas e funcionalidades das estruturas, bem como a indicação das técnicas e materiais utilizados (FONTES; MACHADO; CATALÃO, 2004: 173).

Partindo da premissa que um edifico antigo é sempre uma construção estratificada e, como qualquer outro “depósito arqueológico”, é necessário possuir uma metodologia própria que permita garantir o seu registo e a sua interpretação, daí surge a Arqueologia da Arquitetura (RAMALHO, 1996: 295). Desenvolve-se em Itália a partir dos anos 80 do século passado, particularmente na Universidade de Siena por arquitetos como Parenti, Brogiolo, Marino e Doglioni, que estabeleceram um ambiente favorável ao progresso das bases rumo ao desenvolvimento dos métodos e da sua aplicação no restauro arquitetónico (CABALLERO ZOREDA, 1997: 142). Não obstante, esta área procura contestar os métodos tradicionais de análise usando uma metodologia inovadora, proveniente diretamente da Arqueologia, apresentando um cariz mais rigoroso e crítico (RAMALHO, 2011: 3).

Neste contexto, um edifício não é uma construção estática, antes apresenta várias adaptações, alterações, reconstruções e demolições e, com recurso à análise estrutural e evolutiva, à arqueometria, à cultura material, torna-se possível traçar a história evolutiva do edifício, dos materiais empregues e técnicas de construção, da comunidade e época em que se insere a construção. Esta disciplina baseia-se, portanto, na estratigrafia vertical e na horizontal, nas análises de materiais construtivos e estudos da proveniência de matérias-primas, nas análises arqueométricas, nos métodos de datação absoluta e relativa, na apreciação de fontes e documentos escritos e também inclui as leituras estratigráficas de alçados (SANTOS, 2010: 17-18).

Ainda assim, a Arqueologia da Arquitectura apresenta algumas limitações práticas, nomeadamente na obtenção de cronologias absolutas, já que vários dos seus métodos conduzem a datações por métodos relativos sendo também necessário estudar os aspetos estilísticos e técnicos (SANTOS, 2010: 22). Neste sentido, a principal valência desta área corresponde à criação de modelos interpretativos rigorosos, contornando a visão subjetiva que marca parte dos estudos em História de Arte e História da Arquitetura (SANTOS, 2010: 26).

(13)

Para a realização de uma investigação deste cariz surgem sempre elementos invariáveis: um edifício, em qualquer estado de conservação, dimensão, intervencionado totalmente ou parcialmente, uma equipa composta por arqueólogos, arquitetos, restauradores, conservadores e topógrafos, um projeto de intervenção e, previamente, deve ser realizada uma pesquisa bibliográfica documental e iconográfica sobre o local e edifício (SANTOS, 2010: 42). No campo é realizado o levantamento e feita uma representação gráfica pormenorizado do local abrangendo toda a área de estudo. Estes levantamentos correspondem ao ponto de partida para a identificação e registo das várias unidades estratigráficas, elementos arquitetónicos e momentos de construção (SANTOS, 2010: 43).

Após o levantamento é realizada a análise estratigráfica paramental individualizada, onde é ordenado e datado as fases construtivas destrutivas e reconstrutivas, contextualizando assim todos os elementos e ações no seu contexto estratigráfico. Torna-se assim necessário fazer uma descrição correta e abrangente da estrutura, na qual são definas as várias fases de construção reconstrução e remodelação do edifício (SANTOS, 2010: 47).

Neste exercício, deve-se primeiramente procurar encontrar as relações de sobreposição, sucessão e continuidade das unidades murárias, a fim de através destas completar a sequência estratigráfica do edifico, sendo que esta expõe a ordem de deposição de material e proporciona a identificação de interfaces através do tempo (SANTOS, 2010: 50). Apenas se necessário devem realizar-se escavações arqueológicas, em particular abertura de sondagens ao nível do paramento e do subsolo (RAMALHO, 1996: 297).

(14)

Estado da Arte

O estudo sistemático do sítio arqueológico de Alcácer Ceguer iniciou-se em 1972, quando foi é criado um projeto de estudo do local sob a direção científica de Charles L. Redman, em parceria com o Instituto Smithsonian e o governo marroquino. Em seguimento, entre 1974 e 1981 são realizadas seis campanhas arqueológicas e escavados cerca de 500 m2 de área (REDMAN, 1986: 11).

Durante estas campanhas, são elaborados três planos principais para que toda a área da vila fosse investigada corretamente, realizando-se oito sondagens de modo a determinar o limite da fortificação: nas três entradas islâmicas e respetivos muros; um conjunto de dezanove quadrículas de 9 m por 9 m de forma a cobrir toda a área e perceber com se interligam entre si; e por fim a escavação de quadrículas selecionadas com base no julgamento do coordenador. Essas áreas escolhidas são definidas de modo a revelar o plano contínuo dos edifícios, permitindo a investigação dos planos completos dos vários edifícios públicos identificados (REDMAN, 1986: 15).

Nas duas primeiras campanhas foram re-descobertos os edifícios correspondentes à igreja principal e aos banhos públicos islâmicos. Porém, no decorrer das intervenções, compreendeu-se que os níveis islâmicos encontravam-se enterrados a um nível de profundidade bastante significativo, a uma cota inferior à dos níveis portugueses, dificultando a percepção relativa aos níveis de ocupação portuguesa, que se pretendia escavar, registar e remover (REDMAN, 1986: 17). Em relação à couraça, Redman conclui que esta serviria para o acesso à vila pelo mar, para cargas e descargas de mantimentos e/ou pessoas. Consistia, portanto, numa passagem com dois panos de muralha com cerca de 110 m do castelo até à baia, com pavimento e coberta, para proteção superior em momentos de maior hostilidade (REDMAN, 1986: 145).

Mais recentemente, desde 2008, uma equipa interdisciplinar, composta por investigadores vinculados a instituições da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade do Minho, tem vindo a desenvolver projetos de investigação no Norte de África, com a parceria do Ministério da Cultura de Marrocos, relativamente à presença portuguesa na região, o seu material e origem, continuando de certo modo o trabalho de Charles L. Redman (TEIXEIRA; CORREIA, 2017: 197). Estes projetos englobam várias cidades marroquinas, nomeadamente Azamor, Safim, Alcácer Ceguer, Arzila e Ceuta, de modo a compreender os aglomerados urbanos, edifícios, e a vida quotidiana da população portuguesa entre o período medieval e a contemporaneidade, com vista a tornar

(15)

perceptível a simbiose entre a vivência muçulmana e a cristã, para melhor valorização, preservação e divulgação (TEIXEIRA; CORREIA, 2017: 197).

Relativamente à expansão portuguesa no Norte de África é assinalável bibliografia de referência que contextualiza este período na história portuguesa, nomeadamente autores como Jorge Correia, Paulo Braga e Paulo Dias Farinha, entre outros, que referem não somente Alcácer Ceguer, mas outras cidades marroquinas outrora sob o domínio português.

Em relação à fortificação de Alcácer Ceguer possuímos alguma bibliografia produzida no âmbito dos trabalhos arqueológicos realizados em Alcácer Ceguer entre 1974 e 1981, destacando-se claramente a obra de síntese de Charles Redman (1986), que dirigiu esses trabalhos, entre outras investigações parcelares da equipa (REDMAN, ANZALONE, RUBERTONE, 1978; REDMAN, BOONE, 1979; REDMAN, BONEE, MYERS, 1979-80). Estas reúnem informações sobre as diversas estruturas identificadas na vila e as suas funcionalidades, bem como dados sobre a história e evolução da ocupação do local. Neste seguimento, em tom de continuidade aos dados obtidos da investigação de Redman, surgem outras obras relativamente a Alcácer Ceguer da autoria de alguns dos autores mencionados anteriormente (CORREIA, 2008; CRUZ, 2015, DIAS, 1986; FARINHA, 1999; MOREIRA,1989).

O avanço das técnicas militares e a adoção do armamento de fogo, marcaram o início de uma nova era no pensamento de como as fortalezas têm de ser melhoradas e construídas em função dos novos desafios da arte da guerra (MOREIRA, 1989). Destaque-se a síntese sobre as estruturas da presença portuguesa em Marrocos (CORREIA, 2008), além de um estudo sobre o castelo de Alcácer Ceguer a partir de uma análise também no domínio da história da arquitetura (Cruz, 2015).

No âmbito das campanhas arqueológicas luso-marroquinas, Abdelatif El-Boudjay (2012) elabora uma abordagem diferente, referindo a importância arqueológica do local como fonte rica de informação, devido ao facto de depois do abandono português não ter tido nenhuma outra ocupação que apagasse os vestígios portugueses naquela área. É neste sentido que André Teixeira tem coordenado intervenções arqueológicas no local como se demonstra através de recentes divulgações referidas neste relatório (TEIXEIRA; CORREIA, 2017; TEIXEIRA et al., 2019).

(16)

Por fim, em relação ao sítio arqueológico importa analisar os trabalhos mais ligadas à história da arquitetura (GONZALBES CRAVIOTO,1980; DIAS, 1986; MALDONADO.1986; ALMEIDA, 2003;), e dos seus métodos de trabalho (CABALLERO ZOREDA, 1996; SANTOS, 2010; RAMALHO, 2011), pois facultam informações relevantes para a compreensão das diferentes fases de construção e evolução do castelo Alcácer Ceguer durante a ocupação portuguesa.

(17)

1. Contexto Histórico-Arqueológico

1.1. O Aglomerado Urbano Islâmico

Alcácer Ceguer é uma vila no norte da costa marroquina, situada no local onde desagua o rio Laksar, na área do Estreito de Gibraltar, entre as cidades de Tânger e Ceuta. Ao fazer parte da província de Fahs-Anjra esta insere-se na região histórica de Jebala, apresentando as seguinte coordenadas geográficas: 35° 50' 30" N 5° 33' 30" O.

O Estreito de Gibraltar é habitado desde a Pré-História, em grande medida, devido à elevada importância da sua localização geográfica, o que lhe permitiu manter ligações regulares e permanentes com todo o Mediterrâneo. Ainda assim, a abundância de sítios pré-históricos, identificados entre 2009 e 2010, na faixa geográfica entre Belyounech e Oued Alyane testemunha a abrangência e a antiguidade das ocupações da costa atualmente marroquina durante o Paleolítico Médio e o Epipaleolítico. Neste contexto, foram evidenciados determinados vestígios arqueológicos que demostram a ocupação por parte de populações mauritanas e romanas no território de Alcácer Ceguer (EL-BOUDJAY, 2016: 37).

Segundo El-Boudjay, a vila de Alcácer Ceguer ganha importância a partir do século XI ao tornar-se na primeira base naval da História de Marrocos e num local de indústria ligada à produção naval, correspondendo também ao ponto geográfico para rotas com destino ao Al-Andalus, entenda-se a Península Ibérica em período medieval muçulmano, pelas comunidades almorávidas (EL-BOUDJAY, 2016: 36).

Não obstante, recolheram-se até à presente data poucos dados relativos à morfologia urbana islâmica desta vila, ainda que seja possível assimilar certas informações dos meados do século XV, pouco antes da conquista portuguesa (CORREIA, 2008: 144).

A primeira fase de ocupação de Alcácer Ceguer provém de informação textual dispersa, começando em 711 e prolonga-se durante as invasões almorávidas ao sul da Península Ibérica nos séculos XI e XII. Durante o período do Império Merínida, o sítio é renomeado “Kasr al-Majaz” e "Ksar al-Jawaz” (castelo de cruzamento). Quanto à denominação de "Ksar Sghir" (pequeno castelo) este remonta aos sultões Merínidas que usaram este local para atravessarem o Estreito de Gibraltar (EL-BOUDJAY, 2016: 38), distinguindo-se de “Ksar El Kebir” (grande castelo, localizado mais no interior).

(18)

Em Alcácer Ceguer, durante as invasões à Península Ibérica do século VIII d.C., existiria uma pequena fortaleza da tribo Masmuda, correspondendo a um ponto estratégico para as incursões à Europa. Esta fortaleza daria apoio naval e possivelmente seria o local para guardar munições e animais. Neste sentido, surgem relatos que indiciam a possibilidade de Yacoub al Masour, rei dos almóadas, ter construído em Masmuda mesquitas e casas, onde moravam marinheiros, mercadores e oficiais (CORREIA, 2008: 142).

Em 1287 Abu Yacouf Ysuf mandou erguer uma primeira muralha para complementar a fortaleza, porque considerava que o local não deveria servir apenas como apoio naval, permitindo gerar atividades internas de transformações e trocas comerciais, num quadro de relações com o Al-Andalus. Assim, o sucesso deste sítio diminui enquanto à medida que enfraquece a ocupação islâmica na Península Ibérica. Consequentemente ocorre a alteração do nome desta povoação para Ksar Sghir, ou seja, castelo pequeno, durante o domínio merínida no século XIV (CORREIA, 2008: 144).

O posicionamento das portas islâmicas, alguns troços de muralha identificados e a pequena dispersão urbana, permitem constatar que possivelmente existiria neste local outra povoação mais primitiva que fez com que a vila tivesse uma forma circunferencial (CORREIA, 2008: 146). Neste âmbito, o núcleo urbano islâmico está inscrito num recinto circular quase perfeito, com 200 m de diâmetro, conferindo uma originalidade planimétrica e urbana em todo o ocidente muçulmano e sendo composta por mesquita, banhos públicos e áreas residenciais (EL-BOUDJAY, 2016: 39).

Entre os finais do século XII e finais do século XIII, existia uma muralha que fechava a vila com edifícios públicos, casas, comércio marítimo e construção naval. Os dados arqueológicos recolhidos a partir das campanhas arqueológicas mostram três aspetos principais islâmicos: a cintura amuralhada com duas entradas, a porta do Mar (Bab Bahar) e a porta de Ceuta (Bab Sebta)2, mesquita, banhos públicos, mercado e por

fim as próprias habitações, sendo que a construção da muralha não foi posterior a 1458, data do início da presença portuguesa (CORREIA, 2008: 144).

Escavações em Alcácer Ceguer mostram, portanto, três portas que se estendiam para além das linhas da muralha. A porta do mar tinha uma entrada em cotovelo dando acesso à ligação marítima. Esta, localizada no extremo da couraça, apresentava uma

(19)

câmara com escadaria interior que dava ao parapeito do muro e ao telhado sendo decorada com motivos geométricos, arcos e nichos. A porta de Ceuta dava acesso à cidade por terra pelo lado este sendo acompanhada por torres retangulares, esta é de menor dimensão, mas também bastante decorada em semelhante à anterior. Não obstante, a terceira, a porta de Fez, semelhante às outras duas mas mais pequena e com decoração mais simples, apresenta duas fases de construção, respetivamente uma entrada direta entre duas câmaras pequenas e, posteriormente, entrada em cotovelo.

Por outro lado, as campanhas arqueológica realizadas em Alcácer Ceguer mostram que as instituições principais encontravam-se concentradas no quadrante noroeste do aglomerado urbano, adjacentes à porta do mar. Neste sentido, foram escavadas a mesquita e os banhos públicos3 (REDMAN, 1986: 52). A mesquita, no eixo noroeste-sudeste, encontra-se dividida em três partes como a generalidade das mesquitas tradicionais, mas sendo a sua datação complexa, pois apresenta elementos arquitetónicos Almóadas e Merínidas (REDMAN, 1986: 59). Para além desta, foi identificado um edifício de serviço que que fornecia as grandes quantidades de água que o hammam (banho público) precisava, onde também seria o local de produção de cerâmica. Não obstante, julga-se que este edifico foi abandonado, ainda durante a primeira ocupação islâmica, e usado como lixeira, pela presença de carvão, quantidade de fragmentos cerâmicos e ossos de animais, ainda que um poço mantenha a sua função de abastecimento de água até à ocupação portuguesa (REDMAN, 1986: 71).

Mais recentemente, as campanhas arqueológicas luso-marroquinas corroboraram a datação merínida das muralhas, revelando estas clara homogeneidade estrutural, excepto nos casos pontuais de remodelação portuguesa (TEIXEIRA et al., 2019: 16).

3 Estes locais durante a ocupação portuguesa foram reconstruídos mas ainda estão presentes alguns

(20)

1.2. A Ocupação Portuguesa

Entre o século XIV e o XV, D. João I, após alcançar a independência perante o Reino de Castela, necessitava de se afirmar politicamente, procurando assim alargar o território português e alcançar estabilidade económica. A hipótese de fazer guerra contra outros reinos cristãos era arriscada, a expansão para as ilhas atlânticas e territórios abaixo do Cabo Bojador era complexa devido à falta de conhecimento relativo a estas regiões. Afigurava-se, portanto, a hipótese de conquistar territórios no Norte de África, aliada ao interesse pela conversão de muçulmanos em cristãos, projeto que tinha o apoio clerical. Para além deste facto, as praças do norte de África, na área do Estreito de Gibraltar, conferiam uma nítida defesa contra possíveis piratas e, consequentemente, segurança nas rotas comerciais entre o Mar Mediterrâneo e o Oceano Atlântico (FARINHA, 1999: 7-11).

O atual território de Marrocos apresenta vários aspetos que lhe conferem importância. Em contacto com o mar, numa área de planícies com várias linhas de água que brotam das montanhas do Atlas, zona fértil, surgem várias povoações nómadas. Destacam-se duas cordilheiras de montanhas principais, o Rife e o Atlas, o primeiro em contacto o Estreito Gibraltar, Ceuta, a fachada norte marroquina de acesso ao mediterrâneo, e o segundo orientado no sentido nordeste-sudoeste, paralelo à linha da costa atlântica, que separa as planícies férteis dos desertos a este e a sul. Ainda assim, os portos naturais no norte revelam um acesso difícil, sendo que a costa apresenta um perfil pouco pronunciado e é particularmente ventosa, e os estuários dos rios não são susceptíveis para a navegação, devido ao assentamento de areias e da costa rochosa (FARINHA, 1999: 10).

A nível económico os interesses dos portugueses são bastante diversos, encontravam-se em terras férteis, com um comércio rico, e um espaço marítimo vasto. A conquista e invasão das várias cidades marroquinas permitia obter ricos saques. As praças eram a base de várias atividades a mando do rei ou dos nobres. Exploravam os “ricos bancos da orla marítima marroquina”, realizavam trocar comerciais em tempos de paz. A indústria do tecido obteve um grande papel depois da instalação portuguesa em Arguim e na Mina (FARINHA, 1999: 13).

Os vários estratos sociais tinham diferentes regalias económicas com a invasão das praças do norte africano. Militares recebiam doações da coroa portuguesa, residências e condecorações. A burguesia associava-se quando necessário a mercadores estrangeiros,

(21)

tendo contratos de abastecimento nas diferentes praças, sendo responsáveis pelo fornecimento de armas, materiais de construção e outros produtos necessários para a vivência nas praças e também procurando adquirir produtos mais cobiçados pelos europeus, nomeadamente especiarias (FARINHA, 1999: 14).

Ceuta era a opção mais cobiçada, pois tinha um bom posicionamento geográfico, e uma grande facilidade de ancoramento e de defesa. A conquista desta cidade impedia o reino de Granada, último reduto da ocupação islâmica na Península Ibérica, de aceder a um porto importante de contacto com o Norte de África e correspondia a uma resposta aos poucos recursos que Portugal dispunha (FARINHA, 1999: 8). Neste sentido, a conquista de Ceuta em 1415 foi planeada durante seis anos, e nela participaram figuras de grande importância, como o próprio rei D. João I, os seus três filhos mais velhos e um enorme número de nobres de antigas linhagens (FARINHA, 1999: 7).

O início da Expansão Portuguesa obrigou a preparação duma imensa frota, capaz de transportar o exército com armas e mantimentos. A 25 de julho de 1415 os navios partiram de Lisboa e chegam a Ceuta a 21 de agosto. As casas, quintas e terrenos foram saqueados, os mouros abandonaram a cidade e a mesquita foi denominada de Igreja da Nossa Senhora de Assunção. Por Ceuta ser um local perigoso, face ao seu território circundante, foi difícil eleger um capitão que aceitasse manter-se na cidade tendo D. Pedro de Meneses se oferecido para ocupar o cargo, algo que fez com que o seu estatuto social subisse (FARINHA, 1999: 16-17).

A dinastia Merínida estava em declínio aquando a invasão portuguesa, tendo demorado a surgir uma resposta hostil à presença portuguesa. Ceuta, tal como qualquer outra cidade portuguesa em Marrocos, sofria invasões e assédios vindos dos povos vizinhos. Os novos ocupantes mantinham-se dentro da cidade amuralhada, saindo apenas para atividades ligadas essencialmente à agricultura e pastorícia. Neste sentido, os campos em redor detinham bastantes colheitas, mas eram inconstante, pois estavam sempre à mercê de um ataque inimigo (FARINHA, 1999: 18).

Em 1458, D. Afonso V prepara um ataque a Constantinopla, atual Istambul na Turquia, mas pela grande distância e probabilidade de fracasso decide atacar o Norte de África, mais concretamente Alcácer Ceguer, pelo facto desta corresponder a um refúgio

(22)

de piratas muçulmanos e por ser um ponto estratégico para ocupar Tânger e defender Ceuta dos assaltos constantes (FARINHA, 1999: 24).

A vila estava protegida por uma muralha, mas a campanha militar portuguesa consegue trespassa-la com munições de maior calibre e consequentemente a população da vila rende-se e abandona o local. Após a conquista os primeiros dias foram passados a reconstruir as partes da vila destruídas com a invasão (CORREIA, 2008: 150). Durante o mesmo ano são registados dois cercos à vila pelo sultão de Fez para tentar recuperar Alcácer Ceguer. Devido às constantes ameaças feitas ao local, houve um progresso elevado na reconstrução e fortificação da vila, de modo a este local poder ser sustentável e uma zona altamente militarizada para invasões e ameaças futuras (CORREIA, 2008: 150).

A mesquita foi transformada, sendo construída uma capela no canto sudeste e na parede existiam pequenas capelas pintadas para a colocação de altares (CORREIA, 2008: 167). Foi construído um edifício para as reuniões civis da vila e, entre o castelo e a porta de Ceuta, existia uma igreja mais pequena, dedicada a S. Sebastião, reaproveitando uma estrutura pré-existente, mas do período português. Esta igreja e as casas davam acesso à Rua Direita da vila, surgindo poços, moinhos e fornos espalhados pela malha urbana. As casas portuguesas reaproveitaram-se a partir das islâmicas pré-existentes (CORREIA, 2008: 169)

Note-se que em 1408 foi criado por D. João I o imposto das terças, onde um terço dos impostos recolhidos iam para a reparação dos castelos e muralhas, e em 1473 cria-se o cargo de “mestre das obras dos lugares d´Além”, destinado às praças africanas (MOREIRA, 1989: 94). Entre 1490 e 1530, durante o reinado de D. Manuel I, as praças além-mar sofrem o maior número de construções e melhoramentos militares. Neste sentido, são fornecidos mais recursos humanos e materiais às praças para a sua evolução urbana e desenvolvem-se incentivos económicos por parte da coroa à população portuguesa aliciando a ocupação das praças conquistadas no norte de Marrocos (CRUZ, 2015: 45).

Em Alcácer Ceguer, registam-se obras na couraça e no castelo é erguido uma torre de menagem quadrangular. Dotam-se as portas com um sistema de baluartes mais sofisticado, apresentando vários peitoris rasgados por bombardeiras. É construído o baluarte da praia com um grupo de seis bombardeiras, o baluarte de Ceuta que se

(23)

subdividida em quatro lanços em forma de pinça para proteção da porta e dos setores do muro, inclusive a porta do mar (CORREIA, 2008: 163).

D. Manuel herdou um reino com meios humanos e materiais dispersos devido à expansão portuguesa. Assim, fazem-se alianças com as populações vizinhas para que a presença portuguesa fosse pacífica e o acesso às matérias-primas fosse agilizado. Na utilização de mão-de-obra empregavam os povos locais e escravos de outros pontos do império, tendo ainda mestres para a coordenação de trabalhos (MOREIRA, 1989: 108).

No final deste reinado ocorre uma crise nos territórios ultramarinos do Norte de África. Com as dificuldades económicas entre 1521 e 1522 afigura-se complicado sustentar estas praças, consequentemente pagar os ordenados aos diferentes capitães e outros homens de mérito que estavam nas praças a governar o local, face ao lucro obtido no Estado Português da Índia. Para além do surgimento de uma nova dinastia em Marrocos dos xarifes sádidas que pós em perigo a presença portuguesa (FARINHA, 1999: 62).

Neste contexto de declínio, Alcácer Ceguer torna-se uma praça secundária e em 1549 D. João III ordena o seu abandono. Por sua vez, os sádidas não demonstraram interesse em ocupar a vila e esta mantem-se abandonada somente com algumas ocupações clandestinas (CRUZ, 2015, pp. 58). Ainda assim, os portugueses mantiveram-se no Norte de África durante cerca de três séculos e meio, desde a conquista de Ceuta em 1415 até à ordem de abandono de Mazagão pelo Marquês de Pombal em 1769 (FARINHA, 1999, pp. 35).

Escavações em Alcácer Ceguer não mostram a existência de grandes edifícios comerciais ou de uma praça principal, mas vários estabelecimentos de escala menor foram identificados ao longo de ruas principais e praças secundárias. As próprias ruas, de calçada com pontuais padrões geométricos, correspondentes a um elemento básico nas cidades medievais, começavam na porta da cidade e ligavam uma ponta à outra. Ruas mais movimentadas teriam lojas e residências com elementos arquitetónicos mais alusivos, ainda que fossem estreitas e é nas suas intercepções que surgem praças com poços e demais estruturas. Todavia, os maiores edifícios correspondem às igrejas (REDMAN, 1986: 149-150).

A Igreja de Santa Maria da Misericórdia era a igreja principal sendo a maior estrutura em Alcácer Ceguer, construída sob as fundações da antiga mesquita, e

(24)

apresentando várias evidências de renovações de forma a configurar-se numa igreja. A capela principal desta apresenta um comprimento de 20 m e uma largura de 12 m, com escadas que lhe dão acesso a partir da praça principal e um piso em seixos de grande dimensão sendo que cinco destes apresentavam com inscrições. As outras três capelas localizam-se na parede sudoeste, revestida, como as restantes, em gesso, registando-se ainda altares nas paredes que eram decorados (REDMAN, 1986: 150).

Por sua vez, a Igreja de São Sebastião foi construída ao longo da estrada que ligava a porta de Ceuta à cidadela. De configuração retangular, com uma única capela no seu interior, apresentando um altar mal preservado, revestido em gesso, nesta foi recolhida uma cabeça em terracota, que provavelmente estaria presa a uma das paredes (REDMAN, 1986: 150).

Nos banhos públicos islâmicos é registada a construção de uma parede de pedra e argamassa de 1 m de espessura em volta das três salas centrais dos banhos e a passagem entre estas é fechadas. Tal facto seria para fortificar o edifício, pois este pode ter servido como prisão ou arsenal. Nas paredes interiores surgem cortes que se assemelham aos feitos para segurar barras de ferro (REDMAN, 1986: 150).

O edifício da possível assembleia, entre a igreja principal e a cidadela, apresentava 26 metros de comprimento por 18 metros de largura, com duas câmaras principais, com aberturas de grande dimensão para a praça principal, e três divisões mais pequenas abertas igualmente para a rua principal que conduzia à porta de Ceuta (REDMAN, 1986: 150).

Os habitantes de Alcácer Ceguer viveriam em casas modestas ligadas às atividades comerciais locais, com três a seis divisões, e áreas médias de 60 m2 que apresentavam pátio central sem telhado. Neste aspeto, em mais de metade das habitações evidenciaram-se poços e lareiras no pátio (para além de lareiras mais pequenas na cozinha), ainda que as casas de menor dimensão não tivessem nenhum dos dois elementos mencionados (REDMAN, 1986: 166).

Tal como na fortificação e nas igrejas, as casas também demonstram alterações arquitetónicas a partir da ocupação portuguesa. Deste modo, testemunharam-se a construção de fornos com pedra de esmeril, nos complexos habitacionais de uma ou duas divisões, que atesta a existência de uma área para atividades comerciais e industriais. Cinco fornos abobadados foram encontrados ao longo do sítio arqueológico, estes

(25)

apresentam forma de colmeia sendo provavelmente utilizados para a produção de pão (REDMAN, 1986: 167).

Alusivos à presença portuguesa, foram identificadas sete mós circulares, algumas ainda no sítio original. Por outro lado, dois dos edifícios escavados parecem corresponder a lojas de ferreiros e outros dois podem ter sido locais para produção de óleo, vinho, linhaça e/ou outras matérias (REDMAN, 1986: 168).

(26)

3. Couraças: Breve Análise de um Elemento Arquitetónico

Couraça em termos gerais significa uma muralha avançada e perpendicular ao muro da fortificação, construída para proteger o seu abastecimento. Podiam ligar a fortificação a um poço ou rio, caso fosse somente para abastecimento de água, como se regista no Castelo de São Jorge em Lisboa, ou ao mar, para o contacto durante períodos de ataque ou assédio inimigo, de forma a poderem abastecer os núcleos urbanos e a permitirem que estes fossem socorridos (GONZALBES CRAVIOTO, 1980: 365). O arquiteto Torres Balbás define couraça como um muro ou espigão que saí do arranque da muralha urbana e avança em direção a uma torre junto a um corpo de água (PÁVON MALDONADO, 1986: 331). Assim, as couraças são consideradas elementos arquitetónicos de elevada importância para a defesa de uma cidade ou vila, complementando o perímetro amuralhado.

A couraça de Granada teria muros duplos com cerca de 10 m de altura, formando um corredor coberto, não necessariamente em abóbada, onde o espigão avançava até às proximidades do rio; a sua função principal seria o abastecimento de água da cidade. Com o passar dos anos ocorreu um crescimento urbano anexado a ambos os lados da couraça. Através do alargamento da alcáçova e a construção de cisternas a couraça deixou de ter a sua função principal (PÁVON MALDONADO, 1986: 347-349).

Ainda em Espanha regista-se a couraça de Alcalá de Guadaira, que arranca a partir da barbacã do castelo, descendo em direcção ao rio numa trajetória aos ziguezagues (PÁVON MALDONADO, 1986: 359). Na couraça de Málaga, a base das duas muralhas formavam um corredor e protegiam as comunicações entre alcáçova e o castelo de Gibralfaro (PÁVON MALDONADO, 1986: 356). Uma situação semelhante acontecia no Castelo de Molina de Aragão, onde existia um caminho entre a torre de atalaia e o baluarte. No Castelo de Lucena em Córdova existia uma passagem subterrânea que unia o castelo à torre de molina (PÁVON MALDONADO, 1986: 358)

No caso de português além-mar, a couraça de Arzila que paralelamente à de Alcácer Ceguer também apresenta ameias, baluarte e torres anexadas. Dispõe de bombardeiras, tal como seteiras/besteiras para o arremesso sob o inimigo e também teve obras de remodelação provenientes do arranque da primeira estrutura com este fim (PEIXOTO, CORREIA, 2019: 126). No território português, a par da primeiramente referida do Castelo de São Jorge, couraça do Castelo de Melgaço, com

(27)

obras em 1388, dado que é notado que o acesso à água durante períodos de assédio consistia num ponto fraco nas defesas da fortificação. Assim, a couraça é constituída por muros em cantaria, com dois arcos nas extremidades e uma passagem com ponte levadiça (ALMEIDA, 2003: 165, 172, 193).

(28)

4.

Descrição da Couraça de Alcácer Ceguer

4.1. Alçado Oeste

4.1.1. Primeiro Momento

O paramento oeste (vide Imagem 1), virados à desembocadura do rio, tem 66 m de comprimento (Fig. 1 in Anexos), o muro tem uma espessura de 2,2 m e entre o pano oeste e este existe uma distância de 11 m entre os dois (Fig. 2 in Anexos). Ao longo dos alçados, verifica-se alguma destruição ao nível do solo, poderão ser de cariz humano ou devido à passagem do tempo.

É composto por pedras areníticas dispostas em fiadas horizontais, ligadas por argamassa de cal e areia com um total de 34 fileiras ao longo do aparelho. Estas fileiras são alternadas entre pedra pequena, aproximadamente entre 5 a 15 cm de largura e altura entre 3 a 7 cm, e pedra de média dimensão, 30 a 40 cm de largura e altura entre 10 a 20 cm (Fig. 5). É um aparelho de pedras irregulares e de pequena e média dimensão e de cor amarelada. Conjuga fragmentos de arenito e tijolo, de pequena e média dimensão em pouca quantidade, a preencher as áreas pontuais (Fig. 6). A argamassa é de tonalidade branca acinzentada, com areia de grão médio, com inclusões pedras de dimensão muito pequena, semi rolados, bem como conchas, sugerindo que tenha origem marinha.

A técnica de construção é em alvenaria de pedra calcária, com alguma técnica de cantaria, pedras talhadas, ligadas com argamassa de cal brancas. É denominada técnica tradicional pela sua colocação das peças mais ou menos regulares com as suas faces e paramento de forma poligonal para que o assentamento se dê em faces sensivelmente planas.

A aproximadamente 15 m na orientação norte a sul do alçado é possível verificar-se uma porta fechada, entaipada e parcialmente soterrada com um arco de volta perfeita,

(29)

que ligaria o interior da fortificação com o porto à beira-rio, com uma largura de 1,76 m e uma altura não inferior a 6,08 m (Fig. 7 in Anexos).

Na sétima fileira de pedra de média dimensão pode-se verificar em amarelo quatro pedras com a letra “H” (Fig. 8), na sexta somente uma e na quinta um desenho irreconhecível.

Dos elementos de cariz militar, por onde era possível atirar sobre o inimigo, surge uma fileira de 12 ameias rectangulares, posteriormente fechadas e alteadas. Existe alternância regular entre cheios com uma largura entre 1,21 m e 1,28 m e os vazios com 0,55 m (Fig. 9 in Anexos).

4.1.2. Segundo Momento

A couraça passou a ter um comprimento de 132 m, alcançava o mar, e prolongou-se a partir do arranque da primeira couraça. A nova construção elevava-prolongou-se 2 m relativamente à estrutura previamente construída, tem uma altura de 7 m mantendo a largura de 11 m entre o alçado oeste e este. Os muros previamente construídos foram alteados para a construção dos novos (Fig. 10 in Anexos).

Tal como a primeira couraça é disposto por fileiras horizontais, na área mais a norte é percetível 18 fileiras novas de pedras dominantemente de média dimensão, 60 cm de comprimento e 40 cm altura (Fig. 10 in Anexos), com poucas de pequena dimensão, não havendo alternância entre fileiras de duas pedras de tamanho diferente. Em direcção ao lado poente torna-se menos perceptível a composição do alçado devido à quantidade de argamassa que reveste as pedras. Nessa zona de argamassa pode-se claramente o interface dos dois momentos de construção da estrutura, mas não é perceptível se foi utilizada pedra de média e pequena dimensão alternada, pela pouca visibilidade que se tem dessa parte do alçado (Fig. 11 in Anexos). Verifica-se a existência de duas seteiras/besteiras rectangulares, com 50 cm de altura e 6 cm de largura no lado poente a aproximadamente 15 m na orientação norte a sul do alçado, com 5 m de distancia entre as duas seteiras/besteiras (Fig. 12 in Anexos).

Na parte sul da couraça surgem vestígios dos dois cubelos na zona poente, no arranque da parede, com uma altura nunca inferior a 4,5 m e uma espessura entre 45 e 49 cm.. No limite poente do muro, até à linha de corte vertical verifica-se os panos do baluarte da praia. Existe um portal em arco com 6,6 m de largura, 6,8 m de altura, na parte superior um corredor a ligar os cubelos, as suas paredes entre 2,75 m e 3,38 m, uma janela

(30)

de 1,18 m largura 1,89 m de altura e uma abertura para tiros de besta/arco (Fig. 13 in Anexos).

(31)

4.2. Alçado Este

4.2.1. Primeiro Momento

O alçado este (vide Imagem 2, 3 e 4), no lado exterior a norte, surge a marcação de um telhado (os buracos visíveis na estrutura suportariam as vigas de madeira)

Imagem 2: Alçado este interior (proveniente da fotogrametria).

Imagem 3: Alçado este interior (proveniente da fotogrametria).

(32)

prolongava-se pelo menos 36m, mais a sul do alçado não existem os buracos, mas são visíveis outros que não se sabe a funcionalidade.

As fileiras do muro, tal como no muro oeste, são compostas por pedra calcária de média dimensão, 11 fileiras, com uma fila de pedra de menor dimensão, 11 fileiras, intercalada ao longo do muro, não havendo uma paragem como existe no muro oeste. Existe um total de 22 fileiras ao longo do aparelho. Tal como o alçado oeste as pedra pequena têm aproximadamente entre 5 a 15 cm de largura e altura entre 3 a 7 cm, e pedra de média dimensão 30 a 40 cm de largura e altura entre 10 a 20 cm. É possível ver-se também tijolo, embora em muito menor quantidade que no alçado oeste. Não há indícios de ameias nem de seteiras/besteiras (Fig. 15 in Anexos).

4.2.2. Segundo Momento

Como no alçado oeste foram acrescentados cerca de 2 m de altura ao alçado, aproximadamente 10 novas fileiras de pedra de pequena e média dimensão, revestido por argamassa, impedindo assim uma leitura sucinta do paramento (Fig. 15 in Anexos).

(33)

5. Discussão dos Dados Obtidos

Toda a informação obtida pelo trabalho realizado ao longo do estágio está em concordância com as investigações existentes relativas à couraça de Alcácer Ceguer. Assim, de seguida é referida a informação histórica e arqueológica proveniente da bibliografia estudada que corrobora com os dados obtidos.

A 22 de março de 1459 é iniciada a construção da couraça e terminada passado três meses sendo correspondente a um espigão em túnel, na parte oeste da muralha, que terminava junto ao rio. No ano seguinte a porta do mar apresenta reformulações com vista ao alojamento do capitão de Alcácer Ceguer, como local de comunicação marítima sendo, neste âmbito, reformada com uma torre circular para defesa e vigilância do rio (CORREIA, 2008: 152).

A couraça existente atualmente na vila de Alcácer Ceguer, mandada construir em 1459 e remodelada em 1502, foi o resultado do reaproveitamento de uma couraça pré-existente, tal torna-se perceptível através da análise dos remanescentes preservados e do cruzamento do levantamento arquitétonico com os documentos da época (CRUZ, 2015: 85)

Em relação à couraça, na Crónica de D. Afonso V é referido: “El rei entendeu logo no fazimento da coiraça d´Alcacere, por cuja mingua quando tornou sobr´ella de Ceuta a não pôde socorrer nem bastecer como quizera; porque era mais afastada do mar, do que cumpria para os navios sem impedimento e contradição dos de fora a poderem prover” (PINA, 1977, apud FARINHA, 1999).

A couraça seria um espigão em túnel, saindo da zona anexada à muralha oeste ou à porta do Mar, a construção mais sólida do conjunto fortificado de então, e terminado no leito baixo do rio. Era rematado por dois torreões circulares que possibilitava a existência de um posto ofensivo com artilharia com visibilidade para o mar (CRUZ, 2015: 85).

No século XVI fizeram-se reparações na couraça, sendo o objectivo principal era prolongar a estrutura até ao mar, fundindo a construção anteriormente iniciada com os novos cânones militares, de modo a que do conjunto saísse um braço fortificado uno e coerente com dois cubelos no final (MOREIRA, 1989: 122).

(34)

Os únicos documentos que contêm informações sobre a couraça de Alcácer Ceguer são as crónicas de Rui de Pina sobre Afonso V e de Gomes Eanes de Zurara sobre o primeiro capitão da vila (CRUZ, 2015: 87).

5.1. Primeira Couraça

Na crónica de Pina, e juntamente com o que se pode observar na estrutura existente pode-se perceber a existência de uma primeira couraça: “A leitura dos paramentos virados à desembocadura do rio, no arranque do espigão actual, acusa a existência de uma estrutura coincidente e de construção mais antiga.” (CRUZ, 2015: 87).

Existe uma porta que tinha um arco de volta perfeita e ligaria o interior da fortificação ao porto à beira-rio. Esta entrada segundo os dados estratigráficos e a análise de vestígios é possível perceber-se que foi uma construção mais antiga em comparação com a outra porta construída próxima (CRUZ, 2015: 89).

No parapeito ameado consegue-se perceber o alteamento dos muros aquando a remodelação da couraça em 1502, em relação com o alinhamento do adarve actual pode-se teorizar que o caminho de ronda do primeiro espigão estaria mais baixo cerca de 2m relativamente à estrutura posterior (CRUZ, 2015: 89).

É ainda incerto de como funcionaria o acesso desde a primeira porta até ao interior da vila, sendo a construção de um torreão circular a resposta mais provável por permitir uma articulação entre a porta e o castelo. Do lado oposto era possível que existisse uma ligação às camaras do castelo através de escadas que davam do percurso das rondas ao andar superior (CRUZ, 2015: 91).

5.2. Segunda Couraça

As obras de prolongamento da couraça existente são dadas pelo rei D. Manuel I em 1502 e ficam a cargo de Pêro Vaz. Foi acrescentado um novo espigão em túnel à couraça, com o objectivo de a prolongar até ao mar. A sua extremidade teria duas torres redondas. O piso inferior da torre era abobadado, com seteiras e bombardeiras ao longo dos pisos (CORREIA, 2008: 156).

Foi construída em alvenaria de pedra calcária, com aparelho irregular de pequena e média dimensão, ligada com argamassa de cal. Em partes onde era necessário maior

(35)

cuidado ou reforço, com os talhes-mares ou vãos para artilharia, ter-se-á recorrido a técnicas de cantaria. (CRUZ, 2015: 93)

Segundo o documento escrito por Pêro Vaz em relação às remodelações da couraça é referido que esta tem de ser prolongada até ao mar, com o levantamento realizado à couraça actual é possível verificar que tem um comprimento de cerca de 132 metros, desde a antiga porta islâmica até aos torreões. Vaz também refere que a largura da couraça não deve ser alterada e dita a construção de dois cubelos, que actualmente não estão evidentes, simplesmente encontram-se presentes dois arranques na couraça que poderão ser os torreões relatados por Pero Vaz. Estes teriam câmaras interiores com dispositivos militares, como seteiras para poder haver o cruzamento de fogo entre os dois cubelos (CRUZ, 2015: 95).

Em relação aos muros das couraças as ameias eram antiquadas e largas demais sendo necessário alterar, mas esta obra não foi realizada em contrapartida o adarve foi alteado e construído um parapeito novo ameado, com seteiras/besteiras ou até troneiras (CRUZ, 2015: 103).

Em 1508 foram enviadas novas informações a Pêro Vaz, que se encontrava em Alcácer Ceguer, para novas obras, inclusive a construção de uma torre de menagem que interferiria com a couraça, pois iria inscrever-se na largura do espigão aproveitando os seus muros. Com esta nova obra foi então construído um muro que seccionava perpendicularmente o braço da couraça com 10,45m de lado, um parapeito com bombardeiras parcialmente coberto, a porta que ligava à couraça tinha 1,57m de largura e 2,16 de altura com um arco de volta perfeita e uma porta de madeira de batente com duas folhas. O corredor foi construído sobre o adarve poente da couraça, com seteiras para o lado do rio e pelo menos uma para o interior da fortificação (CRUZ, 2015: 111).

(36)

Considerações Finais

Apesar da importância estratégica que Alcácer Ceguer apresenta durante um período na história da expansão portuguesa, este consiste numa vila ainda com imenso potencial a ser analisado por arqueólogos e investigadores de diferentes áreas, independentemente de revelar espólios e estruturas numerosas desde os anos 70 do século passado.

Após de ter beneficiado, entre 1974 e 1985, de ações arqueológicas dirigidas por Charles L. Redman, o sítio de Alcácer Ceguer é deixado ao abandono durante quase 25 anos (EL-BOUDJAY, 2012: 118). Não obstante, estas campanhas revelaram per si vários aspetos do aglomerado urbano da vila, nomeadamente os dispositivos defensivos, a mesquita maior, os banhos públicos, o mercado e as áreas habitacionais. Relativamente à ocupação portuguesa, percebe-se a “área casteleja”, o reforço feito nas fortificações, a transformação da mesquita principal na igreja matriz, o anulamento dos banhos públicos, a mudança nas habitações de modo a ficarem nos padrões construtivos portugueses e a, pouco afirmativa, mudança na cultura material (TEIXEIRA; CORREIA, 2017: 204).

Durante o presente trabalho foi possível estudar os alçados existentes da couraça da fortificação de Alcácer Ceguer, e dar um contributo arquitectónico e arqueológico à informação existente do local, embora ainda haja muito trabalho por realizar nesta temática. Para a realização deste trabalho a Arqueologia da Arquitetura revelou-se como uma ferramenta indispensável, assim como a todos os que se dedicam à reabilitação de património construído, nomeadamente arquitetos, arqueólogos, engenheiros, conservadores-restauradores e historiadores de arte. No estudo desenvolvido, o edifício histórico passou efetivamente “a ser encarado como qualquer outro documento que é necessário ler e interpretar” (RAMALHO, 1996: 302).

As couraças constituíam singulares e importantes complementos defensivos ao perímetro fortificado de uma praça, permitiam de forma relativamente segura e permanente, em períodos de assédio inimigo prolongado, o acesso ao mar ou ao rio. Por conseguinte, possibilitavam a prestação de socorro e o abastecimento de uma vila ou cidade cercada (MOREIRA, 1989: 123). Em concordância, a realização deste trabalho permite, numa primeira instância, a compreensão da importância crucial que as características geográficas e os acontecimentos históricos desempenharam na construção

(37)

da couraça de Alcácer Ceguer, inserida num dos locais mais importantes para o Reino de Portugal no Norte de África entre os séculos XV e XVI.

Progressivamente assistiu-se a uma autêntica inovação da técnica militar, que ocorreu entre os séculos XV e XVI, e se comprometeu com a introdução da pólvora na arte da guerra. Deste modo, a balística que fazia uso de armas que disparavam projécteis e caracterizava os períodos anteriores, deu lugar ao armamento de bocas de fogo e pirotécnico. Assim, surgem as fortificações de transição que revela multiplicidade de ângulos de tiro, procurando-se que a estrutura militar dispare em vários sentidos, uma concepção da fortificação de forma mais unitária e simétrica, uma contenção volumétrica, afirmando-se uma horizontalidade das muralhas e das torres, bem como um reforço da base e alargamento das paredes para que se aguentasse o impacto dos projécteis da artilharia.

Em termos da expansão portuguesa no Norte de África, em 1540 regista-se a primeira perda em Santa Cruz do Cabo de Gué (atualmente Agadir, no litoral marroquino) (FIGANIER, 1945), tornando-se evidente que o conhecimento tecnológico de artilharia tinha sido assimilado pelos inimigos islâmicos mais próximos do espaço português, sendo urgente a modernização das fortificações. Como características principais as estruturas militares quinhentistas e seiscentistas apresentam uma forma geométrica, embora irregular, onde os acessos foram visivelmente reduzidos face ao observado no sistema anterior e onde torres foram sendo progressivamente substituídas por baluartes, desenhados de forma angulosa de modo a resistir ao projéctil inimigo e a aperfeiçoar a ideia de cruzamento de fogos.

Pode concluir-se que Alcácer Ceguer e o seu sistema de defesa militar, tal como a História assim o incita, passou por diversas fases de construção, alteração e demolição. Mudaram-se os tempos, adaptaram-se as realidades, como aliás se observa noutros pontos do território nacional, por exemplo Cascais (ROCHA; SARMENTO, 2012: 445), Setúbal (PORTOCARRERO, 2003) e Lisboa (FERREIRA, 2015: 80-95), sendo este em maior escala, por contemplar duas margens de um rio e uma área bastante superior. Não obstante, este trabalho possibilita o entendimento das mudanças verificadas no sistema de defesa costeira entre a tardo-medievalidade, ainda muito ligado à morfologia original do terreno e a Idade Moderna, onde inovadoras ideias e técnicas tornavam-se claras na observação dos remanescentes arquitectónicos militares. Assim, as alterações militares empregues em meados do século XVI, resultaram em melhores condições, na perspectiva

(38)

do poder real, contemplando mais área, quer costeira quer terrestre, e visibilidade do que o anterior.

A análise relativamente à couraça representa uma pequena fração do potencial do estudo da fortificação de alcácer Ceguer através de várias metodologias. Permitiu perceber fases de construção, de alteamento, a história da couraça.

As várias modificações dos elementos militares levaram à consideração de que, a título sugestivo, a presença portuguesa em alcácer Ceguer foi hostil, algo também documentado em relação às outras praças portuguesas em território marroquino e que corrobora as fontes históricas.

Por fim a adoção de uma abordagem Interdisciplinar, nomeadamente a arqueologia arquitectura e arqueologia militar foi essencial para a interpretação dos seus elementos bélicos e construtivos que ainda estão presentes na couraça de alcácer Ceguer.

(39)

Referências Bibliográficas

ACIÉN ALMANSA, Manuel Pedro (1989), “Poblamiento y fortificación en el sur de al Andalus. La fortificación de un país de Husun”. In III Congreso de Arqueología Medieval Española. Vol. I. Oviedo: s.n. Pp. 135-150.

ALMEIDA, Carlos A. Brochado (2003), “A “couraça nova” da Vila de Melgaço. Resultado de uma intervenção arqueológica na Praça da Republica”. In Portvgalia. Vol. XXIV. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Pp. 165-201.

BAZZANA, A.; CRESSIER, P.; ERBATI, L.; MONTMESSIN, Y.; TOURI, A. (1983-1984), “Première prospection d´archéologie médiévale et Islamique dans le nord du Maroc (Chefchaouen-Oued Laou-Bou Ahmed)”. In Bulletin d’Archéologie Marocaine. Vol. XV. Rabat: s.n. Pp. 367-450.

BOONE, James L.; MYERS, J. Emlen; REDMAN, Charles L. (1990), “Archeological and Historical Approaches to Complex Societies: The Islamic States of Medieval Morocco”. In American Anthropologist. Vol. 92. N.º 3. Pp. 630-646.

BOONE, James L; BENCO, Nancy L. (1999), “Islamic Settelement in North Africa And The Iberian Peninsula”. In Annual Review of Anthropology. Vol. 28. Pp. 51-71.

BRAGA, Paulo Drumond (1998), “A expansão no Norte de África”. In A Expansão Quatrocentista (= Nova História da Expansão Portuguesa). Vol. II. Lisboa: Estampa. Pp. 235-357.

CABALLERO ZOREDA, L. (1997), “Arqueoloxía e Arquitectura. Análise arqueolóxica e intervención en edificios Históricos”. In As Actuacións no patrimonio construído: un diálogo interdisciplinar. Santiago de Compostela: Consellería de Cultura, Comunicación Social e Turismo. Pp. 129-158.

CABALLERO ZOREDA, L. (1996), “El método arqueológico aplicado al processo de estudio y de intervención en edificios históricos”. In Arqueologia de la Arquitectura. Salamanca: Europa Artes Gráficas. Pp. 55-74.

CRESSIER, Patrice (2012), “Al-Qasr al-Saghîr, ville ronde”. In Ksar Seghir. 2500 and d échanges intercivilisationnels en Méditerranée. Rabat: Institut d’Études Hispano-Lusophones. Pp. 61-89.

(40)

CORREIA, Jorge (2008a), Implantação da Cidade Portuguesa no Norte de África - da Tomada de Ceuta a Meados do Século XVI. Porto: FAUL Publicações.

CORREIA, Jorge (2008b), “Dimensões da Castelologia Portuguesa no Norte de África entre Quatrocentos e Meados de Quinhentos”. In Anais de História de Além-Mar. Lisboa/Ponta Delgada: CHAM-Centro de História de Além Amar. N.º 9. Pp. 9-36.

COSTA, João Paulo Oliveira e; RODRIGUES, José Damião; OLIVEIRA, Pedro Aires (2014), História da Expansão e do Império Português. Lisboa: Esfera dos Livros.

CRUZ, João Sérgio Braga da (2015), O Castelo Português de Alcácer Ceguer: Transformações Morfológicas nos sécs. XV e XVI. Vol. 1. Guimarães: Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, área de especialização em Cultura Arquitectónica, apresentada à Escola de Arquitectura da Universidade do Minho.

DIAS, Pedro (1986), O Manuelino. Lisboa: Publicações Alfa. (História da Arte em Portugal, vol. 5).

DIAS, Pedro (1988), A Arquitectura Manuelina. Porto: Livraria Civilização Editora.

DIAS, Pedro (1998), “Fortificações portuguesas, além-mar; no tempo de D. João II (1481-1495)”. In A Arte na Península Ibérica ao tempo do Tratado de Tordesilhas. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. Pp. 11-66.

DIAS, Pedro (2000), A Arquitectura dos Portugueses em Marrocos, 1415- 1769. Coimbra: Livraria Minerva Editora.

EL-BOUDJAY, Abdelatif (2012), “La mise en valeur du site archéologique de Ksar Seghir: bilan et perspectives”. In Ksar Seghir. 2500 and d échanges inter-civilisationnels en Méditerranée. Rabat: Institut d’Études Hispano-Lusophones. Pp. 107-131.

EL-BOUDJAY, Abdelatif; TEIXEIRA, André; LOPES, Gonçalo Cor- reia; TORRES, Joana Bento (2016), “La fortification et la mer à Ksar Seghir: le rempart ouest et les portes riveraines entre le XIVe et le XVIe siècle”. In Entre les deux rives du Détroit de Gibraltar: Archéologie de frontières aux 14-16e siècles / En las dos orillas del Estrecho de Gibraltar: Arqueología de fronteras en los siglos XIV-XVI. Lisboa: CHAM - Centro de Humanidades. Pp. 165-200.

Imagem

Fig.  1:  Território  marroquino,  excluindo  área  disputada  do  Saara  Ocidental  e  com
Fig. 3: Alçado Oeste (CRUZ, 2015: 92).
Fig.  5:  Alternância  entre  as  fileiras  de  pedra  de  pequena  e  média  dimensão  [001]
Fig 8: Pormenor de letra “H” visível ao longo do alçado (proveniente da fotogrametria)
+4

Referências

Documentos relacionados

Em primeiro lugar, faremos uma análise pontuando algumas considerações acerca do marco da Assistência Social dentro do contexto da Constituição Federal de 1988, destacando a

dade se algumas destas recomendações não forem seguidas? Este tipo de conhecimento é de suma im- portância para os trabalhos da Ass i stência Técnica, pois que,

O biogás gerado no tratamento de águas residuárias de suinocultura, quando reaproveitado como fonte energética, necessita passar por processos de purificação

Raichelis 1997 apresenta cinco categorias que na sua concepção devem orientar a análise de uma esfera pública tal como são os conselhos: a visibilidade social, na qual, as ações e

Derivaram de ações capazes de interferir no dimensionamento desta unidade, especialmente que atuassem sobre as vazões e qualidades de água a demandar e

Se pensarmos nesse compromisso de engajamento como fator primordial para o exercício de ativismo pelas narrativas artísticas, a proposta de divisão dos conceitos

Justificativa: Como resultado da realização da pesquisa de Mestrado da aluna foram encontradas inconsistências na informação sobre o uso de Fitoterápicos pelos

(2019) Pretendemos continuar a estudar esses dados com a coordenação de área de matemática da Secretaria Municipal de Educação e, estender a pesquisa aos estudantes do Ensino Médio