UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
TALES DAROS
PRIVACIDADE VERSUS INFORMAÇÃO: A PRESERVAÇÃO DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA FRENTE À GARANTIA CONSTITUCIONAL
DA DIVULGAÇÃO DA INFORMAÇÃO
Tubarão,
2010
TALES DAROS
PRIVACIDADE VERSUS INFORMAÇÃO: A PRESERVAÇÃO DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA FRENTE À GARANTIA CONSTITUCIONAL
DA DIVULGAÇÃO DA INFORMAÇÃO
Monografia
apresentada
à
disciplina
de
Metodologia da Pesquisa Jurídica, do Curso de
Direito, como requisito parcial à obtenção do
título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. José Paulo Bittencourt Júnior, Esp.
Tubarão,
2010
TALES DAROS
PRIVACIDADE VERSUS INFORMAÇÃO: A PRESERVAÇÃO DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA FRENTE À GARANTIA CONSTITUCIONAL
DA DIVULGAÇÃO DA INFORMAÇÃO
FOLHA DE APROVAÇÃO
Esta monografia foi julgada adequada à
obtenção do título de Bacharel em
Direito e aprovada em sua forma final
pelo Curso de Direito.
Universidade do Sul de Santa Catarina.
Tubarão, 22 de novembro de 2010.
EXAMINADOR:
a) Trabalho escrito _______________________ (______) (nota máxima 10,0)
b) Apresentação oral _____________________ (______) (nota máxima 4,0)
c) Argüição
______________________________ (______) (nota máxima 6,0)
EXAMINADOR:
a) Trabalho escrito
_______________________ (______) (nota máxima 10,0)
b) Apresentação oral _____________________ (______) (nota máxima 4,0)
c) Argüição
______________________________ (______) (nota máxima 6,0)
ORIENTADOR:
____________________________________________
Professor Eron Pinter Pizolatti
, ______
______________________________________________
Professor Ronaldo Amorim Sant’Anna, Mst.
______________________________________________
Professor José Paulo Bittencourt Júnior, Esp.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao tio Val (in
memoriam).
AGRADECIMENTOS
A Deus, ser supremo e de energia inesgotável, aonde busquei e busco
diariamente toda a inspiração da minha vida.
Aos meus avós maternos, Sebastião Lourenço de Lima e Zelma
Zandonadi de Lima, almas límpidas e puras, que dedicaram suas vidas em torno da
construção de sua família e sempre impuseram à todos o real valor do trabalho, da
honestidade, da compaixão, do caráter e do amor incondicional.
À minha tia, Gisele de Lima, que nas horas mais difíceis demonstrou-me
que grandes conquistas só triunfariam quando superadas as maiores dificuldades.
Ao meu tio, Carlos Ivan de Lima, homem de imensurável valor, e que
solenemente guia-me a cada obstáculo superado, com um sorriso regado de mérito
e orgulho.
Aos meus pais, Leonel João Daros e Gislene Regina de Lima, que mesmo
na ausência, fizeram sua parte, sem os quais eu não estaria aqui.
Ao meu anjo Dih, que mesmo na distância soube-me aconchegar com a
melodia de sua voz transpondo palavras afetivas e carinhosas, trazendo-me
equilíbrio e determinação.
Aos meus amigos, em especial à Larissa, a irmã que eu não tive.
Ao professor Antônio Minguetti, mestre que esteve ao meu lado quando
eu mais achei que tudo estava perdido, ensinamentos que levarei para a vida toda.
A meu orientador, professor José Paulo Bittencourt Júnior, que com
grande maestria sempre me trouxe a chave das portas quando elas se fechavam.
Aos meus mestres, que durante essa jornada acadêmica trouxeram-me
uma percepção singular acerca de quão importante é o Direito, trazendo-me um
dinamismo em observar o mundo de outro plano.
A todos que de certa maneira colaboraram para que este sonho se
tornasse realidade.
“Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na de
qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como
meio” (Kant).
RESUMO
Analisa os limites impostos pelo interesse público à livre manifestação do
pensamento mostrando as repercussões da violação à honra, já que a imprensa, de
forma grave, invade e viola preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos
de personalidade. Busca-se, dessa forma, compreender os limites que devem ser
obedecidos pela imprensa diante da proteção dos direitos de personalidade. Assim
sendo, o estudo tem como objetivo conhecer a linha divisória entre o direito à
informação e o direito à inviolabilidade da vida privada. Adota o método de
abordagem indutivo amparado pelo método de procedimento monográfico, sendo
que o diálogo com o campo do estudo foi construído envolvendo as técnicas de
pesquisa bibliográfica, por consulta a fontes secundárias (doutrina) e por exame às
fontes primárias (legislação e jurisprudência). Os resultados da pesquisa mostram
que o direito à informação e o direito à privacidade pertencem a uma parte da
realidade do direito constitucional brasileiro que se mostra conflituosa e, por
conseguinte, pode resultar em embates no judiciário. Das conclusões alcançadas
destaca-se que a atual norma constitucional brasileira, que trouxe os princípios e
garantias fundamentais como pilares centrais do Estado Democrático de Direito, veio
ao encontro das transformações pelas quais a sociedade contemporânea passa, e
isso pressupõe o respeito ao princípio da dignidade humana, que deve ser
preservado por amor à democracia, à igualdade e à solidariedade, bem como por
respeito ao ordenamento jurídico pátrio como condição principal para que se
construa uma sociedade melhor, mais justa, livre e isenta de desigualdades.
Palavras-chave: Princípios constitucionais. Direito à informação. Direito à
privacidade. Veículo de comunicação. Ética na informação.
ABSTRACT
It analyses the limited imposed by public interest to free manifestation of thoughts
showing the repercussions of honor violation, provided that the press, in a serious
way, invades and violates constitutional precepts related to personality rights. This
way, a search takes place to understand the limits to be obeyed by the press before
the protection of personality rights. Therefore, the study has the goal of knowing the
dividing line between the right to information and the right to respect for private life. It
uses the inductive approach method supported by the monographic procedure
method, providing that the dialog with the study field was built involving bibliographic
research techniques, by secondary sources query (doctrines) and by primary sources
examination (legislation and jurisprudence). The results of the research show that the
right to information and the right of privacy belong to a part of the Brazilian
constitutional law reality that reveals itself as conflictual and, consequently, can
generate shock of ideas in the judiciary. Among the conclusions achieved, the one
that stands out is that the actual Brazilian constitutional rule, that brought the
fundamental principles and assurance as central pillars of the Democratic State of
Law, meets the transformations which the contemporary society is going through and
this presupposes respect to the principle of human dignity, that should be preserved
under the love to democracy, equality and solidarity, as well as under respect to
national juridical ordainment as main condition to the construction of a better society,
fairer, free and without inequalities.
Key-words: Constitutional principles. Right to information. Right of privacy. Means of
transportation. Ethics in information.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ... 11
2 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ... 14
2.1 PERSPECTIVA HISTÓRICA: DOS DIREITOS NATURAIS DO HOMEM AOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS ... 14
2.1.1 Perspectiva histórica dos direitos fundamentais frente às Constituições
da República Federativa do Brasil ... 19
2.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS X GARANTIAS INDIVIDUAIS ... 21
2.3 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS ... 22
2.4 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS (1ª A 4ª GERAÇÃO) ... 24
2.4.1 Direitos fundamentais da primeira geração ... 25
2.4.2 Direitos fundamentais da segunda geração ... 26
2.4.3 Direitos fundamentais da terceira geração ... 27
2.4.4 Direitos fundamentais da quarta geração ... 28
2.5 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS, COM ESPECIAL ATENÇÃO AO PRINCÍPIO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 29
3 DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS ... 33
3.1 DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE ... 33
3.1.1 Do direito à intimidade ... 33
3.1.2 Do direito à vida privada ... 34
3.1.3 Do direito à honra ... 35
3.1.4 Do direito à imagem ... 36
3.1.5 Do direito à privacidade ... 37
3.2 DOS DIREITOS À COMUNICAÇÃO E À INFORMAÇÃO ... 39
3.2.1 Do direito à liberdade de comunicação, evolução histórica e noção ... 39
3.2.2 Meios de comunicação social ... 41
3.2.3 Do direito à informação ... 43
3.2.4 Liberdade de informação em geral ... 44
3.2.5 Liberdade de manifestação do pensamento ... 45
4 LIMITES À LIBERDADE DE IMPRENSA FRENTE AOS DIREITOS DA
PERSONALIDADE ... 48
4.2 COLISÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS, EQUILÍBRIO HARMÔNICO NA
SOLUÇÃO ... 53
4.3 LIMITES À LIBERDADE DE IMPRENSA, FRENTE À VIOLAÇÃO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 58
4.4 RESPONSABILIDADE POR DANOS AOS DIREITOS PERSONALÍSSIMOS ... 61
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 75
REFERÊNCIAS ... 79
ANEXOS ... 85
Anexo A – Lei nº 5.250/67, 30 de abril de 2009 – Lei de imprensa ... 86
Anexo B – Matéria de capa do jornal Folha de São Paulo, de 25 de outubro de
2010 ... 104
1 INTRODUÇÃO
Em países que alcançaram o status de Estado Democrático de Direito,
não são raros os conflitos entre normas, entre princípios ou entre princípios e
normas constitucionais. Nesse sentido, o estudo busca verificar, na diplomacia maior
da Carta Política, o que ocorre entre a liberdade de imprensa e a inviolabilidade da
vida privada ou, noutros termos, o campo de exame delimitado para o estudo incide
sobre questões relacionadas ao direito à privacidade e o direito à informação diante
da preservação da dignidade da pessoa humana e da garantia constitucional da
divulgação da informação.
Nesse sentido, é importante observar não ser incomum que, ao se abrir
as páginas de um jornal ou ao assistir-se a um noticiário televisivo, matérias
envolvendo personagens formadoras de opinião, pessoas públicas, tenham
expostas a sua imagem, a vida privada, a honra ou a intimidade. Note-se, esses
eventos são contrários aos direitos invioláveis garantidos pelo art. 5º, inc. X, da
Carta.
1Nessa esteira, por extensão, consequentemente, vêm os escândalos
motivados por um sem número de fatos que vão desde a negligência, imprudência
ou imperícia de agentes do Estado, até a usurpação dos valores postos à
individualidade como, relacionamentos extraconjugais, envolvimento com o
narcotráfico, dentre outros inúmeros exemplos.
Por esse conceito é que o estudo tem como objeto os limites impostos
pelo interesse público à livre manifestação do pensamento mostrando as
repercussões da violação à honra, já que a imprensa (falada ou escrita), de forma
grave, invade e viola preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos de
personalidade. Assim sendo, busca-se compreender os limites que devem ser
obedecidos pela imprensa diante da proteção dos direitos de personalidade.
A liberdade de imprensa informa que um Estado é Democrático e de
Direito porque o Estado assegura liberdade de expressão a todos os seus cidadãos.
1
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 09 nov. 2010.
Referentemente, segundo o art. 5º, inc. IX, da Constituição Federal de 1988, é livre a
manifestação de comunicação, independente de licença ou censura
2.
Nesse mesmo eixo segue o inc. XIV, artigo retro, que assegura sigilo à
fonte reveladora ao mesmo tempo em que assegura, a todos, o direito à
informação
3. Diante do embate entre ambos os dispositivos citados, a imprensa,
como veículo transmissor da informação, quando administrada por mentes falhas,
pode tornar-se uma arma poderosa e legitimada à invadir a privacidade e denegrir a
imagem do cidadão.
Em face do exposto restam algumas perguntas difíceis de silenciar, dentre
as quais elegeram-se as seguintes à pesquisa: Quais limites estabelecem a linha
divisória entre o direito à informação e o direito à inviolabilidade da vida
privada? Até que ponto o direito à privacidade do indivíduo é respeitado na
divulgação da informação? Quais os objetivos do veículo de informação, seus
deveres e obrigações perante a ética na informação?
A importância do estudo está no fato de o tema ser objeto de debate por
conta do conflito que há entre normas constitucionais, uma vez que a tese levantada
pelos dois setores são antagônicas e, portanto, resultam entendimentos diferentes.
Dessa fora, o interesse em estudar o assunto se deve à curiosidade despertada em
observação a questões inerentes a realidade fática.
Sabe-se que problemas relacionados têm merecido atenção de técnicos e
especialistas que se dedicam ao setor de interesse do estudo. Assim sendo,
pretende-se que a discussão acerca do tema possa render contribuições para o esclarecimento
de aspectos controversos, bem como um novo ponto de vista acerca do assunto.
Nessa perspectiva, a relevância teórica se respalda na probabilidade de
se clarificar questões doutrinárias e jurisprudenciais relativamente aos problemas de
pesquisa acima formulados. E, noutra instância, deixar contribuições tanto para o
meio acadêmico quanto para o meio jurídico e a sociedade em geral.
Para dar ação à pesquisa foram determinados os seguintes objetivos:
geral – conhecer a linha divisória entre o direito à informação e o direito à
inviolabilidade da vida privada. Específicos: a) comparar os princípios constitucionais
referente ao conflito constitucional estabelecido; b) identificar até que ponto o direito
a privacidade do indivíduo é respeitado na divulgação da informação; c) demonstrar
2
BRASIL, loc. cit. 3
os objetivos reais dos veículos de comunicação, seus deveres e obrigações perante
a ética da informação.
Referentemente ao delineamento metodológico, informa-se que o estudo
foi construído com base no método de abordagem indutivo conjugado ao método de
procedimento monográfico, segue amparado por técnicas tipicamente utilizadas em
pesquisas de natureza bibliográfica para o estabelecimento de diálogo com o campo
do estudo. Com base no desenho metodológico traçado, o estudo resultou numa
estrutura de cinco capítulos, através dos quais pretende-se atingir os objetivos acima
pautados e superar algumas das limitações particulares aos trabalhos científicos.
2 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais do homem foram atribuídos de forma natural e
evolutiva, na medida em que o convívio social se fazia necessário ao
desenvolvimento da sociedade como um todo. Destes, o princípio da dignidade
humana assume relevo ímpar, por se tratar os direitos fundamentais como
conseqüência da dignidade do ser.
2.1 PERSPECTIVA HISTÓRICA: DOS DIREITOS NATURAIS DO HOMEM AOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS
Os direitos individuais do homem eclodiram no terceiro milênio a.C., na
região do Egito antigo e Mesopotâmia, através de algumas normas que relativizavam
a influência do Estado frente a questões individuais do ser humano. O código de
Hammurabi, por volta de 1690 antes de Cristo, é a compilação mais antiga de
normas tratando de direito comum a todos os homens, tais como a vida, a
propriedade, a honra, a dignidade, a família e a conseqüente hegemonia desses
princípios em relação ao Estado. Mais tarde, por volta de 500 antes de Cristo,
uniu-se a esuniu-se rol de direitos personalíssimos a igualdade entre os homens, propagado
pelas idéias de Buda.
4Na Grécia antiga, em razão de vários estudos, destacou-se a necessidade
da igualdade e liberdade dos cidadãos, e como estes podiam contribuir ao
desenvolvimento da polis perante a política. Ainda na Grécia diversos pensadores,
principalmente sofistas e estóicos, implantaram na sociedade a crença da existência
de um direito natural não escrito e imutável, superior às leis escritas.
5Não obstante, foi na Roma antiga que se firmou com realce a tutela dos
direitos individuais em relação ao Estado, trazendo a estes valores imperiosos e
4
MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 24-25. 5
WEBER, Tadeu. Ética, direitos fundamentais e obediência à Constituição. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.); MICHELMAN, Frank I.; MACHADO, Jónatas E. M. et. al. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do dvogado, 1998, p. 38.
incontestáveis, por meio da lei das doze tábuas, que consagrou à nossa realidade
atual direitos como a liberdade, a propriedade e o amparo aos direitos do cidadão.
6Posteriormente os direitos humanos foram avigorados pela forte influência
trazida pelo cristianismo, sob a idéia de igualdade entre os homens,
independentemente de origem, raça, sexo ou credo, e como estes são de extrema
relevância perante a preservação da dignidade da pessoa humana, dignidade esta
que fundamenta a verdadeira razão de ser na essência do indivíduo em um moderno
estado constitucional de direito.
7A partir do século XVI as doutrinas jusnaturalistas foram de fundamental
teor na solidificação dos direitos fundamentais, de particular e irrefutável importância
foi o pensamento de Santo Tomás De Aquino, que além de pregar a concepção
cristã de igualdade entre os homens perante Deus, ainda trazia a concepção de
duas ordens distintas, formadas pelo direito natural e o direito positivo, a primeira
trazida como expressão da racionalidade humana e a segunda como uma forma de
reprimir os casos de desobediência por parte dos governantes em relação a este
direito natural, com o exercício do direito de resistência por parte da população.
8No séculos XVII e XVIII, em paralelo ao cume da doutrina jusnaturalista
atingida por conta das teorias contratualistas, o direito natural culminou de uma vez
por todas no movimento iluminista, este com total inspiração jusracionalista, e por
idealizadores como Thomas Hobbes (1588 – 1679) e mais tarde por John Locke
(1632-1704), ambos formadores da base da doutrina individualista e jusracionalista,
traziam consigo a idéia de que os homens, por conta de sua razão e vontade, têm o
poder de organizar o Estado e a sociedade,tendo os governados total vinculação na
relação autoridade-liberdade. Tal movimento vingou no constitucionalismo, a
significância dos direitos de liberdade do indivíduo e o limite imposto ao poder
estatal perante estes.
9Na lição de Perez Luño, “com Locke a defesa dos direitos naturais à vida,
à liberdade e à propriedade converteu-se na finalidade precípua da sociedade civil e
em princípio legitimador do governo.”
10Grandes nomes marcaram a difusão da idéia jusnaturalista, base do
6 MORAES, 2000, p. 24-25. 7 SARLET, 1998, p. 39. 8 Ibid., p. 39. 9 Ibid., p. 40. 10
movimento iluminista pelo mundo todo, na França Rousseau (1712 – 1778), Thomas
Paine (1737-1809) na América, este com destaque a popularização em sua obra da
expressão “direitos do homem” ao invés do remoto “direitos naturais”, e, na
Alemanha o irrefutável Kant (1724–804), que para muitos doutrinadores foi o marco
destaque desta fase histórica dos direitos humanos.
11Ingo Wolfgang Sarlet separa, em seus ensinamentos, a imagem dos
ensinamentos de Kant trazido por Luño, que assim destaca-se:
Para Kant, todos os direitos estão abrangidos pelo direito de liberdade, direito natural por excelência, que cabe a todo homem em virtude de sua própria humanidade, encontrando-se limitado apenas pela liberdade coexistente dos demais homens.12
Os direitos fundamentais do homem, em sua fase de nascimento,
transpuseram inúmeras etapas de concretização em relação à significância e
relevância perante à sociedade, o mesmo adveio, com relação ao seu ajuste perante
a esfera do direito positivo, para isto, inúmeras foram as codificações elaboradas ao
longo do tempo até chegar a magnificência da Declaração Dos Direitos do Homem,
assinada em Paris em 1948.
Dentre estas, as de maior realce e consideradas o berço dos direitos
fundamentais foram elaboradas na Inglaterra, onde pode-se frisar a Magna Charta
Libertatum, de 1215, a Petition of Right, de 1628, o Habeas Corpus Act, de 1679, o
Bill of Rights, de 1689, e o Act of Seattlemente, de 1701.
13Todas referidas traziam consigo valores que mais tarde eclodiriam em
grandes princípios do direito moderno, como o devido processo legal, a
proporcionalidade entre delito e sanção, o livre acesso à justiça, a liberdade de
entrada e saída do país de origem e o reforço do imponível princípio da legalidade.
Em seguida e não menos relevante, na linha de reconhecimento dos
direitos fundamentais do homem, a Revolução dos Estados Unidos da América
trouxe legados como a Declaração de Direitos da Virgínia e a Declaração de
Independência dos Estados Unidos Da América, de 1776, simultâneo a Constituição
dos Estados Unidos da América, de 1787.
14Estas, além de reforçarem princípios fundamentais citados anteriormente
11 SARLET, 1998, p. 41. 12 Ibid., p. 41. 13 MORAES, 2000, p. 24-25. 14 Ibid., p. 27.
com relação às codificações inglesas, proclamaram direitos humanos como o direito
à vida, à liberdade e à propriedade, bem como a limitação dos direitos estatais
perante os individuais, merecendo grifo à Declaração de Direitos da Virgínia que
apregoou em sua seção I,o direito à liberdade de imprensa.
A glorificação dos direitos fundamentais do homem perante o direito
positivo, contudo, coube à França, que em 1789, por meio de sua assembléia
nacional promulgou a Declaração dos Direitos Humanos Fundamentais, legado este
que transmitiu à sociedade moderna inúmeros direitos vitais ao ser humano, que
consagraram-se com a publicação da Constituição Francesa por volta de 1793,que
além de trazer novas formas de controle estatal, regulamentou de forma expressa os
direitos fundamentais do homem, merecendo destaque a igualdade, a liberdade, a
livre manifestação de pensamento, a liberdade de imprensa,a presunção de
inocência, o devido processo legal, entre outros.
15Diante de mensurável valor histórico ao positivismo dos direitos
fundamentais do homem, cabe-se a transcrição do preâmbulo deste extraordinário
legado:
O povo francês, convencido de que o esquecimento e o desprezo dos direitos naturais do homem são as causas das desgraças do mundo, resolveu expor, numa declaração solene, esses direitos sagrados e inalienáveis, a fim de que todos os cidadãos, podendo comparar sem cessar os atos do governo com a finalidade de toda a instituição social, nunca se deixem oprimir ou aviltar pela tirania; a fim de que o povo tenha sempre perante os olhos as bases da sua liberdade e da sua felicidade, o magistrado a regra dos seus deveres, o legislador o objeto da sua missão. Por conseqüência, proclama, na presença do Ser supremo, a seguinte declaração dos direitos do homem e do cidadão.16
A efetivação de tais direitos por conta de tão solene glorificação, manteve
a linhagem de preocupação do legislador com relação à valoração dos direitos
fundamentais do homem mesmo diante do constitucionalismo liberal do século XIX,
tendo como exemplos a Constituição espanhola, em 1812, a Constituição
portuguesa em 1822, a Constituição belga em 1831 e a Declaração francesa em
1848, todas aprimorando a herança deixada pela corte francesa no século XVIII, e
encabeçando uma nova forma de direitos fundamentais direcionada à parte social
como um todo; ênfase à Constituição portuguesa, que trouxe à tona o direito a
inviolabilidade de domicílio,à livre comunicação de pensamentos e à inviolabilidade
15
MORAES, 2000, p. 28. 16
da comunicação de correspondência.
17Ao século XX, reserva-se mediante legados como a Constituição
mexicana em 1917, a Constituição de Weimar, em 1919, a Declaração Soviética dos
Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918, seguida pela Constituição
Soviética no mesmo ano e por final a Carta do Trabalho, editada pelo Estado
Fascista italiano em 1927; a intensa preocupação destas em estender os direitos
fundamentais do homem ao meio social como um todo, abrangendo religião, direitos
socioeconômicos, direitos dos trabalhadores e incumbindo total responsabilidade do
Estado à pureza, à saúde e o desenvolvimento social da família.
18A evolução histórica de proteção dos direitos humanos, trouxe ao mundo
moderno a necessidade primordial e eficaz da preservação destes frente à
comunidade internacional como um todo, para tanto, inicia-se por meio de
declarações sem caráter vinculativo, que mais tarde se tornariam tratados
internacionais na intenção de obrigar os países que assim aderissem, ao
cumprimento das normas neles estabelecidas.
Destarte, elaborou-se a partir da previsão da carta da ONU em 1944, a
necessidade da formação de uma comissão dos Direitos Humanos, visando a prévia
necessidade dos estados membros na preservação destes, assim, sob a presidência
de Eleonor Roosevelt, brota a Declaração Universal Dos Direitos Do Homem que
conforme preceitua Moraes:
[...] a Declaração Universal dos Direitos do Homem afirmou que o reconhecimento da dignidade humana inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade da justiça e da paz no mundo, bem como que o desprezo e o desrespeito pelos direitos da pessoa resultaram em ato bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que as pessoas gozem de liberdade de palavra, de crença e de liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade tem sido a mais alta aspiração do homem comum.19
Composta de 30 artigos, a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
foi adotada e proclamada pela Resolução nº 217 A (III) da Assembléia Geral da
ONU, que em 10 de dezembro de 1948 ratificou a valoração enquadrada à
dignidade e valor da pessoa humana, bem como na igualdade de direitos entre
ambos os sexos, visando à evolução da sociedade como um todo em um estado de
17 MORAES, 2000, p. 28. 18 Ibid., p. 30-31. 19 Ibid., p. 36.
vasta liberdade.
20Vale ressaltar dentre inúmeros princípios valorados, os preceitos
norteadores do presente estudo, a inviolabilidade à honra, à imagem e à vida
privada.
Conclui Piovesan, a Declaração “vem a atestar o reconhecimento
universal dos direitos humanos fundamentais, consagrando um código comum a ser
seguido por todos os estados”.
21O Brasil aderiu à Declaração Universal dos Direitos Humanos na própria
data de sua retificação pela ONU, ostentando assim a estimação frente à dignidade
da pessoa humana na conservação de seus preceitos fundamentais.
2.1.1 Perspectiva histórica dos direitos fundamentais frente às Constituições
da República Federativa do Brasil
O Brasil, desde a política imperial, sempre tratou de reverenciar em suas
Constituições a importância com relação à significância do tema, direitos
fundamentais do seres humanos.
A Constituição do império, declarada em 25 de março de 1824, trazia um
título inteiro de teor relacionado à garantia de direitos civis e políticos de cidadãos
brasileiros, em seus 35 incisos do artigo 179 da referida Carta Magna, já se
consagravam direitos e garantias individuais, como: o princípio da igualdade e
legalidade, livre manifestação de pensamento, inviolabilidade de domicílio, liberdade
religiosa, respeito á dignidade do preso, inviolabilidade de correspondências, direito
de petição, dentre outros, que sem sombra de dúvidas já demonstravam a
relativização do poder do estado frente aos interesses individuais.
22A intitulação de um rol de direitos fundamentais, abordado na fase
imperial, foi novamente declarada pela primeira constituição republicana em 1891,
que, além dos direitos e garantias individuais trazidos pela carta anterior, abordou
em seu artigo 72 princípios importantes como a ampla defesa, a abolição da pena de
20
MORAES, 2000, p. 36. 21
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 176.
22
morte, a instituição de júri, o habeas corpus, dentre outras garantias sociais e
socioeconômicas.
23A praxe das constituições brasileiras preverem um capítulo a respeito de
garantias e direitos foi mantida pela carta de 1934, que em seus 38 incisos do artigo
113 vislumbrou um rol de direito fundamentais, dentre os principais e tão relevantes
quanto os demais, a irretroatividade da lei penal,o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada, o direito adquirido, os direitos do autor na reprodução de obras literárias,
artísticas e científicas, a assistência judiciária gratuita, o mandado de segurança e a
ação popular.
24A Constituição de 1937, apesar de promulgada em meio a características
políticas ao período, além da repetição dos direitos fundamentais clássicos, trouxe
inovações, prevendo 17 incisos em seu artigo 222 que realçava; a impossibilidade
da aplicação de penas perpétuas, a criação de um tribunal competente para julgar
crimes que atentassem contra existência, a segurança e a integridade do Estado e a
guarda e emprego da economia popular.
25Porém, a Constituição de 1946 reproduziu o que promulgado até então
pelas outras constituições com relação aos direitos e garantias fundamentais, exceto
no caput de seu artigo 141, onde frisou uma nova redação, que após seria utilizada
pelas cartas que assim a sucederiam, inclusive a atual, proclamando de antemão a
garantia à inviolabilidade dos direitos relativos à vida, à liberdade, à segurança
individual e à propriedade, e tratou de absorver, em decorrência da tendência do
momento, direitos sociais relativos aos trabalhadores e empregados, bem como
trouxe a concessão de mandado de segurança, o contraditório, dentre outros.
26A Constituição de 1967, seguiu a tradição brasileira de enumeração
exemplificativa com relação aos direitos vitalícios, continuando com o legado,
trazendo à tona, além dos direitos e garantias individuais já firmados pelas suas
precursoras, novidades como: sigilo das comunicações telefônicas e telegráficas,
respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário, previsão de
competência mínima para o tribunal do júri,entre outras.
27Emanada de um período de forte autoritarismo que traçou os
21 anos do
23 MORAES, 2000, p. 33. 24 Ibid., p. 33. 25 Ibid., p. 33. 26 Ibid., p. 33. 27 Ibid., p. 33-34.
regime militar no nosso país, a Magna Carta de 1988, resultado de uma
redemocratização do país após o período militarista, trouxe aos cidadãos brasileiros
muito mais que um tracejar de preceitos pátrios inerentes a um fidedigno Estado
Democrático de Direito, a principiar pela positivação dos direitos fundamentais logo
em seguida do seu preâmbulo, trazendo assim maior rigor lógico à notabilidade
destes frente à ordem constitucional e jurídica, bem como a inserção da terminologia
“direitos e garantias fundamentais”, que nas cartas precedentes traziam “direitos e
garantias individuais”, além de auferir a estes aplicabilidade imediata, qualificação
esta que excluiu o cunho programático imposto pelas constituições anteriores.
282.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS X GARANTIAS INDIVIDUAIS
Trouxe-nos a Carta Magna de 1988 um título inteiro de teor, Direitos e
Garantias Fundamentais, porém em momento algum abordou o legislador quais as
diferenças existentes entre direitos e garantias, e qual a melhor solução a ser
adotada pelo aplicador do direito quando do embate entre estas.
Diversos doutrinadores diferenciam direitos de garantias fundamentais a
principiar, é indispensável trazer a lição do mestre Barbosa, citado por Moraes, que
traz a separação das disposições de caráter declaratório, as quais estampam nas
leis direitos reconhecidos, das disposições assecuratórias, que são as que agem de
forma à propiciar segurança ao cumprimento dos direitos declarados, em relação ao
poder.
29Moraes ainda destaca a imagem da doutrina de Canotilho
Para Canotilho, rigorosamente, as clássicas garantias são também direitos, embora muitas vezes se salientasse nelas o caráter instrumental de proteção dos direitos. As garantias traduzem-se quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a proteção dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais adequados a essa finalidade.30
A mesma discrepância traz Miranda, ao relacionar direitos como bens de
caráter individual e garantias como meios de assegurar tais direitos:
28
SARLET, 1998, p. 65-69. 29
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 28. 30
Clássica e bem atual é a contraposição dos direitos fundamentais, pela sua estrutura, pela sua natureza e pela sua função, em direitos propriamente ditos ou direitos e liberdades, por um lado, e garantias por outro lado. Os direitos representam por si só certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias acessórias e, muitas delas adjetivas(ainda que possam ser objeto de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se direta e imediatamente, por isso, as respectivas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projetam pelo nexo que possuem com os direitos; na acepção jusracionalista inicial, os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se.31
Dessa forma, cumpre-se a anotação de que direitos são bens da vida,
essencialmente tudo que o indivíduo pode gozar, é um direito, e estes possuem
caráter totalmente autônomo em relação às garantias, que, trazem postura
instrumental e acessória e visam assegurar o gozo desse direito por meio de
instrumentos previstos na norma jurídica.
2.3 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS
No decorrer da história, inúmeras foram as terminologias utilizadas na
definição dos direitos fundamentais e direitos humanos, apesar da doutrina
freqüentemente tratar ambos como sinônimos, é clara sua distinção utilizando-se de
argumentos objetivos e conclusivos.
Sarlet, inspirado na doutrina de Canotilho, destaca, “o termo direitos
fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano, reconhecidos e
positivados na esfera do direito constitucional de determinado estado
32.”
O qualificativo fundamental é explanado por José Afonso Da Silva como:
[...] trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados.33Assim, cumpre salientar o fato de que, os direitos fundamentais vêm a ser
uma positivação da norma jurídica frente a uma sociedade democrática de direito,
31
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro:Coimbra, 1990, p. 138. 32
SARLET, 1998, p. 31. 33
SILVA, Afonso José. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 178.
que assevera a preservação e valoração da dignidade do indivíduo acima de
qualquer direito; diversamente dos direitos humanos que, guiado por Jorge Miranda,
Sarlet anota:
[...]a expressão direitos humanos guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supra nacional(internacional).34
Moraes registra a ótica de José Castan Tobeñas, que define direitos
humanos como:
[...] aqueles direitos fundamentais da pessoa humana - considerada tanto em seu aspecto individual como comunitário – que correspondem a esta em razão de sua própria natureza (de essência ao mesmo tempo corpórea, espiritual e social) e que devem ser reconhecidos e respeitados por todo poder e autoridade, inclusive as normas jurídicas positivas, cedendo, não obstante, em seu exercício, ante as exigências do bem comum.35
Desse modo, cumpre-se ressaltar a estimação devidamente proposta a tal
direito, visto que, trata-se o mesmo de valores intrínsecos na personalidade do
indivíduo sem os quais impossível assegurar o amparo a dignidade da pessoa
humana.
Diante do exposto, constata-se que as expressões, direitos fundamentais
e direitos humanos possuem acepções diferentes, porém, reconhecer tal diversidade
não significa desprezar a afetuosa relação existente entre ambos, sendo que, os
direitos personalíssimos garantidores da dignidade do indivíduo só serão
reverenciados internacionalmente, quando de sua necessária positivação por meio
da institucionalização da norma jurídica que realizar-se-á por conta da
materialização constitucional presente em uma sociedade democrática de direito que
garante e abriga de forma intransponível a dignidade da pessoa humana.
36Desse modo, a doutrina moderna, no escopo de perpetrar a concepção
de que os direitos humanos por si constituem caráter fundamental, tem destacado o
uso da expressão direitos fundamentais do homem, relevando assim, a nítida
intenção em ressaltar a importância de certos valores e reivindicações essenciais de
todos os seres humanos, por conta do reconhecimento dos mesmos diante da
34 SARLET, 1998, p. 31. 35 MORAES, 2000, p. 40. 36
fundamentalidade material, ensejando assim uma veneração e garantia de
cumprimento por parte do estado à nível internacional.
37Nesse sentido Silva registra:
Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas
.
38Como melhor técnica, trazemos o conceito de Luño, apresentado por
Moraes. Segundo aquele autor, os direitos fundamentais do homem são:
[...] um conjunto de faculdade e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional.39
Portanto incumbe-se realçar a devida importância de instituir um
conceito que compreenda a real valoração dos direitos personalíssimos do
indivíduo, envolvendo este não só o esclarecimento dos devidos valores
intransponíveis na pessoa, como também sua positivação perante o sistema
governamental.
2.4 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS (1ª A 4ª GERAÇÃO)
Os direitos fundamentais do homem, no decorrer de sua existência
transpuseram por distintas transformações, relativas ao seu conteúdo, titularidade e
efetividade.
40Preliminarmente, cabe-se destacar o surgimento de três gerações,
respectivamente relacionadas à liberdade, à igualdade e à fraternidade, que,
conjugadas formam o idealismo revolucionário dos franceses no séc. XVIII. A
doutrina moderna, com a devida maturação, da relação do fenômeno jurídico e a
sociedade em si, instituiu a existência de uma quarta, havendo ensinamentos de até
37 SARLET, 1998, p. 33. 38 SILVA, 2007, p. 178. 39 MORAES, 2000, p. 40. 40
mesmo uma quinta geração.
412.4.1 Direitos fundamentais da primeira geração
Marcado pelo pensamento individualista liberal-burguês do séc. XVIII
surge, a limitação da influência estatal na vida singular do indivíduo.
Nesse sentido Sarlet empunha a lição de Paulo Bonavides, “direitos de
resistência ou de oposição perante o estado”.
42Sendo estes de cunho intransponível
por parte do poder público, correspondendo a individualidade de cada ser humano,
nesse entendimento a lição de Mota e Barchet, “São os direitos individuais que
consagram as liberdades individuais, impondo limitações ao poder de legislar do
estado. Necessariamente estão inseridos no texto constitucional e decorrem da
evolução do direito natural[...]”.
43Salienta-se a inclusão a esses direitos uma série de liberdades
relacionadas a manifestação do pensamento coletivo, bem como direitos políticos e
da sociedade impor sua decisão de forma democrática em relação ao seus
representantes, nesse sentido Sarlet leciona:
Assumem particular relevo no rol desses direitos, especialmente pela sua notória inspiração jusnaturalista, os direitos à vida, à liberdade, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. São posteriormente complementados por um leque de liberdades, incluindo assim as denominadas liberdades de expressão coletiva(liberdades de expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação, etc.) e pelos direitos de participação política, tais como o direito de voto e a capacidade eleitoral passiva[...].44
Em suma, o mesmo autor ainda destaca a lição de Bonavides, “cuida-se
dos assim chamados direitos civis e políticos, que, em sua maioria, correspondem a
fase inicial do constitucionalismo ocidental.’’
45Assim, atribui-se a esta geração, como o embrião formador da essência
41
MOTTA, Sylvio; BARCHET Gustavo. Curso de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 2009, p. 94.
42
BONAVIDES apud SARLET, 1998, p. 48. 43
MOTTA; BARCHET, op. cit., p. 94. 44
SARLET, 1998, p. 48. 45
personalíssima de cada indivíduo, âmago este que resguarda a dignidade da pessoa
humana.
2.4.2 Direitos fundamentais da segunda geração
Os direitos fundamentais da primeira geração apesar de consagrar
formalmente a individualidade do ser humano não se ocuparam em absorver a
garantia de seu efetivo gozo, decorrendo-se assim já no séc. XIX a imposição ao
comportamento funcional do estado na realização da justiça social, caracterizados
pelo direito do indivíduo de postular perante o poder público prestações sociais,
como assistência social, saúde, educação, trabalho, etc.
46Leciona Silva, acerca dos direitos sociais:
[...]prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas nas normas constitucionais que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização das situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam a idéia de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.47
Moraes, ao enfatizar os direitos fundamentais da segunda geração,
tratou-os como direitos sociais, econômicos e culturais, e anotou a lição de
Themistocles Brandão Cavalcanti:
[...] o começo do nosso século viu a inclusão de uma nova categoria de direitos nas declarações e, ainda mais recentemente, nos princípios garantidores da liberdade das nações e das normas de convivência internacional. Entre os direitos chamados sociais, incluem-se aqueles relacionados com o trabalho, o seguro social, a subsistência, o amparo à doença, à velhice, etc.48
Porém, a concretização desses direitos somente se efetivaria se o ente
estatal, disposto de prerrogativas próprias, cedesse à postura inerte concebida nos
direitos de primeira geração e transpusesse a atuar de forma ativa afim de,
consumar a igualdade formalizada em época
anterior, em igualdade material, real,
46 SARLET, 1998, p. 49. 47 SILVA, 2007, p. 286-287. 48
efetiva.
49Deste modo, compete-se a tal geração, a devida significância, frente à
garantia de que os direitos personalíssimos trazidos pela primeira geração sejam
efetivamente usufruídos de forma igualitária entre todos os homens.
2.4.3 Direitos fundamentais da terceira geração
A conseqüente evolução natural da sociedade como um todo,
desencadeou a necessidade de uma norma jurídica influenciável no campo coletivo,
que abrangesse interesses gerais e comuns a cada ser formador da “polis”
50.
Sarlet, inspirado na doutrina de Celso Lafer, confere ao terceiro lema
formador do movimento ideológico revolucionária francês o seguinte:
Também denominados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, conseqüentemente como direitos de titularidade coletiva ou difusa.51
Essa essência indeterminável abrange intrinsecamente os direitos ao
meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à
autodeterminação dos povos e a outros direitos inerentes ao bem comum, não seria
contraditório afirmar-se que, o direito a comunicação encontra nessa dimensão
evolutiva do direito, seu respaldo jurídico.
52O Senhor Ministro Celso De Melo proclamou em sessão solene:
[...]os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais e indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.53
Com relação a positivação dessas normas faz-se necessário uma análise
de que, ressalvadas exceções, ainda há muito de se evoluir no que tange à
49
MOTTA; BARCHET, 2009, p. 95. 50
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro, 2004, p. 378. 51
SARLET, 1998, p. 50. 52
MORAES, 2006, p. 26-27. 53
constitucionalidade dessa garantia suprema, seguindo assim a pós-evolução iniciada
pelo direito internacional, que consagra esse legado por conta de inúmeros tratados
e outros documentos transnacionais nesta seara.
54Desse modo, conclui-se a significância trazida por este período evolutivo,
frente à preocupação com o interesse comum, este solidário a todos.
2.4.4 Direitos fundamentais da quarta geração
Concernente ao desenvolvimento social, que ocorre de forma natural e
incoercível, a norma jurídica intuindo uma harmoniosa relação junto à evolução
científica, tecnológica e social que vise primordialmente à preservação da dignidade
da pessoa humana, concebeu a formação do quarto plano evolutivo dos direitos
fundamentais.
Desse entendimento parte-se a lição de Motta e Barchet:
Essa geração se ocupa do redimensionamento de conceitos e limites biotecnológicos, rompendo a, cada nova incursão científica, paradigmas e, por fim operando mudanças significativas no modo de vida de toda a humanidade. Urge a necessidade de seu reconhecimento para que não fique o mundo jurídico apartado da evolução científica.55
Sarlet sucinto e objetivo, guiado na doutrina do notável professor Paulo
Bonavides, sustenta, “que esta é o resultado da globalização dos direitos
fundamentais, no sentido de uma universalização no plano institucional,
correspondente a derradeira fase de institucionalização do Estado Social”.
56A positivação dessa norma jurídica, assim como na terceira geração
encontra problemáticas no campo de constitucionalização, embora sua
internacionalização já encontrar-se em um campo mais estável e sólido, a partir da
Declaração Universal da ONU. Constata-se a existência de uma nova fase,
caracterizada pela universalidade simultaneamente abstrata e concreta, com o
reconhecimento de direitos inerentes a todos os homens, de forma geral e
individual.
5754 SARLET, 1998, p. 51. 55 MOTTA; BARCHET, 2009, p. 96. 56
SARLET, op. cit., p. 53. 57
Oportunamente com relação a essa universalidade, registra o Prof.
Bonavides:
[...] procura, enfim, subjetivar de forma concreta e positiva os direitos da tríplice geração na titularidade de um indivíduo que antes de ser homem deste ou daquele país, de uma sociedade desenvolvida ou subdesenvolvida, é pela condição de pessoa um ente qualificado por sua pertinência ao gênero humano, objeto daquela universalidade.58
Com o desenvolvimento técnico científico, cada vez mais incontrolável,
permeou a doutrina a existência de uma quinta geração, que abrangeria os direitos
inerentes da evolução da sociedade em geral, evitando assim a existência de um
abismo entre o campo jurídico e a sociedade cada vez mais pródiga.
Assim, cumpre-se estabelecer a necessidade imperial de manter a norma
jurídica essa relação singular com a evolução da sociedade como um todo,
garantindo a tão necessária busca pelo progresso, regida por uma norma condizente
e eficaz, prudentemente direcionada à preservação da dignidade da pessoa
humana.
2.5 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS, COM ESPECIAL ATENÇÃO AO PRINCÍPIO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A base de um Estado Democrático de Direito, consiste em uma prima
concepção constitucional, de princípios abstratos pertinentes à formação do Estado
em geral, de antemão cumpre-se ressaltar que o tema disposto neste subtítulo
comporia uma infinidade de trabalhos científicos, restringindo-se este estudo a uma
análise sintética de princípios fundamentais, permitindo-se um maior realce ao
princípio da dignidade da pessoa humana.
O âmago da concepção de princípio, trazida por Luís-Diez Picazo trazido
por Bonavides, que a palavra princípio deriva da linguagem geométrica, “onde
designa as verdades primeiras”.
59Também traz o mestre Bonavides uma extraordinária conceituação de
princípios, utilizando-se do vocábulo formado por Clement, “Princípio de direito é o
pensamento diretivo que domina e serve de base à formação das disposições
58
BONAVIDES apud SARLET, 1998, p. 58. 59
PICAZO apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 255.
singulares de Direito de uma instituição jurídica, de um código, ou de todo um Direito
Positivo.”
Em
outra explanação, Bonavides emprega a conceituação trazida por
Crisafulli:
Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.60
Atraído à seara constitucional, Silva utiliza-se da definição ordenadora
trazida pelo constitucionalista Jorge Miranda com relação aos princípios
fundamentais, bem como de sua aplicação imediata, frente à capacidade de afeiçoar
as relações político-constitucionais, lecionando o último que, “[...]a ação imediata dos
princípios consiste, em primeiro lugar, em funcionarem como critério de interpretação
e de integração, pois são eles que dão coerência geral ao sistema.”
61Em uma nação, onde a democracia e o direito são os instrumentos
formadores do estado, o princípio da dignidade da pessoa humana é postulado no
texto constitucional, subseqüentemente aos princípios definidores da forma e
estruturação da entidade estatal, realçando-se assim a sua significância desde sua
origem.
Nesse sentido, Sarlet explana em uma paráfrase fantástica, inspirada em
Bleckmann, relacionando-se à posição firmada pelo constituinte,“[...]reconheceu
expressamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o
contrário, já que o homem constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade
estatal.”
62Além disso, segue por conta da proposta formulada pelo Professor Vieira
De Andrade, da Universidade de Coimbra, identificando a incondicional relação
existente entre o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos
fundamentais atribuindo a estes, formação em conseqüência de uma manifestação
da valoração da dignidade do ser humano, e sua efetivação se fará quando do
devido reconhecimento e positivação destes.
6360
BONAVIDES, 2008, p. 257. 61
MIRANDA apud SILVA, 2006, p. 95-96. 62
SARLET, 1998, p. 100. 63
Nesse sentido conclui:
Em primeiro lugar, parece oportuna a menção – de modo especial à luz de nosso direito constitucional positivo – de que se revela no mínimo passível de discussão a qualificação do princípio da dignidade da pessoa humana, considerando em si mesmo, como um autêntico direito fundamental autônomo, em que pese sua importante função, seja como elemento referencial para a aplicação e interpretação dos direitos fundamentais (mas não só destes), seja na condição de fundamento para a dedução de direitos fundamentais decorrentes.64
Assim, firmado o entendimento dessa íntima relação, Moraes conceitua o
termo dignidade da seguinte forma:
[...] a dignidade é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar [...].65
Sarlet incorpora à terminologia dignidade, como qualidade intrínseca do
indivíduo, algo que unicamente existe dotada de irrenunciabilidade e
inalienabilidade, constituindo assim elemento qualificador do ser humano, não se
cogitando a possibilidade de determinado indivíduo auferir ambição com relação a
esta.
66Para Silva, ”a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai
o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida.”
67E ainda, utilizando-se da concepção de Gomes Canotilho e Vital Moreira,
pronuncia:
Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a no caso nos casos de direitos sociais, ou invocá-lo para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana.68
Sarlet, conclui em uma citação objetiva e de completude imensurável que,
“[...] que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui o reduto intangível de
64 SARLET, 1998, p. 98. 65 MORAES, 2000, p. 60. 66
SARLET, op. cit., p. 104. 67
SILVA, 2006, p. 105. 68
cada indivíduo e, neste sentido, a última fronteira contra quaisquer ingerências
externas.”
69Com relação ao âmbito abrangido pelo princípio da dignidade da pessoa
humana, Sarlet, com base em grandes juristas alemães como, Höfling e Maunz-
Sippelius, acrescentou:
Também a garantia da identidade(no sentido de autonomia e integridade psíquica e intelectual) pessoal do indivíduo constitui umas das principais expressões do princípio da dignidade da pessoa humana, concretizando-se, dentre outros aspectos, na liberdade de consciência, de pensamento, de culto, na proteção da intimidade, da honra, da esfera privada, enfim, de todo que seja associado ao livre desenvolvimento de sua personalidade, bem como ao direito de autodeterminação sobre os assuntos que dizem respeito à sua esfera particular, assim como à garantia de um espaço privativo no âmbito do qual o indivíduo se encontra resguardado contra ingerências na sua esfera pessoal.70
Nesse mesmo sentido Moraes dissipa:
O direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, dentre outros, aparecem como conseqüência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual.71
A dignidade da pessoa humana é valor intrínseco à personalidade do
indivíduo, direito fundamental constituído e positivado de relevância singular em um
Estado Democrático de Direito que priva pela essencialidade da pessoa, no escopo
da mantença da ordem social, econômica e política.
69
SARLET, op. cit., p. 112. 70
SARLET, 1998, p. 108. 71
3 DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS
Em decorrência da evolução jurídica no âmbito privado do indivíduo, bem
como da comunicação social, na plenitude de um seguro desenvolvimento da
sociedade; os direitos fundamentais inerentes a personalidade, à informação e a
liberdade compreendem por si uma natureza conflitante.
3.1 DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Os direitos da personalidade constituem, o conjunto de direitos individuais
em torno da esfera privada do indivíduo, em caráter direto, como no caso da
privacidade, ou indireto, como no direito à honra.
3.1.1 Do direito à intimidade
A intimidade do indivíduo constitui um plano de individualidade de cada
ser humano, constituído pelas relações mais íntimas concernentes a um ser
humano.
Moraes emprega o irrefutável comentário de Manoel Gonçalves Ferreira
Filho acerca da intimidade, “Assim, intimidade relaciona-se às relações subjetivas e
de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade [...].”
72Com relação a reserva trazida à esta esfera pessoal do indivíduo, Paulo
José da Costa Junior guiado pelo jurista italiano Pugliesi, ressalta “[...] não é o direito
de ser reservado, ou de comportar-se com reserva, mas o direito de manter
afastados dessa esfera de reserva olhos e ouvidos indiscretos, e o direito de impedir
a divulgação de palavras, escritos e atos realizados nessa esfera [...].”
7372
FERREIRA FILHO apud MORAES, 2006, p. 48. 73
COSTA JUNIOR, Paulo José da. O direito de estar só: a tutela penal do direito à intimidade. 3. ed. São Paulo: Siciliano Jurídico, 2004, p. 54.
Desse modo, cumpre-se ressaltar que a intimidade é
um sentimento que
germina no âmago pessoal de cada indivíduo, nos ensinamentos de Miguel
Urabayen, “o coração do coração de cada pessoa”.
74E ainda, a conclusão apresentada pelo jurista Jean Carbonnier, “a
intimidade se caracteriza como a esfera secreta da vida do indivíduo na qual este
tem o poder legal de evitar os demais.”
75Em harmonia segue a lição de Adriano de Cupis, retocada por José
Afonso Da Silva, “[...] o modo de ser da pessoa que consiste na exclusão do
conhecimento de outrem de quanto se refira à pessoa mesma. Abrange nesse
sentido mais restrito, a inviolabilidade do domicílio, o sigilo da correspondência, o
segredo profissional.”
76Assim, tem-se que a intimidade da pessoa humana, é um direito
composto por caracteres próprios, não sendo admissível sua relação ou comparação
com os demais, visto sua unicidade e subjetividade.
3.1.2 Do direito à vida privada
A intromissão alheia na vida do indivíduo é composta por um plano
exterior e mais abarcante que o âmbito íntimo pessoal, constituindo uma extensão
deste, bem como sua valoração frente à sociedade civil.
Nesse sentido, Pedro Frederico Caldas, traz a lição de Costa Junior, “Na
proteção da vida privada, ao contrário, cogita-se da inviolabilidade da personalidade
dentro do seu retiro, necessário ao seu desenvolvimento e evolução, em seu mundo
particular, à margem da vida exterior.”
77Na concepção de Dotti:
[...] a vida privada abrange todos os aspectos que por qualquer razão não gostaríamos de ver cair no domínio público; é tudo aquilo que não deve ser objeto do direito à informação nem da curiosidade da sociedade moderna que, para tanto, conta com aparelhos altamente sofisticados.78
74
URABAYENA apud DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação: possibilidade e limites. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 68.
75
CARBONNIER apud DOTTI, 1980, p. 69. 76
SILVA, 2007, p. 207. 77
CALDAS, Pedro Frederico. Vida privada, liberdade de imprensa e dano moral. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 54.
78