• Nenhum resultado encontrado

A nação como um corpo : o corporativismo como conceito elementar para compreender o trabalhismo no governo Vargas (1930-1945)

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A nação como um corpo : o corporativismo como conceito elementar para compreender o trabalhismo no governo Vargas (1930-1945)"

Copied!
90
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL

CAMPUS ERECHIM

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

KELLI FÁTIMA CASAGRANDE

A NAÇÃO COMO UM CORPO:

O CORPORATIVISMO COMO CONCEITO ELEMENTAR PARA COMPREENDER O TRABALHISMO NO GOVERNO VARGAS (1930 – 1945)

ERECHIM 2017

(2)

KELLI FÁTIMA CASAGRANDE

A NAÇÃO COMO UM CORPO:

O CORPORATIVISMO COMO CONCEITO ELEMENTAR PARA COMPREENDER O TRABALHISMO NO GOVERNO VARGAS (1930 – 1945)

Monografia apresentada ao curso de Licenciatura em História como requisito parcial para a obtenção do grau de licenciada em História do curso correspondente ofertado pela Universidade Federal da Fronteira Sul campus Erechim, sob a orientação do professor Dr. Mairon Escorsi Valerio.

ERECHIM 2017

(3)

Kelli Fátima Casagrande

A nação como um corpo:

o corporativismo como conceito elementar para compreender o trabalhismo no governo Vargas (1930 – 1945)

Monografia apresentada ao curso de Licenciatura em História como requisito parcial para a obtenção do grau de licenciada em História do curso correspondente ofertado pela Universidade Federal da Fronteira Sul

campus Erechim, sob a orientação do professor Dr.

Mairon Escorsi Valerio.

Aprovada em 07 de junho de 2017.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________ Professor Dr. Mairon Escorsi Valerio – UFFS

_______________________________________________ Professora Isabel Rosa Gritti - UFFS

_______________________________________________ Professora Marcia Carbonari - UFFS

(4)
(5)

AGRADECIMENTOS

Acreditando que todo ser humano precisa de uma crença, agradeço a Deus por ter me proporcionado chegar ao fim à fase de minha vida em que dediquei aos estudos.

Agradeço aos meus pais pelo carinho, apoio e dedicação que sempre depositaram em mim, não medindo esforços para me fazer continuar. Além disso, por aceitarem a minha escolha de seguir a docência como profissão.

Aos meus irmãos, pelas palavras e atitudes que sempre fizeram me sentir em um grande laço de afeto. Sem uma família unida e disposta a oferecer amor, certamente eu não conseguiria seguir com tanto empenho a minha caminhada acadêmica. Dedico um dizer especial a minha mãe Sirlei Casagrande e minha irmã Micheli Casagrande, que sempre me incentivaram constantemente e não me deixaram esmorecer.

A Universidade Federal da Fronteira Sul, que me proporcionou o espaço e professores qualificados para transmitir o conhecimento.

Ao meu orientador, pela atenção, tranquilidade e sabedoria que me passou ao longo da construção deste trabalho, sempre me impulsionando a buscar mais.

A todos os meus amigos e familiares próximos que, de uma maneira ou outra, me auxiliaram e me animaram nessa caminhada.

(6)

RESUMO

O período entre as duas grandes guerras mundiais foi de profundas mudanças no mundo, especialmente no continente europeu e americano. A Grande Depressão causada pela quebra da bolsa de New York provocou uma intensa desconfiança quanto a credibilidade do liberalismo econômico. A formação de novos países – ou a reestruturação de muitos – após a Primeira Guerra Mundial, bem como a ascensão de ideologias autoritárias colocaram em questionamento o pensamento liberal, que parecia não conseguir reagir à grande crise. Em meio a essa realidade internacional também estava o Brasil, passando por um gigantesco processo de transformações, de chegada de imigrantes europeus em decorrência da recente abolição da escravidão, além da consecutiva ampliação de direitos trabalhistas que ganharam cena no governo Vargas. Dentro de tal conjuntura de aumento do número de operários nas indústrias e também das primeiras grandes greves operárias no Brasil, uma das ideologias que teria permeado a questão trabalhista foi o corporativismo. A importância da Consolidação das Leis de Trabalho para o século XX brasileiro, bem como a atualidade deste tema – tendo em vista as diversas mudanças trabalhistas que o nosso país vive no momento –, acabou por despertar o interesse em aprofundar o conhecimento sobre esse período e essa ideologia que contribuíram de maneira decisiva para a nossa formação na atualidade. Por isso, o problema que buscaremos resolver neste trabalho será: identificar se existe semelhanças entre a Carta del Lavoro e a Consolidação das Leis de Trabalho e se o corporativismo é um conceito elementar para entender o trabalhismo na Era Vargas. Para tal resolução, será utilizada a metodologia de revisão bibliográfica e política comparada. As fontes utilizadas serão a Consolidação das Leis de Trabalho, publicada pelo governo brasileiro em 1943, e a Carta del Lavoro italiana de 1927. As intenções deste trabalho serão realizar uma revisão bibliográfica sobre o corporativismo e o contexto entre-guerras; abordar suas possíveis influências no Brasil; analisar as semelhanças e diferenças entre a Carta del Lavoro e a Consolidação das Leis de Trabalho bem como a possível presença do corporativismo no documento brasileiro; e verificar se a ideologia corporativa pode ser vista como um conceito-base para explicar o trabalhismo na Era. A pesquisa, entretanto, não tem o intuito de dar uma resposta única e inflexível para as questões postas devido a amplitude temática e conceitual do período pesquisado e a impossibilidade de traduzir o primeiro Governo Vargas com apenas um conceito.

Palavras-chave: Corporativismo. Getúlio Vargas. Consolidação das Leis de Trabalho. Carta del

Lavoro.

(7)

ABSTRACT

The period between the two great world wars was of profound changes in the world, especially in the European and American continent. The Great Depression caused by the fall of the New York Stock Exchange provoked an intense distrust of the credibility of economic liberalism. The formation of new countries - or the restructuring of many - after the First World War, as well as the rise of authoritarian ideologies, questioned liberal thinking, which seemed unable to react to the great crisis. In the midst of this international reality was also Brazil, undergoing a gigantic process of transformation, the arrival of European immigrants as a result of the recent abolition of slavery, as well as the consecutive expansion of labor rights that have taken over the Vargas government. Within such an environment of increasing numbers of workers in industries and also of the first major workers' strikes in Brazil, one of the ideologies that would have permeated the labor question was corporatism. The importance of the Consolidation of Labor Laws for the twentieth century in Brazil, as well as the relevance of this topic - in view of the various labor changes that our country is experiencing at the time - has aroused interest in deepening the knowledge about this period and This ideology that contributed in a decisive way to our formation in the present time. Therefore, the problem that we will try to solve in this work will be: to identify if there are similarities between the Carta del Lavoro and the Consolidation of Labor Laws and whether corporatism is an elementary concept to understand laborism in the Vargas Era. For this resolution, the methodology of bibliographic review and comparative policy will be used. The sources used will be the Consolidation of Labor Laws, published by the Brazilian government in 1943, and the Italian Lavoro Charter of 1927. The intentions of this work will be to carry out a bibliographical review on corporatism and the interwar context; To address its possible influences in Brazil; Analyze the similarities and differences between the Carta del Lavoro and the Consolidation of Labor Laws as well as the possible presence of corporatism in the Brazilian document; And to verify if the corporate ideology can be seen as a basic concept to explain Labor in the Age. The research, however, does not intend to give a unique and inflexible answer to the questions posed due to the thematic and conceptual amplitude of the studied period And the impossibility of translating the first Vargas Government with only one concept.

(8)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 CORPORATIVISMO ... 14

2.1 O TRIPÉ DAS ORIGENS DO CORPORATIVISMO: IGREJA, IDEÓLOGO E ITÁLIA FASCISTA ... 14

2.2 O CENÁRIO INTERNACIONAL ... 24

2.3 O CENÁRIO NACIONAL ... 30

3 CORPORATIVISMO NA ERA VARGAS (1930-1945) ... 39

3.1 INFLUÊNCIAS CORPORATIVAS NA ERA VARGAS (1930 – 1945) ... 39

3.2 SÍMBOLOS DO CORPORATIVISMO: ORIGENS DA CARTA DEL LAVORO E DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DE TRABALHO ... 47

3.3 UMA ANÁLISE COMPARATIVA: A CARTA DEL LAVORO E A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DE TRABALHO ... 50

4 A DANÇA DOS CONCEITOS NA HISTORIOGRAFIA DA ERA VARGAS ... 63

4.1 O TOTALITARISMO ... 63

4.2 O POPULISMO ... 70

4.3 O CORPORATIVISMO ... 78

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 84

(9)

1 INTRODUÇÃO

A Consolidação das Leis de Trabalho brasileira de 1943 talvez só tenha sido alvo de tamanha atenção quando da sua publicação, no século passado. No atual século, nunca se falou tanto desse documento como no presente momento vivido pelo Brasil, devido à reforma trabalhista proposta pelo governo que está sendo discutida e em vias de aprovação. Todo esse debate em torno dela só comprova a importância de tal legislação para as sociedades da contemporaneidade.

As condições sociais da sociedade de hoje são muito distintas daquelas da década de 1940, quanto Getúlio Vargas decidiu unificar as leis que regulamentavam o trabalho, proclamadas a cada dia primeiro de maio, em um único documento: a CLT. Essa legislação, de certa maneira, enquadrou o Brasil em um a conjuntura quase que mundial, que era a de regulamentar o trabalho nas incipientes – no caso brasileiro – indústrias que estavam se proliferando pelos centros urbanos.

Até bem pouco tempo, mais precisamente 1888, o Brasil era um país oficialmente escravocrata enquanto praticamente nenhum Estado mais se utilizava desse tipo de mão-de-obra. A abolição da escravidão assinada pela Princesa Isabel oficializava, em documentos, que o nosso país não exploraria mais homens, mulheres e crianças para gerar renda ao Estado. Contudo, mesmo com o fim da escravidão, muitos ex-escravos se viram sem nenhuma oportunidade de melhor emprego nas cidades e, em alguns casos, acabavam continuando a trabalhar para os mesmos senhores de engenho.

Essas relações de trabalho, mesmo após a abolição, não mudaram muito, pois as explorações ainda continuavam, com condições de trabalho péssimas, moradias precárias, alimentação fraca e recompensa salarial quase que inexistente. Ao mesmo tempo que o problema escravidão é solucionado – oficialmente –, outro problema acaba surgindo para o país: qual seria a próxima mão-de-obra? O trabalho escravo no Brasil ocupava boa parte da renda que fazia a economia girar. Quando este é abolido, os governantes se veem pressionados pela conjuntura a buscar uma solução, que foi os imigrantes especialmente do continente Europeu.

Os imigrantes passaram a ser a alternativa viável para ocupar os cargos de trabalho que agora estavam osciosos devido ao fim da escravidão. Lilia Schwarcz (2015) afirma que “a

(10)

desorganização momentânea do sistema de mão de obra, uma série de esforços foi feita no sentido de atrair imigrantes, sobretudo europeus. ” (p. 323) Não só pelo trabalho os europeus eram os preferidos do governo brasileiros, mas justamente porque eram brancos. Um país mestiço como era naquele período precisava de um elemento branco para que o processo de “branqueamento” da população ocorresse de maneira mais efetiva, pois a crença era de que só assim se chegaria ao progresso.

Esse momento de transição entre o sistema escravocrata e a mão de obra assalariada era delicado ao país, já que estava proporcionando mudanças que estavam rompendo com as estruturas que antes apareciam estabelecidas. Além disso, uma outra transformação acontecia nessa conjuntura nacional: a intensificação no número de trabalhadores urbanos. A agricultura, que até então era a principal fonte de renda do país e dos campos de trabalho, começa, a partir do início do século XX, a dividir esse cenário com as indústrias e o trabalho nos centros urbanos. Essa industrialização teria acontecido primeiramente em regiões onde o café era significativamente produzido e, além disso, era uma industrialização voltada para o comércio exterior. (FERREIRA; DELGADO, 2011, p. 223)

Getúlio Vargas chega ao poder após percorrer longos caminhos para parar no Rio de Janeiro, em uma espécie de procissão da Revolução de 1930. Um dos trechos mais marcantes, para Lira Neto, foi a passagem do grupo revolucionário por Erechim, quando uma moça sorridente envolve o pescoço de Getúlio com um lenço vermelho, que se tornou uma marca da peregrinação revolucionária. (NETO, 2012, p. 493)

A política café-com-leite havia se desmantelado e a elite cafeeira estava, em certa medida, perdendo a sua força intensa que possuía antes. Quando acontece a tomada do poder pelos revolucionários de 1930, Getúlio é quem ocupa o lugar da máxima figura do país – pela sua jornada e experiência política adquirida no Rio Grande do Sul. As tomadas de decisões feitas pelo então presidente provisório receberam grande respaldo da população e da imprensa, por isso Vargas teria tomado medidas autoritárias sem que seu poder lhe fosse retirado (NETO, 2012, p. 521).

Quando no governo, Getúlio se viu em meio a uma série de mudanças nacionais e internacionais – mas que acabavam influenciando no país –, e uma delas era a mão de obra brasileira. Dentro do contexto de intensificação da industrialização do país e do processo de imigração, somado aos crescentes movimentos sociais que reinvindicavam melhores condições

(11)

de trabalho e amparo legal. Embora esses movimentos não fossem organizados a tal ponto de conseguir resultados efetivos, eles passaram a ter um certa frequência e intensidade especialmente entre os anos de 1917 e 1920 (FAUSTO, 2013, p. 254-257). Para Boris Fausto (2013), junto com o aumento das greves, cresceu o número de trabalhadores sindicalizados, chegando a 19 mil filiados da União dos Operários em Fábricas de Tecidos do Rio de Janeiro. Esses protestos não possuíam a intenção de transformar as estruturas da sociedade, mas queriam melhores condições de trabalho e de vida, conforme aborda Fausto (2013).

Entre as greves que aconteceram poucos anos antes de Getúlio chegar ao poder máximo brasileiro, a que mais ganhou destaque, de acordo com Boris Fausto, foi aquela que aconteceu em 1917 na cidade de São Paulo. “Começando por duas fábricas têxteis ela abrangeu praticamente toda a classe trabalhadora da cidade, em um total de 50 mil pessoas” (FAUSTO, 2013, p. 257). Por alguns dias, Boris Fausto afirma que alguns bairros da cidade paulista ficaram dominados pelos grevistas, que só tiveram seus ânimos diminuídos quando o governo enviou a Marinha e tropas até conseguirem um acordo com os trabalhadores (FAUSTO, 2013, p. 257-258). Portanto, a conjuntura nacional era de certo descontentamento por parte desses operários que tinham sua vida de trabalho dentro de fábricas.

Além do contexto nacional, em âmbito internacional, o Brasil estava sendo influenciado por diversos fatores que aconteciam lá fora. A Primeira Guerra Mundial inicia um grande processo de questionamento do liberalismo e crise econômica que atinge boa parte do planeta. Embora Del Priore (2010) afirme que o primeiro governo Vargas tenha sido um sucesso econômico (p. 254), o mundo, a partir de 1929, parecia imerso numa crise tanto econômica quanto ideológica.

A ideologia liberal passou a ser profundamente questionada devido à quebra da bolsa de Nova York e a aparente falta de alternativas que essa ideologia dava para solucionar determinado problema. Ao mesmo tempo, países estrangeiros começavam a ser governados por figuras autoritárias como Mussolini, Hitler e Stálin. Os movimentos de origem socialista passaram a ganhar certa força, já que o liberalismo parecia estar fadado ao fracasso com a crise econômica.

Países que buscavam um crescimento como o Brasil, governados por líderes como Getúlio Vargas, que não admitia o socialismo como sistema de governo e não depositava nenhuma confiança no liberalismo, buscavam uma terceira via de pensamento que, de acordo com as conjunturas mundiais, parecia ser o autoritarismo. O início da Segunda Guerra Mundial

(12)

ajudou a reforçar a ideia de que potências autoritárias deveriam ser seguidas como modelo, especialmente no caso brasileiro em decorrência do cenário já apresentado.

No âmbito do trabalho brasileiro, era preciso tentar encontrar soluções para a legalização dos trabalhadores, que cada vez mais participavam de movimentos sociais pedindo melhores condições. A ideologia corporativa, que estava sendo implementada em alguns países europeus naquele período, parecia ser a solução mais aceita pelo Estado Brasileiro. Alguns dos principais intelectuais da ideologia corporativa brasileira foram Oliveira Vianna e Azevedo Amaral. Membros do governo e estudiosos sobre o tema, ajudaram o governo a implemenar o corporativismo que regularia o trabalho.

Uma das raízes identificadas para o corporativismo é, além da Igreja Católia com a publicação do documento Rerum Novarum, Mihail Manoilesco, um intelectual romeno que teve suas ideias traduzidas para o português por Azevedo Amaral. Além dele, a Itália pode ter sido uma influência brasileira para tal organização, ideia que alguns autores acabam defendendo, como Angela de Castro Gomes (2005) e Francisco Souza (2005), em que aponta “cópias” da

Carta del Lavoro na CLT. A Carta del Lavoro, documento italiano, seria uma base do

corporativismo que o Brasil teria adotado no governo Vargas.

Um dos principais objetivos desse trabalho, justamente, é verificar se há mesmo essa semelhança que Francisco Souza (2005) aponta entre o documento brasileiro e italiano. Dessa forma, analisaremos de maneira comparada a Carta del Lavoro, publicada em 1927 pelo Estado fascista italiano, e a Consolidação das Leis de Trabalho de 1943, e verificar se há a presença corporativa no documento brasileiro. Além disso, buscaremos verificar, com base na revisão literária, se o corporativismo pode ser considerado um conceito essencial para explicar a Era Vargas.

Em um primeiro momento, abordaremos as principais vertentes da ideologia corporativa, como a Igreja Católica e Mihail Manoilesco, além de trazer um panorama sobre o cenário nacional e internacional, percebendo o que acontecia no mundo para que o Brasil buscasse em ideologias autoritárias uma solução para o seu problema trabalhista. O segundo momento ficará reservado para analisar historicamente como que foram publicados os dois documentos-base do nosso trabalho: a Carta del Lavoro e a Consolidação das Leis de Trabalho. Além disso, faremos, nesse mesmo tópico, a comparação dos das duas fontes, buscando analisar se existe semelhança entre os dois no que diz respeito à questão trabalhista e corporativa. No último momento,

(13)

traremos o pensamento de três diferentes pensadores que abordam a Era Vargas utilizando conceitos distintos, buscando compreender o período estudado e, especificamente, o corporativismo.

De tal maneira, iremos concluir, ao final deste trabalho se o conceito do corporativismo poderia ser considerado um conceito elementar para entender a Era Vargas. Dessa forma, este trabalho não tem o objetivo de trazer respostas ou reflexões definitvas, mas algumas elucidações sobre a força do corporativismo e a apropriação desse conceito durante o primeiro governo Vargas.

(14)

2 CORPORATIVISMO

2.1 O TRIPÉ DAS ORIGENS DO CORPORATIVISMO: IGREJA, IDEÓLOGO E ITÁLIA FASCISTA

É um desafio trabalhar com a ideologia corporativa devido a sua amplitude e as suas diversas fontes de origem. Nesta parte do trabalho, iremos focar em três dimensões que podem ser consideradas algumas das origens do corporativismo: a Rerum Novarum, o ideólogo romeno Mihail Manoilesco e a Itália – mesmo tendo consciência que elas, somente, não dão conta de explicar o nascimento desse conceito, que foi lembrado, estudado e aplicado especialmente no século XX.

O interesse é de mapear as referências que podem ter contrubuído para a formação do corporativismo no Brasil através de intelectuais e políticos brasileiros que tiveram reflexos no Estado Novo. É de fundamental importância realizar essa regressão na histotiografia para compreender de que maneira surge essa discussão em torno desta ideologia e, mais que buscar parcialmente suas origens, perceber as nascentes do conceito no Brasil.

A Igreja Católica é uma das instituições mais antigas da humanidade e geralmente ocupou um papel de destaque não só nas comunidades nas quais estava inserida, mas também junto com autoridades que detinham o poder de tomar decisões. Desfocando do mundo a lente do pensamento e focando no Brasil veremos a participação da Igreja na própria formação e constituição da civilização brasileira.

A Europa no século XV e XVI se via como a única parte do globo ocupada por humanos – o também chamado eurocentrismo –, humanos católicos e regidos pela Igreja, pelas leis de Deus e do pecado. As grandes navegações, que tiveram forte incentivo da Igreja, acabaram por tomar posse de continentes como o americano. Schwarcz (2015) afirma que “desde o princípio o impulso para o expansionismo em Portugal seria pautado por interesses comerciais, militares e evangelizadores, equilibrados em boas doses” (p. 23), colocando a Igreja Católica num patamar de principais instituições do período.

A chegada dos portugueses ao Brasil em 1500 iniciou um longo processo de catequização dos povos que aqui residiam, buscando transformá-los em cristãos católicos e a abandonarem

(15)

suas respectivas religiões. Boris Fausto (2013) afirma que “as duas instituições básicas que, por sua natureza, estavam destinadas a organizar a colonização do Brasil foram o Estado e a Igreja” (p. 54), o que nos dá uma ideia da importância que a religião tinha nesse momento da história não só brasileira, mas de todos os Estados.

A função da Igreja era múltipla na colonização do Brasil: emitia certidão de óbito e nascimento, oferecia ervas medicinais em caso de doença, era a instituição de ensino existente na época, entre outras funções importantes que hoje competem ao Estado. Dessa maneira, as influências da religião católica nos mais diversos âmbitos da sociedade brasileira, que foi muito brevemente elencado acima, é apenas uma demonstração dessa mesma influência em todo o mundo.

No limiar do século XVIII e XIX, a Igreja se deparou com uma ordem social que a deslocava da condição de instituição central de vida política, cultural e social. A emergência de modernidade levou a cabo a ideia de que o laicicismo e a tolerância relogiosa eram condições de progresso, bem como a sobreposição da ciência através dos dogmas religiosos. A modernidade também deu luz à revolução industrial que promoveu uma profunda alteração no mundo. As mansas massas de operários ou qualquer outra grande cidade europeia impunha à Igreja o enfrentamento destes novos dilemas que apareciam no cenário mundial.

Em 1848, Marx e Engels estavam lançando o Manifesto Comunista. A Revolução Industrial e a apropriação dos meios de produção por poucas pessoas, enquanto muitas estavam desprovidas de defesas financeiras dignas para manter sua vida, foi o cenário de surgimento de várias doutrinas socialistas que pregavam o surgimento de uma sociedade mais justa. Entretanto, o papa Leão XIII1 posicionou-se sobre a questão e acabou lançando a Rerum Novarum2, encíclica de 1891 que colocava o catolicismo no papel de se defender e defender a humanidade dos excessos da modernidade.

As ideias socialistas, dentre elas o comunismo, propunham algumas mudanças no sistema capitalista que regia as sociedades. Desenhava a alternativa para corrigir as dificuldades da vida dos operários, que eram explorados nas fábricas e ganhavam uma mísera recompensa financeira. Uma das propostas apresentadas pelos socialistas marxistas da época era a socialização dos meios

1 O Papa Leão XIII foi uma importante figura da Igreja Católica, permanecendo no papado nos anos de 1878 até

1903, ano de sua morte.

2

A bibliografia relacionada à Rerum Novarum traduzido para a língua portuguesa não é tão extensa quanto o assunto demanda, mas trabalhos como de Filho e Allan (2011) bem como de Batista (2012) evidenciam que a raiz do corporativismo pode ser encontrada na Igreja Católica através das encíclicas.

(16)

de produção: a “multiplicação das fábricas e dos instrumentos de produção pertencentes ao Estado” (MARX; ENGELS, 1848, p.43).

A Igreja, através de Pio IX3, entretanto, repudiava a ideia da propriedade coletiva que era indicada pelos comunistas, pois, “a tese do respeito à propriedade adquiria sua consistência no preceito bíblico que determina: Não cobiçarás a mulher do próximo, nem sua casa, nem o seu campo (...), servo (...), boi (...).” (MARCHI, 1989, p. 65, apud BATISTA, 2013, p. 12). Por isso, figuras da Igreja como Pio IX e Leão XIII trabalharam várias encíclicas para tirar a força de argumentos comunistas e para proteger a religião e o poder da instituição católica.

Pio IX foi o responsável por elaborar o documento “Quanta Cura” (1864), que depois teria várias de suas ideias reunidas na encíclica Rerum Novarum. Um dos motivos pelos quais esse papa não aceitava as ideias comunistas expostas pelo Manifesto era a de que a população teria autonomia e poder que eram da religião ou propriamente de Deus (BATISTA, 2013, p.3). A ênfase no religioso estaria desfocado com ideologias como a de Marx e Engels. De encontro a essa lógica, Pio IX procurava criticar o liberalismo justamente por temer que a religião católica ali também ficasse preterida.

Leão XIII critica o liberalismo, mas não com a intensidade e o fervor de Pio IX, pois “todas as liberdades usufruídas contra a Igreja e Deus seriam classificadas como vício do abuso

da liberadade, ou seja, cairiam no mal do liberalismo” (BATISTA, 2012, p. 6, grifo da autora).

Para a Igreja, o liberalismo caía no materialismo e abandonava a centralidade da fé na vida social. Um de seus maiores males era o deslocamento do religioso para a esfera privada, a aceitação da livre consciência religiosa e seu consequente desempoderamento público. Outro seria o individualismo excessivo que levava a perda da dimensão fraterna e coletiva presente na ideia de cristandade.

Magda Biavaschi (2007) traz importantes reflexões sobre a formação de sindicatos e de partidos voltados aos intereses dos trabalhadores e operários, afirmando que “no final do século XIX, cerca de dois terços da população ocupada das grandes cidades (mais de 100 mil habitantes) trabalhavam na indústria e, não sem grandes dificuldades, passava a se organizar como classe em escala europeia” (HOBSBAWM, 2002 apud BAVIASCHI, 2007, p. 123). Ao mesmo tempo em

3 Pio IX foi o papa que mais permaneceu no papado após São Pedro, por quase 32 anos. Seu pontificado vai do

(17)

que crescia o número de trabalhadores nas fábricas e indústrias, eles conseguiam com mais facilidade se organizar e ter força somando um grande número de pessoas.

Para Biavaschi (2007) “se, por um lado, o processo de acumulação capitalista afirmava-se com força desigualadora, por outro o movimento operário organizava-se coletiva e articuladamente, reivindicando direitos e exigindo transformações” (p. 123). Nesse cenário, a Igreja Católica precisava se posicionar diante dessa massa de operários. Por um lado condenando as injustiças, mas por outro não aceitando a via socialista como alternativa.

Conforme afirma Batista (2012, p. 10) “o socialismo não é combatido apenas como uma consequência dos males da modernidade, mas como um mal que cresce cada vez mais, tornando-se uma ameaça perigosa.” É interessante perceber que a Rerum Novarum era uma faca que cortava dos dois lados: de um, criticava o liberalismo e, de outro, não aceitava o socialismo.

Batista (2012) ainda declara que a encíclica Rerum Novarum foi montada com determinada linguagem que arrebatasse os operários, procurado disputar espaço nessa classe com as ideias socialistas. O papa, neste documento, versa sobre a maneira como os comunistas incitam nos operários o ódio aos detentores dos meios de produção. Por isso, “na encíclica Rerum

Novarum se desenvolve em desqualificar qualquer possibilidade em se encontrar nas doutrinas

socialistas e comunistas uma alternativa que visasse solucionar tal situação de degradação para as classes operárias.” (BATISTA, 2012, p. 11)

A solução apontada pelos papas e lida pela autora (2012), após o estudo das encíclicas, seria a submissão da população ao poder e autoridade da Igreja Católica, além da criação de associações operárias, que é visto como uma grande inovação da Igreja Católica, adentrando profundamente na questão trabalhista e, portanto, social.

Enquanto as ideias socialistas vinham ganhando espaço e atenção das pessoas comuns da sociedade, a Igreja via o seu espaço sendo reduzido, por isso, para Filho e Allan (2011) a Rerum

Novarum

só pode ser compreendida como reação – conservadora – ao intenso processo de lutas sociais que se desenvolveram na Europa ao longo do século XIX em face das condições de vida e de trabalho sob os postulados do liberalismo econômico, que permitiam acumulação de capital sem limites enquanto impunham a miséria à maioria da população, ensejando movimentos contestatórios da ordem estabelecida com a qual sempre convivera bem a Igreja Católica. (p. 142)

(18)

A religião católica se via ameaçada pelo possível aumento de poder ou de reação – especialmente com o aumento no número de greves, bem como pelo crescimento expressivo da ideologia na Europa e a formação de partidos operários –, que ganhariam os operários se aceitassem as ideias socialistas propostas pelos socialistas, então as encíclicas, para uma entidade que possuía tanto prestígio na época, parecia ser uma reação ao socialismo.

Para Biavaschi (2007), a Encíclica era uma tentativa muito clara para conter o avanço do socialismo “como alternativa às massas exploradas” (p. 123). Além disso, continua a afirmar a autora, a Rerum Novarum não poupa argumentos e nem tenta esconder o direto interesse em desmobilizar esses movimentos de “luta de classes” (BIAVASCHI,2007, p. 123) A autora vê na encíclica dispositivos que modificavam algumas estruturas do trabalho, como a concessão de alguns direitos, mas vê que o documento, de maneira nenhuma, buscava diminuir as diferenças entre empregadores e empregados. Pelo contrário, afirma que

a desigualdade entre os homens foi um princípio que [a encíclica] fez questão de evidenciar, afirmando que, apesar do desejo dos socialistas, é impossível que na

sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível. Às corporações e aos sindicatos

dirigiu-se como sendo um meio de defesa dos interesses dos operários [...]. (BIAVASCHI, 2007, p. 124, grifo da autora)

A Rerum Novarum e, em âmbito maior, a Igreja Católica, teve influências no Brasil, segundo ainda Biavaschi (2007). Isso explica as comemorações de aniversários da encíclica promovidos pelo Departamento Nacional do Trabalho, que possuía ligação ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. O MTIC, em 1941, nas comemorações dos cinquenta anos da publicação da Rerum Novarum, publicou o documento traduzido para o português (BIAVASCHI, 2007, p. 125).

Filho e Allan (2011) ressaltam que os principais objetivos desse documento lançado pela Igreja era “condenar o socialismo fomentando a defesa da manutenção da desigualdade entre as classes sociais e propugnando pela preservação da propriedade privada” (p. 143), sem deixar no esquecimento o seu caráter antiliberal e as injustiças presentes nas sociedades socialistas.

Para os autores, a lógica é simples: a religião católica não aceitava perder a centralidade no papel de ajudar caridosamente os mais pobres sempre buscando retirá-los da pobreza extrema, lugar que o socialismo supostamente tomaria com a luta entre as classes sem mais os trabalhadores dependerem da bondade da Igreja. Além disso, afirmam que a Rerum Novarum pretendia “agrupar os operários e, organizações católicas, pautadas não na luta de classes, mas na

(19)

concórdia entre capital e trabalho sob a percepção de Deus”, devendo elas propagar e construir um ambiente colaboracionista como em corporações (FILHO; ALLAN, 2011, p. 144). Pensamento esse que vai ao encontro à premissa religiosa de que todos são irmãos e, dessa forma, seria descabido apoiar uma “luta” de classes – o que deveria acontecer era, pelo contrário, uma “conciliação” desses interesses.

Teóricos e intelectuais católicos passaram a tratar a Rerum Novarum como um documento pioneiro na questão de direitos trabalhistas, inclusive ganhando status de “propulsora do direito do trabalho nos mais diversos países” (FILHO; ALLAN, p. 146). Os autores ainda completam que as propostas da Igreja para o trabalhismo não tinham muitas coisas novas: ela falava da jornada de trabalho de oito horas enquanto movimentos sociais já carregavam esta bandeira, além de proibir o trabalho das mulheres, pois elas deveriam se restringir a cuidar do lar e da família. Por isso, para os autores, a Rerum Novarum não trouxe mudanças tão significativas no direito do trabalho.

Embora esse documento discorresse sobre o operariado, foi a encíclica Quadragenimo

Anno, de 1931, que reforçou o direito trabalhista contido na Rerum Novarum e que, segundo

Filho e Allan (2011), fez com que se iniciassem os debates sobre uma ideologia corporativa como forma de organização do trabalho operário. Neste escrito, as críticas ao socialismo se tornam mais intensas e diretas, pois ele supostamente estaria destruindo a harmonia da sociedade por propor a luta entre classes. Um dos métodos de luta contra o socialismo, segundo os autores, foi justamente a fundação de instituições corporativas:

Mostrava-se imprescindível a difusão do movimento operário católico e, para atingir essa finalidade, foram lançadas três tendências importantes: a afirmação dos valores tradicionais e cristãos; nova noção das relações entre política econômica e social; criação de instituições corporativas. (FILHO; ALLAN, 2011, p. 149)

A Igreja Católica, então, defendia que o clima harmonioso deveria ser instigado e perpetuado na sociedade, fazendo com que a propriedade privada não fosse destruída – já que a luta entre as classes estaria, de certa forma, abafada pela harmonia –, mas aceita e respeitada. O corporativismo seria a maneira encontrada pela religião católica para mediar o conflito entre capital-trabalho.

Além do surgimento do catolicismo social, que pregava uma relação harmônica entre capital-trabalho e teve muita repercussão, no Brasil também destaca-se outra influência no meio

(20)

intelectual, que foi a do romeno Mihail Manoilesco e sua obra “O Século do Corporativismo”. Essa obra foi traduzida para o português por Azevedo Amaral em 1938 – portanto, quando já estava instalado o Estado Novo no país. Embora as discussões sobre o corporativismo já existissem antes deste escrito, elencamos este autor devido a sua presença e referência no Brasil. A obra na qual Amaral se baseou para fazer a tradução foi a publicada em 1936, o que, segundo Angela de Castro Gomes (2012), evidenciava que a tradução do livro “já devia estar adiantada ou terminada, quando ocorreu o golpe do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937” (GOMES, 2012, p. 191). Além de estudar um pouco a obra de Manoilesco, é interessante observar a importância que Azevedo Amaral, seu tradutor, tinha no âmbito intelectual no período do Estado Novo.

Amaral tinha seus livros publicados pela José Olympio Editora, uma das mais respeitadas do país, e Manoilesco já possuía certa afinidade com o Brasil, pois já tinha uma de suas obras traduzidas para o português anos antes. Em um trecho do prefácio de “O Século do

Corporativismo”4 – que encontramos no trabalho de Angela de Castro (2012) –, Amaral (o tradutor) relata a importância de se ler o escrito no momento em que o Brasil sentia fortes presenças corporativas no trabalhismo. Ademais, a ideologia corporativa não estava presente somente no Brasil, mas ganhava admiradores na América Latina e praticantes na Itália de Mussolini, em plena ascensão; por isso, o corporativismo era um assunto atual, contemporâneo, que dizia respeito ao mundo.

Angela de Castro Gomes (2012) afirma que O Século do Corporativismo chega ao Brasil traduzido por um respeitado nome da intelectualidade da época e publicado por uma admiradíssima editora brasileira, o que acabava agregando credibilidade à obra que, por sua vez, tratava sobre problemas relacionados ao período.

Adentrando na obra de Mihail Manoilesco, é possível perceber que o autor dissocia o corporativismo de ideologias já existentes, como o liberalismo econômico5, baseado no individualismo, e vê a impossibilidade da implantação do corporativismo onde há individualismo.

4 Infelizmente, não tivemos acesso à obra de Mihail Manoilesco na íntegra devido a raridade e ao péssimo estado de

conservação em que o livro se encontra, além da extrema dificuldade em localizá-lo mesmo nas maiores bibliotecas do país.

5 O corporativismo de Manoilesco, para Evaldo Vieira (2010), se constitui especialmente pela extrema oposição ao

liberalismo, é de sua natureza própria esse distanciamento. Tanto que a ideologia corporativa nada tem de amigável com o socialismo e o liberalismo, se tornando o que podemos chamar de uma terceira alternativa ou terceira via. Para o autor, “o Estado Liberal é necessariamente centralista, ao passo que o Estado Corporativo [...] declara-se descentralizado [...]. (2010, p. 38)

(21)

Manoilesco ainda indica que a democracia não é capaz de organizar uma sociedade sequer economicamente6, apenas a desorganiza, além de classificar a Itália como um país “corajoso” por ter negado a democracia e optado pelo corporativismo (1938, p. 39).

Mihail Manoilesco critica fortemente os países que desejam instalar o socialismo mantendo a democracia, pois, para ele, são coisas absolutamente opostas e que se anulam de maneira mútua. Sobre o socialismo, o autor ainda afirma que “infelizmente os princípios de sua ação são absurdos e incompatíveis com a natureza do homem e da sociedade humana” (1938, p. 42). O autor romeno rechaça o individualismo e joga os holofotes para uma sociedade que pensa na coletividade, mas essa coletividade, para ele, jamais pode ser imaginada através da ideologia socialista. A nova proposta que ele traz à tona é o corporativismo, uma espécie de terceira via ao próprio socialismo e ao liberalismo individualista.

O autor ainda continua e defende que o Estado corporativo deve representar os ideais da coletividade, pois ele perpassa o individualismo:

As corporações são, nesta concepção, os órgãos naturais de expressão e manifestação da vida nacional. São instrumentos secundários a serviço do Estado, que por seu turno é o instrumento de primeira ordem, destinado a servir um ideal superior da coletividade nacional. (p. 45)

Sobre o indivíduo, este deveria estar a serviço do Estado, que, por sua vez, retornaria os favores a toda coletividade através das corporações, já que o indivíduo se dignifica estando à disposição do Estado. O corporativismo, na lógica do autor, estaria entre o indivíduo e o Estado, fazendo um papel de intermediador. Nesse sentido, a família possui papel fundamental na sustentação da ideologia corporativa, pois, para ele, pode ser considerada uma espécie de corporação.

A ideia do corporativismo puro e integral são elencadas pelo autor. A primeira seria a impossibilidade da estruturação do Estado sem estar edificado nas corporações, e o corporativismo integral é assim também chamado pela descentralização da questão econômica nesta ideologia.

6 Para Evaldo Vieira (2010), muito mais do que organizar a vida social no âmbito econômico, o corporativismo

“dispõe de uma filosofia e de uma moral, voltadas para o social, o econômico e o político” (p. 35). O corporativismo proposto por Manoilesco procurava controlar todos os âmbitos da vida da população, em outras palavras: utilizando o totalitarismo. Hannah Arendt (2012) exemplifica o grau de anti-liberdade que um governo totalitário deveria impor à população: “o totalitarismo que se preza deve chegar ao ponto em que tem de acabar com a existência autônoma de qualquer atividade que seja, mesmo que se trate de xadrez.” (p. 452)

(22)

Mihail explica a sua definição de corporativismo como uma ideologia que minimiza as funções do Estado e passa a delegá-las às corporações e, dessa maneira, o Estado estaria agindo na sociedade indiretamente, e não de maneira direta e autoritária. Contudo, as questões e decisões econômicas do Estado ficariam a cargo do próprio e não seria delegada às corporações esse papel financeiro. Neste Estado corporativo, a propriedade não seria necessariamente privada ou comum, mas dependeria “de seus resultados sociais” (p. 69).

Outra característica do corporativismo de Manoilesco é a rejeição de um Estado com multiplicidade de partidos políticos que rivalizam entre si. Para ele, não há sentido na existência de mais que um partido em um Estado corporativo em que a prioridade é a harmonia entre as classes e o serviço ao país. Havendo mais que um partido, os desencontros ideológicos aumentariam, bem como as divergências, o que acarretaria numa desunião das classes quando o objetivo era uní-las. O autor termina falando dos partidos com uma frase forte de crítica e também de justificação da utilidade do partido único: “citando aqui a doutrina inglesa, de que ‘o rei não pode fazer mal’, diremos que, no regime corporativo, os partidos ‘não têm mais o direito de fazer mal’”. (1938, p. 90)

Além da Rerum Novarum e do pensamento de Mihail Manoilesco, é importante destacar um terceiro ponto onde, possivelmente, intelectuais e políticos brasileiros se apoiaram para elaborar a ideologia corporativa brasileira: a Itália fascista. Embora o caso do corporativismo italiano não possa ser considerado, exatamente, uma origem da ideologia, ele aqui está exposto neste tópico devido ao pioneirismo da Itália na implementação desse modelo ideológico, que também ajudou a forjá-lo.

O corporativismo começa a surgir na Itália da década de 1920 quando o fascismo ganha vida sendo uma contraposição ao bolchevismo russo. Foi o próprio Benito Mussolini que fundou o fascismo em 1919 e, alguns anos depois, as primeiras reinvindicações do movimento começaram a surgir, uma delas era a separação do Estado da Igreja. Com a chegada de Hitler ao poder na Alemanha e o consequente aumento significativo de novos Estados adotando modelos autoritários de governo, o fascismo ganhou mais adeptos.

O fascismo surge na Itália a partir de reinvindicações proletárias e após uma viral associação em sindicatos do país, mostrando que os trabalhadores estavam ansiados por mudanças. Neste período, a Igreja Católica possuía papel ativo na sociedade italiana, e com a

(23)

encíclica Rerum Novarum buscava resolver o problema da “questão social” – agitações sociais que vinham aumentando de proporções na Itália e também intensificando o medo do comunismo. Massoni (2014) afirma que “a Igreja Católica logo toma posição sobre o conflito social em sentido substancialmente reformista com a Encíclica Rerum Novarum, de 1891, refutando o extremismo da luta de classe do socialismo e o materialismo excessivo do liberalismo” (p. 122), se tornando, a ideologia fascista, numa alternativa aos dois modelos refutados pela Itália. O autor ainda frisa que o fascismo começava a se consolidar como uma ideologia que não tinha classes, ou seja, “interclassista”, pois seu intuito era mediar os conflitos entre as classes, eliminando a luta entre elas.

Quando o fascista Mussolini se candidata às eleições de 1919 na Itália, sofre uma derrota constrangedora, tendo apenas “879 inscritos no movimento fascista” (MASSONI, 2014, p. 123). Entretanto, esse número aumentou de maneira significativa e, em poucos meses, já possuía milhares de pessoas adeptas. Foi então que o rei italiano convida Benito Mussolini para montar um novo governo, tendo como um dos principais objetivos destruir a ideologia liberal, construir um governo ditatorial, autoritário e solidificado no partido único (MASSONI, 2014, p. 123), fortalecendo a extrema direita.

Segundo o autor (2014), muitos historiadores delimitam o período de 1925 a 1929 como o momento de consolidação e extremização do fascismo na Itália. É o período no qual são intensificadas as leis de proibição de associação em entidades secretas, censura nos meios eletrônicos e o extermínio de agrupados de pessoas que eram considerados contrários ao regime de Mussolini. Além disso, uma importante lei foi aprovada: a Lei Rocco (Lei 536, de 03 de abril de 1926). Ela “configura, ainda, a reforma do Estado com o intuito de resolver a ‘questão social’, absorver a grande indústria e, em última análise, encaminhar a Itália ao moderno mundo econômico, vale dizer, a via de acesso italiana para a modernização.” (MASSONI, 2014, p. 126)

A Lei Rocco proporcionaria, em primeiro lugar, a aglutinação das massas, sem excluir qualquer grupo para que não houvesse luta entre eles. Em segundo lugar, a erradicação de lutas de classes seria mediada pelo próprio Estado de maneira integral e orgânica. A Carta del Lavoro, elaborada pouco tempo depois da Lei Rocco e com muitas semelhanças a ela, trazia a ideia corporativa como mediação do conflito capital versus trabalho.

Esse documento, que passou a ser a pedra angular do fascismo italiano, se dividia em três partes, segundo bem lembra Massoni (2014, p. 128): “uma de caráter político, que compreende

(24)

pressupostos do corporativismo; uma outra de caráter propriamente jurídico, relativa aos órgãos por meio dos quais o corporativismo se realiza; e uma terceira de caráter social, que se refere à proteção do trabalho”.

A Itália foi uma das primeiras nações a implementar tal ideologia corporativa para conciliar as relações de capital versus trabalho e acabou servindo de inspiração e exemplo para outros países, um deles teria sido o Brasil. Além da Itália, Portugal, Espanha e Alemanha experimentaram essa nova experiência ideológica que era também vista como uma alternativa ao liberalismo – em profunda crise após o crash da Bolsa de Nova York em 1929 –, e ao socialismo vigente na União Soviética.

2.2 O CENÁRIO INTERNACIONAL

Para entendermos de maneira mais adequada a chegada ao Brasil dos anos 1930 de ideias como as autoritárias e corporativistas, buscaremos entender qual era a realidade de países do exterior e como o mundo se comportava nesse período tão complexo e crítico que foi a fase entre guerras. Não ignorar o cenário internacional pode nos auxiliar a conectar o Brasil à realidade mundial. Magda Biavaschi (2007) afirma que não se pode olhar para a realidade brasileira nesse período em antes ter atentado para a conjuntura internacional (p.89).

O nome “A Era dos Extremos”, que Eric Hobsbam intitulou o seu livro de 1995 não poderia ser mais adequado para o século XX, no qual o extremo – literalmente – foi vivido não apenas por uma comunidade ou um país, mas pelo mundo todo. Acontecimentos de todas as espécies e calibres tiveram o século passado como abrigo: as guerras mundiais, o extermínio em massa de pessoas, a revolução socialista, o crash da bolsa de New York, o surgimento de novas ideologias, entre outros acontecimentos, abalaram o planeta.

Até 1914, as guerras envolviam apenas os grandes e poderosos países especialmente da Europa, ou conflitos de pequenas ou médias proporções em algumas regiões específicas da África, da Ásia ou da América, não afetando o status pacífico em outras regiões do globo. Contudo, após a metade da década de 1910, o mundo todo conheceu o que é não ter paz e,

(25)

consequentemente, o surgimento do sentimento de medo entre os civis era absoluto – porque as populações foram muito utilizadas para justificação da guerra. Hobsbawm (1995) afirma que

a maioria das guerras não revolucionárias e não ideológicas do passado não se travava sob a forma de lutas de morte ou que prosseguissem até a exaustão total. Em 1914, certamente não era a ideologia que dividia os beligerantes, exceto no fato de que nos dois lados a guerra tinha de ser travada mediante a mobilização da opinião pública, isto é, alegando algum profundo desafio a valores nacionais aceitos, como o barbarismo russo contra a cultura alemã; a democracia francesa e britânica contra o absolutismo alemão, ou coisas assim. (p. 37)

O presidente norte-americano Wilson resolveu propor um tratado com quatorze tópicos essenciais para que a paz mundial fosse reestabelecida e que um novo conflito de tamanha proporção não voltasse a acontecer. Para Márcia Motta (2011), “a proposta do presidente Wilson se resumia numa paz sem vencedores, onde princípios gerais deveriam assegurar o fim do conflito e o estabelecimento de um mundo de paz” (p. 250). Além disso, a autora afirma que os países derrotados não foram ouvidos, apenas lhes impuseram regras e multas a serem pagas. A Alemanha foi o país mais brutalmente penalizado pela guerra, pois, “para eles [os vencedores], era preciso impedir, a todo custo, que a Alemanha pudesse voltar a ameaçar os vencedores. Era preciso ainda desarmar aquele país e obrigá-lo a reparar os sofrimentos das populações das nações aliadas.” (MOTTA, 2011, p. 250)

Por mais que esses pontos elencados pelo presidente dos Estados Unidos fossem, aparentemente, um acordo de paz, ele impunha à Alemanha condições humilhantes que acabaram muito mais estremecendo as relações entre os países vencedores e derrotados do que, propriamente, trazendo um clima amistoso. A Alemanha recebeu toda a culpa pelo conflito, além de ter recebido outras sanções pesadas que culminaram num abrupto enfraquecimento dessa potência que esteve perto de vencer o conflito contra as potências rivais. Esses acordos também buscaram ilhar a Rússia em meio a um mar de países capitalistas e contrários ao socialismo bolchevique, que ganhara força no país.

Para Hobsbawm, o Tratado de Versalhes não foi, de maneira nenhuma, um acordo que fizesse manutenção na paz mundial para evitar um novo conflito de tais proporções; na verdade, o tratado muito mais incitava uma nova guerra do que, propriamente, a evitava (p. 42). E foi isso, exatamente, o que aconteceu, abalando ainda mais os próprios países mais consolidados. Nos países em construção ou desenvolvimento – como no caso do Brasil – os efeitos não foram

(26)

inferiores. Márcia Motta (2011) trata da ascensão do nazismo alemão relacionado e impulsionado pelo Tratado de Versalhes.

A manutenção da paz no pós Primeira Guerra Mundial não parecia sólida e muito menos estável. Interesses particulares de alguns países acabaram se somando às perdas do conflito passado e culminaram na Segunda Guerra Mundial. Além disso, o Tratado de Versalhes e a tomada de território por países diferentes, ou a própria criação de novos Estados como a Polônia, modificaram profundamente a geografia e as fronteiras do mundo, especialmente na Europa.

A mudança ocorrida no pensamento e no dia a dia da geração de pessoas que viveram e conviveram com as guerras mundiais pode ser sentida com a extremização do mundo em polos distintos. Eric Hobsbawm (1995) afirma que as guerras passaram a ser tão rotineiras na vida de boa parte das pessoas do planeta que acabou se produzindo um sentimento comum de ódio e “demonização” (p. 56) do inimigo, justificando os massacres e mortes que poderiam acontecer ao rival.

Um ano antes do final da Primeira Guerra, em 1917, o mundo já assistia a Rússia fazendo a sua revolução socialista com o objetivo de derrubar o governo russo absolutista e dar melhores condições de trabalho e remuneração para os operários. Os bolcheviques chegaram ainda mais próximos disso quando derrubaram o governo provisório russo e deram o pontapé inicial para a Revolução Russa com intensa participação dos socialistas. Em 1922, com a vitória do bolchevismo, é declarada a formação da União Soviética.

O mundo do liberalismo e do capitalismo passara, naquele momento, a ter um concorrente jovem e em estado de solidificação. Com tantos novos Estados se formando nesse pós Primeira Guerra, o capitalismo temia perder área de atuação e, consequentemente, perder a sua força e poder.

Um dos maiores abalos do século XX, sem dúvida – e respaldados por Hobsbawm (1995) –, foi a crise de 1929. O crash da bolsa de New York não teve significado restrito ao campo econômico porque fez tremer estruturas solidificadas de boa parte do mundo, como o liberalismo econômico. Desde a Revolução Industrial, os países viviam forte industrialização, comercialização e globalização de produtos e costumes, mas após a Primeira Guerra – com os Estados Unidos já consolidados como potência mundial – houve uma expressiva estagnação nesse crescimento todo.

(27)

Hobsbawm (1995) afirma que um problema que pode ter causado tal crise foi a autossuficiência em matéria-prima de vários Estados, incluindo o poderoso Estado norte-americano. O desemprego na Europa Ocidental atingiu números estratosféricos, que ocasionava uma bola de neve cada vez maior no cenário econômico caótico em que se vivia. Com menos pessoas empregadas e menos dinheiro circulando no mercado, a equação estava completa para o agravamento da questão social. Além das ações nas bolsas, que teve seus preços caindo em queda livre e que assombrou a vida dos acionistas que não podiam vendê-las a um preço tão menor comparado ao que pagaram.

O período entre guerras foi especialmente difícil para a economia capitalista e, segundo Hobsbawm (1995), os Estados Unidos possuem participação ativa nessa imensa crise, pois além de serem a maior economia do planeta, se tornaram o maior credor do planeta após a Primeira Guerra Mundial na situação de reconstrução econômica dos países envolvidos no conflito. Os Estados Unidos,

em 1929, respondiam por mais de 42% da produção mundial total, comparados com apenas pouco menos de 28% das três potências industriais europeias. [...] Importavam quase 40% de todas as exportações de matérias-primas e alimentos dos quinze países mais comerciais, um fato que ajuda muito a explicar o desastroso impacto da Depressão nos produtores de trigo, algodão, açúcar, borracha, seda, cobre, estanho e café. (HOBSBAWM, 1995, p. 101-102)

No Brasil do período, o preço do principal produto que era a base da economia do país – o café –, teve uma queda fortemente acentuada devido ao quase nulo investimento estrangeiro em produtos brasileiros. O governo decidiu tomar uma atitude drástica: passou a comprar o café dos produtores para sustentar o ciclo de mercado desse importantíssimo produto para a economia do Estado. Após a compra, o produto era queimado para abrir espaço para um novo lote de café.

A importância do café para a economia e para o processo intenso de industrialização que vivia o Brasil naquele momento pode ser exemplificada em números. Um ano antes da grande quebra da bolsa norte-americana, o café representava 72,5% da receita brasileira de exportações (FERREIRA e DELGADO, p. 212, 2011), que significava uma forte dependência do país nos Estados estrangeiros que compravam o produto. Ainda segundo os autores (2011), os Estados Unidos eram o principal comprador do café brasileiro.

A maior economia do planeta e o principal exportador de produtos brasileiros – com destaque para o café – passava por profunda crise, que acabou refletindo fortemente nas finanças

(28)

brasileiras, pois o excedente de café cada vez aumentava mais e o preço do produto para o produtor baixava à medida que isso acontecia. Skidmore (2010) afirma que

num esforço desesperado para compensar os cafeicultores pela desastrosa queda dos preços do café, o governo federal ampliou suas compras de estoques de excedentes de café depois de 1930. Apesar de os lucros reduzidos dos cafeicultores terem sido em grande parte compensados por essa “socialização das perdas”, tais programas não puderam conter o declínio dos ganhos do Brasil em divisas estrangeiras. [...] O governo Vargas recorreu até à queima de imensas quantidades de café excedente para ter certeza de que jamais chegariam ao mercado. (SKIDMORE, 2010, p. 75)

Esse intenso abatimento econômico que assolou especialmente o ocidente poderia explicar, segundo Hobsbawm (1995, p. 107), “a tendência a uma economia autocrática – fascista, comunista ou sob auspícios de grandes corporações independentes de seus acionistas” que vários países passaram a adotar. Além disso, o autor destaca que o liberalismo econômico se desgastou e perdeu muita da credibilidade que possuía após a grande Depressão de 1929.

A crise de 1929 fez o mundo desconfiar do liberalismo, que agora parecia condenado ao fracasso. Outras ideologias surgiram para ocupar o lugar deixado por ele e, segundo Hobsbawm (1995, p. 111-112), eram três: o comunismo marxista (a URSS surpreendia por estar passando pela Depressão praticamente imune à crise, isso devido ao pequeno comércio que possuía com países do exterior e uma certa capacidade de ser autossuficiente); o capitalismo (esse capitalismo seria uma ideologia econômica ligada com a socialdemocracia e preocupada com o trabalhismo, sem ser, evidentemente, comunista); e o fascismo (ideologia predominante na Itália, serviu de modelo para muitos outros países, supostamente o Brasil também teria adotado o estilo corporativista do fascismo italiano).

Hobsbawm (1995) destaca que a Europa, desde 1920, foi aumentando o número de países que se recusavam a adotar o liberalismo como ideologia econômica. No continente americano, “a lista de Estados consistentemente constitucionais e não autoritários no hemisfério ocidental era curta: Canadá, Colômbia, Costa Rica, os EUA [...] e o Uruguai” (p. 115). O avanço dessas ideologias não democráticas, aqui especialmente falando do fascismo, foi influenciada intensamente pela chegada de Hitler ao poder alemão, segundo o autor. Algumas das características do fascismo era o seu caráter absolutamente antiliberal, a não permissão de que as mulheres se tornassem independentes e a desconfiança que as artes guardassem resquícios socialistas que pudessem manipular as pessoas (HOBSBAWM, 1995).

(29)

A extrema direita ganhou espaço nesse cenário caótico, e ela só foi possível devido ao medo de que uma revolução bolchevique fosse se espalhar pelo mundo. Para Hobsbawm (1995)

O fascismo foi mais claramente um regime calcado nos interesses das velhas classes dominantes, que surgira mais como uma defesa contra a agitação revolucionária do pós-guerra do que, como na Alemanha, como uma reação aos traumas da Grande Depressão e à incapacidade dos governos de Weimar de enfrentá-los. (p. 131)

Por mais que o fascismo tenha sido um fator de peso para que o liberalismo fosse questionado, ele não foi a sua única causa. Eric Hobsbawm (1995) elenca quatro fatores da chamada “era da catástrofe” – assim intitulada a primeira parte de sua obra “A Era dos Extremos”, que compreende o período que abrange as duas grandes guerras mundiais –, que foram de fundamental importância para a desestruturação do liberalismo. A primeira condição de queda do liberalismo foi a falta de legitimidade que o processo democrático – que não era vigente em todos os países liberais – possuía perante a população. A criação de novos Estados após a Primeira Guerra Mundial dificultou ainda mais a credibilidade da população naquele sistema.

A segunda condição favorável ao desmantelamento do liberalismo foi a falta de união étnica que se intensificou especialmente após a Primeira Guerra Mundial. Essa desunião acabava refletindo no processo democrático dos países, que cada vez se afastavam mais do consenso. Para o autor, os acordos de paz após o final da Primeira Guerra somente contribuíram para essa divisão étnica e religiosa (HOBSBAWM, 1995, p. 141).

A penúltima condição era a pouca governabilidade dos parlamentos que se tornaram comuns na maioria dos países liberais. Esses parlamentos, segundo o autor, surgiram muito mais para controlar o poder de quem o exercia do que propriamente para governar ou tomar decisões. Além disso, passou a ser frequente a aprovação de assembleias através de sufrágio restrito, ou seja: o voto somente das pessoas mais ricas. Para o autor, esses Estados precisavam de fato governar, não apenas oferecer segurança contra supostos perigos externos ou internos.

A quarta e última condição era a abundância de fontes de riqueza, que com a Primeira Guerra e posteriormente a Grande Depressão acabaram por desaparecer, especialmente nos países do Ocidente. Desaparecendo o poder financeiro, o liberalismo acabava enfraquecido e sem poder de reação. Esses quatro fatores, somados à ascensão do fascismo e a chegada de Hitler ao poder alemão acabaram por abalar o liberalismo econômico.

(30)

A Depressão que abalara o mundo no final da década de 1920, de maneira nenhuma, se restringiu ao campo econômico, pois foi também uma crise ideológica. É verdade que a crise financeira motivou a crise de ideologias, e agora o liberalismo econômico parecia estar sendo substituído, por boa parte dos Estados, por ideologias mais radicais. No caso específico do Brasil, a busca era por uma terceira via7 – uma alternativa ao liberalismo econômico que se via fracassado e o socialismo que era fortemente desaprovado por Vargas.

2.3 O CENÁRIO NACIONAL

A conjuntura social, política e econômica do Brasil quando da chegada de Getúlio Vargas ao poder em 1930 era particular, ao mesmo tempo que era mundial. À medida que o mundo se abalava com a crise econômica e liberal iniciada nos Estados Unidos e disseminada em partes da Europa, o Brasil também possuía problemas internos que deveria resolver. Além disso, o processo de imigração, incentivado pelo governo com vistas à substituição da mão-de-obra escrava, acabava agregando elementos no cenário brasileiro.

Até 1888, o nosso país era oficialmente escravocrata, e a assinatura da Princesa Isabel na Lei Áurea não queria dizer que, imediatamente, a escravidão havia acabado. As relações de servidão obrigatória continuaram existindo no Brasil pela escassez de empregos que as cidades ofereciam no período. Isso fazia com que os escravos, sem receber qualquer apoio do governo brasileiro, acabassem se abrigando nas ruas ou voltando a trabalhar para seus antigos senhores ou, até mesmo, acabavam trabalhando de maneira autônoma como carpinteiros, pintores, pedreiros.

Boris Fausto (2013) afirma que, ao contrário do que se poderia imaginar, a escravidão só foi extinta no Brasil devido a fortes pressões exercidas pela Inglaterra, como a obrigatoriedade de

7 Para reforçar essa ideia e perceber como a conjuntura europeia – que era um modelo a ser seguido – estava moldada

dessa maneira e, além disso, estava disseminando influências pelo mundo, trazemos Souza (1999). Este autor vai de encontro a essa ideia quando afirma que “no começo dos anos trinta, o corporativismo apareceu para muitos intelectuais, no Brasil e na Europa, como alternativa válida para evitar-se a concentração econômica, impulsionada pelo capitalismo que, de crise em crise, parecia marchar para a catástrofe definitiva, de que a hecatombe de 29 fora amostra assustadora,” (p. 73) Portanto, essa não era uma tendência brasileira, nacional, local, mas, ao contrário, parecia ser mundial.

(31)

acabar o tráfico de escravos vindos da África. A lei conhecida como Bill Aberdeen foi publicada em 1845 pelo parlamento inglês e ela “autorizou a marinha inglesa a tratar os navios negreiros [brasileiros] como navios de piratas, com direito à sua apreensão e julgamento dos envolvidos pelos tribunais ingleses.” (FAUSTO, 2013, p. 167)

Essas pressões impostas pela Inglaterra acabaram fazendo com o que o Brasil as aceitasse, já que nosso país precisava do apoio dos ingleses especialmente no que diz respeito à força militar. A lei Eusébio de Queirós, de 1850, proibia a entrada de novos escravos no país, e as consequências foram significativas: “a entrada de escravos no país caiu de cerca de 54 mil cativos, em 1849, para menos de 23 mil, em 1850, e em torno de 3300 em 1851, desaparecendo praticamente a partir daí”. (FAUSTO, 2013, p. 168)

Nessa conjuntura de abolição, os proprietários começam a se preocupar com a mão-de-obra nos campos brasileiros, já que os escravos eram a principal fonte de trabalho. Os imigrantes europeus foram marcados como uma alternativa e, em 1850, o governo brasileiro publica a Lei de Terras, que “foi concebida como uma forma de evitar o acesso à propriedade da terra por parte de futuros imigrantes” (FAUSTO, 2013, p. 169). Isso tudo garantia a propriedade da terra para os grandes fazendeiros, sem mexer na estrutura da sociedade.

Na falta de trabalhadores, alguns fazendeiros ainda arrebatavam os antigos escravos, mas praticamente nas mesmas condições de servidão. Para Boris Fausto (2013), era difícil que os senhores de engenho aceitassem que esses escravos atingissem um patamar melhor de trabalho, e isso, para o autor, se deve a formulações racistas do século XIX. Até mesmo os mestiços não eram aceitos pelos fazendeiros como trabalhadores livres. Por isso, a imigração europeia possuía dois propósitos claros: substituir a mão-de-obra escrava e “europeizar” os mestiços (FAUSTO, 2013, p. 176).

A imigração era financiada pelo governo brasileiro e acontecia através de companhias elaboradas desde 1871 com o objetivo de facilitar a entrada de imigrantes. Entretanto, Fausto (2013) afirma que não devemos imaginar “que a imigração subsidiada tenha funcionado bem. O número de pessoas que entraram em São Paulo como imigrantes foi pequeno até os primeiros anos da década de 1880.” (FAUSTO, 2013, p. 177)

Esses imigrantes, assim que chegavam no país, eram inseridos no sistema do “colonato”, em que “parte do salário era pago por tarefa (carpa/colheita etc.) e parte através da possibilidade do trabalhador desenvolver uma agricultura de gêneros alimentícios visando à sua subsistência”

Referências

Documentos relacionados

Conforme mencionado ao longo do trabalho, têm-se a ideia de que a carreira moderna é gerenciada de forma bastante individual e é influenciada por diferentes aspectos, variando

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

Foi apresentada, pelo Ademar, a documentação encaminhada pelo APL ao INMETRO, o qual argumentar sobre a PORTARIA Nº 398, DE 31 DE JULHO DE 2012 E SEU REGULAMENTO TÉCNICO

Neste trabalho avaliamos as respostas de duas espécies de aranhas errantes do gênero Ctenus às pistas químicas de presas e predadores e ao tipo de solo (arenoso ou

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

Foram feitas, ainda, aproximadamente 200 prospecções com trado para descrição dos solos em diferentes pontos da folha, além da consulta de seis perfis de solos descritos no

Desta maneira, vemos que Rousseau conclui do homem natural que este tende a viver sem se aglomerar em grupos, sociedades, e, mesmo quando começa a se agrupar, ou contar

No desenvolvemento deste proxecto realízase primeiro unha revisión da situación do turismo en España e en Galicia (cunha puntualización sobre o destino Ferrolterra - Rías Altas), a