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A interrelação fala, leitura e escrita em duas crianças com síndrome de Down

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Academic year: 2021

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais Plínio e Carlina pelo exemplo de trabalho e determinação, pelo carinho e amor demonstrado ao longo de todos esses anos juntos.

Vocês dois são, e continuarão sendo, o grande farol que ilumina e direciona minha vida.

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AGRADECIMENTOS

A minha orientadora Professora Doutora Maria Irma Hadler Coudry - Maza, com quem aprendi muito nesses anos todos e em todos os sentidos. Obrigada pela paciência, pelo acompanhamento e pelas orientações, a mim dispensadas nesse percurso.

A professora Maria Bernadete Marquês Abaurre pelas sugestões, orientações e ensinamentos no exame de qualificação e também na defesa de tese.

Agradeço em especial a Fernanda Maria Pereira Freire, - Nanda, pela amizade de tantos anos e pela riqueza dos detalhes em suas observações e correções, no exame de qualificação e na defesa de tese.

A professora Ivone Panhoca, que tanto admiro por sua atuação diferenciada na fonoaudiologia, agradeço pelas contribuições importantes na defesa de tese.

A Maria Inês Bacellar Monteiro pela participação na defesa de tese e pelas suas valiosas contribuições ao meu trabalho. Agradeço especialmente por tudo que aprendi com você, em relação às crianças com síndrome de Down, à época em que trabalhei no CDI- Fundação Síndrome de Down. Foi com você que aprendi a olhar para além da síndrome e enxergar as potencialidades nessas crianças.

Agradeço também a Evani Amaral Andreatta Camargo e a Ana Paula Freitas, amigas de longa data, por aceitarem a suplência e pela presença na defesa de tese.

A Sônia, grande amiga da pós, que meu deu não só pousada, mas um ombro amigo para os momentos difíceis nesta caminhada.

As amigas do antigo grupo da Neurolinguística, com as quais passei momentos inesquecíveis no Amarelinho.

Aos funcionários da pós-graduação, Cláudio, Rose e Miguel, pelos atendimentos e esclarecimentos, sempre feitos de forma gentil e precisa.

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A todas as professoras do curso de Fonoaudiologia do Cesumar, que me substituíram em minhas aulas, minhas atribuições na clínica e souberam compreender as minhas falhas neste período.

Agradeço principalmente a Cássia e a Ana Paula, amigas de longa data, que com todo desprendimento, não mediram esforços para que tudo ocorresse na mais perfeita ordem em minha ausência. Obrigada pela torcida e pela confiança.

As professoras de francês Cecília (Campinas) e Leyse (Maringá) pelas aulas de francês, mas não só pelas aulas, mas por dividirem comigo esta fase de angústia me ajudando a vencê-la.

Aos meus queridos irmãos Leni, Máximo, Plínio, José André (Zãn), Marta e Lígia, fontes inesgotáveis de amparo e generosidade, que, cada um ao seu modo, contribuiu para que eu conseguisse concluir esta etapa tão importante em minha vida. Agradeço infinitamente pelas caronas, pelas pousadas, pelos cafezinhos, pelas conversas nas madrugadas, pelas boas refeições, muitas vezes apressadas, mas sempre com tempo para uma palavra amiga. Agradeço também aos cunhados e cunhadas pelo carinho dispensado às minhas crianças e a mim e especialmente ao Paul pela sua disponibilidade em servir sempre.

Aos meus pais, Carlina e Plínio, por todo carinho e atenção dispensados a mim nesse percurso.

A minha prima Nívea pelo seu desprendimento e solidariedade em me auxiliar no final deste trabalho.

Aos meus filhos Henriqueta, Herculanum, Carolina, Marieta, Maximiliano, Tarsila e a minha netinha Valentina, meu carinho e gratidão eterna; peço que me desculpem pela minha ausência, nos momentos, que, eu bem sei vocês esperavam por mim, mas acreditem vocês foram a razão de tudo isso. Obrigada pelas cartinhas e recados deixados no orkut e e-mail, vocês não imaginam o quanto são importantes para mim.

Ao meu marido Hugo por acreditar em meu trabalho e em minha capacidade profissional, de forma incondicional, mesmo quando tudo parecia caminhar de forma contrária. Obrigada por ter sido pai e mãe de nossos filhos nesse período, mostrando, desta forma, para as crianças a importância de meu trabalho. Hugo você é uma pessoa muito especial, espero um dia poder retribuir tudo que você fez e faz por mim hoje e sempre, te amo.

A Cida, mãe de AM, e a Silvia, mãe de ML, por confiarem suas filhas a mim e por acreditarem em minha capacidade profissional. A vocês minha eterna gratidão.

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Ao Centro Universitário de Maringá, minha casa de trabalho, por possibilitar o meu desenvolvimento profissional e a execução desta pesquisa.

Ao professor Wilson de Mattos Silva, Reitor do Cesumar, pelo apoio incondicional sempre e por acreditar no processo educacional como parte importante do desenvolvimento do ser humano.

A minha Diretora do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde do Cesumar, professora Solange Munhoz Arroyo Lopes pelo seu acompanhamento solidário e pela atenção e compreensão demonstrada.

Ao pessoal do NAP – Núcleo de Apoio Pedagógico do Cesumar, especialmente a professora Gislene, você são únicos e necessários.

Pela Diretora de Pesquisa – Professora Ludhiana, pelo suporte logístico disponibilizado por meio do Programa PADEP a este projeto.

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GHIRELLO-PIRES, Carla Salati Almeida. A Interrelação fala, leitura e escrita em duas crianças com síndrome de Down. Campinas. 2010. 130fls. Tese (Doutorado). Linguistica/Neurolinguistica. Instituto de Estudo da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas.

RESUMO

Esta tese apresenta e analisa o acompanhamento fonoaudiológico longitudinal de duas crianças com Síndrome de Down: ML e AM. Objetiva compreender a relação estabelecida entre linguagem oral e escrita no início dessas crianças do mundo das letras. Buscou-se identificar como os sujeitos da pesquisa adquiriram autonomia na fala por meio da mediação considerando, para tanto, o papel do outro/interlocutor. No início desse processo, a escrita funcionou como sustentação da materialidade da fala e, posteriormente, ganhou corpo como uma nova possibilidade de linguagem. Este trabalho tem ancoragem teórica na Neurolinguística Discursiva que concebe a linguagem, sintaticamente, como indeterminada e heterogênea, e semanticamente, humana, como lugar de interação e de interlocução em uma relação dinâmica e constitutiva entre sujeitos. A análise dos dados foi feita com base no conceito de dado-achado, produzido no momento da interação, e, no momento da análise, como um achado acionado pela teorização. No início do trabalho, observou-se que ML e AM apresentavam diferenças significativas em relação à oralidade indicando uma discrepância em relação à fala e seu funcionamento. Este fato, porém, não foi impeditivo e nem demarcou diferenças significativas em relação à leitura e à escrita. Além disso, constatou-se que os processos intermediários de significação realizados por essas crianças para domínio do sistema alfabético se estendessem por um tempo maior do que o esperado em relação às crianças tidas como normais e da mesma idade. Os sujeitos demonstraram avanços significativos em relação ao domínio e à autonomia na escrita, devido à mediação e à intervenção do adulto ao materializar e dar visibilidade à suas dificuldades com desafios a serem avançados com segurança, respeitando o ritmo e a individualidade. No final do trabalho, essas crianças, que não sabiam ler e nem escrever, demonstraram certa autonomia nesse domínio que, no entanto, necessita de acompanhamento para um avanço contínuo.

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ABSTRACT

This research presents and analyzes the development of the speech of two children with Down syndrome: named as M.L. and A.M. It aims to understand the children’s conception between oral and written language. It searches to identify how the subjects acquire speech autonomy considering an adult’s interference. At the beginning of the process, the writing was a support of the materiality of speech, and later on as a new possibility of language. This work has basis on the foundations of Discursive Neurolinguistics theories that conceive language, syntactically, as indeterminate and heterogeneous, semantically, human, as a place of interaction and dialogue in a dynamic and constitutive relationship between subjects. Data analysis was based on the concepts of interaction theory. In early work, the children showed oral differences indicating a discrepancy in relation to speech and its functioning. That fact, however, was not relevant and did not cause meaningful differences to reading and writing processes. It took a longer period to achieve the results than expected comparing to children conceived as normal and with the same age. The subjects showed significant improvements in writing autonomy, caused by adults’ intervention in order to materialize and to recognize their difficulties with challenges, respecting their rhythm and individuality. At the end of the study, the children who could neither read nor write have shown some independence requiring supervision for continuous development.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Atividade de ditado em sala de aula... 46

Figura 2 Cópia de palavras do livro didático... 47

Figura 3 Atividade de completar com R ou RR ... 48

Figura 4 Ditado de palavras... 49

Figura 5 Escrita de numerais... 50

Figura 6 Tarefa de separação de sílabas... 51

Figura 7 Verificação da compreensão da leitura pelo aluno... 52

Figura 8 Diálogos de AM... 57

Figura 9 Diálogo de ML sobre a festa do sobrinho da G... 64

Figura 10 Desenho da Festa da tia Gilmara... 65

Figura 11 ML conta sobre sua ida à loja de departamentos... 70

Figura 12 Escrita de ML sobre sua ida para Rondon... 72

Figura 13 ML escreve o mome de pessoas familiares... 73

Figura 14 ML conta que foi ao restaurante... 74

Figura 15 ML descreve sua ida à Expoingá... 74

Figura 16 Preparação para a festa junina... 75

Figura 17 ML e suas primas em ambiente digital... 76

Figura 18 ML assume o papel da empregada... 78

Figura 19 ML acorda sua mãe... 79

Figura 20 Feira de brinquedos... 80

Figura 21 Cirurgia da prima de ML... 81

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Figura 23 Reprodução da fábula: “O leão e o ratinho”... 85

Figura 24 Carta à sua mãe... 87

Figura 25 AM conta que foi comer pastel... 93

Figura 26 AM conta que foi comprar sutiãn, estojo... 97

Figura 27 Desenho de AM sobre sua ida às compras... 98

Figura 28 AM fala sobre a festa de aniversário... 102

Figura 29 AM conta e desenha sobre sua casa... 103

Figura 30 AM conta sobre seus animais de estimação... 104

Figura 31 AM relata brincadeira de venda que fizemos na clínica... 105

Figura 32 AM conta sobre a visita de sua amiga... 105

Figura 33 AM conta sobre suas atividades em casa... 106

Figura 34 Aniversário da boneca de AM na clínica... 107

Figura 35 AM brinca com sua cachorra... 108

Figura 36 AM conta que andou no cavalo Pepeu... 109

Figura 37 AM conta o que quer ganhar de aniversário... 110

Figura 38 AM escreve a receita de brigadeiro... 111

Figura 39 Re-estruturação da estória “a princesa e o sapo”... 112

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO... 01

CAPITULO 1 Síndrome de Down e gênese do peconcieto... 05

CAPITULO 2: Considerações sobre a marca do estereótipo na síndrome de Down e a perspectiva histórico cultural de Vygotsky... 15

CAPITULO 3 Linguagem e síndrome de Down... 21

CAPITULO 4 Mitos relacionados à sindorme de Down... 35

CAPITULO 5 A busca de novo caminhos... 41

CAPITULO 6 O trabalho terapêutico clínico realizado com as crianças com síndrome de Down... 55

Procedimentos Éticos... 55

Os sujeitos da pesquisa... 55

Procedimentos de coleta de dado... 56

Caracterização dos sujeitos: Sujeito ML... 60

Dados da produção oral de ML... 62

Dado 1... 62

Dado 2... 67

Dado da produção da escrita de ML... 72

Dado 3... 72 Dado 4... 73 Dado 5... 73 Dado 6... 74 Dado 7... 75 Dado 8... 76 Dado 9... 78 Dado 10... 79 Dado 11... 80 Dado 12... 81 Dado 13... 83 Dado 14... 84 Dado 15... 87 O sujeito ML... 88

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Caracterização dos sujeitos: Sujeito AM... 89

Dados da produção/linguagem oral de AM... 92

Dado 1... 92

Dado 2... 94

Dado 3... 98

Dado da produção da escrita de AM... 101

Dado 4... 102 Dado 5... 103 Dado 6... 104 Dado 7... 105 Dado 8... 105 Dado 9... 106 Dado 10... 107 Dado 11... 108 Dado 12... 109 Dado 13... 110 Dado 14... 111 Dado 15... 112 Dado 16... 114 O sujeito AM... 115 CONCLUSÃO... 117 REFERÊNCIAS... 121 ANEXOS... 129

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APRESENTAÇÃO

Esta tese apresenta e analisa o acompanhamento fonoaudiológico longitudinal de duas crianças com Síndrome de Down: ML e AM. Neste estudo buscou-se privilegiar a relação que se estabelece entre linguagem oral e escrita no início da entrada da criança para o mundo das letras (COUDRY, 2010). No início deste processo a escrita funciona como sustentação da materialidade da fala e, posteriormente, ganha corpo como uma nova possibilidade de linguagem. No trabalho realizado com AM e ML foram observadas particularidades que revelam, dentre outras coisas, que embora inicialmente houvesse entre os dois sujeitos uma discrepância em relação à fala e seu funcionamento, este fato não foi impeditivo e nem demarcou diferenças significativas na entrada inicial dessas crianças na leitura e na escrita. Além disso, constatou-se que os processos intermediários de significação (COUDRY, 1986/1988; ABAURRE e COUDRY, 2008) realizados por essas crianças para dominarem o sistema alfabético se estendem por um tempo maior do que o esperado em relação às crianças tidas como normais e da mesma idade.

O trabalho aqui realizado tem ancoragem na Neurolinguística Discursiva (abreviada como ND) formulada por Coudry desde sua tese de doutorado, defendida em 1986 e publicada como livro no ano de 1988, que concebe, com base em Franchi (1977), a linguagem como indeterminada e, sobretudo, heterogênea sintática e semanticamente, pois humana, como lugar de interação e de interlocução em que se dá uma relação dinâmica e constitutiva, entre sujeitos. A ND considera que nesse trabalho entram em jogo, dispositivos (FOUCAULT, 1969; COUDRY, 2010) que determinam o dizer/fazer ao mesmo tempo em que o sujeito é tomado como alguém que tem uma história de vida em curso, em uma determinada sociedade, participante de uma comunidade de fala (SAMPAIO, 2006), portanto, histórico, heterogêneo.

Os dados, de fala e escrita, foram produzidos em situações interativas, conforme a proposta discursiva a que se vincula esta pesquisa. São produzidos e mediados em situações de fala, leitura e escrita, em práticas discursivas que representam à função social (intersubjetiva) dessa tríade, além da função subjetiva, reflexiva que acontece nestas situações. Tais dados possibilitam acompanhar as especificidades desses processos nos dois sujeitos com Síndrome de Down (doravante SD), objetivo principal desta tese.

Metodologicamente, a análise dos dados é feita com base no conceito de dado-achado, que é produzido no momento da interação e volta-se, no momento da análise, como um achado acionado pela teorização proposta por Coudry (1991/1996). Essa metodologia tanto expõe os

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fatos linguísticos quanto os toma como objeto de reflexão, e, portanto, como dados; esse viés analítico pressupõe um tratamento discursivo para os dados, em sua análise e nas formas de seu acontecimento. Esse tipo de dado é sempre “revelador e encobridor" de fenômenos linguísticos e sua análise proporciona um “movimento teórico”, permitindo a resolução de alguns problemas e a colocação de outros (COUDRY, op. cit.); daí a razão de um mesmo fato poder ser continuamente (re)interpretado, seguindo o curso da teorização 1.

Esta tese se compõe de duas partes. Na primeira parte que, inclui do Capitulo 1 ao Capitulo 5, serão apresentadas as referências históricas e sociais que foram, e ainda são, determinantes do olhar que a visão organicista dirige aos sujeitos com SD. Diferentemente assumimos da perspectiva de Vygotsky uma visão dinâmica da deficiência mental entendendo que a gênese da constituição humana é histórica e cultural e é somente na vivência com o outro mais experiente que esse processo se concretiza. Será também considerada com Freud (1891/1973) a fala como lugar de sentido para a criança, por onde ela entra na linguagem mediada pelo outro associando a imagem sonora da palavra ouvida com a impressão cinestésica/inervação do aparelho motor da fala com o objetivo de aproximar o som produzido do som ouvido (COUDRY, 2008/2009; BORDIN, 2009); o que envolve tanto a face acústica quanto motora da palavra; sendo por esse duplo retorno (do movimento e do sonoro) que se pode corrigir/ajustar o que se fala. É pela via do sentido, pela repetição/recordação do motor e do acústico da unidade funcional da palavra, e suas possíveis combinações, que o falante entra na língua onde funcionam e se articulam suas dimensões fonológica, sintática, semântica, pragmática. Faz-se necessária esta reflexão visto que, ainda hoje, as intervenções terapêuticas propõem exercícios mecânicos desconectados do funcionamento da fala e da linguagem, fato este que será explorado no Capitulo 4, Mitos Relacionados à Síndrome de Down.

E na segunda parte, Capitulo 6, serão apresentados os dados de fala e de escrita das crianças, analisados de acordo com o arcabouço teórico elaborado no interior da ND, que sustenta o trabalho linguístico-cognitivo realizado pelos sujeitos no acompanhamento longitudinal. Os dados terão sua análise pautada, por um conjunto de conceitos que se articulam; a partir do que busco compreender e participar da entrada da criança na linguagem, processo em que ela é capturada pela língua (DE LEMOS, 2002/2006), sobretudo pelo discurso narrativo (PERRONI,1992); busco entender, ainda, como a criança ganha autonomia na fala, manejando

1 A formulação dado achado é compatível com a epistemologia do paradigma indiciário proposto para as ciências humanas por Ginsburg (1986) de acordo com Abaurre e Coudry (2008).

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seu funcionamento (JAKOBSON,1956/1970) aprendendo o que deve selecionar e combinar considerando a bipolaridade da linguagem. Dada à relevância configurada em alguns momentos nesta análise, sobre a estrutura silábica e seus constituintes, será também considerado o percurso estabelecido no que diz respeito ao conhecimento, por parte destas crianças, desta estrutura. Esta análise toma por base os pressupostos de Selkirk (1982) que considera a sílaba como uma unidade fonológica com uma estrutura interna hierarquicamente organizada. Para entendermos a relação que se estabelece entre estes componentes fonológicos da sílaba, e a sua percepção na escrita inicial de crianças, serão considerados os trabalhos de Abaurre (1999, 2001, 2006) nos quais autora analisa como as crianças quando em contato com a escrita alfabética analisam e constroem hipóteses sobre estes segmentos.

Da abordagem histórico-cultural a ND partilha a visão de Vygotsky (1997) na qual as funções culturais da linguagem, definem a especificidade humana. Essas funções surgem como resultado da progressiva inserção da criança nas práticas sociais do seu meio cultural no qual, por meio da mediação do outro, vai adquirindo sua forma humana à semelhança dos outros homens. Partilho também a concepção de que a deficiência não retira do homem a possibilidade de humanização, visto que, não é em si uma doença, mas uma condição prevista na variabilidade humana da própria espécie (STRATFORD, 1989), que põe em outros termos a relação normal/patológico.

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CAPITULO 1 SINDROME DE DOWN E A GÊNESE DO PRECONCEITO

Chegou um Down! Nasceu um Down! É bastante comum ouvirmos isto nos serviços de saúde, nas clínicas, nas maternidades, nos centros obstétricos ou nas ante-salas dos consultórios médicos. O sexo do recém nascido, ou da criança, suas características físicas, como a cor dos olhos, dos cabelos, ou até mesmo seu nome, se apagam nessas circunstâncias e a doença, a patologia, a síndrome, a aberração 2, falam mais alto.

Com a designação de Down apaga-se a individualidade do sujeito, conferindo-lhe uma identificação que se estabelece como hegemônica da síndrome. Sem distinção, leigos e profissionais da saúde e da educação assim se referem a esses sujeitos. O mesmo tratamento é também observado em livros, sites especializados e artigos científicos. O que é visto pela grande maioria das pessoas, envolvidas ou não com a questão, são as características fenotípicas aparentes; assim, tais indivíduos passam a ser reconhecidos por aquilo que portam, ou seja, pelos sinais da SD. É raro ouvir os comentários que são bastante comuns nas situações de apresentação social de um recém nascido, considerado normal, como por exemplo, com quem se parece. Quando nasce uma criança com SD há um silenciamento constrangedor, o que chama a atenção é o que aparece, o que é visível. E tais indivíduos passam a ser reconhecidos pelo seu problema: a síndrome de Down. Para Levy (1989) a quebra das espectativas faz com que tudo aquilo que seja atribuído e esperado de meninos e meninas normais não tenha mais importância agora (p. 32).

Para exemplificar situações como as afirmadas, trago o relato da mãe de uma criança com SD participante de uma pesquisa por mim realizada em 1993 sobre como foi dada à notícia do nascimento do filho. À época, ela me conta que sente o olhar dos profissionais da área da saúde totalmente voltado para a síndrome e não para seu filho: ela levou seu filho a um ortopedista para avaliação de seu andar, um pouco desajeitado; tão logo a mãe relata o motivo da consulta, o médico fitando a criança, um pouco desconcertado, diz: Mas ele tem SD!! Para a mãe a postura do médico é a de que se espera de antemão algo anormal para aquela criança pela sua condição de trissômico, que o predestina a ser assim. E a mãe, em reposta a tal constatação médica, responde: Que ele tem SD eu já sei desde que ele nasceu, mas eu o trouxe aqui para que o senhor olhe o pé dele!.

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Esta forma usual de percepção remete a questões discutidas por Foucault (1974/2002) quando analisa o domínio da anomalia e, para tanto, elenca elementos que vão constituir tal domínio, de forma marcante e determinante para as relações do homem, com a sociedade e consigo mesmo. Tais elementos são representados na figura do monstro humano e do indivíduo a ser corrigido onde o monstro humano se constitui em sua existência intrínseca e em sua forma, uma violação das leis da sociedade, e é construído juridicamente, pelas leis da natureza, pela nosologia e pelo discurso da medicina. O monstro, apenas por existir, passa a ser um duplo infrator das leis, tanto das leis naturais como das leis sociais.

O indivíduo a ser corrigido, por sua vez, é um fenômeno mais freqüente na sociedade do que o monstro, que ocupa um espaço limitado, pois está circunscrito ao contexto da família. Porém, tanto o monstro, quanto o individuo a ser corrigido podem ser associados às representações de anomalias presentes nas concepções atuais, a respeito das condições de saúde das pessoas, nas diferentes síndromes, e principalmente na síndrome de Down, sendo esta percepção extensiva ao discurso atual sobre a inclusão social.

Da mesma forma, Canguilhem (1943/1984) examina criticamente a tese prevalente no séc. XIX, a respeito do entendimento usual sobre o que seja o normal e o patológico. A análise do autor permite o entendimento de que as formações normais são fundadas no conhecimento das formações monstruosas. E o entendimento sobre o que é o normal sedimenta-se na constatação da existência das formações monstruosas, pois não há diferença ontológica, entre uma forma viva perfeita e uma forma viva malograda. Se as diferenças ontológicas não são perceptíveis, sobrepõem-se a elas as normas/leis construídas pela sociedade, que estabelecem o discurso jurídico, o discurso da medicina e da nosologia médica, de acordo com Foucault (1974/2002). Para Canguilhem (1943/1984), desta forma, a detecção de erros, em seres vivos, exige ações prévias e que se relacionam com a determinação ou fixação da natureza de suas obrigações como ser vivo sendo estas relações erigidas no contexto da história do indivíduo e da sua vida em sociedade. O autor enfatiza que os fenômenos patológicos, nos organismos, não são mais do que variações quantitativas - para mais ou para menos -, só podendo ser compreendidas ao nível da totalidade orgânica e das experiências que os homens têm em suas relações, em conjunto com o meio. Se não for considerada desta forma a questão da barreira que separa o normal do patológico, poderá ser demarcada superficialmente. Apesar de ser esta uma questão que está longe de ser compreendida, é fundamental que procuremos cada vez mais analisar os fatos, na sua totalidade, para que possamos atuar de forma crítica em relação às questões políticas, históricas e sociais, que envolvem o fenômeno estudado. Pois quando o

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médico fitando a criança, um pouco desconcertado, diz: Mas ele tem SD!! ele apenas reflete uma formação discursiva que estabelece a determinação da doença pelo diagnóstico, separando os indivíduos em classes de problemas, com base no discurso médico. A resposta do médico mostra um olhar totalmente voltado para a síndrome e não para ser humano. O espaço entre o ser humano e o monstro ou individuo a ser corrigido passa a ser uma linha tênue, sendo justificado apenas por um discurso construído que determina o olhar.

A proposta desta tese envolve a discussão da relação existente entre o normal e o patológico, tema no qual a ND vem se dedicando, desde seus primeiros estudos. Neste, especialmente, busca-se compreender o movimento heterogêneo, às vezes abrupto, outras vezes tênue da barra, (COUDRY, 2010), que separa o normal do patológico, indo em direção contrária às imposições a que os sujeitos com SD têm sido submetidos, ainda, em nossos dias; busca-se ainda conhecer os determinantes da ordem médica, as implicações sociais e históricas a que esteve exposto o fenômeno conhecido, na sua descrição inicial como mongolismo. Enviesado nesse conhecimento, encontra-se, também construída, a gênese do preconceito em relação à SD: a marca desta posição está em evidenciar a desvalorização do sujeito em função da valorização da síndrome.

O primeiro registro da SD foi realizado pelo povo Olmeca, no antigo México. Esta civilização desenvolveu a região, que hoje conhecemos como o Golfo do México, entre 1500 aC. até 300 dC, deixando rastros de sua cultura em artefatos, esculturas e desenhos de crianças e adultos. Foram encontrados alguns desenhos e esculturas de fisionomias deste povo que apresentavam características distintas daquelas comumente representadas por ele, mas, no entanto, similares ao que foi posteriormente reconhecido como características da face de indivíduos com SD (STRATFORD 1983; SCHWARTZMAN 1999). Contemporaneamente observam-se imagens de famílias européias e até representações religiosas que caracterizam a síndrome. Tanto os registros creditados aos povos do Antigo México como os do continente europeu são indicadores da presença da síndrome em períodos diversos do desenvolvimento da sociedade humana, porém para Stratford (op. cit.) a SD tem seu início absoluto na gênese humana, ou seja, quando as pessoas passaram a se multiplicar.

Apesar dos primeiros registros datarem de mais de 3000 anos, as primeiras descrições com referência à síndrome iniciaram-se somente no séc. XIX há pouco mais de cem anos. Puschell (1983) considera algumas razões para isto, como por exemplo, o fato de não haver, na época, revistas científicas que divulgassem o conhecimento, o baixo interesse dos estudiosos

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em pesquisa com crianças com problemas genéticos e/ou deficiência mental; o investimento científico dirigido à descoberta de causas e tratamentos de doenças como infecções e desnutrição. Além disso, até a metade do séc. XIX havia a constatação de que somente metade das mulheres sobrevivia aos trinta e cinco anos de idade, razão pela qual a incidência de nascimentos de SD poderia ser menor já que as mulheres não chegavam a ser mães em idade madura. Outro fato é o de que muitas crianças nascidas com SD provavelmente morriam na primeira infância sem que houvesse registro do fato.

Puschell (op. cit.) e Schwartzman (op. cit.) atribuem à primeira descrição da SD ao médico francês Jean-Etiene Esquirol, em um trabalho de dois volumes sobre Malades mentales, publicado em Paris, em 1838. No entanto, para Stratford (1989) há dúvida se Esquirol estava ou não de fato descrevendo a particular condição que hoje conhecemos por SD. Isso se deve ao fato de Straford (op. cit.) considerar a linguagem usada por Esquirol na descrição de seu trabalho um tanto fantasiosa, extravagante e influenciada pela crença de que educar um deficiente mental era uma inútil perda de tempo. É preciso levar em conta, no entanto, que embora suas considerações hoje possam parecer descabidas, Esquirol foi uma figura muito respeitada em seu tempo. No Dictionnaire des sciences médicale, Esquirol apresenta o registro das suas observações sobre os indivíduos supostamente com SD, informando que,

tudo neles revela uma constituição imperfeita, forças vitais mal empregadas. Eles são incuráveis... atingiram o estágio final da degradação humana nas quais as faculdades mentais e intelectuais são inexistentes (ESQUIROL apud STRATFORD, op. cit., p.82)

Entretanto, é necessário ponderar que tais crianças eram regularmente abandonadas pelas famílias. Em sua grande maioria, eram depositadas em instituições sem qualquer tipo de atenção e/ou cuidados, de qualquer natureza. Qualquer criança nessas condições, apresentando deficiência mental ou não, mas muito mais as deficientes, poderiam aparentar um quadro muito mais severo do que realmente existia. Oito anos após a primeira descrição de Esquirol, em 1846, Edouard Sèguin, médico discípulo de Itard, descreve um paciente, que parece se tratar de uma criança com a SD, denominando sua condição intelectual de idiotia furfurácia (PUSCHEL, 1983). Essa descrição é aceita atualmente como sendo da SD, um indivíduo de,

pele branca leitosa, rósea com escamações; as imperfeições de sua pele dão um aspecto inacabado dos dedos truncados e do nariz; lábios e língua rachados, conjuntiva ectópica vermelha, sobressaindo-se para compensar a pele encoberta da margem das pálpebras (p. 45)

Em sua obra Traitement moral: higiéne et éducacion des idiots et des autres enfants arrièrés, publicada em 1846, Sèguin faz acusações contundentes aos médicos de sua época que

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escreviam sobre a idiotia, acusando-os de falar demais sobre o tema sem analisá-lo com profundidade (PESSOTI, 1984). A obra de Sèguin rompe com a visão unitarista de uma idiotia única considerando diferenças entre os tipos de manifestações e suas causas. Sèguin dedica grande parte de sua obra a questões teóricas sobre a deficiência, sem deixar de esclarecer com detalhes seu método para o trabalho com crianças deficientes. Para Stratford (1989) Sèguin foi pioneiro em um trabalho educacional que hoje poderia ser considerado como a primeira escola de educação especial da história. Em seu trabalho com os deficientes consegue bons resultados quanto à educabilidade, rompendo com a hegemonia organicista dos médicos de sua época, porém a tônica sobre o conceito da deficiência mental, essencialmente médica, continua, para a grande maioria da comunidade médica, enfatizando prognósticos nada animadores. Acreditava-se, nesta época, que os danos que provocavam a deficiência mental eram tão básicos que seria uma total perda de tempo e recursos tentar mudá-los.

Depois de Sèguin, por vinte anos, não foi encontrado registro de nenhuma publicação sobre a SD. Em 1866, Duncan registra em um manual a classificação, treinamento e educação dos imbecis e idiotas débeis mentais, e descreve uma menina “com uma cabeça pequena e redonda, olhos parecidos com os olhos dos chineses, projetando uma grande língua e que só conhecia algumas palavras” (PUSCHELL, 1983, p.45). No mesmo ano acontece a publicação do famoso artigo de John Langdon Down descrevendo algumas das características da síndrome hoje conhecida pelo seu nome. O doutor Langdon Down era um médico, altamente respeitado, com uma invejável reputação profissional e que, segundo Stratford (1989), chegou a espantar seus amigos e colegas quando expressou a intenção de devotar sua carreira aos idiotas. Poucos médicos nesta época, além de Down, direcionaram-se aos estudos da deficiência mental, sendo que alguns estavam preocupados em descrever as características das pessoas mentalmente deficientes e outros em discutir e entender a origem da deficiência mental. O peso da opinião acadêmica a respeito da deficiência mental na época de Down estava ancorado na teoria da degeneração na qual a deficiência mental era causada por algum tipo de regressão, um retrocesso a uma forma mais primitiva de existência. Sendo que a noção de regressão está intimamente relacionada com o termo idiotia mongolóide, hoje denominada de SD.

Gould (2004), paleontólogo americano, considerado um dos maiores conhecedores de história da ciência de nosso tempo, esbarrou em questões para além das descrições contextuais e toca em um ponto crucial para entendermos as questões históricas do preconceito. O autor considera que todos nós já tivemos contato com uma criança trissômica, e em algum momento, nos perguntamos o porquê desta denominação mongolóide para essa idiotia, já que os traços

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que caracterizam estas crianças não são tão marcadamente orientais, a não ser pela pequena prega epicântica, que algumas delas apresentam.

A questão que envolve a síndrome e suas conseqüências sócio-educativas é muito mais profunda do que uma simples aparência oriental. Para Gould (op. cit.), poucas pessoas, quando empregam hoje os termos, idiota, imbecil, débil mental – e posteriormente mongolóide – têm consciência de que essas palavras se revestiam, na época da descrição da síndrome, de um caráter científico para os médicos contemporâneos do doutor Down.

O significado desses termos carrega um preconceito social, inscrito na cultura de cada época em uma determinada sociedade. Originariamente o termo idiota referia-se, na antiga Grécia, às pessoas que não tinham vida política, ou seja, pessoas sem expressão na comunidade. No período helênico este termo passa a designar pessoas que em uma situação social fazem afirmações tolas ou sem fundamentação. Nesta situação era utilizada a expressão você está falando como um idiota, significando alguém que não tinha noção do que falava (STRATFORD, 1998). Na Roma antiga, o termo utilizado para designar pessoas que apresentavam um padrão não condizente com o esperado socialmente era imbecil. É bastante conhecido o fato de que, nesta época, pessoas com dificuldades físicas ou mentais eram considerados sub-humanos e, desta forma era legitimado o seu abandono ou até mesmo a sua morte. Na era cristã o deficiente ganha alma e, desta forma, não pode mais ser eliminado, pois isto seria atentar contra a divindade. Nesta mesma época os termos, idiota, imbecil ou débil mental, passam a designar pessoas que apresentam algum tipo de deficiência indistintamente.

No início do século XIX a partir de sua obra, Traitment Moral, Edouard Sèguin faz distinções aos conceitos idiotia, imbecil e debilidade, com comprometimentos e etiologias distintos. O autor leva em conta, naquela época, além das causas orgânicas, fatores ambientais e/ou psicológicos. No início do século XX, com a introdução dos estudos psicométricos de Alfred Binet, com a finalidade inicial de identificar crianças com necessidades de alguma forma de intervenção diferenciada, passou a utilizar uma escala de valor numérico, por ele idealizada, capaz de expressar a potencialidade global de cada criança. Para este propósito Binet elaborou uma ampla série de tarefas organizadas segundo o grau de dificuldades que expressaria o quociente de inteligência (QI) de determinada criança. Para Gould (2004) os objetivos iniciais das escalas de Binet não foram medir e rotular crianças estigmatizando-as, mas sim o de oferecer elementos para um diagnóstico psicológico da deficiência mental, comparando as diferenças de desenvolvimento, o normal e o atrasado. Embora não fosse esta a proposta de

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Binet, a escala, por ele organizada, passa a fornecer uma medida quantitativa de inteligência que a depender da visão do avaliador pode comprometer drasticamente o futuro da criança.

Após o estabelecimento do conceito de QI à deficiência mental é atribuída uma designação quantitativa na qual os débeis mentais passam a ser classificados com o QI entre 50 e 70; os imbecis entre 25 e 50 e os idiotas abaixo de 25. No caso da SD, caracterizada como idiotia, ela está no mais baixo grau, na classificação tripartida da deficiência mental, sendo que os indivíduos classificados como idiotas apresentavam como uma de suas características o não domínio da linguagem.

Doutor Down era o médico superintendente do Asilo Earlswood para Idiotas, no Surrey, na Inglaterra, quando publicou suas Observations on a ethnic classification of idiots, no London Hospital Reports em 1866 (GOULD, 2004). Foi nesta época que Langdon Down descreveu os idiotas caucasianos que apresentavam traços que lembravam, não por acaso, africanos, malaios, índios americanos e orientais. Curiosamente, Gould (2004) constata que dessas extravagantes comparações, só os idiotas que se agruparam à volta do tipo mongolóide, sobreviveram na literatura com a designação técnica, que hoje é reconhecida como SD. Porém qualquer pessoa que leia o artigo do doutor Down, nos dias de hoje, sem um conhecimento de seu contexto histórico poderá subestimar seu propósito de seriedade. Para o autor, o artigo de Down, hoje, poderia ser considerado “um conjunto as analogias dispersas e superficiais, quase fantásticas, apresentadas por um homem preconceituoso” (p.54). No seu tempo, porém, significou uma tentativa possível de construir uma classificação genérica e causal da deficiência mental, com base na melhor teoria biológica, mas submetida ao racismo dominante em uma Inglaterra vitoriana em fins do século XIX.

Por volta de 1866, ainda sob a prevalência da teoria da degeneração, a recapitulação constituía o melhor guia para o biólogo na organização da vida em sequências de formas superiores e inferiores. Essa teoria sustentava que os animais superiores no seu desenvolvimento embriológico percorrem uma série de estágios representativos, em sequência adequada, das formas adultas de criaturas ancestrais inferiores. Assim, o embrião humano desenvolve primeiro as fendas branquiais, como um peixe, mais tarde um coração de três câmaras, como o de um réptil, e ainda mais tarde uma cauda de mamífero. A recapitulação forneceu um foco conveniente para o racismo difundido dos cientistas brancos, que viam nas atividades das suas próprias crianças uma fonte de comparação com o comportamento adulto

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normal nas raças inferiores. Como método de trabalho os recapitulacionistas recuperavam antepassados reais no registro fóssil.

Muitos dos recapitulacionistas advogaram a idéia de que certos tipos de adultos anormais entre as raças superiores existiriam devido à suspensão do desenvolvimento. A reversão, ou atavismo, constitui o reaparecimento espontâneo nos adultos de características ancestrais que desapareceram nas linhagens recentes. O exemplo mais espantoso, representativo e conhecido dessas idéias recapitulacionistas é Cesare Lombroso, o fundador da antropologia criminal, que acreditava que muitos dos transgressores da lei agiam por compulsão biológica, por causa de um passado bestial que era revivido. Lombroso estabelecia uma correlação direta entre o que marcava morfologicamente um indivíduo e sua conduta social, onde os criminosos natos eram identificados pelos seus estigmas observados, estigmas de morfologia simiesca: testa retraída, queixos proeminentes e braços compridos eram criminosos natos, expressando já os primórdios da frenologia.

Gould (2004), por sua vez, critica a posição segundo a qual a suspensão do desenvolvimento significa a transposição anormal para a fase adulta de características que aparecem normalmente na vida fetal, e que deveriam ter sido modificadas ou substituídas por algo mais complexo. Ou seja, para esta teoria, se um caucasiano sofre uma suspensão em seu desenvolvimento fetal, pode nascer num estágio inferior da vida humana. Ainda segundo Gould, foi neste contexto que o doutor Langdon Down teve o seu insight enganoso no qual acreditava que alguns idiotas caucasianos provavelmente representavam suspensão do desenvolvimento e deviam sua deficiência mental à retenção de traços e capacidades que seriam consideradas normais nos adultos de raças inferiores. Nesta direção o doutor Down dirigiu suas investigações para as características de raças inferiores, assim como o fez Lombroso, vinte anos depois, à procura de sinais de morfologia simiesca.

Para Gould (2004) o doutor Down descreveu sua pesquisa com excitação óbvia (p. 147), pois acreditava ter estabelecido uma classificação natural e causal da deficiência mental segundo a qual, quanto mais séria for, mais profunda a suspensão do desenvolvimento e mais inferior a raça em questão. Na reflexão dos autores Stratford (1989) e Gould (2004), fica evidente, então, que a conjunção de vários fatores, como a pretensa soberania do povo britânico, o racismo preponderante da época, a crença na existência de raças inferiores, contribuíram para a conclusão de que indivíduos com SD refletiam uma suspensão do desenvolvimento fetal, uma regressão a uma raça que julgavam inferior, levando-se em conta os

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padrões da época. E em decorrência disso, a expressão idiotia mongolóide se estabeleceu fortemente - assim como outros tipos de idiotia 3 - sendo esta, porém, a única denominação que

prevaleceu na literatura médica, até recentemente. Há evidências, no entanto, que indicam não ser apenas à aparência, ou os olhos puxados, os determinantes da denominação idiotia mongolóide atribuída para esta síndrome, mas sim a crença no determinismo biológico, prevalente na época, de que algumas raças, no caso os Mongóis, seriam constituídas de um material inferior, cérebros mais pobres, genes de má qualidade estando predestinadas a assim permanecer.

Esta questão é retomada por Canguilhem (1943/1984) quando busca romper com o que é estabelecido rigidamente como sendo o normal e o patológico. O autor afirma que a relação normal/patológico depende de uma série de fatores que devem ser considerados e discutidos, pois, não estamos localizados sempre em uma dessas categorias. Minkowski apud Vygotsky (1983), em referência ao estudo da doença mental, argumenta que é pela anomalia que o ser humano se destaca do todo formado pelos homens e pela vida. É a anomalia que revela o sentido de ser singular e o faz de uma maneira radical e impressionante. Assim, o autor caracteriza a patologia não com algo desviante, mas sim diferente - no sentido qualitativo.

A importância da retomada destas proposições se deve ao fato de muitas vezes não nos darmos conta da razão destas crianças/adultos, com SD, ou qualquer outra deficiência, ainda hoje serem tão estigmatizados, marginalizados e desconsiderados. Por mais que sejam veiculadas campanhas direcionadas à inclusão - aliás, a grande necessidade de campanhas na mídia é um forte indício de rejeição social – o preconceito permanece algumas vezes de forma velada, outras vezes escancarada, mas está sempre presente. A teoria da degeneração, vigente há mais de cem anos, ainda traz consequências nos dias de hoje, mesmo de forma silenciosa. Assim, é comum encontrarmos na literatura, quando se trata da descrição da SD, a designação prega simiesca para se referir à prega palmar única, embora isso também ocorra entre crianças normais e nem sempre ocorra em crianças com SD.

É importante, desta forma, conhecer as condições históricas e culturais nas quais os estudos do século XIX ocorreram, a fim de percebermos mais claramente os porquês de algumas designações que caracterizam a deficiência mental se manterem ainda hoje, mais especificamente a SD. A forma de conceber doenças/síndromes pode ser compreendida pelo

3

Esta terminologia foi estabelecida para outras raças consideradas inferiores, como por exemplo, para a raça negra como idiotia negróide

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modo de pensar de uma época, ou ainda, nas palavras de Foucault (2004), pela vontade de verdade de uma época.

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CAPITULO 2

CONSIDERAÇÕES SOBRE A MARCA DO ESTEREÓTIPO NA

SÍNDROME DE DOWN E A PERSPECTIVA HISTÓRICO

CULTURAL DE VYGOTSKY

Como observamos no capitulo anterior, a questão do estereótipo é algo marcante na SD e foi isso que levou o doutor Down a caracterizá-la como idiotia mongolóide. A partir de características como, prega epicântica na região interna dos olhos, face arredondada, prega palmar única, hipotonia, dentre outras características, sujeitos com SD dão a impressão de pertencerem a uma categoria única e homogênea que os iguala a ponto de perderem sua identidade/subjetividade. Tal tendência de homogeneidade é encontrada, também, em livros sobre a SD que atribuem características específicas de comportamento e personalidade, como a afabilidade, a afetividade, a meiguice, dentre outras, como atributos da síndrome. Porém, autores como Stratford (1995) e Schartzman (1999) não compactuam com tais atribuições considerando que é impossível traçar um único perfil que identifique todos estes indivíduos, o que vale também em relação à população em geral.

Desta forma, é mais produtivo pensar que todos nós apresentamos características específicas e variadas, e agimos levando em conta aspectos sócio-culturais de nossa comunidade/sociedade, com a qual partilhamos características comuns. É evidente, porém, que indivíduos com SD, como qualquer população, apresentem variabilidade marcante e pelo fato de serem inseridos em uma categoria de doença - e não de uma condição genética – faz com que sejam expostos a uma interpretação padronizada e quantitativa, onde o indivíduo com SD é considerado mais ou menos afetado pela síndrome. É preciso evidenciar, no entanto, que isto não é possível; a síndrome apresenta-se de forma irredutível e irreversível pela alteração orgânica decorrente da trissomia do par 21, na fase de desenvolvimento embrionário. No entanto, há que se considerar que as alterações e as variabilidades observadas nesses sujeitos estão, como para qualquer pessoa da população, na dependência das condições sócio-culturais e psico-afetivas a que estão expostos e envolvidos. Barrôco (2007) psicóloga e pesquisadora na área de deficiência mental informa que muitas coisas aconteceram até se chegar à idéia, presente nos dias de hoje, de qua a deficiência não retira do homem a sua possibilidade de humanização, e de que a deficiência não é, em si, uma doença, mas uma condição, talvez advinda de uma doença, com a qual a pessoa convive, quase sempre, por toda vida (p. 120).

A este respeito Stratford (1989) evidencia que nenhuma pessoa é deficiente no âmbito de sua própria existência, mas se mostrará deficiente frente às exigências feitas a ela pela

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sociedade à qual faz parte. A variabilidade do desenvolvimento ou o que acontecerá com o sujeito com SD depende, portanto, muito mais das condições culturais do que das condições orgânicas que caracterizam a síndrome. É importante consideramos, no entanto, que crianças com SD apresentarão, em seu desenvolvimento, diferenças e dificuldades que são decorrentes da sua condição genética (trissomia do par 21), não há como negar este fato. A questão a ser considerada é a postura assumida, pela sociedade, frente a estas dificuldades que serão negativas (déficit) ou positivas (superação) a partir da concepção de sujeito assumida pelo outro. Desta forma, as dificuldades apresentadas por essas crianças poderão ser minimizadas, relativizadas e ou superadas a partir do entendimento que a sociedade apresenta a respeito da síndrome (principlamente os profissionais envolvidos com elas). Considero que a proposição de Stratford (op. cit.) vem neste sentido, ou seja, de que as deficiências são pérpetuadas ou não a partir do valor a ela atribuido.

A este respeito Omote (1996), pesquisador na área de educação especial da Universidade Estadual Paulista, campus de Marília, ao rever os conceitos relacionados à deficiência mental, questiona a posição de que a deficiência é algo inerente à pessoa e comenta criticamente as consequências desta visão na intervenção terapêutica, onde,

a concepção da deficiência como algo que está inerentemente presente no organismo e/ou comportamento da pessoa identificada como deficiente e a sua delimitação em função de áreas supostamente distintas de comprometimento implicam automaticamente um modo específico de lidar com as deficiências e as pessoas deficientes. Criam-se nomes e categorias para especificar (talvez construir)

diferentes tipos de deficiência, especializam-se profissionais e profissionalizam-se as nomenclaturas. (...) Com isso cria-se a ilusão da homogeneidade entre os membros

pertencentes a uma mesma categoria e de muita diferença entre eles e os membros de qualquer outra categoria. Assim os portadores da síndrome de Down podem ser

vistos como muito parecidos uns com os outros, e o que é pior, vistos como tendo as mesmas necessidades e possibilidades, o que até pode ser usado para justificar a padronização de atendimento a eles dispensado. Ao mesmo tempo, esses

deficientes podem ser vistos como muito diferentes dos deficientes pertencentes a outras categorias (p.127, itálico meu)

As concepções apresentadas indicam uma forma de compreender a deficiência estabelecendo, de acordo com a teoria assumida, as proporções cabíveis ao binômio orgânico/cultural. Este não é, no entanto, um assunto novo, já discutido há mais de meio século por Vygotsky, nos anos de 1920, em seus estudos sobre defectologia. O autor enfatiza que o destino de uma pessoa, em última instância, não é decidido pela ordem do orgânico, ou seja, não é o defeito - a deficiência, a diferença - em si mesmo, os definidores, mas pelas realizações psicossociais. Em relação às suas realizações e seu desenvolvimento, Vygotsky (1926/2004) considera que,

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a criança não é um ser acabado, mas um organismo em desenvolvimento e, conseqüentemente, o seu comportamento se forma não só sobre a influência excepcional da interferência sistemática no meio mas ainda em função de certos ciclos ou períodos do desenvolvimento do próprio organismo infantil, que determinam, por sua vez, a relação do homem com o meio (p. 289).

Vygotsky (op. cit.) chama a atenção para a necessidade de valorização desses sujeitos como sendo algo de crucial importância para o seu processo de desenvolvimento, pois há de ser considerado que a deficiência não retira do homem a possibilidade de humanização e sua inserção em uma cultura. Esta concepção, no entanto, não faz parte de um consenso, prevalecendo, como podemos observar na literatura vigente e nas práticas diárias com estes sujeitos, a idéia de que tais sujeitos apresentam déficit. A especificidade da estrutura orgânica e psicológica, o tipo de desenvolvimento e de personalidade, e não as proporções quantitativas é o que distingue a criança deficiente mental da criança normal. O autor examina em seus estudos a questão da quantidade e da qualidade na aprendizagem da criança com retardo mental. Ele questiona, no início do século XX, se já não era hora de compreendermos com profundidade e veracidade todo o processo de desenvolvimento da criança, estabelecendo uma comparação deste processo com a transformação da lagarta em crisálida e de crisálida em mariposa, ou seja, o que ocorre ao longo do desenvolvimento da criança são transformações qualitativas. Neste sentido a deficiência mental infantil deve ser entendida como uma variedade, como um tipo especial de desenvolvimento, e não como uma variante quantitativa para menos do desenvolvimento normal em que o patológico ganha amplo espaço de consideração.

Esta forma de interpretar a questão da deficiência aponta para o que Vygotsky (1983) assinala: “a criança cujo desenvolvimento está complicado por um defeito não é simplesmente uma criança menos desenvolvida que seus coetâneos normais, mas sim que se desenvolve de outro modo” (p.181). Embora o autor considere que as leis do desenvolvimento sejam as mesmas para as crianças consideradas normais e crianças deficientes, as relações entre as diferentes funções psíquicas podem se estabelecer de uma forma diferenciada. O autor explicita de forma clara a sua preocupação em não valorizar o déficit e sim compreender as necessidades destas crianças estabelecendo objetivos práticos para sua superação, por meio da mediação do outro. No interior da sua teoria, a mediação é estabelecida pela relação criança/adulto, criança/mundo que se dá por meio de práticas sociais que são mediadas pela linguagem.

Para Vygotsky (1988), o processo de internalização e a transformação em estruturas mais complexas das funções mentais superiores não é algo simples. Ele considera que todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes, ou seja, primeiro no nível social e

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depois ao nível individual; primeiro entre pessoas - interpsiquico, e depois no interior da criança – intrapsiquico. Todas as funções superiores originam-se das relações entre indivíduos humanos. O autor considera que a transformação de um processo interpessoal em um processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos no processo de desenvolvimento. Na transformação do social em interno os sistemas simbólicos mediadores, principalmente a linguagem, têm papel fundamental na organização superior tipicamente humana.

Vygotsky (1983) se preocupou, também, com a crítica ao modelo vigente de práticas educativas com essas crianças. Para ele, a criança mentalmente atrasada necessita mais do que a criança normal de estabelecer os vínculos com a natureza, com o trabalho e com a sociedade no processo de aprendizagem escolar. O fato de o processo como um todo ser tão complexo deveria ser visto como um fator positivo e que leva a criança e seus interlocutores a superar dificuldades que se apresentam; isso requer que se proponham tarefas criativas de educação com respeito ao desenvolvimento. Vygotsky (1926/2004) alerta, ainda, para o fato de que o educador que se envolve com as práticas de educação deve se preocupar com a assimilação dos conhecimentos. Para o autor a forma de aprender de cada criança acontece de maneira individualizada; ou seja, o processo de aprendizado tem uma lógica de desencadeamento no interior da mente de cada criança. De acordo com Vygotsky (op. cit.), existe uma rede subterrânea de processos que são desencadeados e se movimentam no curso da aprendizagem escolar e têm uma lógica própria de desenvolvimento. Desta forma a tarefa do educador, ou quem trabalha com a criança, é a de descobrir essa lógica interna, este código interior de processos de desenvolvimento desencadeados por essa ou aquela atividade, ou seja, as crianças internalizam os conhecimentos de formas muito variadas, pois são diferentes, assim, cabe às pessoas que trabalham com elas compreenderem seu trajeto e a melhor forma que aprendem.

Uma das críticas mais importantes na obra de Vygotsky (1988/2001) recai sobre a forma de se avaliar o nível de desenvolvimento intelectual de uma criança. O autor chama a atenção para o fato de as crianças serem avaliadas por testes que indicam o que ela é capaz de fazer sozinha. Desta forma o que se estabelece com os testes é o nível de seu desenvolvimento real (também traduzido como atual). Diferentemente, a questão a ser discutida é que, para o autor, o estado do desenvolvimento de uma criança nunca pode ser determinado apenas pela parte madura, isto é, o que ela consegue fazer hoje, sozinha, com autonomia, mas sim pelo que ela pode fazer com ajuda, em cooperação e/ou por sugestão. Aquilo que a criança consegue fazer

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com a ajuda de outras pessoas pode ser muito mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que aquilo que consegue fazer sozinha. Esta discrepância entre a idade mental real ou nível de desenvolvimento atual, compreendida com os problemas que a criança resolve com autonomia, e o nível que ela atinge ao resolver os problemas em colaboração com outras pessoas, é denominado pelo autor por zona de desenvolvimento proximal, ZDP, (também traduzida como zona de desenvolvimento imediato). Desta forma compreendemos que a criança orientada, assessorada, sempre poderá ir além e resolver tarefas mais difíceis do que quando sozinha.

Para explicar os fundamentos da ZDP, o autor chama a atenção para uma situação que segundo ele nem sempre foi muito compreendida na psicologia: a imitação. Ele não considera imitação uma atividade puramente mecânica, e explica que não se pode imitar qualquer coisa, mas somente aquilo que se encontra nas potencialidades intelectuais de quem imita. Para imitar é preciso que a criança apresente tal possibilidade que vai levá-la a executar aquilo que ela nunca havia feito. O que é observado é que as crianças podem imitar ações que vão muito além de suas próprias capacidades; é importante observar também o limite que se estabelece na própria dinâmica da atividade de imitação e que também se diferencia, de criança para criança. A esse respeito Vygotsky (2001) enfatiza que quando,

em colaboração a criança se revela mais forte e mais inteligente que trabalhando sozinha, projeta-se ao nível das dificuldades intelectuais que ela resolve, mas sempre existe uma distância rigorosamente determinada por lei, que condiciona a divergência entre a sua inteligência ocupada no trabalho que ela realiza sozinha e a sua inteligência no trabalho em colaboração. As nossas investigações mostraram que pela imitação a criança não resolve todos os testes até então não resolvidos. Ela chega até um limite, que é diferente para crianças diferentes. (...) em colaboração com outra pessoa, a criança resolve mais facilmente tarefas situadas mais próximas do nível de seu desenvolvimento, depois a dificuldade da solução cresce e finalmente se torna insuperável até mesmo para a solução em colaboração. A possibilidade maior ou menor de que a criança passe do que sabe fazer sozinha para o que sabe fazer em colaboração é o sintoma mais sensível que caracteriza a dinâmica do desenvolvimento e o êxito da criança. Tal possibilidade coincide perfeitamente com a sua zona de desenvolvimento imediato [o termo imediato foi utilizado na tradução de Paulo Bezerra na obra A Construção do Pensamento e da

Linguagem editado pela Martins Fontes em 2001, sendo observado em outras

traduções o termo proximal que será utilizado neste estudo] (p. 329).

A partir das considerações enunciadas, evidencia-se a importância do outro no processo de internalização de conhecimentos não só para crianças que estão se desenvolvendo normalmente, mas principalmente para crianças com deficiência mental que, pelo atraso, em decorrência da deficiência, quando deixadas em si mesmas, apresentarão grande dificuldade em avançar para situações de maior complexidade na aprendizagem.

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Neste sentido, Vygotsky (op.cit.) chama a atenção para a falsa premissa de que crianças com deficiência mental não são capazes de ter pensamento abstrato. Parece ser com base neste principio que a escola especial acabou por definir toda a sua estrutura de ensino seria baseado no concreto. A pedagogia que se fundamenta nessa prática não só não permitiu que essas crianças atingissem níveis mais avançados de desenvolvimento, como também reforçou suas deficiências, acostumando-as ao pensamento concreto e retirando-lhes, assim, qualquer possibilidade de pensamento abstrato.

Torna-se evidente, a partir dos pressupostos apresentados, que não devemos esperar que a criança deficiente demonstre estar apta ou, nas palavras do autor, demonstre estar madura, para apresentar-lhe uma determinada questão, pois aquilo que queremos que ela faça sozinha amanhã deverá ser trabalhado hoje em conjunto e demonstrado a ela. Nessa visão, a aprendizagem está sempre à frente do desenvolvimento, pois é a aprendizagem que leva ao desenvolvimento e não o contrário. Dessa forma não é preciso esperar que a criança atinja certo grau de desenvolvimento para que possa aprender, mas, ao contrário, a aprendizagem cria uma zona de desenvolvimento imediato suscitando e despertando a criança para uma série de processos interiores de desenvolvimento. Os processos que seriam possíveis somente com a ajuda dos que estão próximos à criança se tornam, aos poucos, seu patrimônio interior. E a aprendizagem conduz essa criança, ao desenvolvimento mental suscitando processos que, fora da aprendizagem, não seriam possíveis. Considerando que é por meio da linguagem, e juntamente com ela, que se dá a vivência e a reflexão de conceitos e, pensando na deficiência mental, especificamente na SD, podemos explorar como a literatura tem tratado a questão do funcionamento da linguagem nessas crianças, assunto que objeto de análise no capitulo posterior.

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CAPITULO 3 LINGUAGEM E SÍNDROME DE DOWN

A linguagem é um dos aspectos de maior interesse na pesquisa com SD. Os autores consideram que crianças com SD apresentarão atrasos e/ou dificuldades de forma significativa. Esta afirmação é corroborada por Chapman (1977); Miller (1996); Hostmeier (1987); Schartzman (1999), que justificam tais dificuldades ao fato destas crianças apresentarem deficiência severa. A este respeito Kerr (1926) apud Booth (1985) apresentam um quadro bastante significativo desses indivíduos quando enfatizam que,

eles são freqüentemente ecolálicos, têm a fala imperfeita, formam as consoantes inapropriadamente, ler e escrever estão além de suas possibilidades, mas a maioria delas gosta de música... o diagnóstico do mongolismo típico é claro, e quando feito é irremediável quanto à melhora educacional, embora a criança possa parecer promissora... eles nunca chegam a ser imbecis (p. 9).

A descrição feita por Kerr, de crianças SD, permeia os limites da incompetência e da inabilidade, onde o indiviíduo com SD apresenta imperfeições, inapropriações e impossibilidades havendo de considerar que qualquer criança que receba um diagnóstico como esse, estará fadada ao fracasso. Tais crianças, citada por Kerr, seriam provavelmente institucionalizadas e nada mais seria feito por elas. Ninguém investiria em seu desenvolvimento e assim sendo, quase ninguém falaria com elas, e elas, também, não falariam com quase ninguém; como se poderia afirmar, então, que elas têm um impedimento para entrar na fala, leitura e escrita? A partir de outra concepção de linguagem, de sujeito, de cérebro/mente e da relação entre o normal e o patológico, e uma visão histórica desses aspectos, considera-se que, o que era observado nessas crianças quanto à sua capacidade de linguagem era algo muito aquém do que se pode esperar de uma criança com SD hoje.

Sobre a questão da severidade da deficiência e da educabilidade da criança com SD, Rynders et al. (1979), questionando os resultados de pesquisas realizadas na área, analisaram 105 artigos que continham informações relevantes sobre aspectos educacionais relacionados à SD que foram publicados entre 1963 e 1978. Eles observaram os seguintes problemas metodológicos nessas publicações: (a) 61 não especificavam o tipo de trissomia, (b) 63 não especificavam o sexo das pessoas envolvidas na pesquisa, (c) 25 não forneciam indicações se os sujeitos viviam com suas famílias ou em instituições, e a qualidade dos cuidados que recebiam, (d) 56 agruparam dados que variavam de crianças até adultos. Como resultado dessa análise, os autores concluíram que os sujeitos com SD poderiam estar em uma situação melhor

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cognitivamente do que os resultados apresentados pelos autores. A avaliação de QI, por exemplo, poderia receber a pontuação de 50 ou mais, diferentemente dos resultados obtidos que ficaram abaixo de 50. Os autores também sugerem que os médicos deveriam informar os novos pais que seus filhos apresentam grande chance de não ser um deficiente mental severo, e que existe grande variabilidade no desenvolvimento de sujeitos com SD, assim como em qualquer população, e que os limites das capacidades educacionais da SD são desconhecidos.

Em seu artigo, Rynders et al. (1979) apresentam uma visão mais realista e otimista em relação às questões educacionais e de desenvolvimento de pessoas com SD. Os autores levam em conta a individualidade e a variabilidade da síndrome e se opõem à visão tradicional da área médica, que orienta e determina que essas crianças sejam todas iguais e com poucas possibilidades de educabilidade.

Para Miller (1987), crianças com retardo mental não demonstram, de uma forma geral, os mesmos comportamentos de linguagem que crianças de sua mesma idade cronológica, embora considere que as primeiras não apresentem padrões bizarros de produção. O autor chama a atenção para o fato de que existe um dilema a ser resolvido que é a questão de considerarmos a linguagem dessas pessoas quantitativamente ou qualitativamente diferente, ou seja, elas estão falando com atraso ou estão falando de forma diferente, em outro padrão? Apesar de o autor considerar que atrasos no desenvolvimento da linguagem comparados à idade mental são considerados como um desempenho desviante da linguagem, em outro momento, relata que crianças com atraso mental seguem o mesmo curso e a mesma sequência das crianças que estão se desenvolvendo normalmente, apenas mais lentamente, ou seja, o autor apresenta posição ambígua. Considero que, em relação a esta posição de Miller (1987), o atraso é realmente algo que não se pode negar, no que diz respeito à crianças com síndrome de Down, mesmo assim teríamos que questionar as condições de funcionamento de linguagem oferecidas à cada criança, mas a questão de um padrão diferente torna-se infundada, pois estas crianças estão expostas ao mesmo sistema de língua e, apesar das dificuldades, existe um sistema em funcionamento que é o mesmo encontrado em todas as crianças. Desta forma considero que não seja possível traçar um padrão diferente de fala e linguagem para crianças com SD.

Apesar de a SD ser bastante descrita pela literatura, a aquisição e desenvolvimento da linguagem oral e/ou escrita de crianças com SD são marcados por muitos mal entendidos, preconceitos e mitos. Esses equívocos, segundo Gun (1985), decorrem do desconhecimento,

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