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Aplicabilidade do treinamento baseado em evidências na aviação civil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA CARLOS EDUARDO GERDE SOUZA

APLICABILIDADE DO TREINAMENTO BASEADO EM EVIDÊNCIAS

NA AVIAÇÃO CIVIL

PALHOÇA 2017

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CARLOS EDUARDO GERDE SOUZA

APLICABILIDADE DO TREINAMENTO BASEADO EM EVIDÊNCIAS

NA AVIAÇÃO CIVIL

Monografia apresentada ao Curso de graduação em Ciências Aeronáuticas, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel.

Orientador: Prof. Orlando Flávio Silva, Esp.

Palhoça 2017

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CARLOS EDUARDO GERDE SOUZA

APLICABILIDADE DO TREINAMENTO BASEADO EM EVIDÊNCIAS NA AVIAÇÃO CIVIL

Esta monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Ciências Aeronáuticas e aprovada em sua forma final pelo Curso de Ciências Aeronáuticas, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça, 24 de nov de 2017

__________________________________________ Orientador: Prof. Orlando Flávio Silva, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

__________________________________________ Prof. Antônio Carlos Vieira de Campos, Esp.

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RESUMO

Sabe-se que o sistema de treinamento é um pilar primordial da segurança operacional. A aviação civil evoluiu exponencialmente desde seus primórdios e continua evoluindo com a modernização das aeronaves e com operações cada vez mais críticas. A confiabilidade das aeronaves e os avanços nas tecnologias tornaram os acidentes cada vez mais inesperados. Hoje é impossível prever todas as ocorrências uma vez que a interação homem-máquina gera uma possibilidade infinita de resultados. Dessa forma, o treinamento atual precisa ser capaz de preparar a tripulação para gerenciar eventos inéditos, afim de atingir as exigências da segurança operacional. Esse trabalho teve como objetivo geral analisar a eficácia dos treinamentos tradicionais aplicados na atualidade, assim como avaliar a eficácia e os benefícios do treinamento baseado em evidências publicado pela International Civil Aviation Organization – ICAO no DOC 9995. O treinamento baseado em evidências é uma revisão do treinamento de voo em simulador de linha aérea. Ele foca principalmente no desenvolvimento de determinadas competências fundamentais para o piloto, baseando-se nas evidências levantadas, tendo sido elaborado por um grupo de trabalho composto por especialistas em treinamento, associações de pilotos, autoridades reguladoras, operadores aéreos e fabricantes de aeronaves. Para chegar a uma conclusão, foram analisados relatórios de resultados estatísticos sobre acidentes, incidentes e infrações operacionais, tais como fatores humanos, filosofias e métodos de treinamento e métodos de avaliações. Esta pesquisa caracteriza-se como exploratória, com procedimento bibliográfico e documental por meio de regulamentos nacionais e internacionais da aviação civil, documentos, reportagens e artigos. A abordagem utilizada assim como o procedimento de análise de dados foi qualitativa. Ao finalizar a pesquisa, conclui-se que o treinamento tradicional aplicado para pilotos possui uma filosofia reativa, com uma abordagem “one size fits all” (um modelo atende a todos – tradução do autor), avaliações ineficazes e um foco em repetições de manobras. Uma filosofia reativa possui, nos programas de treinamento, tópicos oriundos de acidentes já ocorridos na história, sendo constantemente ampliada a cada novo acidente, gerando mais tópicos em programas já lotados. Além disso, uma abordagem “one size fits all” não considera as especificidades das diferentes gerações de aeronaves e operações existentes em cada local, empresa aérea e grupo de voo, possuindo avaliações ineficazes devido a suas limitações que, como consequência, inibem o desenvolvimento de competências e, por último, um treinamento baseado fundamentalmente em manobras não avalia as raízes das deficiências. Já o treinamento baseado em evidências possui uma filosofia preventiva, uma abordagem direcionada e o foco em desenvolvimento de competências, sendo direcionado para cada geração distinta de aeronaves, priorizando suas criticidades. A consequência dessa filosofia é a atenuação dos programas de treinamentos atuais, por não se treinar todos os tópicos existentes, mas somente os relevantes. Sua filosofia possui como principal foco o desenvolvimento de competências que, como resultado, prepara o piloto para gerenciar situações nunca treinadas ou vistas. Por esse motivo o treinamento baseado em evidências soluciona os problemas encontrados nos treinamentos tradicionais aumentando significativamente a segurança operacional.

Palavras-chave: Treinamento Baseado em Evidências. Treinamento Tradicional. Segurança Operacional. Fatores Humanos. Treinamento em Simulador de voo.

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ABSTRACT

We know that the training system is one of the primary pillars for operational safety. Civil aviation has evolved exponentially since its inception and continues to evolve with the modernization of aircraft and increasingly critical operations. Aircraft reliability and advances in technology have made accidents more and more unexpected. Today it is impossible to predict all occurrences since the man-machine interaction generates an infinite possibility of results. Because of this, the current training needs to be able to prepare the crew to manage unprecedented events in order to meet the operational safety requirements. The purpose of this research was to analyze the effectiveness of current traditional trainings as well as to evaluate the effectiveness and benefits of the evidence-based training published by the International Civil Aviation Organization (ICAO) in the DOC 9995. Evidence-based training is a review of the airline flight training in simulators. It focuses mainly on the development of certain fundamental competencies for pilots, based on the evidence gathered, prepared by a working group composed of training specialists, pilots' associations, regulatory authorities, aircraft operators and aircraft manufacturers. To reach a conclusion, we analyzed statistical results reports of accidents, incidents and operational deviations, as well as human factors, philosophies, training and evaluations methods. This research is characterized as exploratory, with bibliographical and documentary procedure through national and international regulations of civil aviation; documents, reports; articles and etc. The approach used as well as the data analysis procedure was qualitative. At the end of the research, we concluded that the traditional training applied to pilots has a reactive philosophy, with a "one size fits all" approach, ineffective evaluations and a focus on repetitions of maneuvers. A reactive philosophy has, in the training programs, topics from accidents that have already occurred in history, being constantly expanded with each new accident, generating more topics inside an already crowded training program. In addition, a "one size fits all" approach does not consider the specificities of the different generations of aircraft and operations in each location, airline and flight group, having ineffective evaluations due to its limitation, which, therefore, inhibits the development of competencies. Lastly, training primarily based on maneuvers does not verify the root causes of the deficiencies. Evidence-based training, on the other hand, has a preventive philosophy, a tailored approach and a focus on competency development, being tailored to each distinct aircraft generation by prioritizing their criticalities. The consequence of this philosophy is the ease of the current training programs, since not all of the existing topics are trained, but only the relevant ones. Its philosophy has as its main focus the development of competencies that, as a result, prepares the pilot to manage situations never trained or seen. For this reason, evidence-based training solves the problems encountered in traditional training significantly increasing operational safety as a result.

Keywords: Evidence Based Training. Traditional Training. Operational Safety. Human Factors. Simulator Flight Training.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Efeito Startle ... 5

Figura 2 - Efeitos produzidos pela amígdala após uma situação inesperada ... 5

Figura 3 - Resposta Emocional ("Lutar ou Fugir") ... 6

Figura 4 - Grupo de trabalho de desenvolvimento do EBT ... 18

Imagem 1 - Acidente com o voo 1951 da Turkish Airlines ... 9

Imagem 2 - Acidente com o voo 447 da Air France ... 10

Imagem 3 - Acidente com o voo 3701 da Pinnacle Airlines ... 11

Imagem 4 - Acidente com o voo 708 da West Caribbean Airways ... 12

Quadro 1 - Tipos e gerações de aeronaves ... 20

Quadro 2 - Fases de um voo ... 20

Quadro 3 - Probabilidade de ocorrência de uma ameaça em um voo ... 21

Quadro 4 - Severidade dos resultados de um evento para o qual o piloto não recebeu treinamento ... 21

Quadro 5 - Benefícios proporcionados pelo treinamento ... 22

Quadro 6 - Frequência de cada tópico do treinamento ... 22

Quadro 7 - Competências básicas e indicadores comportamentais ... 31

Quadro 8 – Método de avaliação 1 + 4 ... 34

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LISTA DE TABELAS

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LISTA DE SIGLAS

ANAC Agência Nacional de Aviação Civil CAA Civil Aviation Authority

CBT Competency Based Training CVR Cockpit Voice Recorder

EASA European Aviation Safety Agency EBT Evidence Based Training

EFB Electronic Flight Bag

EGPWS Enhanced Ground Proximity Warning System FAA Federal Aviation Administration

FDA Flight Data Analysis

FAR Federal Aviation Regulations FMS Flight Management System

FOQA Flight Operational Quality Assurance GPS Global Positioning System

HUD Head Up Display

IATA International Air Transport Association ICAO International Civil Aviation Organization

IFALPA International Federation of Air Line Pilots’ Associations ITPS IFALPA Pilot Training Standards

LOSA Line Oriented Safety Audit

NASA National Aeronautics and Space Administration RBAC Regulamentos Brasileiros da Aviação Civil UAS Undesired Aircraft State

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SUMÁRIO

1INTRODUÇÃO... 1

2EFEITO STARTLE COMO FATOR CONTRIBUINTE A ACIDENTES ... 4

2.1 ACIDENTE COM O VOO 1951 DA TURKISH AIRLINES ... 8

2.2 ACIDENTE COM O VOO 447 DA AIR FRANCE ... 9

2.3 ACIDENTE COM O VOO 3701 DA PINNACLE AIRLINES ... 10

2.4 ACIDENTE COM O VOO 708 DA WEST CARIBBEAN AIRWAYS ... 11

3METODOLOGIAS DE TREINAMENTO ... 13

3.1 TREINAMENTOS TRADICIONAIS... 13

3.2 DOC 9995 DA ICAO – MANUAL OF EVIDENCE BASED TRAINING ... 17

3.2.1 O que é o EBT ... 18

3.2.2 As Motivações para a Criação do EBT ... 18

3.2.3 Objetivo do EBT ... 19

3.2.4 Metodologia ... 19

3.2.5 Periodicidade dos Módulos ... 22

3.2.6 Fases do Treinamento em Simulador ... 23

4BENEFÍCIOS DO TREINAMENTO BASEADO EM EVIDÊNCIAS ... 24

4.1 TREINAMENTO DIRECIONADO ... 24

4.1.1 Priorização dos Tópicos de Treinamento ... 24

4.1.2 Inversão das Sequências das Sessões ... 25

4.1.3 Intervalos de Treinamento... 26

4.2 TREINAMENTO E AVALIAÇÃO POR COMPETÊNCIAS... 26

4.2.1 Treinar para o Desconhecido ... 27

4.2.2 Avaliação por Competências... 30

4.3 TREINAMENTO BASEADO EM CENÁRIOS ... 36

4.3.1 Introdução da “Surpresa” e o Combate ao Efeito Startle ... 37

4.3.2 Conformidade ... 39

4.3.3 Monitoramento ... 39

5CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 41

REFERÊNCIAS ... 43

ANEXO A -FICHA DE AVALIAÇÃO DE PILOTOS (FAP 05.1 - ANAC) ... 45

ANEXO B -EXEMPLO DE FICHA DE AVALIAÇÃO DE PILOTOS BASEADA EM COMPETÊNCIAS ... 47

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1 INTRODUÇÃO

A aviação é considerada um dos meios mais seguros de transporte. Ela está sempre evoluindo, se transformando e se adaptando a diferentes realidades. O principal tema dentro da aviação sempre será “segurança”. Todos os órgãos reguladores, associações de empresas e funcionários, normas, entre outros, existem para aumentar a segurança de voo de forma direta e indireta. Muitas frentes relacionadas à segurança de voo podem ser consideradas, como: Operações, Flight Standards (padrões de voo), Safety (segurança), Manutenção, Áreas Administravas e de forma fundamental, o Treinamento. Não se pode imaginar uma aviação segura sem o treinamento adequado.

O treinamento é essencial para praticamente todas as funções dentro de uma empresa aérea. Desde um atendente de check-in até um comandante de voos internacionais necessitam de treinamento adequado. Hoje o assunto treinamento é frequentemente analisado e discutido por órgãos reguladores, empresas aéreas, e associações de todo mundo.

Antigamente, o aumento da segurança acontecia após um acidente, conforme relatado por Whitaker (2015), que afirma que durante a maior parte da nossa história, a segurança foi uma função da investigação de acidentes, possuindo uma característica reativa: somente após ocorrer um acidente, as causas eram estudadas e, só então, eram implementadas mudanças que garantiriam que o acidente nunca acontecesse novamente.

Hoje a indústria da aviação trabalha para que a segurança não seja mais corretiva e sim preventiva. O treinamento é fundamental na prevenção de acidentes aeronáuticos. Segundo a International Air Transport Association1 – IATA (2014, p. 7), o Estudo de

Acidentes-Incidentes do Treinamento Baseado em Evidências mostrou que a pilotagem manual foi um fator em 52% dos acidentes fatais. Adicionalmente a pilotagem foi um fator em 84% dos acidentes e incidentes sérios que tinham uma grande probabilidade de mitigação através do treinamento. Ou seja, se a situação tivesse sido treinada, a probabilidade de o acidente ter ocorrido teria sido bem menor ou o resultado não teria sido catastrófico.

Conforme os dados apresentados, é muito provável que haveria uma redução significativa nos acidentes, caso um treinamento efetivo tivesse sido realizado para aumentar a proficiência e fluência no voo manual dos pilotos. De acordo com o International Federation of Air Line Pilots’ Associations2 – IFALPA (2012), o treinamento deve ser aumentado,

1 Associação Internacional de Transporte Aéreo

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independentemente da pressão da indústria em economizar tempo e dinheiro, pois o treinamento ineficaz é uma ameaça a segurança dos voos.

Dessa forma, tendo como principal objetivo o aumento da segurança da aviação comercial, este trabalho procurou demonstrar que o treinamento tradicional aplicado atualmente ao grupo de pilotos poderia ser insuficiente para atingir o nível de exigências da segurança operacional, investigando o método de treinamento por evidências elaborado pela ICAO no Manual of Evidence-based Training3 (DOC 9995) como solução, e a aplicabilidade deste nas

empresas aéreas. Especificamente, foram analisados:  Fatores humanos relacionados no treinamento.  Métodos utilizados em treinamentos tradicionais.  Fatores humanos relacionados no treinamento.

 O DOC 9995 da ICAO sobre treinamentos baseado em evidências.  Os benefícios do treinamento baseado em evidências.

A presente pesquisa caracterizou-se como exploratória, com procedimento bibliográfico e documental empregando uma abordagem qualitativa, que tem como principal finalidade “desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores” (GIL, 2008, p. 27), analisando-se materiais bibliográficos (livros e artigos que descrevem os fatores humanos relativos a treinamento e capacitação, fisiologia, segurança de voo e psicologia na aviação) e documentais (documentos diversos sobre as legislações regendo a Aviação Civil Internacional ao qual oferecem requisitos e padrões de procedimentos em relação ao tema proposto). Alguns dos documentos analisados foram:

 Regulamentos Brasileiros da Aviação Civil;

 Documentos da Organização da Aviação Civil Internacional;  Documentos da International Air Transport Association (IATA);  Documentos da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC);

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 Reportagens de acidentes na aviação civil internacional em artigos (impressos, on-line), em revistas etc.

O procedimento para coleta de dados caracterizou-se como bibliográfico. De acordo com Gil (2008, p. 50), “a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. Dessa forma, esta pesquisa teve como objetivo uma investigação teórica e prática sobre cada uma das abordagens mencionadas anteriormente, sendo primordial para a análise proposta. Gil (2008, p. 51) descreve a pesquisa documental:

“A pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa. (...) Existem, de um lado, os documentos de primeira mão, que não receberam qualquer tratamento analítico, tais como: documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, contratos, diários, filmes, fotografias, gravações etc. De outro lado, existem os documentos de segunda mão, que de alguma forma já foram analisados, tais como: relatórios de pesquisa, relatórios de empresas, tabelas estatísticas etc.”

A análise dos dados obtidos na pesquisa foi qualitativa por “conhecer as percepções dos sujeitos pesquisados acerca da situação-problema, objeto da investigação” (UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA, 2013), assim como também “por se basear na realidade para fins de compreender uma situação única” (RAUEN, 2002).

O trabalho foi estruturado para atingir os objetivos propostos, tendo sido composto da seguinte estrutura:

No Capítulo 1 apresenta-se a introdução, onde constam uma contextualização e o problema do estudo, os objetivos, a justificativa e a metodologia.

O Capítulo 2 apresenta-se o efeito startle como fator contribuinte em acidentes, onde demonstra-se, basicamente, as reações fisiológicas deste efeito e como ele contribuiu em acidentes.

O Capítulo 4 apresenta-se as metodologias de treinamento. É apresentado as características do treinamento tradicional assim como seus problemas. Também é apresentada a história, definição e estrutura do DOC 9995 Treinamento Baseado em Evidências.

Na sequência, o Capítulo 5 destaca os benefícios do Treinamento Baseado em Evidências.

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2 EFEITO STARTLE COMO FATOR CONTRIBUINTE A ACIDENTES

Um grande inimigo da segurança de voo é a própria sensação de segurança. O alto nível de confiabilidade das aeronaves modernas equipadas com EGPWS4, GPS5, EFB6, HUD7,

etc., têm colaborado para que os pilotos se sintam altamente seguros. As estatísticas reforçam um sentimento de normalidade nesta atividade (a exposição a incidentes e acidentes é baixíssima). Em 2011 a taxa de acidentes com falecimento foi de apenas 1,4•10-6 (ICAO, 2012

apud MARTIN, MURRAY e BATES, 2012). Esse sentimento de normalidade entre os pilotos contribui fortemente para um desempenho abaixo do esperado em momentos de surpresa causados por situações de alto risco. Quando algo inesperado acontece, o ser humano sofre de algo que as literaturas internacionais chamam de “startle effect” (efeito surpresa).

O efeito startle se deve ao funcionamento da nossa espécie. Todos são afetados. Ele é um mecanismo biológico natural, tendo como objetivo a sobrevivência, estimulando o corpo a uma reação física. Porém a proporção deste efeito pode variar de forma significativa dependendo do estado emocional, estresse, do nível de retenção e de atenção no momento em que ocorre. Os treinamentos que desenvolvem competências e expõem os pilotos a este efeito contribuem como um fator decisivo para minimizar o efeito startle. Os acidentes do voo 32 da Qantas e do voo 1549 da US Airways tiveram consequências positivas devido a treinamentos assertivos e custosos. (MARTIN, MURRAY e BATES, 2012).

Segundo a ITPS (2012), todos os programas de treinamento devem incluir e tratar o fator surpresa. A equipe deve ser treinada para suprimir o efeito congelamento, confirmar a situação e, em seguida, aplicar medidas corretivas e proporcionais durante cenários de treinamento realistas para ajudar a criar uma resposta adequada aos estados indesejados da aeronave encontrados durante o voo. O objetivo final deve ser treinar a equipe para gerenciar o efeito startle enquanto efetivamente recupera o avião. O treinamento para esse efeito e a fluência podem ser validados simultaneamente em uma das manobras críticas em um cenário "não anunciado" ou "surpresa". Os procedimentos de “tick box” habituais não preparam para o efeito startle, mas um treinamento efetivo, sim.

4 Enhanced Ground Proximity Warning System - Sistema Avançado de Aviso de Proximidade do Solo

5 Global Positioning System - Sistema de Posicionamento Global 6 Electronic Flight Bag - Informação Aeronáutica em Formato Digital

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O efeito startle é o grande contribuinte para a perda de performance durante situações de emergência. Ele diminui drasticamente a consciência situacional, dificulta a tomada de decisão e a resolução de problemas. O efeito startle pode ser interpretado em português como “efeito surpresa” ou “efeito congelamento”. Quando o ser humano se encontra em situações de pressão inesperada, o cérebro gera um estímulo o qual emprega um “atalho”, desviando do córtex sensorial, e indo direto para amígdala. Veja Figura 1.

Figura 1 - Efeito Startle

Fonte: (MARTIN, MURRAY e BATES, 2012)

A amígdala envia sinais para o sistema nervoso, causando efeitos como diminuição da temperatura do corpo, alterações da pressão sanguínea, da produção de hormônios e efeito startle, como demonstrado na Figura 2.

Figura 2 - Efeitos produzidos pela amígdala após uma situação inesperada

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A amígdala envia substâncias para a corrente sanguínea. Esse processo é chamado no dia a dia como “o efeito da adrenalina”. A consequência é o que a língua inglesa chama de “fight or flight response” (lutar ou fugir). Ele ilustra o comportamento de várias espécies (incluindo a espécie humana) quando confrontadas com um perigo imediato. Para sobreviver é necessário lutar ou fugir (MARTIN, MURRAY e BATES, 2012). Esse comportamento pode ser visualizado na Figura 3.

Figura 3 - Resposta Emocional ("Lutar ou Fugir")

Fonte: (MARTIN, MURRAY e BATES, 2012)

Quando o piloto se encontra sob o efeito startle, as rotinas realizadas facilmente em situações normais podem vir a ser omitidas sem que ele perceba. Os erros e a degradação de desempenho são os resultados de limitações cognitivas durante as emergências. Essas limitações são experimentadas quando confrontados com o perigo, com estresse ou quando sobrecarregados com tarefas essenciais.

As pesquisas revelam que é extremamente provável que os pilotos que se encontrem sob o efeito startle irão agir de forma precipitada ou permanecerão estáticos, não tomando

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nenhuma ação, pois a ativação desse efeito pode causar reações prejudicais ao processamento de informações por até 30 segundos. Isso impacta diretamente na consciência situacional, nas soluções de problemas e na tomada de decisão. (MARTIN, MURRAY e BATES, 2012, p. 389). As consequências de tais atitudes são os UAS (Undesired Aircraft State8) e em

algumas ocasiões consequências graves (acidentes). Pode-se definir o UAS como uma atitude resultada por um erro da tripulação tendo como consequência a redução das margens de segurança ao influenciar na posição, velocidade, altitude ou configuração de uma aeronave. Existe uma grande variação de intensidade do efeito startle entre pessoas diferentes e até entre o mesmo individuo dentro de circunstâncias diferentes. Em um estudo, realizado por Martin, Murray e Bates (2012), 18 pilotos foram submetidos a situações críticas em um simulador de voo. Os resultados mostraram que:

 5 pilotos efetuaram ações adequadas

 6 pilotos efetuaram ações adequadas, porém de forma tardia  7 pilotos efetuaram ações inseguras e não previstas

Estudos de laboratório e alguns estudos de desempenho humano em situações reais revelam que o desempenho cognitivo está significativamente comprometido sob o estresse. Ao experimentar o estresse, a atenção humana se estreita - um fenômeno denominado “tunneling” (visão de túnel). A visão de túnel restringe a varredura de toda a gama de pistas do ambiente, fazendo com que o indivíduo se concentre estreitamente na percepção da indicação mais ameaçadora ou saliente. Assim, sob estresse, um piloto pode se concentrar em um único indicador do cockpit e não notar outras indicações também relevantes para a situação (MARTIN, MURRAY e BATES, 2012, p. 5).

Quando as tripulações são submetidas a um grau elevado de carga de trabalho e estresse elas ficam vulneráveis, perdem a percepção de indícios importantes e entram em visão de túnel com facilidade. As rotinas realizadas facilmente em situações normais, podem vir a ser omitidas sem o piloto perceber. Os erros e a degradação de desempenho são os resultados de limitações cognitivas durante as emergências. Essas limitações são experimentadas quando confrontados com o perigo, com estresse ou quando sobrecarregados com tarefas essenciais.

A maioria das situações de emergência e anormais aumentam a carga de trabalho da cabine de comando. Às vezes, esse aumento é transitório e limitado, outras vezes é grande e

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continua pelo restante do voo. As transcrições do CVR de muitos acidentes mostram claramente quão alta carga de trabalho da tripulação pode ser durante uma emergência, especialmente uma que é altamente crítica no tempo (MARTIN, MURRAY e BATES, 2012).

O efeito startle pode tornar o automatismo um vilão. Os pilotos que tem dificuldades em situações normais com o automatismo (devido por exemplo à sua ergonomia desfavorável), terão grandes problemas em situações anormais. Por outro lado, o excesso de automatismo na rotina diária sem treinar o voo manual pode ser prejudicial, degradando as habilidades dos pilotos e intensificando essa degradação na emergência. Os estudos mostram que as habilidades psicomotoras (pilotagem básica), caso sejam bem desenvolvidas e enraizadas, são mais robustas e menos vulneráveis em situações de estresse. O papel do treinamento inicial é primordial, devendo focar no desenvolvimento e na consolidação destas habilidades. Elas serão resistentes ao longo do tempo.

Alguns acidentes nos últimos anos tiveram como grande fator uma pilotagem deficiente após efeito startle, conforme exemplos relatados por Martin, Murray e Bates (2012). Ao se analisar a sequência de eventos que levaram à queda das aeronaves, pode-se inferir que o efeito startle pode ter contribuído para a resposta inadequada dos pilotos à perda de sustentação em todos os exemplos citados a seguir.

2.1 ACIDENTE COM O VOO 1951 DA TURKISH AIRLINES

 Aeroporto de Schiphol, Amsterdã, 2009;  Falha com o Rádio Altímetro do Capitão;

 A potência entra em um modo de "redução de flare";  A velocidade decai até a ativação do aviso do stick shaker;  O primeiro oficial aplica impulso parcial;

 O autothrottle reduz a potência completamente;

 O comandante assume o comando, mas deixa a potência em mínima por nove segundos;  Não é possível se recuperar da perda de sustentação.

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Imagem 1 - Acidente com o voo 1951 da Turkish Airlines

Fonte: (MARTIN, MURRAY e BATES, 2012)

2.2 ACIDENTE COM O VOO 447 DA AIR FRANCE

 Oceano Atlântico perto do Brasil, 2010;  Pitot congela informando velocidades falsas;

 O piloto automático desacopla e a aeronave reverte para o modo de lei alternativo;  É ativado o aviso do stick shaker;

 O primeiro oficial sobe 2000 pés;

 A aeronave perde completamente a sustentação;  O primeiro oficial cabra completamente o manche;  Não é possível recuperar da perda de sustentação.

A execução é consistente com múltiplos startles ou uma contínua degradação de informação durante o startle. Veja a Imagem 2 referente ao acidente com a aeronave da Air France.

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Imagem 2 - Acidente com o voo 447 da Air France

Fonte: (MARTIN, MURRAY e BATES, 2012)

2.3 ACIDENTE COM O VOO 3701 DA PINNACLE AIRLINES

 Jefferson City, Missouri, 2004;

 Somente dois pilotos a bordo em um traslado;

 A tripulação decidiu testar a altitude máxima certificada (FL410);

 O piloto automático tentou manter a altitude elevando o nariz do avião, o que levou à redução da velocidade;

 É ativado o stick pusher avisando a tripulação da perda de sustentação;

 O ângulo de ataque continuou a aumentar levando a múltiplas perdas de sustentação;  A aeronave entra na perda de sustentação aerodinâmica (27° de elevação do nariz);  Ambos os motores apagam;

 Não é possível recuperar da perda de sustentação.

As ações do piloto nos comandos indicam um raciocínio interrompido devido ao startle. Veja a Imagem 3 referente ao acidente com a aeronave da Pinnacle Airlines.

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Imagem 3 - Acidente com o voo 3701 da Pinnacle Airlines

Fonte: (MARTIN, MURRAY e BATES, 2012)

2.4 ACIDENTE COM O VOO 708 DA WEST CARIBBEAN AIRWAYS

 Venezuela, 2005;

 A aeronave subiu rapidamente para 33,000 pés;  O Autothrottle reduziu a potência;

 Velocidade reduziu gradualmente ao longo de 6 minutos;

 O piloto automático desengajou à medida que a aeronave não conseguiu manter a altitude;

 A aeronave entrou em uma perda de sustentação aerodinâmica;

 Os pilotos nunca aplicaram potência total e mantiveram a coluna de controle totalmente cabrada;

 Não foi possível recuperar da perda de potência.

A falta de reconhecimento da situação e aplicações inadequadas de controle foram desempenhos típicos de pilotos prejudicados pelo efeito startle. Veja a Imagem 4 referente ao acidente com a aeronave da West Caribbean Airways.

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Imagem 4 - Acidente com o voo 708 da West Caribbean Airways

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3 METODOLOGIAS DE TREINAMENTO

3.1 TREINAMENTOS TRADICIONAIS

O treinamento é um dos pilares para o aumento do padrão operacional e consequentemente da segurança operacional. O desenvolvimento das habilidades e aptidões são diretamente proporcionais ao nível do treinamento aplicável. Hoje na aviação existem cenários diferentes para todos os tipos de operações. Cada continente, clima, empresa, grupo de voo e aeronave possuem especificidades muito diferentes umas das outras. Devido a essas inúmeras especificidades, é impossível treinar todos os pilotos em cenários que cubram todas as ameaças potenciais (AIRBUS S.A.S., 2017). Não existe uma regulamentação de treinamento que cubra todas as ameaças, fazendo-se necessário desenvolver competências que preparem os pilotos profissionais para eventos não esperados.

O treinamento tradicional é composto de manobras pré-definidas oriundas do histórico de acidentes e que hoje por vezes não são mais ameaças na aviação comercial. Esse estilo de treinamento gera uma proficiência em certas manobras devido a repetições, entretanto, não produz fluência no piloto. Quando um evento sai do previsto, o resultado tende a ser catastrófico.

Atualmente também existem pilotos muito dependentes da automação, que não praticam o básico do voo manual de forma eficaz. Por outro lado, existem pilotos que não entendem a automação na sua totalidade, não sabendo utiliza-las quando se faz necessário durante um momento de alto nível de estresse e carga de trabalho. Esses exemplos são deficiências de competências que os treinamentos iniciais e periódicos devem desenvolver. Existem aeronaves em que o voo manual deve ser treinado e desenvolvido de forma contínua e consistente. Outras gerações de aeronaves já possuem um grau de risco muito pequeno no voo manual, consequentemente, seu nível de automação é grande e precisa ser compreendido em sua totalidade. Acidentes recentes aconteceram sem que nenhum defeito tenha ocorrido nas aeronaves, demonstrando que existem deficiências nas competências mínimas esperadas de um piloto profissional. Como exemplo, pode-se citar o acidente do voo 214 da Asiana, ocorrido em 6 de julho de 2013 em São Francisco, EUA.

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Atualmente os treinamentos tradicionais exigem uma recorrência anual. Porém, órgãos internacionais como a European Aviation Safety Agency9 (EASA), já demostraram que

este espaço de tempo é insuficiente. Por outro lado, existe uma pressão nas empresas aéreas por diminuição de custos, que são normalmente elevados nos programas de treinamento. Porém o custo de acidentes e incidentes são incalculáveis.

O treinamento atual consiste basicamente em cumprir um conjuntode regulamentos nacionais e internacionais, possuindo uma elevada carga devido a tantas exigências de órgãos reguladores, associações internacionais, entre outros. Assim, em muitos casos, não existe tempo hábil para desenvolver competências de aviadores, o que leva a se avaliar apenas o desempenho nas manobras como sendo satisfatório ou insatisfatório. Segundo a Organização Internacional da Aviação Civil, os requisitos de treinamento de piloto de linha aérea existentes nas regulamentações nacionais são, em grande parte, baseados na evidência de acidentes em jatos de gerações anteriores, assim como em uma visão de que simplesmente repetir um evento em um programa de treinamento é suficiente para mitigar um risco. Ao longo do tempo, ocorreram muitos eventos novos, gerando a adição desses eventos aos programas de treinamento. Devido a este fato, os programas de treinamento recorrentes se tornaram saturados, com uma abordagem de cumprir uma lista de checagem dentro do treinamento (ICAO, 2013, p. I-1-1).

Conforme apresentado, o treinamento é fundamental para segurança da aviação, sendo a primeira barreira contra as ameaças que ocorrem todos os dias. Ele existe desde o início da história da aviação e é constantemente aprimorado com novas manobras, técnicas de instrução e facilitação. Porém, sua estrutura permaneceu a mesma desde sempre. Uma estrutura que segue um modelo que as literaturas internacionais chamam de “tick box” (visto na caixa). Nada mais é do que uma avaliação como “Satisfatório” ou “Deficiente” em certas manobras. Esse treinamento é regulamentado e auditado por órgãos competentes como a ANAC, IATA, ICAO e etc. O regimento principal do treinamento aplicado a empresas aéreas brasileiras encontra-se no RBAC 121 (Requisitos Operacionais: Operações Domésticas, de Bandeira e Suplementares), publicado pela Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC. Em outros países a estrutura é a mesma, nos Estados Unidos por exemplo, o treinamento é regulamentado pelo Federal Aviation Administration10 – FAA, através do FAR part 121 (Operating Requirements: Domestic, Flag, and Supplemental Operations11).

9 Agência Europeia de Segurança na Aviação

10 Administração Federal da Aviação

(24)

A NASA realizou um estudo denominado “The Challenge of Aviation Emergency and Abnormal Situations” (O desafio das emergências e situações anormais na aviação – tradução do autor). De acordo com Burian, Dismukes e Barshi (2005, p. 2), o treinamento é outro fator importante que afeta de forma significativa a forma como uma situação de emergência ou anormal é tratada. O treinamento conduzido pelo Apêndice H de FAR Parte 121 resume-se à necessidade de completar as manobras obrigatórias do FAA. Para maximizar a quantidade de treinamento que pode ser completado em simulador dentro de um espaço de tempo limitado, as tripulações de voo normalmente são apresentadas com uma anormalidade após a outra. As equipes por muitas vezes não podem ver uma situação ser gerenciada de forma completa antes que o simulador seja reiniciado e a próxima anormalidade do sistema seja apresentada.

A consequência do programa de treinamento tradicional é um programa extremamente apertado. Os cenários são programados para a pior condição e as manobras são repetidas constantemente. Esse método sempre foi aceito pela indústria, e até hoje é aplicado nas empresas aéreas. De acordo com a IATA (2014, p. 1), a crença de que a simples repetição da exposição do piloto aos eventos do "pior caso" no treinamento era considerada suficiente para satisfazer as necessidades de segurança da indústria. Ao longo do tempo, os eventos improváveis que resultaram em ocorrências graves foram simplesmente adicionados aos requisitos de programas de treinamento que, de forma progressiva, ficaram lotados e eventualmente resultaram em um inventário ou abordagem de avaliação de tópicos para o treinamento adotado. Como resultado, o setor estava sendo forçado a se concentrar em suas tripulações de voo, atendendo aos padrões regulatórios cada vez maiores de desempenho mínimo, em vez de melhorar suas habilidades em geral.

Hoje, a abrangência e profundidade dos treinamentos deve ser muito mais complexa do que nos primórdios da aviação, levando-nos a alguns questionamentos, tais como: “A simples avaliação do desempenho na realização de manobras como sendo satisfatórias ou deficientes fornece resultados relevantes?”; “Esse estilo de treinamento tradicional é o suficiente para atingir o nível de segurança desejada dentro da complexidade atual da aviação comercial?”.

Uma vez que nosso método tradicional é um treinamento baseado na repetição de manobras no pior cenário, os pilotos deveriam se sentir confiantes para lidarem com as ocorrências operacionais do dia a dia. Entretanto, uma pesquisa de EBT (Treinamento Baseado em Evidências) feita pela IATA revelou que 54% dos entrevistados encontraram uma situação operacional na qual eles se sentiram insuficientemente treinados, nos 6 meses anteriores a

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pesquisa. 43,6% dos entrevistados relataram que em sua última sessão de treinamento o instrutor não aumentou seu nível de confiança. (IATA, 2014). Estes resultados são muito importantes para serem ignorados e devem nos fazer refletir sobre as ocorrências operacionais que os levaram a se sentirem despreparados.

Pesquisadores da NASA chegaram à conclusão que as manobras clássicas do treinamento tradicional não são ameaçadoras para os aviadores. As manobras repetidas todo ano no treinamento periódico, que estão inseridas dentro de um programa de treinamento operacional, são lidadas com confiança por eles, fazendo com que os resultados saiam conforme o planejado (BURIAN, DISMUKES e BARSHI, 2005, p. 3).

Então, por que existe uma falta de confiança dos pilotos em relação às anormalidades que eles têm enfrentado? Concluímos que essas manobras clássicas estão acontecendo com uma frequência cada vez menor, e as manobras não treinadas ou imprevisíveis, cada vez maior. Por este motivo, a pesquisa da ICAO mencionada revela que mais da metade dos pilotos entrevistados enfrentaram uma ocorrência na qual se sentiram despreparados para lidar. O Aviation Safety Reporting System12 (ASRS), analisado por Burian,

Dismukes e Barshi (2005), nos traz dados alarmantes sobre o número de emergências que não foram lidadas de forma eficaz, como pode ser visto na Tabela 1:

Tabela 1 – Tipo de emergência por resultado de gerenciamento Manobras Clássicas

de Livros didáticos Manobras não previstas em livros didáticos Totais

Gerenciada corretamente 19 6 25

Gerenciada de forma deficiente 3 79 82

Totais 22 85 107

Fonte: (BURIAN, DISMUKES e BARSHI, 2005, p. 3)

Conforme observado na Tabela 1, 85 das 107 emergências analisadas não representam as emergências clássicas abordadas nos programas de treinamento operacionais. Pode-se verificar também que 93% das emergências não treinadas foram lidadas de forma insegura pela tripulação. A IATA concluiu que o essencial para assegurar o apoio regulamentar a esta iniciativa foi a consolidação objetiva de dados empíricos que fornecem provas

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substanciais de que as práticas atuais de treinamento e exames não estavam por si só, cumprindo com as necessidades de segurança da indústria. (IATA, 2014, p. 1).

Os dados expostos averiguam que nosso treinamento atual não é o suficiente para cumprir com a segurança operacional. Uma mudança na estrutura do treinamento precisa ser aplicada urgentemente pelos órgãos reguladores, empresas aéreas e centros de treinamentos, pois um treinamento “one size fits all” (um modelo atende a todos) sem personalização, sem entender as particularidades de cada aeronave e operação, não é mais aplicável. Nesse sentido, os pesquisadores da IATA concluíram que as metodologias de treinamento devem e podem ser significativamente melhoradas. Este processo de melhoria começa com a aplicação de uma filosofia diferente ao desenvolver e implementar programas de treinamento recorrentes; uma filosofia que inculca as melhores práticas operacionais, que são relevantes para o equipamento em uso e as necessidades específicas do operador aéreo (IATA, 2014, p. 1).

3.2 DOC 9995 DA ICAO – MANUAL OF EVIDENCE BASED TRAINING

Observando-se empiricamente a necessidade de uma nova filosofia de treinamento, a ICAO publicou, em maio de 2013, o DOC 9995 Manual of Evidence-based Training (Manual de Treinamento Baseado em Evidências - tradução do autor). Essa publicação foi o ponto de partida de uma nova era no treinamento da aviação. Esse método revolucionário de treinamento foi criado para aumentar a segurança nas operações de voo através do treinamento aeronáutico para empresas aéreas e possui um estilo diferente do tradicionalmente praticado. Sua filosofia trabalha de forma preventiva e não reativa, baseando-se nos últimos 20 anos de coleta de evidências através das seguintes fontes: mais de 9.000 dados de voos por meio de observações LOSA13, mais de 2.000.000 de análises de dados de voos através do programa FOQA14,

informações de relatórios, mais de 1.000 pesquisas entre pilotos e por fim, 3.045 análises de acidentes/incidentes entre os anos de 1962 e 2010 catalogados por órgãos de investigação de acidentes. (IATA, 2014). Examinando esses dados, foram observados que o desenvolvimento de competências é primordial para elevar a segurança da aviação. Foram estudadas gerações diversas de aeronaves e suas especificidades, criticidade de treinamento, competências técnicas e não técnicas e etc. A prevenção é devida ao desenvolvimento de competências para lidar com

13 Line Oriented Safety Audit - Auditoria de segurança orientada por linha

(27)

qualquer situação, seja esperada ou inesperada, diferente do treinamento tradicional que é fundamentado em repetição de manobras conforme relatado anteriormente.

3.2.1 O que é o EBT

O EBT é uma revisão do treinamento de voo em simulador de linha aérea. Ele não foca na medição do desempenho individual de manobras somente, mas principalmente no desenvolvimento em determinadas competências fundamentais para o piloto, baseando-se nas evidências levantas. O EBT foi elaborado por um grupo de trabalho composto por especialistas em treinamento, associações de pilotos, autoridades reguladoras, operadores aéreos e fabricantes de aeronaves. Esse grupo chegou à conclusão de que não existe um treinamento que atenda a todos (“one size fits all”), sendo necessária uma customização do treinamento. A Figura 4 mostra algumas das organizações que participaram da elaboração do documento.

Figura 4 - Grupo de trabalho de desenvolvimento do EBT

Fonte: Logomarcas obtidas dos websites de cada uma das companhias apresentadas. Elaboração própria.

3.2.2 As Motivações para a Criação do EBT

Um conjunto de motivações fizeram com que o EBT nascesse, entre elas:  Introdução de aeronaves cada vez mais modernas;

(28)

 Fatores humanos desafiadores;

 Dados de voo cada vez melhores (FDA15).

O progresso no design e a confiabilidade das aeronaves modernas, um ambiente operacional em rápida mudança e a constatação de que não foi feito o suficiente para resolver o problema dos fatores humanos exigiu uma revisão estratégica do treinamento dos pilotos de linhas aéreas. Além da riqueza de relatórios de acidentes e incidentes, a provisão de análise de dados de voo oferece a possibilidade de identificar os riscos encontrados nas operações reais e adaptar programas de treinamento para mitigar os riscos que os membros da tripulação de voo enfrentam nas operações. (ICAO, 2013, p. (v)).

3.2.3 Objetivo do EBT

O Objetivo do sistema EBT é identificar, desenvolver e avaliar o Conhecimento, Habilidades e Atitudes (CHA) necessários para operar de forma segura, efetiva e eficiente em um ambiente de transporte aéreo comercial, abordando as ameaças mais relevantes de acordo com evidências coletadas em acidentes, incidentes, operações de voo e treinamento. (ICAO, 2013, p. (v)).

3.2.4 Metodologia

Conforme explanado anteriormente, o EBT é resultado de um estudo aprofundado que inclui diversas fontes de informação. Com base nesses estudos uma metodologia de treinamento foi desenvolvida por seus idealizadores. Essa metodologia consiste em uma análise de 5 premissas que serão aprofundadas nos parágrafos abaixo. Essas premissas incluem:

 Categorização de aeronaves por tipo e geração;  Divisão das fases de voo;

 Erros e ameaças potenciais;

 Desenvolvimento de competências.

(29)

As aeronaves são categorizadas em tipos e gerações conforme demonstrado no Quadro 1. As gerações foram definidas por especialistas e foram classificadas levando-se em conta as especificidades diversas. Por exemplo, a geração 3 de Jatos é composta por aeronaves que possuem glass-cockpits, nav displays e FMS16. A diferença da geração 3 para a geração 4

é a adição das tecnologias fly by wire e Flight Envelope Protection. O EBT leva em conta todas essas peculiaridades para apresentar um treinamento adaptado às criticidades observadas para cada geração de aeronaves.

Quadro 1 - Tipos e gerações de aeronaves

Geração de aeronaves Exemplos de aeronaves

Geração 4 – Jato E170/ E190 / A330

Geração 3 – Jato B737-600 ao -800

Geração 3 – Turboélice ATR 600

Geração 2 – Jato B737-300 ao 500

Geração 2 – Turboélice ATR 500

Geração 1 – Jato B707

Fonte: (ICAO, 2013, p. I-3-1)

As ameaças e os erros examinados durante todos os anos das coletas de dados foram separadas por fases do voo. A divisão destas fases está listada abaixo, no Quadro 2.

Quadro 2 - Fases de um voo

Fase 1 Pré voo e táxi

Fase 2 Decolagem Fase 3 Subida Fase 4 Cruzeiro Fase 5 Descida Fase 6 Aproximação Fase 7 Pouso

Fase 8 Táxi e pós voo

Fonte: (ICAO, 2013, p. I-3-2)

(30)

Já os potenciais erros e ameaças que podem acontecer receberam 3 características que auxiliaram na montagem dos programas de treinamento. As características são:

 Probabilidade de ocorrência;  Severidade da ocorrência;  Benefícios de treinamento.

A probabilidade é calculada dentro de um espaço de tempo definido ao qual uma ameaça que exija intervenção do piloto ocorra. Foram categorizados 5 níveis de probabilidade conforme demonstrado no Quadro 3.

Quadro 3 - Probabilidade de ocorrência de uma ameaça em um voo

Raro 1 vez na carreira ou menos

Improvável Poucas vezes na carreira

Moderadamente provável Uma vez de 3 a 5 anos

Provável Provavelmente uma vez por ano

Quase certo Mais de uma vez por ano

Fonte: (ICAO, 2013, p. I-3-3)

A severidade é baseada no resultado de um evento, pressupondo que o piloto não recebeu treinamento para gerenciar o mesmo. Assim como a probabilidade, a severidade foi definida em 5 níveis, descritos no Quadro 4.

Quadro 4 - Severidade dos resultados de um evento para o qual o piloto não recebeu treinamento

Insignificante Efeito insignificante que não compromete a segurança

Leve Redução na margem de segurança (mas não considerada uma redução significativa)

Moderado Comprometimento da segurança ou redução significativa na margem de segurança

Grave Danos causados nas aeronaves e / ou danos a pessoas

Catastrófico Danos significativos ou fatalidades

Fonte: (ICAO, 2013, p. I-3-3)

Os benefícios de treinamento descrevem o efeito que um treinamento pode ter na redução dos níveis de severidade expostos no Quadro 4 em pelo menos 1 nível. Os benefícios de treinamento também foram classificados em 5 níveis conforme exposto no Quadro 5.

(31)

Quadro 5 - Benefícios proporcionados pelo treinamento

Sem Importância O treinamento não reduz o nível de severidade

Leve Aumenta a performance no gerenciamento de um evento

Moderado Não ter o treinamento compromete a segurança

Significante Um resultado seguro não é provável sem um treinamento efetivo

Crucial Essencial para entender o evento e lidar com ele

Fonte: (ICAO, 2013, p. I-3-3)

Após uma investigação profunda das evidências e com base na metodologia acima, um treinamento considerando as especificidades de geração de aeronaves foi desenvolvido pelo grupo criador do EBT.

3.2.5 Periodicidade dos Módulos

A periocidade também foi arquitetada dentro do programa EBT, prevendo um ciclo completo de treinamento com duração de três anos. O mínimo de sessões previstas são quatro, porém recomendam-se seis sessões anuais. Também é aconselhado pelo programa, que as sessões sejam espaçadas em um período de seis meses. Neste projeto foram analisados todos os tópicos com necessidades de treinamento para cada geração de aeronaves. Esses tópicos foram analisados em relação à frequência de treinamento necessária e agrupados nas categorias A, B e C. Os tópicos mais críticos foram colocados na letra A e precisam ser abordados em todos os módulos do treinamento recorrente. Os tópicos categorizados na letra B possuem uma frequência que é a metade de A, ou seja, em um módulo sim e outro, não. Os tópicos com a letra C são necessários somente uma vez dentro do ciclo completo de três anos. Em um programa de treinamento bianual, por exemplo, o grupo A seria treinado de seis em seis meses, o grupo B uma vez por ano e o grupo C uma vez a cada 3 anos. As listas de tópicos e manobras encontram-se nos Apêndices 2 a 7, parte II do DOC 9995, separados por cada geração de aeronaves. (ICAO, 2013). Abaixo segue o Quadro 6 para exemplificar:

Quadro 6 - Frequência de cada tópico do treinamento

Tópicos do treinamento Frequência para ativação Fase de voo

Rejeição de Decolagem A TO

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Falha do Motor Critico entre a V1 e a V2 B TO

Descida de Emergência C CRZ

Aproximação Monomotor com e sem arremetida A APP

Fonte: adaptado de (ICAO, 2013, p. II-App 2-2)

3.2.6 Fases do Treinamento em Simulador

O treinamento em simulador foi dividido em 3 fases:  Fase de avaliação;

 Fase de manobras;

 Fase de treinamento baseado em cenários.

O manual recomenda que primeiro seja aplicado a fase de avaliação. A fase de avaliação é uma sessão de revalidação da carteira perante o órgão regulador competente. Essa sessão é baseada em cenários que proporcionam um ambiente realista das operações aéreas do operador e normalmente é aplicada por um examinador credenciado da autoridade competente. Uma vez passada por essa fase, os pilotos prosseguem para próxima fase, a fase de manobras. Esta como o próprio nome diz, tem como objetivo a validação de manobras. Ela não possui cenários de gerenciamento, o piloto é exposto a falhas consecutivas. Uma vez que a falha foi controlada, o simulador é reiniciado e uma nova falha é apresentada. Essa fase tem como objetivo a exposição a diversos tópicos pré-definidos pelo estudo e explora bastante o desenvolvimento de aptidões como por exemplo o voo manual. A última fase tem como objetivo o desenvolvimento de competências. Conforme o próprio manual diz, esta fase constitui a maior fase do programa EBT e é projetada para se concentrar no desenvolvimento de competências, enquanto treina-se para mitigar os riscos mais críticos identificados para a geração de aeronaves. A fase incluirá o gerenciamento de ameaças e erros específicos em um ambiente orientado a linha em tempo real. Os cenários incluirão ameaças críticas externas e ambientais, além de construir uma interação efetiva da equipe para identificar e corrigir erros. Uma parte da fase também será direcionada para o gerenciamento de falhas críticas do sistema. Para que este programa seja totalmente efetivo, é importante reconhecer que esses cenários predeterminados são simplesmente um meio para desenvolver a competência, e não um fim ou exercício de avaliar tópicos em si mesmos. (ICAO, 2013, p. I-3-8).

(33)

4 BENEFÍCIOS DO TREINAMENTO BASEADO EM EVIDÊNCIAS

Conforme demonstrado, é necessário que se altere o modelo de treinamento atual, de modo a aumentar as competências de pilotagem e gerenciamento do grupo de pilotos. O treinamento baseado em evidências publicado no DOC 9995 da ICAO traz todas as vantagens para mitigar as deficiências demonstradas pelo treinamento tradicional. O mesmo possui muitos benefícios que refletem no aumento da segurança operacional. Entre eles, três benefícios principais podem ser destacados: treinamento direcionado, desenvolvimento de competências e treinamentos baseados em cenários. Cada um destes benefícios será abordado individualmente a seguir.

4.1 TREINAMENTO DIRECIONADO

Uma vantagem do EBT é de ter uma filosofia de treinamento direcionado. Ele é customizado para cada tipo de público e operação. O currículo deve evitar a abordagem de modelo único de treinamento, sendo flexível o suficiente para permitir uma avaliação contínua do processo de capacitação, ao mesmo tempo que habilita os alunos e os instrutores a adaptar o conteúdo para garantir que o objetivo de um piloto de alta qualidade na linha aérea profissional seja alcançado. (IFALPA, 2012, p. 6).

O treinamento direcionado é atingido considerando as seguintes características:  Priorização dos tópicos de treinamento;

 Inversão das sessões de treinamentos tradicionais;  Intervalos de treinamentos adaptáveis.

4.1.1 Priorização dos Tópicos de Treinamento

A priorização dos tópicos de treinamento separada por gerações de aeronaves junto com análises de severidade, probabilidade e benefícios de treinamentos é, sem dúvida, um dos grandes benefícios do treinamento baseado em competências, considerado por IATA (2014, p. 689) como provavelmente um dos resultados mais importantes do estudo, pois é a parte chave para traduzir os dados dos estudos em informações úteis e cenários para avaliar e desenvolver o desempenho dos pilotos nos programas de treinamento periódico. Este resultado, obtido a

(34)

partir de múltiplas fontes de estudos, é a primeira tentativa de ranquear parâmetros tais como ameaças, erros e competências, junto com os fatores que afetam os acidentes e incidentes graves.

O grupo criador do EBT estudou cada geração de aeronave, separando-as e definindo as prioridades de treinamento para cada uma delas. Para chegar no resultado final o estudo de acidentes e incidentes do EBT fez uso de 3405 relatórios para alimentar a análise, permitindo que a priorização fosse ampla, e também sensível às gerações. (IATA, 2014, p. 18). Uma aeronave moderna como as encontradas na geração 4 de jatos devem ter treinamentos diferentes de uma geração igualmente moderna, porém de turboélice geração 3. Apesar de ambas serem modernas, suas características são diferentes.

O EBT não só direciona as manobras para as diferentes gerações, mas também direciona as periodicidades das manobras a serem executadas. A periodicidade dos módulos A, B e C faz com que as manobras críticas para aquele grupo de aeronaves sejam aplicadas continuamente dentro do treinamento. Dessa forma é possível desafogar os programas de treinamentos atuais. Um exemplo prático é o Apêndice F do RBAC 121, que solicita que todo ano seja verificada, em exames, a manobra de Descida de Emergência. Porém, pelo EBT, somente é necessário treiná-la uma vez a cada 3 anos. Essa redução ocorrendo na prática abre espaço para itens mais críticos serem desenvolvidos e verificados, aliviando os currículos de treinamento.

Segundo IFALPA (2012, p. 6), usar uma abordagem de modelo único (“one size fits all”) para definir intervalos de treinamento recorrente não é flexível o suficiente para considerar todas as variáveis de cada operação específica. Por conseguinte, estes devem ser adaptados em conjunto com o regulador nacional e aos requisitos específicos das operações de cada companhia aérea de forma individual.

4.1.2 Inversão das Sequências das Sessões

Outra forma de personalização do EBT é a alteração da ordem do treinamento tradicional aplicado hoje. O treinamento tradicional basicamente é composto por sessões de simulador dedicadas para treinamento e uma sessão de simulador no final para um exame do órgão regulador para revalidação de carteira. O EBT sugere que essa ordem seja invertida. A primeira sessão da tripulação seria composta pela evaluation phase ou seja, fase de avaliação. Essa inversão apresenta as seguintes vantagens (ICAO, 2013):

(35)

 Observa e avalia as competências da tripulação de voo antes dos treinamentos aplicados (obtendo os resultados “first look” ou primeira vista);

 Coleta dados para desenvolver e validar a eficácia do sistema de treinamento;  Identifica as necessidades de treinamento individual.

A observação first look é de extrema importância para validar o sistema, uma vez que ela examina o comportamento da tripulação sem a interferência do treinamento recente. A tripulação deve estar preparada para gerenciar de forma segura qualquer situação, uma vez que essas anormalidades podem ocorrer a qualquer momento em suas rotinas de trabalho. Isso evita com que repetições de manobras feitas no treinamento antes da avaliação mascare as deficiências da tripulação. Caso deficiências sistemáticas de tripulações sejam averiguadas, o currículo de treinamento deverá ser alterado para mitigar as mesmas. Por esse motivo também é possibilitado a identificação das necessidades de treinamento de cada tripulante individualmente.

4.1.3 Intervalos de Treinamento

Outra forma que o EBT possibilita a customização do treinamento é através dos intervalos. Ele possui um modelo de treinamento no qual é compatível com intervalos de 6 meses ou 1 ano. Isso é benéfico pois cada operador e autoridade pode moldar conforme suas necessidades. Entretanto, a possiblidade de treinar a cada 6 meses é essencial para manter elevado o nível operacional das tripulações. A política da IFALPA sobre a quantidade de treinamento recorrente hoje afirma que as sessões de treinamento devem ser fornecidas para cada piloto pelo menos uma vez a cada seis meses e, idealmente, uma vez a cada três meses. (IFALPA, 2012, p. 26)

4.2 TREINAMENTO E AVALIAÇÃO POR COMPETÊNCIAS

Um grande ganho do EBT é a introdução do CBT ou Competency Based Training, que é fundamental para o processo de desenvolvimento do piloto de linha aérea. Conforme demonstrado, se faz necessário entender a raiz do problema e não somente o relatar. Inclusive, no DOC 9995 da ICAO é afirmado que o princípio central do EBT é o treinamento para a competência, que se baseia numa abordagem sistemática através da qual a avaliação e o

(36)

treinamento são embasados na medida de quão bem um piloto em treinamento demonstra um conjunto de competências. (ICAO, 2013, p. I-3-7).

O CBT traz 3 grandes benefícios: o treinamento para o desconhecido, desenvolvimento contínuo, avaliação justa e mais segura.

4.2.1 Treinar para o Desconhecido

Hoje é impossível prever todas as possibilidades de ocorrências de uma aeronave moderna assim como todo o sistema de aviação. Este sistema é tão complexo que cada novo acidente traz surpresas ainda não vistas. Conforme visto, o treinamento tradicional possui um cronograma padrão: Primeiro um acidente acontece, seguido por uma investigação e só depois um novo treinamento é criado, baseado nas causas do acidente, e enviado para treino em todo mundo. Isso caracteriza um treinamento reativo e faz com que os programas de treinamento foquem na repetição de manobras e não nas competências.

Atualmente, devido aos avanços na tecnologia de aeronave e na maior confiabilidade e manutenção dos motores, os acidentes relacionados a falhas do motor na decolagem se tornaram muito raros e muito mais fáceis de manusear. Então, como acontecem acidentes aéreos hoje em dia? Eles ocorrem devido a eventos surpresa, com consequências graves e sem precedentes na história da aviação.

Ao se falar de interação homem/máquina, existem inúmeras possibilidades de resultados. Para mitigar essa interação, o EBT tem como um dos seus princípios o treinamento visando o desenvolvimento de competências. A Airbus afirma que as abordagens ao treinamento estão evoluindo em toda a indústria, com Treinamento Baseado em Evidências (EBT) para o treinamento periódico sendo introduzido pela EASA em 2016. Ao invés de medir o desempenho de um piloto durante eventos ou manobras individuais, o EBT desenvolve e avalia a capacidade geral de um piloto em uma gama de competências essenciais. (AIRBUS S.A.S., 2017, p. 31).

A metodologia utilizada no EBT para identificar, desenvolver e avaliar competências começa na criação das competências em si. Segundo a IATA (2013, p. vii), o objetivo de um programa EBT é identificar, desenvolver e avaliar as competências-chave exigidas pelos pilotos para operar de forma segura, eficaz e eficiente em um ambiente de transporte aéreo comercial, gerenciando as ameaças e erros mais relevantes, com base em evidências coletadas em operações e treinamento.

(37)

No EBT Implementation Guide (IATA, 2013) são sugeridas oito competências, apresentadas abaixo:

1. Aplicação de Procedimentos; 2. Comunicação;

3. Gerenciamento do voo automático; 4. Gerenciamento do voo manual; 5. Liderança e trabalho em equipe;

6. Solução de problemas e tomada de decisão; 7. Consciência situacional;

8. Gerenciamento da carga de trabalho.

Cada piloto deverá desenvolver cada uma dessas competências. O aviador que tiver essas competências avaliada no nível mínimo aceitável, terá a capacidade de lidar com qualquer situação que seja gerenciável. Os pesquisadores da NASA afirmaram que emergências e situações anormais, como estas, ocorrem a bordo de aeronaves todos os dias, variando entre urgentes e ameaçadoras à vida e mundanas e relativamente triviais. As respostas da tripulação a algumas situações são enfaticamente praticadas durante o treinamento. Outras situações nunca foram praticadas, sendo tão novas e inesperadas que nenhum procedimento foi desenvolvido para orientar as respostas das equipes. (BURIAN, DISMUKES e BARSHI, 2005).

A chave do problema é esta: muitas situações que ocorrerão com as tripulações nunca terão sido previstas pela indústria. Por isso é tão importante o desenvolvimento das competências na tripulação. O piloto pode mostrar uma dificuldade de realizar uma manobra, porém, segundo o EBT, é preciso verificar a raiz do problema e não somente verificar o problema superficialmente.

Imagine uma situação hipotética em que um piloto esteja treinando uma manobra de perda de motor após a V117, com todos os sistemas reservas da aeronave funcionando. Na

subida, ele mantém a velocidade constantemente abaixo da V218. No treinamento tradicional o

17 V

1 – Velocidade de decisão. É a velocidade limite para rejeitar uma decolagem, após esta velocidade a

decolagem deverá ser continuada.

18 V

2 – Velocidade na qual a aeronave deverá manter ao passar de 35 pés da cabeceira oposta em caso de pista

seca. Ela protege o avião de perder sustentação e garante que este cumprirá os gradientes de subida mínimos definidos pelos regulamentos internacionais.

(38)

instrutor classificaria a manobra como “deficiente” e repetiria a mesma até obter o resultado “proficiente”. Porém, qual é a raiz da deficiência da manobra? No treinamento tradicional essa raiz não é tratada na maioria das vezes. Algumas possibilidades de deficiências de competências neste exemplo podem ser citadas, como: deficiência do voo manual, aplicação de procedimentos ou consciência situacional. Observe a análise deste exemplo sob a ótica dessas três competências:

1. Deficiência do voo manual: este piloto sabia a importância de manter a velocidade mínima na V2, mas não conseguia mantê-la devido a um gerenciamento psicomotor

deficiente.

2. Deficiência em aplicação de procedimentos: este piloto tem as condições psicomotoras de manter o avião na V2. Porém, para ele, manter o avião na V2 não é tão

importante, pois ele não compreende as fases de decolagem e os gradientes mínimos previstos.

3. Deficiência de consciência situacional: este piloto possui a capacidade psicomotora de manter o avião na velocidade correta e entende que esta é a velocidade de segurança a ser mantida, porém, o mesmo não percebeu que o avião estava abaixo da V2 devido a

um efeito startle, a uma carga de trabalho alta na decolagem, a uma mera distração, entre outros.

É muito importante identificar qual ou quais competências estão deficientes, pois isso prepara o piloto para gerenciar não só a manobra repetida constantemente nos treinamentos, mas qualquer situação inesperada que ocorra durante o voo. Por exemplo, caso a deficiência do piloto do exemplo acima seja o voo manual e este item seja trabalhado e desenvolvido, qualquer situação anormal que exija uma pilotagem manual, independente do momento da ocorrência (decolagem, subida, cruzeiro, aproximação ou pouso) e da configuração do avião, este piloto teria dentro de sua “caixa de ferramentas” as competências de voo manual já desenvolvidas para lidar com a situação. Se o mesmo decorasse os parâmetros psicomotores da manobra através da repetição constante da mesma, possivelmente este piloto não teria a capacidade de controlar o avião com segurança caso alguma anormalidade acontecesse em condições diferentes das condições decoradas. Os pesquisadores da NASA chegaram à conclusão que os pilotos podem estar tão acostumados a usar a automação para pilotar a aeronave que podem ter problemas para reverter ao voo manual quando exigido por uma emergência, devido à degradação de habilidades psicomotoras não praticadas. (BURIAN, DISMUKES e BARSHI, 2005).

Uma situação semelhante ocorreu na empresa Europeia easyJet, conforme relatado no artigo “Preparing Flight Crews to Face Unexpected Events” (Preparando Tripulações para

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