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A noção de relação na teoria cognitiva de Durandus de St. Pourçain

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

MARIA CLARA PEREIRA E SILVA

A NOÇÃO DE RELAÇÃO NA TEORIA COGNITIVA DE

DURANDUS DE ST. POURÇAIN

CAMPINAS

2018

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MARIA CLARA PEREIRA E SILVA

A NOÇÃO DE RELAÇÃO NA TEORIA COGNITIVA DE

DURANDUS DE ST. POURÇAIN

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de mestra em Filosofia.

Orientador: Prof. Dr. Márcio Augusto Damin Custódio

ESTE EXEMPLAR CORREPONDE À VERSÃO FINAL. DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA MARIA CLARA PEREIRA E SILVA, E ORIENTADA PELO PROF. DR. MÁRCIO AUGUSTO DAMIN CUSTÓDIO.

CAMPINAS

2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 06 de junho de 2018, considerou a candidata Maria Clara Pereira e Silva aprovada.

Prof. Dr. Márcio Augusto Damin Custódio

Profª. Drª. Fátima Regina Rodrigues Évora

Prof. Dr. José Antônio Martins

A ata de defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao CNPq pelo financiamento desta pesquisa.

Sou muito grata a todos que de algum modo colaboraram para realização desta dissertação.

Agradeço ao professor Márcio Damin por me orientar, ensinar e incentivar desde o meu primeiro semestre de graduação, sem o qual meu trabalho não existiria.

Agradeço ao professor Tadeu Verza e ao professor José Martins pelas arguições valiosas e sugestões na ocasião de minha qualificação.

Agradeço à professora Fátima Évora e à professora Sueli Sampaio pelos ensinamentos e palavras sempre certeiras.

Agradeço aos colegas do Grupo de Pesquisa Metafísica e Política pelos debates e pelas oportunidades de discutir meus textos.

Agradeço aos queridos Evaniel Brás (que me adotou como sobrinha e eu adotei como meu tio) e Matheus Pazos com os quais aprendi e aprendo muito e que sempre acreditaram em mim. Sem vocês eu não teria esta dissertação.

Agradeço ao Matheus Monteiro pelas reflexões valiosas sobre o papel do historiador e da historiadora da filosofia e ao Angelo de Oliveira pela ajuda de sempre e pela amizade. Agradeço também à Eveline Diniz pelo companheirismo, à Andreia Araujo pela inspiração e ao Odécio Barnabé Jr. por me ensinar a olhar além da razão.

Agradeço aos meus pais, Josilma e Silvano e meus irmãos Nickolas e Erick pela família que somos. Aos meus avós Jorge, Maria, Rosa, Sebastião e Graça pelo amor e sabedoria.

Ao meu esposo Lucas, não só meus agradecimentos, mas também todo meu amor e admiração.

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Um filósofo

Um velho coqueiro - interrogativamente – mira-se no brejo.

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RESUMO

Esta dissertação tem por escopo analisar a noção de relação no interior da teoria cognitiva de Durandus de St. Pourçain, no Comentário às Sentenças de Pedro Lombardo I, d. 3, q. 5 e II, d. 3, q. 5. Para Durandus, quando o intelecto opera por meio de um ato cognitivo, nenhuma entidade absoluta é adicionada a ele. A cognição, ou pensamento, é tratada pelo autor como uma entidade relativa e não como algo que o intelecto possui, ou que é adicionado a ele de maneira real. Nessa medida, a cognição é entendida como o modo pelo qual o poder cognitivo se relaciona com outras coisas que não ele mesmo. Ao determinar sua noção de relação, Durandus sustenta um processo cognitivo independente das noções de espécies inteligíveis, universais e intelecto agente. A presente investigação visa apresentar a maneira pela qual Durandus nega os pressupostos necessários para a sustentação de uma teoria cognitiva baseada no processo abstrativo e sustenta sua própria teoria cognitiva por meio da sua noção de relação.

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ABSTRACT

This thesis aims to analyze the notion of relation inside of the cognitive theory of Durand‟ of St. Pourçain Commentary on the Sentences of Peter Lombard I, d. 3, q. 5 e II, d. 3, q. 5 [A] e [C]. For Durand, when the intellect acts by a cognitive act, no absolute entity is added to it. The cognition, or thought, is treated by the author as a relative entity, not as something that belongs to the intellect, or as something that is really added to it. Therefore, the cognition is understood as the way through which the cognitive power relates with other things different from itself. Determining his notion of relation, Durand sustains a cognitive process independent from the notions of intelligible species, universals and agent intellect. This investigation aims to present the manner in which Durand denies the assumptions needed to sustain a cognitive theory based on the abstract process and sustain his own cognitive theory through his notion of relation.

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LISTA DE ABREVIATURAS

In Sent [A] – Corresponde à primeira versão do Comentário às Sentenças de Durandus de St. Pourçain redigida em 1307-8.

In Sent [B] – Corresponde à segunda versão do Comentário às Sentenças de Durandus de St. Pourçain redigida em 1310-12.

In Sent [A/B] – Corresponde à edição crítica do Comentário às Sentenças de Durandus de St. Pourçain que une ambas as edições dispostas paralelamente.

In Sent [C] – Corresponde à terceira versão do Comentário às Sentenças de Durandus de St. Pourçain redigida em 1327.

In I Sent [C] d. 3, q. 5, n. 6. – Corresponde ao Comentário às Sentenças de Durandus de St. Pourçain, Livro I, distinção 3, questão 5, parágrafo 6.

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SUMÁRIO

Introdução ... p. 12

1- A inviabilidade da operação de um intelecto agente no processo cognitivo.. p. 27 1.1- A inviabilidade da operação do intelecto agente sobre os fantasmas... p. 31 1.2- A inviabilidade da operação do intelecto agente sobre o intelecto possível... p. 44 1.3- A crítica Durandiana ao intelecto separado... p. 68

2- O processo cognitivo... p. 67 2.1- O intelecto angélico como experimento de pensamento: um panorama geral... p. 68 2.2- O conhecimento compreendido como a relação entre o objeto cognoscível e o poder cognitivo para Durandus de St. Pourçain... p. 82

3- A tradução do Comentário às Sentenças de Durandus... p. 94 3.1- Tradução do In I Sent [C], d. 3, q. 5... p. 97 3.2- Introdução à tradução do In II Sent [A], d. 17, q. 1... p. 115 3.3- Tradução do In II Sent [A], d. 17, q. 1... p. 118

Conclusão... p. 126

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como objetivo investigar a maneira pela qual Durandus de St. Pourçain constitui uma nova teoria cognitiva baseada no conceito de relação. Tal constituição ocorre por intermédio da negação de que o intelecto agente atue abstraindo das características individuantes do fantasma (ou imagem sensível) tendo em vista uma essência universal. Para Durandus, a verdade não é a correspondência da universalidade presente no singular com o conceito universal inteligido pelo intelecto. Isto porque, segundo ele, não há universalidade independente do intelecto e ao singular só cabem qualidades singulares. Como a existência de uma essência universal nos singulares é negada não haveria o que abstrair e, assim, a abstração também deve ser rejeitada como parte do processo cognitivo. Dado que a existência do intelecto agente só é afirmada devido a sua função de abstrair a essência universal, sendo negada tal função, o intelecto agente seria supérfluo e, por isso, deveria ser também negado como parte fundamental da cognição. O intelecto agente é falso e desnecessário para a compreensão da cognição humana. Este é um processo tão natural quanto a sensação, pois ambas são os atos segundos do homem. Sensação e intelecção são consideradas como dois lados da mesma moeda, quando uma ocorre a outra também ocorrerá necessariamente. Durandus, portanto, nega que a cognição seja um processo abstrativo, contendo mediadores entre objeto material e intelecto imaterial, e afirma que a cognição é intuitiva e direta. O objeto de conhecimento tem a capacidade de ser conhecido e o intelecto tem a capacidade de conhecer seu objeto, assim, estando presentes um ao outro, a cognição intuitiva ocorre necessariamente.

No intuito de compreender o processo segundo o qual Durandus estabelece suas críticas e suas interpretações, segmentei meu trabalho em algumas etapas. Na introdução procurei apresentar o contexto intelectual e de disputas filosóficas nas quais Durandus se insere. No primeiro capítulo analisei o modo pelo qual Durandus desqualifica os argumentos que sustentam a necessidade de postular a noção de intelecto agente compreendido como constituinte da alma humana. Para tanto, dediquei-me à investigação do Comentário às Sentenças de Pedro Lombardo [C] I, d. 3, q. 5. Além disso, para compreender a extensão da negação da noção de intelecto agente feita por Durandus, investiguei sua crítica feita às teorias que defendem a existência de uma inteligência eterna, una e separada. Segundo Durandus, não é possível aceitar a

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existência de um intelecto agente seja unido, seja separado da alma humana. Durandus não traça apenas uma distinção analítica entre intelecto agente e intelecto possível, a negação é total: não se deve multiplicar princípios. Este ponto é defendido por Durandus no Comentário às Sentenças de Pedro Lombardo [C] II, d. 17, q. 1, o qual me propus a analisar. No segundo capítulo procurei determinar qual é, para Durandus, a natureza própria do ato de conhecer. Para tanto, inicialmente exponho brevemente como a questão do conhecimento era tratada por Tomás de Aquino, Henrique de Gant, Duns Scotus e Guilherme de Ockham no intuito de disponibilizar um panorama geral no qual Durandus se encontra. Assim, ao examinar como Durandus estabelece sua teoria da cognição, as questões que ele procura evitar estão minimamente delimitadas e é possível vislumbrar melhor os pontos de originalidade deste autor. Ressalto, neste último ponto, o tratamento dos conceitos de relação e de causa sine qua non, eles serão preponderantes para a compreensão das estratégias segundo as quais Durandus garante a capacidade do viator de constituir um conhecimento verdadeiro. Esta capacidade pode ser compreendida mais claramente quando Durandus se utiliza do intelecto angélico como experimento de pensamento para a compreensão da operação de um intelecto em condições ideais, separado das condições individuantes da matéria. Este experimento revela os pressupostos metafísicos e epistemológicos fundamentais a partir dos quais Durandus desenvolve toda a sua filosofia e, particularmente, sua teoria da cognição. Privilegiei, neste capítulo, a análise de trechos do Comentário às Sentenças de Pedro Lombardo [A] II, d. 3, q. 5 e 6. No terceiro capítulo apresento a tradução do In I Sent [C], d. 3, q. 5 e In II Sent [C], d. 17, q. 1, com o objetivo de fornecer acesso ao texto original de Durandus e possibilitar uma maior independência ao leitor. Ambas as traduções correspondem a questões da versão [C] do In Sent de Durandus. Esta obra é composta por quatro livros: o primero livro trata sobre Deus e o caráter científico da teologia, o segundo livro trata sobre Criação, Angeologia e é onde podemos identificar o tratamento do tema da cognição, o terceiro livro trata sobre Cristologia e o quarto livro sobre os Sacramentos.

Analisei a bibliografia primária e secundária com a finalidade de contextualizar Durandus em meio aos debates que ele iniciou e que tomou parte na história da filosofia. Este estudo me possibilitou entrar em contato, não só com uma linha de pensamento única e inovadora, até então pouco explorada, mas com toda uma dinâmica de produção de conhecimento a partir de disputas filosóficas nas quais ele toma partido. O pensamento de Durandus e sua repercussão foram determinantes para as teorias que

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estavam sendo produzidas no séc. XIV1e, reconhecidamente, influenciaram outros pensadores que o sucederam2.

Em um momento no qual a ordem dos dominicanos procurava consolidar seu pensamento unificando-o, Durandus começa a produzir suas obras nas quais defende teses que contradizem os ensinamentos de sua ordem. Desde o início de sua formação suas teses provocam conflitos com as autoridades dominicanas. Segundo Mulchahey “o caso de Durandus eventualmente se tornou a disputa teológica mais duradoura na história da ordem dos dominicanos3”. O conflito, gerado pelas teses de Durandus e alimentado por seus seguidores, somadas às medidas tomadas contra ele pelas autoridades da ordem, podem ser apontados como fatores responsáveis pela criação de uma identidade dominicana.

O fato de que Durandus redigiu seu In Sent três vezes é um indicativo de que suas ideias foram alvo de repressão durante toda a sua trajetória intelectual. A primeira repressão vinda da ordem dos dominicanos aconteceu devido ao impacto da sua primeira redação do In Sent [A] que foi divulgada sem prévia autorização. Redigido no ano acadêmico de 1307-08, enquanto Durandus servia como cursor Sententiarum sob o mestre dominicano Hervaeus Natalis em St. Jacques. A divulgação do seu In Sent [A]4 colocou seu pensamento no centro do debate de escolas locais e studia avançadas de Paris sendo debatido por outros bacharéis e mestres em suas leituras, disputations e recebendo tratados em resposta.

As inovações de Durandus foram sentidas como um impacto pelas autoridades dominicanas que defendiam o pensamento de Tomás, não porque Durandus tivesse sido o primeiro pensador a se diferenciar de Tomás, mas porque suas críticas representavam um perigo à autoritas de Tomás. Desde que se levantaram em resposta às condenações de 1277, as autoridades da ordem vinham se esforçando para fortalecer a imagem de

1

Um exemplo do impacto do pensamento de Durandus é o número de textos escritos pelos tomistas da época, em especial por Herveus Natalis, com o objetivo de rebater (e corrigir) Durandus. Cf: LOWE, 2003, p. 72-83.

2

O que é atestado pelo fato de as teorias de Durandus terem sido objeto de estudo na cátedra de nominalismo na Universidade de Salamanca no séc. XV. GILSON [1947] aponta Durandus, juntamente com Pedro de Auriol (1280-1322), como predecessor de Guilherme de Occam (1285-1347). - Sobre a teoria cognitiva de Ockham cf. PANACCIO, 2004; PERINI-SANTOS, 2007; GUERIZOLI, 2010; DE OLIVEIRA, 2013; PANACCIO, 2015.

3

MULCHAHEY, 1998, p. 159.

4

Em sua “Conclusio operis et modo ac tempore quo autor opus hoc prescripsit” Durandus afirma que esta primeira redação de seu trabalho, o In Sent [A], fora divulgado por frades entusiastas de seu trabalho e circulava pela ordem sem a sua autorização. Sobre este assunto recomenda-se conferir VOLLERT, 1947, p. 165-166.

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Tomás como autoritas com o intuito de unificar o pensamento dominicano em torno da filosofia do autor e criar uma coesão intelectual na ordem dos frades pregadores.

Mesmo em vida Tomás de Aquino possuía simpatizantes entre seus alunos e colegas, além de uma série de críticos, inclusive entre dominicanos, como por exemplo John Pecham, além de Henrique de Gant e Godfrey de Fontaines que atacavam abertamente a sua concepção de ciência. Em 1277, apenas três anos após a morte de Tomás, o bispo parisiense Ètienne Tempier reuniu uma comissão de dezesseis mestres para examinar os erros da faculdade de Artes. Esta reunião teve como resultado o banimento de 219 proposições consideradas erradas, dezesseis das quais teriam sido retiradas dos escritos de Tomás. Esta lista foi seguida, 11 dias depois, pela condenação de 30 teses controvérsias de Tomás, apontadas por uma comissão de mestres da Universidade de Oxford convocada pelo arcebispo de Canterburry, Robert Kilwardby5.

A resposta dos primeiros seguidores de Tomás já começa a se delinear nos Capítulos Gerais que se seguiram à condenação. Em 1279 o Capítulo Geral de Paris declara que a ordem se posiciona de maneira favorável a Tomás:

Uma vez que a venerável memória do frade Tomás de Aquino, sua louvável conversão e seus escritos tenham honrado muito nossa ordem, não seja sustentando dele próprio ou de seus escritos ditos desrespeitosos e inadequados. Deste modo fica determinado que as províncias e conventos devem punir severamente e sem hesitação seus vigários e visitantes caso se excedam nos itens acima mencionados.6

Além de determinar que o posicionamento intelectual da ordem deveria ser seguido por seus integrantes, o Capítulo determina que ações disciplinarias deveriam ser usadas caso algum membro falasse contra Tomás. Os frades poderiam manter suas visões contrárias, desde que de modo privado, pois, caso se posicionassem abertamente contra Tomás, teriam que enfrentar as punições previstas. A restrição da liberdade intelectual é tratada como questão de disciplina necessária para não diminuir a memória daquele que muito honrou a ordem com seus escritos. E esta restrição encontra um

5

Três das teses listadas tratavam da unicidade da forma substancial em matérias compostas.

6

Acta I (Paris, 1279) p. 204: “Cum venerabilis vir memorie recoldende fr. Thomas de Aquino, suo

converstione laudabili et scriptis suis multum honoraverit ordinem, nec sit aliquatenus tolerandum, quod de ipso vel scriptis eius aliqui irreverenter et indecenter loquantur, eciam aliter sencientes, iniungimus prioribus provincialibus et conventualibus et eorum vicariis ac visitatoribus universis, quod is quos invenerit excedentes in predictis, punire acriter non postponant”.

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crescente, verificada pelas admoestações feitas aos frades dominicanos através do Capítulo Geral de 1280, para que eles tratassem assuntos teológicos e morais em detrimento de assuntos filosóficos em suas aulas e disputationes7.

A pressão externa à ordem também permanecia, sendo alimentada mais uma vez pelo franciscano William de la Mare que, ocupando a cadeira de teologia franciscana em Paris, escreve seu Correctorium fratris Thomere, onde critica 117 artigos da Suma de Teologia, questões disputadas, quodlibets e o In Sent.8 Até 1284, seu Correctorium foi respondido com, pelo menos, cinco Correctoria corruptorii fratris Thomere, produzidas pelos dominicanos William Hothum, Robert Orford, Richard Knapwell, William Macclesfiels e Rambert de Bologna9.

O Capítulo Geral de 1286 segue este movimento de defesa de Tomás afirmando que os frades dominicanos deveriam conhecer, promover e defender a doutrina de Tomás.

Todos os frades, e cada um deles, conforme souberem e puderem, promovam de maneira eficaz a venerável obra e doutrina do mestre fr. Tomás de Aquino, promovendo sua memória ou, ao menos, defendendo a opinião dele. E, caso alguém faça o contrário [...] deve ser suspenso de seu ofício próprio até que a ordem do mestre ou do Capítulo Geral assim o restitua. 10

E a preocupação das autoridades da ordem se estende por todos os níveis da hierarquia que a compõem. Pois não apenas os líderes, mas também os frades que começavam seus estudos nas escolas conventuais deveriam ser ensinados por meio das teses de Tomás e habilitados a defendê-las. A vigilância era feita de perto. O Capítulo Geral de 1303 trata sobre as consequências do não cumprimento das regras estipuladas:

7

Acta I (Paris, 1280) p. 209: “Monemus. Quod lectores et magistri et fratres alii questionibus

theologicii et moralibus pocius quam philosophicis et curiosis intendente”. 8

MULCHAHEY, 1998, p. 146.

9

LOWE, 2013, p. 54.

10

Acta I (Paris, 1286) p. 235: “Ut fratres omnes et singuli, prout sciunt et possunt, efficacem dent

operam ad doctrinam venerabilis magistri fratris Thome de Aquino recolende memorie promovendam et saltem ut est opinio defendendam. Et si qui contrarium facere. Attemptaverint assertive; sive sint magistri sive bacallarii. Lectores. Priores et alii fratres eciam aliter sencientes, ipso facto. Ab officiis propiis et graciis ordinis sint suspensi. donec per magistrum ordinis vel generale capitulum sint restituti”.

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Uma vez que a negligência da observância das ordens dos Capítulos for demasiado notável, determinamos primeiro que todos os vicários que observam de perto o que foi acima mencionado punam os transgressores com diligência. Pois, por essa premissa, aqueles que foram negligentes devem ser punidos pelos provinciais e visitantes. 11

A transgressão ao pensamento padrão da ordem representa um perigo à unidade intelectual da ordem e deve ser punida pelos responsáveis do local e também pelos frades designados para visitar e inspecionar as escolas dominicais. No entanto, todas as precauções destes Capítulos Gerais não impediram a transgressão sentida com a circulação do In Sent [A] de Durandus em 1308. Mulchahey tem como hipótese de que Durandus não tenha sido severamente punido por suas teses, pois ele teria afirmado que seu Comentário que começou a circular sem aprovação prévia do mestre geral da ordem, fora disseminado sem a sua permissão. No entanto, o Capítulo Geral de 1309 trouxesse um aviso que pode ser interpretado como direcionado especificamente a Durandus:

Determinamos e desejamos que todos os leitores e sub-leitores leiam e concluam segundo a doutrina e a obra do venerável doutor e frade Tomás de Aquino, e em suas escolas informem e estudem-no com diligência. Quem, portanto, for encontrado evocando, notadamente, admoestações contrárias, deve ser grave e rapidamente punido pelos priores provinciais ou pelo mestre da ordem, para que seja feito de exemplo. 12

Como o In Sent [A] de Durandus estava sendo amplamente discutido nos vários níveis da ordem, as autoridades dominicanas temiam que as teses desviantes da doutrina de Tomás crescessem entre seus membros, tornando ainda mais difícil a tarefa de

11

Acta I (Paris, 1303) p. 284: “Cum ex negligencia prelatorum regulares observancie et

ordinaciones capitulorum nimis notabiliter negligantur iniungimus prioribus universis et vicariis eorumdem quod circa observanciam predictorum et punicionem transgressorum curam adhibeant diligentem qui autem circa premissa fuerint negligentes per priores provinciales e visitores debite puniantur”.

12

Acta II (Saragossa, 1309) p. 38: “Item. Volumus et districte iniungimus lectoribus et sublectoribus

uniuersis, quod legant et determinent secundum doctrinam et operam venerabilis doctoris fratris Thome de Aquino, et in eadem scolares suos informent, et studentes in ea cum diligencia studere teneantur. Qui autem contrarium fecisse notabiliter inventi fuerint nec admoniti voluerint revocare, per priores provinciales vel magistrum ordinis sic graviter et celeriter puniantur, quod sint ceteris in exemplum”.

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unificação de um pensamento dominicano. Assim, o Capítulo determina a promoção da doutrina e obra de Tomás pelos lectores e sub-lectores, determinando que suas aulas e suas leituras não poderiam desviar das do „venerável doutor‟.

Mulchahey encara a publicação do In Sent [B], como uma resposta desobediente de Durandus13 às recomendações do Capítulo de 1309 e à hierarquia da ordem que recebeu com desconforto a disseminação desautorizada e o grande debate sobre o In Sent [A]. Embora seja possível argumentar em sentido contrário. O In Sent [B], publicado em 1310-12, contém a mesma redação da versão [A], com exceção de suas teses mais controversas localizadas no livro II14 que foram reformuladas para esta publicação. Caso tal reformulação não fosse feita, seria muito difícil que Durandus tivesse recebido o título de mestre em teologia em Paris em 1312. Contudo, apesar de apesar de receber o título, Durandus ainda é encarado como um risco para a unidade intelectual da ordem15.

As transgressões de Durandus são motivo de preocupação e geram recomendações específicas no Capítulo Geral de Metz de julho de 1313:

Uma vez que a doutrina do venerável doutor e frade Tomás de Aquino é considerada senhora e universal, e nossa ordem deve segui-la especialmente, determinamos que é proibido a qualquer frade quando estiver lendo, determinando ou respondendo afirmar de modo contrário a ela. Visto que a opinião do doutor supracitado é considerada universal, não se deve recitar ou confirmar nenhuma opinião singular contra o que foi dito pelo doctor communis, com a finalidade de conhecê-la e considerá-la pertinente, mas apenas

13

MULCHAHEY, 1998, p. 154.

14

Na lista de 1314 que continha 93 testes censuradas do In Sent [A] e [B] de Durandus (o “Articuli

nonaginta tres extracti ex Durandi S. Porciano O.P. primo scripto super Sententias et examinati per magistros et baccalarios Ordinis”) podemos verificar algumas teses que os frades apontam como

erradas, falsas, irracionais, fictícias e que aparecem do comentário antiquo [A] mas não no novo [B]. Destaco, por exemplo, a proposição [19] que trata do ato imanente e causa sine qua non: “huiusmodi

actus immanentes sunt a generante per se et ab obiecto solum sicut a causa sine qua non”; a

proposição [20] trata da intelecção de objetos “angelus intelligit alia a se non per essenciam suam

nec per species sed per ipsarummet rerum presenciam in se vel in causis, quam presenciam facit ordo, qui non est aliud quam proporcio intellectus angelici ad omne illud quod participat natura entis”e as proposições [29] e [30] que tratam do pecado original ou as proposições [33] e [34] que

trata do ato moral e do apetite sensitivo. “Et ita scribit in suo antiquo, sed in novo revocat illud”.

15

Iribarren afirma que outro indício disto é o conteúdo produzido por Durandus em sua quodlibeta que escreve no final deste mesmo ano em Avignon. Durandus reafirma e enfatiza, logo na primeira questão da obra, suas posições sobre a essência divina e a relação entre as pessoas divinas e, por isso é rapidamente respondido com as Correctiones de Natalis. Cf: IRIBARREN, 2005, p. 220-234.

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reprovando-a e imediatamente respondendo-a com objeções. Portanto, quem quer que, seja provincial ou vicário, queira inquirir sua doutrina, e com plena ciência das premissas supracitadas for transgredi-las, será legitimamente removido do seu ofício de leitor ou estudante. Se, entretanto, o caso notado for outro, se por tais opiniões penetrar o escândalo na ordem, determinamos uma punição vigorosa para recordar o que não se deve fazer. Também os leitores da Bíblia devem, além da leitura do próprio texto, proceder à leitura das

Sentenças, tratando de ao menos três ou quatro artigos da doutrina do

frade Tomás, evitando, entretanto, uma duração de tempo onerosa. Ninguém deverá ser enviado a um estúdio Parisiense a não ser que tenha estudado diligentemente durante três anos a doutrina do frade Tomás. 16

O Capítulo Geral de Metz declara que a ordem dos Dominicanos é destinada a seguir a doutrina de Tomás de Aquino. Ou seja, o Capítulo não apenas defende o pensamento de Tomás, mas o assume como elemento de definição da identidade teórica da ordem. Assim, um ataque ao pensamento de Tomás equivaleria a um ataque ao pensamento da própria ordem dos dominicanos. Pensamentos diferentes são interpretados como ilegais, como ataques que não ficariam impunes. “As punições para o não cumprimento incluíam remoção do ofício de lector, e no caso de um estudante envolvido no curriculum avançado, dispensa de seu studium17”. Assim, os frades dominicanos estavam proibidos de defender qualquer opinião contrária aos ensinamentos de Tomás, não podendo sustentar afirmações contrárias a ele enquanto estivessem ensinando, respondendo ou determinando uma disputatione. E é importante

16

Acta II (Metz, 1313) p. 64-65: “Cum doctrina venerabilis doctor fratris Thome de Aquino senior

et communior reputetur, et eam ordo noster specialiter prosequi teneatur, inhibemus districte, quod nullus frater legendo, determinando, respondendo dudeat assertive tenere contrarium eius, quod communiter creditur de opinione doctoris predicti, nec recitare aut confirmare aliquam singularem opnionem contra communem doctorum sentenciam in hiis, que ad fidem uel mores pertinere noscuntur, nisi reprovando e statim obiectionibus respondendo. Quicumque autem per provincialem uel eius vicarium, qui super hiis inquirere teneantur, ex certa sciencia in aliquo premissorum inventus fuerit deliquisse, per eosdem, cum eis legitime constiterit, a lectoratus officio uel studio absolvatur in penam; si tamen alias de huiusmodi sit notatus. Quod si ex talibus opinionibus pertractatis scandalum sit subortum, volumus, quod acrius puniatur et ad revocandum nichilominus compellatur. Lectores quoque de texto biblie plus solito legant et in lectura de sentenciis ad minus tres vel quatuor artículos de doctrina fratris Thome pertractet, prolixitate onerosa vitata. Nullus eciam studium Parisiense mittantur, nisi in doctrina fratris Thome saltem tribos annis studuerit diligenter”.

17

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notar, além disso, que o Capítulo declara o pensamento de Tomás como universal, ou seja, deve ser útil e respeitado por todos, não apenas pelos dominicanos.

Segundo o Capítulo, ideias novas, „singulares‟, não eram permitidas na ordem, a não ser que fossem introduzidas durante debates meramente como objeções a serem refutadas rápida e imediatamente. Para que estas ideias fossem evitadas, e no intuito de tornar todos os frades dominicanos familiares e capazes de defender os pensamentos de Tomás, reformaram seu sistema educacional inserindo o Comentário às Sentenças de Tomás no curriculum das scholae dominicais18. Além das diárias aulas sobre a Bíblia e sobre as Sentenças de Pedro Lombardo, as repetitio e disputatio diárias, o curriculum deveria compreender também o estudo de três a quatro artigos do seu In Sent de Tomás, em paralelo ao texto de Lombardo, por dia19.

Além disso, o Capítulo tem um papel importante ao respaldar o monitoramento do que era ensinado e escrito dentro dos domínios da ordem. Ele determina a retomada e fortalecimento de uma medida seguida pelos frades desde 1256, a qual se refere à submissão de textos para que fossem examinados e corrigidos pelo mestre da ordem antes de se tornarem públicos.20 O Capítulo de 1313 determina que todos os textos produzidos pelos frades sejam examinados pelo mestre geral e garante a este o poder de vetar qualquer escrito e punir os autores, caso este seja o caso. Este poder permitia que o mestre geral pudesse identificar materiais „singulares‟ ou que pudessem causar algum desconforto à ordem, como os escritos de Durandus já haviam causado ao serem disseminados sem prévio exame e aprovação. 21

18

A ordem dos dominicanos foi a primeira a pensar e estabelecer um curriculum fixo, com textos base definidos para a formação de seus frades. A “ratio studiorum” dominicana se encontra no capítulo geral de 1259. Foi estabelecida por uma comissão convocada por Domingos de Gusmão, integrada por Tomás de Aquino, Alberto Magno, Bonhomme de Brittany, Florence de Hesdin e Pedro de Tarentaise. A reforma que primeiro inclui o In Sent de Tomás ao curriculum conventual é estabelecida no capítulo geral de 1313. Cf. Acta II (Metz, 1313), p. 64-65. Segundo Mulchahey: “apenas uma adição formal foi feita ao curriculum conventual nos séculos medievais, e foi uma adição no intuito de defender a abordagem das Sentenças de Pedro Lombardo [segundo o In Sent de Tomás] pelos lectors Dominicanos”, p. 141. Sobre o curriculum dos Dominicanos cf: MULCHAHEY, 1998, p. 130-183. (Especificamente sobre o capítulo geral de 1313, p. 141-142, 154-156).

19

Sobre o curriculum dos Dominicanos cf: MULCHAHEY, 1998, p. 130-177.

20

MULCHAHEY, 1998, p. 156.

21

Acta II (Metz, 1313), p. 65: “Proibimos escritos, tratados, compilações, respostas a questões ou o que quer que nossos frades editem ou produzam para ser publicado fora da ordem até que sejam examinados e corrigidos pelo venerável padre e mestre da ordem; determinamos que a verdade comunicada para fora da ordem seja examinada pela mesma diligente correção”. “Inhibemus

districte, ne scripta, tractatus, compilaciones, reportaciones questionum quarumcumque a fratribus nostris edita vel edenda extra ordinem publicentur, quousque per venerabilem patrem magistrum

(21)

Neste mesmo ano as ações do papa Clemente V e do novo mestre geral da ordem dos dominicanos, Berendar de Landorra mostram visões bem diferentes no que dizem respeito a Durandus. Por um lado, a competência de Durandus como pensador é reconhecida pelo Papa ao convidá-lo para ensinar no studium da corte papal como mestre do palácio sagrado de Avignon.22 Oferecendo-lhe, além de uma implícita aprovação, uma posição ainda mais proeminente para falar. Por outro lado, Berengar de Landorra aponta um comitê de 10 frades para examinar o corpus do trabalho de Durandus, liderado por Hervaeus Natalis. Pierre Palude, regente de Paris, foi o responsável pela maioria das descobertas do comitê, juntamente com Giovanni da Napoli, lector em San Domenic em Naples e futuro mestre em St. Jacques. Após um ano de trabalho, em 3 de julho de 1314, a primeira lista de proposições censuradas foi produzida23. Esta logo seria seguida por uma segunda lista produzida em 1317.

Em 1314 a lista24 produzida continha 93 teses categorizadas como heréticas, falsas, perigosas ou meramente imprudentes, retiradas especialmente do In Sent [A], a outra25, produzida em 1317, continha 235 artigos nos quais Durandus se diferenciava de Tomás. Estas listas foram enviadas para Durandus em Avignon. Por este motivo ele redige sua Excusationes26, apesar de enviá-las para o exame de Natalis, seu antigo mestre continua apontando para potenciais perigos nas teses de Durandus, em uma sequência de disputationes quodlibetales27.

Apesar da produção de listas de censura, das admoestações e punições previstas nos Capítulos Gerais, Durandus continuava a ensinar em Avignon e seus escritos continuavam a despertar interesse entre os estudantes dominicanos. A primeira e a segunda versão do seu In Sent continuavam circulando, mantendo algumas de suas ideias mais questionáveis, e as discussões que elas fomentavam, vivas.

ordinis examinata fuerint et correcta; communicata vero extra ordinem per eumdem examinari et corrigi volumus diligenter”.

22

Ver KOCH, 1927, p. 396-409.

23

Sobre a diferença entre censura e condenação cf: IRIBARREN, 2005, p. 184-185.

24

“Articuli nonaginta tres extracti ex Durandi S. Porciano O.P. primo scripto super Sententias et

examinati per magistros et baccalarios Ordinis”. 25

“Articuli in quibus magister Durandus deviat a doctrina venerabilis doctoris fratris Thome”.

26

O pouco que conhecemos sobre sua Excusationes, o sabemos por meio das referências feitas por Hervaeus Natalis em seu Reprobationes contra excusationum Durandi, redigido logo após o recebimento do primeiro. Cf: IRIBARREN, 2005, p. 5. Além isso, Durandus escreve também uma quodlibet, contra as censuras que lhe foram feitas durante sua estadia na cúria papal. Sobre a Quodlibet I de Avignon cf: IRIBARREN, 2005, p. 220-229.

27

(22)

É provável que este tenha sido o motivo para a determinação de um policiamento local mais rigoroso feito pelo Capítulo Geral 1316, que pede, inclusive que as províncias criem estratégias para trazer a atenção de estudantes e professores de volta à „comum e benéfica doutrina‟28

. De acordo com Mulchahey algumas províncias, como Tolouse, apenas repetiram as determinações do Capítulo, aconselhando que seus lectores expusessem seus materiais de acordo com Tomás. Outras províncias, no entanto, registraram em suas atas as punições que deflagraram contra os frades que desobedeceram às determinações estabelecidas29.

As punições não eram, no entanto, a única medida tomada no intuito de consolidar o pensamento de Tomás na ordem e diminuir a ocorrência de desvios. A circulação das listas de correção de 1314 foi intensificada. Assim, mesmo que os frades continuassem a explorar os escritos de Durandus, havendo o conhecimento dos 235 pontos nos quais Durandus se desviava da doutrina de Tomás os professores poderiam identificar e apontar para seus alunos os problemas da leitura de Durandus, e a solução correta no texto de Tomás30.

As autoridades da ordem rebateram as teses de Durandus com uma série de textos, quodlibetal, quaestiones, disputationes, e alcançavam um bom número de membros da ordem, haja vista os espaços públicos de direito de mestre e professores como os já citados Hervaeus Natalis, Giovanni de Napoli e Pierre Palude. Natalis foi, inclusive, preponderante para a realização do processo de canonização de Tomás, apesar

28

Acta II (Montpellier, 1316), p. 93-94: “Uma vez que certo tratado, escritos e respostas teológicas dos frades da nossa ordem foram compilados sem o exame e aprovação da ordem e foram publicados contrariamente à ordem, frades que desviam da comum e benéfica doutrina podem somente dar ocasião ao erro, queremos e desejamos que os priores provinciais em seus capítulos provinciais aconselhem definitavamente aos estudantes a discernir tal antídoto”. “Cum quidam tractatus, scripta

sive reportaciones theologie a fratribus nostri ordinis compilati sine examinacione et approbacione ordinis contra constituciones publicati, fratres a communi et salubre doctrina retrahant et possint saltem simplicibus dare ocasionem errandi, volumus et ordinamus, quod priores provinciales in suis capitulis provincialibus de consilio diffinitorum studeant de tali remedio providere”.

29

A província Romana foi uma das quais adotou as prescrições do capítulo. Assim, puniu o frei Umberto Guidi, que havia estudado junto de Durandus em Paris, por ter defendido, enquanto bacharel na studium generale em Provença, uma série de teses que iam contra os ensinamentos de Tomás em suas respondens em uma disputatio pública, em 1315. Pela sua “má conduta e audácia” teve que se retratar publicamente pelo que propagou publicamente contra a doutrina de Tomás. Além disso, foi proibido de ensinar e disputar em qualquer faculdade ou servir como mestre de estudantes ou realizar qualquer outra função acadêmica por dois anos. Foi removido de St. Maria Novella e mandado para um convento menos importante de San Domenico em Pistoria além de permanecer durante dez dias em penitência a pão e água. Cf.: Acta provinciae Romanae (Arezzo, 1315), p. 197.

30

MULCHAHEY, 1998, p. 158-159: “Uma cópia tardia do In Sent de Durandus, manuscrito em espanhol de proveniência dominicana, ilustra as técnicas que os lectores provavelmente adotaram na sala de aula, uma vez que possuíam o material de correção em mãos. Nesse manuscrito em particular as 1314 correções foram escritas à margem do texto de Durandus nos pontos apropriados, alertando ao leitor a solução de acordo com Tomás”.

(23)

de ter morrido pouco antes de ver a conclusão do processo, que se deu em 1323. Além da consequente elevação da doutrina de Tomás, pronunciada ortodoxa em 1325, dois anos depois da canonização.

Apesar disso, Durandus ainda respondia a Natalis após a morte deste e após a ordem ter reconhecido a ortodoxia da doutrina de Tomás. A terceira versão do seu In Sent [C], terminada em 1327, enquanto servia como bispo em Meaux, é uma reafirmação de todo o seu pensamento, primeiramente apresentado no In Sent [A]. O texto desta última versão permanece o mesmo quando comparado com o In Sent [A] e [B], apenas o livro II, que havia sido alterado para a aprovação da versão [B], sofre novas modificações e reafirma os argumentos já presentes na primeira versão da obra.

A turbulência do período e do processo de busca de identidade dominicana é atestada também pelas disputas geradas pelas suas produções, entre outros frades do período. Bernardo Lombardi, bacharel dominicano, é um dos que pode ser identificado como partidário de Durandus pelas suas leituras sobre as Sentenças durante o ano acadêmico de 1327-28, que atacavam Tomás abertamente31. Sua ousadia não passou despercebida do Capítulo Geral de 1329 que declara que todos os estudantes e os professores de teologia devem estudar diligentemente a doutrina de Tomás que é “útil para o mundo todo32”.

A crítica mais detalhada ao In Sent [A]33 de Durandus foi produzida por um frade conhecido como Durandellus34 e foi publicado com o nome Evidentiae contra

31

Vollert aponta que tanto a teologia quanto a filosofia de Bernardo foram influenciadas pelo pensamento de Durandus e também pelos Tomistas de sua época. Mas aponta que a influência de Pedro de Palude pode ter sido responsável por Bernardo se opor a Durandus no que diz respeito à sua doutrina do pecado original. Cf: VOLLERT, 1947, p. 137-138.

32

Acta II (Sisteron, 1329), p. 191: “Uma vez que a doutrina de Santo Tomás seja útil para todo o mundo e honre a ordem, desejamos e ordenamos que todos os estudantes de teologia estudem diligentemente sua doutrina e que os leitores e cursores, ao examinarem uma opinião singular em suas lições e disputas, declarem e concluam de acordo com a doutrina do próprio doutor e alunem o quanto puderem e do modo eficaz a opinião contrária, e se induzirem contra a doutrina da razão sejam destituídos”. “Cum doctrina sancti Thome toti mundo sit utilis et ordini honorabilis, volumus

et ordinamus, quod omnes studentes theologie in dicta doctrina studeant diligenter, lectores autem et cursores ipsam doctrinam in suis lectionibus et disputacionibus pertractent singulariter et declarent et conclusiones eiusdem doctoris finaliter teneant, et si contra ipsius doctrinam raciones adducant, illas teneatur solvere, et quantum poterunt, contrarias efficaciter annullare. Quicumque autem contrarium inventus fuerit atentasse, per priores provinciales vel eorum vicários privetur officio lectorie”.

33

Apesar de ter se tornado público pouco depois da publicação do In Sent [C], Mulchahey defende a teoria de que se trata de uma crítica ao In Sent original que ainda circulava entre os estudantes de teologia da época. MULCHAHEY, 1998, p. 160.

34

(24)

Durandum35. Neste texto, o autor examina cada proposição na qual há divergência entre Durandus e Tomás. Durandellus expõe primeiro o argumento de Durandus, depois o de Tomás e, então, refuta a tese do primeiro36. O Evidentiae se torna, assim, uma ferramenta importante para que os frades e professores dominicanos não apenas identifiquem os pontos nos quais Durandus se distingue de Tomás, mas que possam defender a teoria que representa o pensamento dominicano e argumentar contra todos os pensamentos que dela desviem. O texto será ainda bastante usado nas escolas dominicais e na promoção deste tomismo emergente.

Durandus afirma na terceira versão do seu In Sent [C]37, por intermédio de uma afirmação retórica, que não pretendia contradizer Tomás, seu trabalho era feito com o único objetivo de buscar a verdade. Lowe aponta para esta questão ao tratar das disputas entre Durandus e Hervaeus Natalis, o mestre que fora responsável por Durandus durante seus estudos em Paris. Segundo Lowe, Durandus rebate a crítica de Natalis de que a rejeitação dos pensamentos de Tomás de Aquino e Aristóteles o levaram ao erro dizendo que quando o pensamento de outre, age por necessidade, não para mérito próprio, mas porque toma para si o papel de amigo da verdade38. No intuito de comprovar sua afirmação, Lowe aponta para um trecho do Comentário às Sentenças [C] de Durandus, ao qual se refere como “Prólogus”. No entanto, não é possível encontrar tal trecho apontado por ela no Prólogo de nenhuma das três versões existentes do texto. Também é possível encontrar uma referência a tal citação em Vollert, que cita o manuscrito de Venice correspondente à versão de 1571. Assim, tendo em vista determinar a veracidade da citação e a sua análise, busquei entre o manuscrito citado, além do manuscrito de Lyon de 1563 e pude localizar este trecho, que não tem a função de introduzir a obra, mas de proporcionar um desfecho. O trecho em questão se trata da Conclusão da terceira e última versão do seu Comentário, que pode ser encontrado logo

35

Não se sabe ao certo a data de sua redação e de sua posterior circulação, mas ocorreu em torno de 1330. O texto citado também é conhecido como “Solutiones, responsiones, et reprobationes

rationum et oppositionum domini Durandi”: “Frater Durandellus, magister in teologia. Scripsit solemne scriptum contra Durandum, sive contra corruptorem, reprobans positiones eius quas ponit contra sanctem Thomam, ex dictis sancti Thomae, et ex iisdeni solvit omnia argumenta quae Durandus fecit contra sanctum Thomam, et vocatur Corruptorium corruptorii. Incipit vero: „Sedens adversus fratrem tuum loquebaris et adversus filium matris tuae ponebas scandalum; haec fecisti et tacui. Exisitimasti inique etc”. Catalogus Pragensis, in Institutum Hist. FF. Praed. Dissertationes Historicae II, p. 99. Apud: VOLLERT, 1947, p. 187.

36

Durandellus produz uma análise consistente, não apenas aponta para os erros argumentativos de Durandus, mas também é capaz de dizer em quais pontos Durandus é acusado de se desviar de Tomás, mas, na realidade, não o faz. VOLLERT, 1947, p. 188.

37

Ver nota 39.

38

(25)

após a última questão do livro IV. Esta parte do texto de Durandus é intitulada por ele como “Conclusio operis et modo ac tempore quo autor opus hoc prescripsit”. Nela Durandus se remete ao trabalho que desenvolveu no decorrer desta obra e de toda a sua trajetória intelectual, pontuada por inúmeras críticas e repressões. Seu argumento de comprometimento com a verdade pode ser verificado na conclusão do seu Comentário às Sentenças [C]:

Se, no entanto, alguém se dignar a elogiar o que foi escrito nesta obra, o faça apenas para honra e glória daquele a quem se deve dar graças e para a manifestação da verdade. Se, na verdade, este escrito for pouco digno de elogios, o será pela minha inexperiência e não por malícia, visto que meu desejo sempre foi buscar a verdade. Entretanto, como o homem é pequeno, ingênuo e efêmero, não duvido, mas de fato presumo verdadeiramente, que poderão encontrar o que julgando melhor poderão corrigir e melhorar. O que oro e quero que seja feito por aqueles que amam a verdade e não a repressão, de modo que tanto o meu trabalho quanto a sua correção seja para a honra de Jesus Cristo que diz: “Eu sou a verdade”... 39

Tendo vivido em um ambiente repleto de controvérsias e repressão, o argumento da liberdade intelectual necessária ao fazer filosófico é reivindicado por Durandus na conclusão do seu In Sent [C]. Ele se coloca como aquele que busca a verdade enquanto se posiciona contra a hierarquia da ordem dos dominicanos que cerceou sua liberdade intelectual, desde a circulação do seu primeiro trabalho, o In Sent [A], sem a aprovação prévia do mestre geral da ordem. A identificação do fazer filosófico com a busca pela verdade, realizada por Durandus, apesar de ser um recurso retórico, revela dois pressupostos segundo os quais Durandus fundamenta sua filosofia: (1) o caráter de nobreza da filosofia e (2) o caráter acumulativo do conhecimento humano. (1) No que diz respeito à nobreza da filosofia, Durandus defende que a busca pela verdade deve ser

39

In IV Sent. [C], 12-22, “Conclusio operis et modo ac tempore quo autor opus hoc prescripsit” : “Si

autem in hoc opere aliquid digne laudabiliterque scriptum sit, illi soli sit laus et gloria, per quem munda data est gratia, et veritas patefacta. Si vero aliquid minus digne laudabiliterque scriptum sit, meae ascribatur imperitiae et non malitiae, quia studium meum semper fuit inquirere veritaem. Sed quia homo sum parvi ingenii et exigui temporis, non dubito, immo verissime praesumo, quod in dictis meis multa poterunt inveniri quae meliori iuudicio poterunt corrigi et melius emendari, quod opto et oro fieri per talem quis it veritatis amator et non aemulus reprehensor, ut tam opus meum quam correctio operis cedat ad honorem Ieus Christi, qui dicit, Ego sum veritas...”

(26)

o objetivo maior do conhecimento humano. Tal busca não pode ser prejudicada ou impedida por determinações autoritárias, ela deve estar acima dos jogos de poder dos homens, o que é verificado por Durandus alegar que seu trabalho busca honrar a Cristo que diz “Eu sou a verdade”. (2) Sobre o caráter acumulativo do conhecimento humano, Durandus argumenta que um único homem pode ser ingênuo ou pequeno demais para alcançar a verdade, no entanto, vários homens podem alcança-la quando trabalham de maneira cooperativa e livre. Deste modo, parece ser correto afirmar que, para Durandus, a repressão daqueles que estão comprometidos com a verdade corresponde a um empecilho real ao desenvolvimento da filosofia. Resta determinar, no entanto, se Durandus repudiava apenas a repressão que sofrera ou repudiava toda repressão que se voltasse em direção a qualquer um empenhado no fazer filosófico40.

Pelo tratamento dado ao tema, na conclusão do seu In Sent [C], não parece ser o caso que Durandus defenda apenas a sua própria liberdade de filosofar. A afirmação de que ele deseja que seu trabalho seja corrigido, caso seja necessário, com o intuito da manifestação da verdade e não por simples ato de repressão parece confirmar que Durandus não defendia apenas a sua própria liberdade de filosofar, mas a liberdade de todos aqueles que, como ele, estivessem em busca de conhecer a verdade. Todos aqueles que se ocupam da filosofia, com o intuito de contribuir com o conhecimento humano, deveriam estar livres de repressão. Contudo, a análise de sua trajetória intelectual parece demonstrar o contrário. Em 1326, Durandus integrou a comissão responsável pelo exame das teses de Ockham no intuito de produzir uma lista de erro41. Tal acontecimento aponta para o fato de este recurso ser apenas retórico e não se concretizar efetivamente. De fato, Durandus desempenha ações contrárias à letra de seu texto e realiza o mesmo procedimento de repressão do qual fora alvo.

40

Cf: GARBER, 2003, p. 205-224. O problema da liberdade é entendido por Daniel Garber como problema da história da filosofia. Por isso, apesar de Garber tomar autores do século XVII como estudo de caso para o seu trabalho, seu argumento parece se estender para toda a história da filosofia. Segundo ele, embora atualmente a liberdade nos pareça obviamente boa, ao analisar as palavras de Mersenne, Descartes, Bacon e Spinoza podemos notar que nem sempre foi assim. Mersenne defende abertamente a censura, até de textos considerados verdadeiros, caso estejam sendo usados como instrumentos para a constituição de heresias. Bacon e Descartes, ao contrário, defendem a liberdade de filosofar, mas não para todos, apenas para eles próprios. Segundo Garber é possível afirmar pela análise do texto de ambos que a liberdade generalizada é considerada perigora por eles. Por fim, segundo Garber, Spinoza trata da temática de maneira muito geral, não faz uma grande defesa da liberdade de filosofar e por mais sofisticada que sua argumentação possa parecer, ainda é falha em responder questionamentos como os de Mersenne.

41

(27)

1 - A INVIABILIDADE DA OPERAÇÃO DE UM INTELECTO AGENTE NO PROCESSO COGNITIVO

Desde o primeiro livro do seu In Sent [A] Durandus inicia o estabelecimento dos princípios da cognição humana. Durandus compreende as dificuldades de afirmar que o objeto cognoscível, que é material, pode ser conhecido pelo intelecto, que é imaterial. Por um lado, afirmar que o objeto causa o ato intelectivo ocasionaria o problema de explicar como algo menos nobre pode afetar algo mais nobre. Por outro lado, afirmar que o intelecto tem a capacidade ativa de conhecer seu objeto ocasionaria o problema de explicar como tal operação seria possível sem ocorrer um contato entre estas duas instâncias incompatíveis. Devido a estes problemas, filósofos como Tomás de Aquino, Henrique de Gant e Duns Scotus defenderam a existência de mediadores, especialmente o fantasma, sobre o qual um intelecto agente cumpriria a função de operar separando as qualidades singulares, abstraindo a essência universal. Durandus, no entanto, nega a existência de tais mecanismos:

Ainda que nós não pensemos que qualidades sensíveis e objetos sensíveis sejam menos nobres do que sentidos e percepções sensoriais, quase todos, Agostinianos e Aristotélicos, iriam concordar que qualidades materiais e objetos materiais são menos nobres do que intelectos e atos intelectivos, pois os últimos são imateriais. Logo, quase todos afirmaram uma lacuna entre o material e o imaterial, e quase todos afirmaram um intelecto agente com a função de, ao menos, explicar como o menos nobre pode afetar o mais nobre ou proporcionar uma forma mais nobre. (...) Durandus, no entanto, acredita ser difícil de compreender como afirmar um intelecto agente poderia, simplesmente, permitir que o menos nobre afete o mais nobre. Ele examina inúmeras teorias diferentes neste contexto e conclui que nenhuma delas pode realmente explicar o que necessita de ser explicado. 42

Para Durandus, a relação entre objeto cognoscível e poder cognitivo não é explicada pela ação de um suposto intelecto agente. Portanto, em sua determinação do processo cognitivo humano nega, não apenas a existência de um intelecto agente, mas também de tudo o que este pressupõe: essências universais nos particulares, espécies sensíveis, fantasmas e abstração.

42

(28)

As duas listas de proposições censuradas de 1314 e de 1317 contém proposições relativas à teoria cognitiva43 de Durandus e apontam como equivocada sua crítica ao conceito de intelecto agente. As listas foram redigidas a partir do exame da primeira versão do In Sent [A] de Durandus, apontando para o fato de que a defesa da falsidade do intelecto agente já estava presente em sua obra desde o início de sua trajetória intelectual. Na lista de proposições censuradas de 1314, composta por 93 teses categorizadas como heréticas, falsas, perigosas ou imprudentes, a posição de Durandus sobre a o intelecto agente é apontada como falsa pela comissão de frades reunidos por Berengar de Landorra.

E sobre o que é dito em In I Sent. [A], d. 3, q. 4, sua posição deve ser reprovada, o que pode ser lido, diz do seguinte modo: “ a razão que fez isso não é hábil, uma vez que ainda não é certo que o intelecto agente faça parte da alma e tenha, nela ou em qualquer outro lugar, o seu local supremo. Nem Agostinho o fez alguma vez, nem é próprio ocorrer a alguém que seja necessário afirmar um intelecto agente”.

Falso, fragiliza o princípio da teologia, embora use o nome de Agostinho. 44

Entendo que, subjacente a esta crítica de que as afirmações de Durandus são falsas se encontra uma preocupação com a metafísica tal qual constituída pelo autor. Ela determina toda a sua compreensão e estruturação do mundo, assim influencia também toda a sua obra, desde a determinação dos processos cognitivos humanos, até mesmo a teologia. Além disso, é interessante notar que apesar de Durandus anunciar uma pretensa subserviência à autoridade de Agostinho, ele é censurado justamente por ir contra Agostinho. Sua crítica a respeito da noção de intelecto agente não ressalta apenas sua visão crítica aos ensinamentos da ordem dos dominicanos, mas também os da ordem dos franciscanos, pautados pelos ensinamentos de Agostinho.

43

As listas são extensas e, além de tratarem sobre a cognição, apontam para muitos outros temas. Podemos destacar, entre eles, a essência divina, o modo pelo qual se dá a intelecção angélica, a relação entre as pessoas divinas, o pecado original e etc.

44

“[2] d. 3 q. 4 et ultima primo articulo posicionis reprovando unum modum dicendi, quem recitat,

dicit sic: “secundum motivum non valet, quia nondum est certrum quod intellectus agens inter partes anime teneat locum aupremum vel aliquem locum, nem Augustinus fecit unquam de eo mencionem, nec forte oportet aliquem intellectum agentem ponere”. Falsum, enervans principia theologie, quamvis Augustini hic utatur nomine”. In: KOCH, 1973. p. 54. (Articuli nonaginta tres

extracti ex Durandi S. Porciano O.P. primo scripto super Sententias et examinati per magistros et baccalarios Ordinis).

(29)

Na lista de 1317, composta por 235 artigos nos quais Durandus se diferenciava de Tomás, consta também a mesma tese de Durandus que afirma que o intelecto agente não deve ser afirmado como parte da alma. Neste caso, tal tese é apontada como sendo contra a doutrina comum, contra Tomás de Aquino, Agostinho e Aristóteles.

Diz no In I Sent. [A], d. 3, a. 4, que “não é certo que o intelecto agente faça parte da alma nem que tenha, nela ou em qualquer outro lugar, seu local supremo; nem Agostinho o fez alguma vez, nem é próprio ocorrer a alguém que seja necessário afirmar um intelecto agente”, como será exposto a seguir (cf. I 2). Contra a doutrina comum e

contra o filósofo em De anima III e Tomás de Aquino em ST. I q.79 a.3.45

Para compreender a crítica que Durandus faz à noção de intelecto agente se faz necessário analisar o Comentário às Sentenças de Pedro Lombardo I, distinção 3, questão 5 [C]46. Na presente questão, Durandus afirma que o intelecto agente é incapaz de operar, seja sobre os fantasmas, seja sobre o intelecto possível47.

Durandus reconhece que a dicotomia entre o material e o imaterial representa uma dificuldade considerável na compreensão de como nosso intelecto poderia perfazer um processo de aquisição de conhecimento das coisas materiais. Segundo ele, a função da noção de abstração seria explicar como o processo cognitivo pode ocorrer, mas, para ele esta noção não é adequadamente elucidada pelos filósofos que a defendem, e nem é capaz de vencer a dificuldade de explicar como algo menos nobre, material, poderia afetar o mais nobre, imaterial. Além disso, o objetivo da abstração seria acessar a quididade universal existente no singular, mas, para Durandus, o universal é produto da

45

“[8] d. 3 a. 4 dicit, quod non est certum quod intellectus agens inter ceteras partes anime teneat

supremum locum nec aliquem locum; nec Augustinus unquam de eo fecit mencionem, nec forte oportet aliquem intellectum agentem ponere, ut infra patebit (cf. I 2). Contra communem doctrinam et philosophi 3 de anima et Thome ubique p. I q. 79 a. 3”. In: KOCH, 1973, p. 73. (Articuli in quibus

magister Durandus deviat a doctrina venerabilis doctoris fratris Thome).

46

As censuras de 1314 foram produzidas a partir do exame do In Sent [A] de Durandus que foi redigido em 1308. Entretanto, eu analiso o texto da última versão, o In Sent [C], terminada em 1327, para analisar o problema apontado pelas censuras. Isto porque, a edição crítica do Prólogo e das três primeiras distinções do In Sent [A] ainda não foi finalizada. A terceira versão da obra, no entanto, está disponível. Além disso, pelo exame das proposições censuradas referentes à primeira versão e do conteúdo relativo ao In I Sent. [C], d. 3, q. 5 é possível identificar que não há discrepância os conteúdos disponíveis e o conteúdo apontado do In I Sent. [A], d. 3, q. 4. Portanto, procedendo deste modo, é possível perfazer o propósito do presente trabalho.

47

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 4 “nec in fantasmata nec in intellectum possibilem habet aliquam actionem”.

(30)

operação intelectual, nada de universal poderia ser no singular: ao singular só cabem qualidades singulares48.

Ademais, Durandus adiciona mais um argumento contra a noção de abstração: a impossibilidade da existência de fantasmas. Para ele, uma vez que o homem é um ser composto de corpo e intelecto, os sentidos são parte inegavelmente importante para o conhecimento humano. Disto não se segue, entretanto, que seja correto afirmar um fantasma produzido pelo órgão da imaginação sob o qual o intelecto agente deva agir abstraindo. Para Durandus se existissem fantasmas eles seriam produzidos por um órgão interno a partir da reunião das afecções dos sentidos externos, ainda carregariam características individuantes próprias da matéria e, assim não poderiam representar ou conter uma forma ou quididade49 e nem mesmo o intelecto agente poderia operar sobre ele.

Assim, o objetivo deste capítulo é analisar a crítica de Durandus segundo a qual o intelecto agente é incapaz de operar tanto abstraindo sobre os fantasmas, quanto influindo sobre o intelecto possível. A conclusão é a de que, como o intelecto agente não perfaz nenhuma operação,50 não deve ser admitido como parte da alma humana. Ele é excessivo e postular sua existência não contribui em nada com o processo cognitivo.

48

IRIBARREN, 2008, p. 53: “Sublinhando esta afirmação está a maneira nominalista de Durandus compreender os universais, pela qual o universal é formalmente o resultado de um ato do intelecto: nada real é um universal, e o que quer que exista na realidade extramental é, de fato, singular”.

49

In I Sent. [C], d. 36 q. 3: “quidditates rerum secundum suas rationes specificas et perfectiones

earum secundum modum specificum quo eis conveniunt, non sunt ideo formaliter et proprie sed solum metaphorice, nec aliquid formaliter in Deo existens correspondens eis secundum similitudinem. Ergo, res creatae quantum ad suas quidditates secundum rationem earum specificam… non habent essentiam divinam propter idea”.

50

In I Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 26: “Portanto, o intelecto agente não age nos fantasmas nem imprimindo algo, nem abstraindo algo, nem segundo a coisa, nem segundo a razão. Nem age no possível, nem sem fantasma, nem com fantasma”. “Cum ergo intellectus agens non agat in

fantasmata aliquid imprimendo uel aliquid abstrahendo, neque secundum rem neque secundum rationem, nec agat in intellectum possibilem, nec sine fantasmate nec cum fantasmate”.

(31)

1.1- A DEMONSTRAÇÃO DE QUE O INTELECTO AGENTE NÃO OPERA SOBRE OS FANTASMAS

A questão quinta do Comentário às Sentenças [C], Livro I, distinção 3, é a questão na qual Durandus pretende provar que o intelecto agente é falso e não deve ter sua existência afirmada. Sua argumentação será desenvolvida a partir dos conceitos de universal e fantasma. Ele defende a premissa de que o universal é produto da cognição humana e, por isso, é totalmente dependente do intelecto, não existindo antes da intelecção. O universal não existe no objeto singular, assim o fantasma não pode ser uma similitude dele. Além disso, Durandus defende que o fantasma é particular e não poderia conter ou representar nenhum universal. Para defender este ponto, no início da questão Durandus utiliza as noções de ato e potência. Durandus compreende que a noção de forma é relacionada à noção de ato e, do mesmo modo, a noção de matéria é relacionada à noção de potência. Como forma do homem, o intelecto e suas operações são caracterizadas pela sua atualidade e o corpo, seus órgãos e operações pela potencialidade51. Como o fantasma é entendido como uma imagem sensível produzida na imaginação, que é órgão corporal, tem potencialidade inerente a si. Por isso, Durandus defende a inviabilidade de uma ação intelectiva sobre os fantasmas, visto que nos fantasmas há potencialidade, não há nenhuma ação.

Sellés aponta um suposto erro de Durandus no que diz respeito à caracterização da noção de fantasma:

Estes argumentos do mestre de St. Pourçain incluem um equívoco ao fundo, a saber, que os fantasmas sejam corporais, pois eles não são. Com efeito, são imateriais, pois na imaginação só é corpóreo o suporte orgânico da faculdade (o cérebro), mas não o são os objetos conhecidos ou fantasmas (e tão pouco os atos cognitivos). Com tudo, apesar dos fantasmas serem incorpóreos, são particulares, não universais (como são os objetos do intelecto possível). 52

Acredito que seria útil traçar uma divisão mais clara do que a feita por Sellés neste parágrafo. É preciso identificar o que é compreendido como corporal e o que é

51

In II Sent. [C], d. 3, q. 5, n. 4: “Pois a essência da alma é o ato do corpo”. “quia essentia anime est

actus corporis”. 52

Referências

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