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Florianópolis: as marcas do legalismo autoritário em Desterro

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Academic year: 2021

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CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

CURSO DE HISTÓRIA

DIEGO LUNARDELLI

FLORIANÓPOLIS: AS MARCAS DO LEGALISMO AUTORITÁRIO EM DESTERRO

FLORIANÓPOLIS 2020

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DIEGO LUNARDELLI

FLORIANÓPOLIS: AS MARCAS DO LEGALISMO AUTORITÁRIO EM DESTERRO

Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do título de Bacharel e Licenciado em História.

Orientador (a): Prof. Dr. Paulo Pinheiro Machado

FLORIANÓPOLIS 2020

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Dedico esse trabalho a todos e todas que veem a política como um instrumento de transformação da sociedade.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todos e todas que, de alguma forma, contribuíram com a minha formação, permitindo que esse momento tão desejado pudesse enfim se tornar realidade.

A toda equipe do MArquE, em especial à Sandra Carrieri de Souza, minha orientadora de estágio no setor pedagógico. Aprendi muito com essa experiência, inclusive o interesse pelo tema deste trabalho surgiu do contato com o acervo de Franklin Cascaes, presente nesta instituição.

Ao professor Silvio Marcus de Souza Correa, que orientou a minha primeira inciativa científica e com o qual aprendi muito enquanto aluno e monitor na disciplina de História da África.

Ao professor Paulo Pinheiro Machado, que me orientou nesta pesquisa, apontando caminhos, corrigindo inconsistências e se consolidando como uma grande referência durante todo o curso. Sempre disposto a ouvir e falar.

À professora Roselane Neckel, que tanto contribuiu com as reflexões presentes em sua obra, por sua bagagem acadêmica e trajetória docente.

Ao professor Hermetes Reis de Araújo, que marcou profundamente minha formação com as aulas sobre a Revolução Francesa. Muito obrigado pelo incentivo nesta pesquisa.

Aos profissionais da Biblioteca Universitária da UFSC, sem o seu valioso trabalho e esforço, essa pesquisa não existiria.

Aos profissionais da Biblioteca Central da UDESC, que mesmo durante a pandemia de Covid-19, permitiram o meu acesso a obras exclusivas de seu acervo.

A toda a equipe técnica da Biblioteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional, pelo excelente trabalho realizado na Hemeroteca Nacional.

Aos amigos que fiz durante o curso, André, Jean, Marco, Walter e Danilo.

À minha mãe Sônia e meu irmão Dárick, que estiveram ao meu lado desde sempre e acompanharam todo o meu processo de formação.

O agradecimento mais especial vai para Mayara, minha companheira, que me fez acreditar que um operário poderia ser também professor, o motivo de acordar todos os dias e continuar em frente, não me deixando desistir e desacreditar em momento algum. Sem você ao meu lado, nada disso seria possível.

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“Maldita a sociedade, maldita a nação, maldito o país que aceita, que sanciona e que aprova o absolutismo do déspota.” (DUARTE SCHUTEL, 2002, p.126).

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RESUMO

Essa pesquisa tem como principal objetivo compreender como ocorreu a mudança do nome da capital catarinense em 1º de outubro de 1894, quando Desterro passou a se chamar Florianópolis. A conturbada conjuntura política dos primeiros anos da república no Brasil será o palco desta investigação e, dessa forma, o intuito desse esforço científico é trazer novos elementos que ampliem o escopo de entendimento sobre o tema, buscando retratar também a perspectiva dos vencidos naqueles conflitos. Para tanto, foi necessário dividir a pesquisa em três partes igualmente relevantes. Primeiramente, se buscou produzir uma síntese histórica que abarcaria os fatos e acontecimentos pertinentes ao nosso objeto de estudo, houve, portanto, um processo de contextualização dos meses que antecederam a mudança do nome da capital catarinense. Num segundo momento, foi proposto um debate historiográfico entre as correntes de pensamento que produziram conhecimento ligado ao tema, dando espaço também para a análise dos manuscritos de Duarte Paranhos Schutel. Já no último segmento desta pesquisa, o foco da análise migrou para a capital federal. Examinando o periódico ―Correio da Tarde‖, a principal fonte deste estudo, se buscou inferir como os círculos intelectuais oposicionistas ao governo central no Rio de Janeiro percebiam a homenagem feita a Floriano Peixoto em terras catarinenses. Observa-se, desta forma, que o processo de mudança do nome da capital catarinense em outubro de 1894 ocorreu de maneira legal, porém numa conjuntura de intensa repressão política e, portanto não foi fruto de um consenso da sociedade catarinense, ao contrário, a análise proposta evidenciou o caráter simbolicamente violento de tal ato, o caracterizando como uma expressão do autoritarismo estatal.

Palavras-chave: Revolução Federalista. Floriano Peixoto. Autoritarismo. Florianópolis. Desterro.

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ABSTRACT

The main objective of this research is to understand how the name of the capital of Santa Catarina changed on October 1, 1894, when Desterro was renamed Florianópolis. The troubled political situation of the first years of the republic in Brazil will be the stage for this investigation and, thus, the purpose of this scientific effort is to bring new elements that broaden the scope of understanding on the subject, seeking also to portray the perspective of the defeated in those conflicts. To this end, it was necessary to divide the research into three equally relevant parts. First, it sought to produce a historical synthesis that would encompass the facts and events pertinent to our object of study, so there was a process of contextualization of the months that preceded the change in the name of the Santa Catarina capital. In a second moment, a historiographic debate was proposed among the currents of thought that produced knowledge linked to the subject, also giving space for the analysis of the manuscripts of Duarte Paranhos Schutel. In the last segment of this research, the focus of the analysis migrated to the federal capital. Examining the periodical "Correio da Tarde", the main source of this study, one tried to infer how the intellectual circles opposed to the central government in Rio de Janeiro perceived the homage paid to Floriano Peixoto in Santa Catarina. Thus it is observed that the process of changing the name of the capital of Santa Catarina in October 1894 occurred in a legal manner, but in a conjuncture of intense political repression and, therefore, was not the result of a consensus of Santa Catarina society; on the contrary, the proposed analysis evidenced the symbolically violent character of such an act, characterizing it as an expression of state authoritarianism.

Keywords: Federalist Revolution. Floriano Peixoto. Authoritarianism. Florianópolis. Desterro.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

CAPÍTULO 1 - A REVOLUÇÃO DE 1893 EM DESTERRO ... 18

1.1. A REVOLTA DA ARMADA: DESTERRO NA ROTA DA REVOLUÇÃO ... 19

1.2. OS GOVERNOS REVOLUCIONÁRIOS ... 23

1.3. ACERTO DE CONTAS: O DURO GOLPE LANÇADO SOBRE DESTERRO ... 28

CAPÍTULO 2 - FLORIANÓPOLIS: UM NOME, MUITAS HISTÓRIAS ... 33

2.1. HISTÓRIA TRADICIONAL E A NOVA HISTÓRIA ... 34

2.2. O SUSSURO DOS VENCIDOS ... 44

CAPÍTULO 3 - A FATÍDICA HOMENAGEM NAS PÁGINAS DO CORREIO DA TARDE ... 54

3.1. FLORIANO E A IMPRENSA DO RIO DE JANEIRO ... 55

3.2. CORREIO DA TARDE: OPOSIÇÃO AO LEGALISMO AUTORITÁRIO ... 60

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 66

FONTES ... 69

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INTRODUÇÃO

No meio historiográfico existe certo consenso sobre as implicações resultantes do processo de mudança do regime político no Brasil no fim do século XIX, a então monarquia transmutava-se em república. Esse consenso trata de um reordenamento das forças políticas em torno de um novo projeto de nação, inclusive abrindo espaço para o surgimento de novos atores políticos (LUNARDI, 2009, p.15; MEIRINHO, 1997, p.49-56; NECKEL, 2003, p.9-14). Na esteira desse processo, as disputas de narrativas se acirraram e, em alguns casos, trespassaram o campo político, se convertendo em conflitos armados. Na propositura do novo regime, revoltas eclodiram em todo o país já nos primeiros anos, tais fatos tencionaram ao limite a legitimidade da recém-nascida república brasileira, proclamada pelos militares em 15 de novembro de 1889.

Ao sul do país, movimentações ocorriam entre lideranças políticas locais para reorganizar o poder diante desta nova realidade. Distintos projetos políticos desabrochavam de mãos dadas a antigas rivalidades locais enquanto os mandatários do novo governo buscavam instrumentos de governabilidade reprimindo insurgências (ROSSATO, 1999, p.100-102). As ideias de um novo governo descentralizado ganham força, se materializando na fundação do Partido Federalista em 1892. Depois de seguidas crises políticas no governo central, uma série de decisões tomadas pelo presidente da República, Deodoro da Fonseca, causaram imenso descontentamento entre seus pares e, considerável fortalecimento dos oposicionistas junto à sociedade (FRANCO, 1993, p.30-32). Certamente a dissolução do Congresso em 03 de novembro de 1891 foi ponto crucial nesse processo de desgaste político, tanto que poucos dias depois, o próprio renuncia ao cargo, assumindo o seu vice, Marechal Floriano Peixoto1.

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A posse do Marechal Floriano Peixoto foi motivo de protestos, sendo contestada por ferir um princípio firmado no artigo 42 da constituição de 1891, estabelecendo que ―(...) se no caso de vaga, por qualquer causa, da Presidência ou Vice-Presidência, não houverem ainda decorrido dois anos do período presidencial, proceder-se-á a nova eleição.‖ (BRASIL, 1891, art.42) Dessa forma, como ainda não havia se passado o período regulamentar para a legítima sucessão do vice-presidente, o gesto de Floriano em assumir o governo foi visto por muitas lideranças políticas e por grande parte da sociedade como um ato autoritário. Contudo, Floriano se utilizaria de outro trecho do mesmo documento para legitimar sua ascensão. Segundo Silva, o segundo parágrafo do 1º artigo dizia que tanto presidente, quanto vice teria de cumprir o primeiro mandato até o fim, ou seja, mesmo se houvesse outra eleição, Floriano Peixoto continuaria sendo vice-presidente até 1894, portanto, o governo se via como legal diante essa querela. (2010, p.164)

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Em 1893 surge no Estado do Rio Grande do Sul um movimento político-militar que estabelece um governo paralelo ao central, ele é descrito na historiografia como Revolução Federalista. Este movimento se alastra por todo o sul do país e, junto aos insurgentes da Revolta da Armada, firma como sua sede a cidade de Desterro, capital de Santa Catarina2. Com relação à Desterro, uma série de violentos conflitos armados e perseguições políticas marcaram esse período que se estendeu até o ano seguinte com a dissolução do movimento revolucionário (MEIRINHO, 1997, p.89-90).

Os acontecimentos que culminaram na queda dos federalistas em Santa Catarina no ano de 1894 expressaram de forma dicotômica dois projetos de poder. Com a ascensão dos grupos ligados ao Partido Republicano Catarinense (PRC), houve de sua parte, intensiva utilização de mecanismos de reafirmação de poder no processo de construção de um imaginário popular alinhado aos seus interesses, ou seja, a fabricação de uma identidade ligada ao novo regime para a população de Desterro. Um desses mecanismos é o nosso objeto de estudo: a mudança do nome da capital catarinense de Desterro para Florianópolis, numa expressa homenagem ao então presidente da república, Floriano Peixoto. Na historiografia tradicionalmente ligada ao Instituto Histórico Geográfico de Santa Catarina (IHGSC) se observa uma tendência bastante acentuada em tratar essa mudança como fruto de um consenso entre as forças políticas e a sociedade, portanto a naturalizando (MEIRINHO, 1997, p.107-108).

Tendo em vista esse contexto, existe um universo de questões que se respondidas, nos permitiriam compreender de maneira mais ampla a complexidade desse processo e suas implicações em nossa sociedade ainda hoje. Dessa forma, é interessante pensar sobre como a sociedade brasileira, que assistia aos acontecimentos no sul do país, reagiu à mudança do nome da cidade, ainda mais pela expressa homenagem a uma figura tão controversa. Será que realmente houve consenso sobre essa questão? E quanto às forças políticas? Houve resistência, mesmo que velada, por parte das lideranças políticas oposicionistas ao regime florianista? Da igual maneira, é fundamental refletir sobre as relações entre o projeto político gestado nesse início de república, suas ferramentas de legitimação e a forma como a

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O reordenamento de forças políticas imposto pelo presidente Floriano Peixoto já no início do seu governo trouxe civis para a cena política, muitos deles ligados ao Partido Republicano Paulista, basicamente representantes dos grandes produtores de café. Dessa forma, oficiais da Marinha como o almirante Saldanha da Gama e o Ministro da Marinha Custódio de Mello, insatisfeitos com os rumos do governo florianista, se insurgiram contra o governo central alegando falta de legitimidade do presidente da República para exercer tal cargo. (CORREA, 1990, p.27-28)

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sociedade se comportou diante do violento processo de repressão política executado pelas forças legalistas em meados de 1894.

Apesar de a historiografia tradicionalmente ligada ao IHGSC tratar esse tema como periférico, plenamente superado e atrelado ao processo de desenvolvimento e modernização da cidade, o debate sobre a mudança do nome da capital de Santa Catarina ainda está vivo em nossa sociedade.

Em novembro de 1979, em plena ditadura militar, a visita do então Presidente da República João Figueiredo à Florianópolis fez sangrar mais uma vez a ferida que nunca havia se curado na capital catarinense. Numa conjuntura de crise política e econômica, Figueiredo veio a Santa Catarina buscando atenuar politicamente as mazelas provocadas por mais de uma década de regime autoritário no país. Dentre seus compromissos, estava a inauguração de uma placa homenageando o Marechal Floriano Peixoto pelo 90º aniversário da Proclamação da República na praça XV de novembro no centro de Florianópolis. Na ocasião, João Figueiredo foi alvo de intensos protestos por parte da população local. Sobre esse evento histórico, denominado pela historiografia como Novembrada3, Ieri aponta:

A placa significava, portanto, talvez a maior ferida social de Florianópolis. A homenagem de Figueiredo pode também ter sido entendida como ―o ditador de hoje homenageando o de ontem, um cara que matou toda a oposição e trocou o nome da cidade‖ e mostrava a continuidade de arbitrariedade e repressão do regime militar no governo de João. Assim, a placa foi arrancada e queimada pela população, um claro sinal de insatisfação popular e reconhecimento histórico. (2011, p.15)

Os acontecimentos ligados à Novembrada foram muito importantes no processo de luta contra a ditadura militar no nosso país e demonstraram que para a sociedade catarinense havia ainda questões mal resolvidas quanto à forma como foi conduzido o processo de mudança do nome de sua capital.

Em outubro de 1995 ocorreu na capital catarinense um evento que visava simular o julgamento de Floriano Peixoto enquanto réu no que se refere às execuções realizadas contra sua oposição em Desterro com a dissolução do movimento federalista em 1894. Esse evento foi organizado por estudantes do curso de História e Jornalismo da Universidade Federal de

3 Novembrada é o nome designado pela historiografia aos fatos históricos ocorridos em novembro de 1979 na cidade de Florianópolis em razão da visita do então Presidente da República João Figueiredo. Nessa ocasião, populares se insurgiram contra o presidente e o regime militar que ele representava numa série de protestos que se alastraram por toda a cidade.

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Santa Catarina, contou com a presença de intelectuais, autoridades políticas e membros do movimento ―Cem Anos de Humilhação‖4

. Nesse julgamento Floriano foi condenado por unanimidade pelos crimes políticos cometidos pelo Estado em Desterro no ano de 1894. O entendimento dos jurados foi que o nome não era uma homenagem, mas sim uma humilhação imposta ao povo catarinense.

Esse debate permaneceu vivo na imprensa escrita, atravessando anos a fio. Só na última década, dezenas de intervenções são contabilizadas questionando a homenagem oferecida ao então presidente da república, Floriano Peixoto. Manchetes como ―Floriano merece o nome da capital catarinense?‖ (LORENÇO, 2010) e ―Memória de Florianópolis: Um nome, muitas mágoas‖ (DAMIÃO, 2016), marcaram as páginas da imprensa local apresentando contundentes críticas ao violento processo que consolidou a república no estado, se materializando, em forma e simbologia, no novo nome da capital.

Da mesma forma que a imprensa, há também ações de agentes políticos nos últimos anos que apontam para a manutenção deste debate na comunidade. Em 2003, surge uma proposição, feita pelo então deputado federal Mauro Passos, para que se realizasse um plebiscito na cidade a fim de ouvir a população sobre o tema. Como justificativa, o parlamentar alegou que foi ―(...) estimulado por várias famílias que tiveram parentes assassinados por Floriano Peixoto‖ (PORTAL IMIRANTE, 2003).

As discussões em torno da homenagem prestada ao então presidente da República não se restringem somente a esses espaços. O artista e pesquisador Franklin Cascaes, em suas entrevistas abordava constantemente o assunto, demonstrando sua mágoa com todo o processo que culminou na mudança do nome da capital catarinense:

(...) nas minhas cartas, desenhos e documentos diversos, eu não assino Florianópolis, mas sim Nossa Senhora do Desterro. Isso porque é desde criança que a gente sente na carne aqueles fatos ruins que aconteceram na família. Nessa degola que foi feita aqui na terra por Floriano Peixoto entraram três parentes meus e a minha vó falava muito, não gostava que ninguém tocasse naquele nome, até mesmo no de Hercílio Luz. (...) por isso, nunca simpatizei com este nome ―Florianópolis‖. Nos meus escritos sempre escrevo Desterro ou ―Capital‖ de Santa Catarina. (CASCAES apud CARUSO, 1989, p.21).

4 O movimento ―Cem Anos de Humilhação" foi criado em maio de 1994 e era composto de cerca de 70 nomes entre intelectuais dos mais diversos meios. O objetivo do movimento era questionar a homenagem dada a Floriano Peixoto na forma do nome da capital catarinense e propor mecanismos de debate na sociedade que criassem uma conjuntura propositiva para a troca do nome da cidade.

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Em todas as falas apresentadas há um ponto central de convergência: a crítica à homenagem ao suposto responsável pela execução sumária de cidadãos desterrenses em meados de 1894. O fato do nome da capital evocar a personificação de uma figura tão dubitável como Floriano Peixoto gera até hoje um caloroso debate na cidade.

Conforme demonstrado a pouco, essa questão não aparenta ser algo superado como afirma a historiografia tradicionalmente ligada ao IHGSC. Na verdade, os indícios sinalizam que este debate esteve presente em todo o século XX e adentrou ao século XXI ainda com vigor. É fundamental ressaltar que a intenção deste estudo não é reforçar a polarização que protagonizou o cenário de conflitos naquele período, mas buscar novos elementos que corroborem para a ampliação do entendimento daquele processo como um todo, observando de forma enfática os aspectos ligados à construção de uma nova identidade para os habitantes da capital catarinense a partir da consolidação do regime republicano.

No esforço de explorar esse processo, abarcando todos os nuances que a ele estão condicionados, será analisado um arcabouço de fontes históricas que vão de correspondências, registro contemporâneos aos fatos, a periódicos publicados em Desterro e no Rio de Janeiro. Estas últimas, as fontes ligadas à imprensa, constituíram a maior parte da documentação examinada, não por acaso, pois a proposta deste estudo é justamente compreender como ocorreu a mudança do nome capital catarinense e para isso precisamos concentrar atenção na construção do processo discursivo que permitiu à sociedade catarinense promover tal mudança num contexto tão conturbado politicamente. A partir dos periódicos podemos perceber que

(...) as ambiguidades e hesitações que marcaram os órgãos da grande imprensa, suas ligações cotidianas em diferentes poderes, a venalidade sempre denunciada, o peso dos interesses publicitários e dos poderosos do momento também podem ser apreendidos a partir de determinadas conjunturas. (LUCA, 2005, p.130)

Ou seja, é por meio da narrativa produzida e difundida pela imprensa de Desterro e do Rio de Janeiro, neste caso mais especificamente o jornal ―Correio da Tarde‖, que vamos perscrutar o imaginário daquela sociedade envolta em um contexto de conflitos de grande magnitude.

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Como referência metodológica para desenvolver o exame das fontes encontradas em periódicos, vamos levar em consideração o método para análise de conteúdo proposto por Zicman no que tange à análise temática dos periódicos:

Este método interessa-se pelo significado dos discursos independentemente de sua forma linguística, centrando-se na análise do conteúdo dos discursos. Desenvolve-se a partir de temas ou itens de significação relativos a um determinado objeto de estudo e analisados em termos de sua presença e frequência de aparecimento nos textos analisados. Revela-se especialmente interessante quando se trabalha sobre uma grande quantidade de documentos e em estudos sobre motivações, opiniões, atitudes e tendências, como por exemplo, num estudo sobre as atitudes da Imprensa frente a um determinado fato. (1985, p.95)

A proposta do autor com o método de análise temática está ligada a uma concepção ampla de análise dos documentos provenientes da imprensa. Primeiramente por tratar tanto dos aspectos materiais, quanto imateriais. Em segundo lugar por apresentar roteiros de categorização e codificação, o que nos permite criar nossas próprias categorias de análise e, de forma seriada, as atrelar a indicadores como presença, frequência e orientação da linha editorial. A partir desse processo podemos observar, num conjunto de publicações, a forma como o tema estudado é apresentado em escala dinâmica. (ZICMAN, 1985, p.97-98)

Dessa forma, no primeiro capítulo será construído um panorama relativo aos fatos que justificaram a mudança do nome da capital de Santa Catarina em 1894, iniciando com a Revolta da Armada e sua invasão a Desterro em setembro de 1893, passando pelos governos revolucionários instalados na capital catarinense e por fim, apresentando os elementos pertinentes ao debate que se relacionam com a reação legalista e as consequentes perseguições que ocorreram na cidade em meados de 1894.

O segundo capítulo tem como objetivo levantar um debate historiográfico, composto por distintas correntes de pensamento, sobre como se deu o processo de mudança do nome da cidade. Esse debate pretende contemplar as principais narrativas que buscam explicar esse complexo processo político. As convergências e contradições presentes nas obras analisadas constituirão plano de fundo para esmiuçar o processo assinalado nesse estudo. Nesta mesma seção, vamos analisar os manuscritos de Duarte Schutel, reunidos e organizados por Rosângela Miranda Cherem na obra intitulada ―A república vista do meu canto‖. Nesse momento o objetivo é levantar elementos que nos permita observar como a intelectualidade

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oposicionista ao governo de Floriano percebia os movimentos que levaram à mudança do nome da capital catarinense.

Por fim, no terceiro capítulo, amparado na coleção de manuscritos de Duarte Schutel que cita o jornal ―Correio da Tarde‖, pretendo trazer a luz da discussão, novos elementos presentes neste periódico, publicado no Rio de Janeiro entre 1893 e 1895. Dessa forma, o esforço contido nesse momento está direcionado em buscar, fora do campo de atuação dos periódicos da imprensa local, elementos que colaborem para uma interpretação sobre a percepção de agentes exógenos ao processo em questão e por isso esta opção não se trata de uma tentativa de construir um senso de isenção político-ideológico das fontes por meio do distanciamento, mas justamente observar esses aspectos em uma construção histórica e social distinta da população de Desterro naquele período.

CAPÍTULO 1 - A REVOLUÇÃO DE 1893 EM DESTERRO

Era manhã de terça-feira, dia 02 de outubro de 1894, clima ameno de primavera na capital de Santa Catarina. Na capa da edição de número 134 do jornal ―República‖, se encontra a seguinte publicação:

Os desejos populares, tão eloquentemente manifestados por intermédio dos respectivos Conselhos Municipais, as nossas justas aspirações, externadas nestas columnas, a respeito da mudança do nome desta capital para o de Florianópolis, como uma demonstração da gratidão nacional ao grande marechal, salvador da Republica, acabam de ser satisfeitos, graças aos actos do Congresso que decretou tal mudança e ao ilustre governador do Estado que hontem sancionou a rezolução legislativa. A começar de hontem a capital do Estado de Santa Catharina não é Desterro, mas sim Florianópolis.5

O veículo de imprensa em questão se tratava de uma instituição ligada ao PRC, apoiador das tropas legalistas6 no processo de ocupação e estabelecimento dos republicanos

5

REPUBLICA, Desterro, 02 de outubro de 1894, p.1.

6 As tropas legalistas eram divisões militares coordenadas pelo governo central, enviadas ao sul do Brasil durante o governo de Floriano Peixoto para conter a sublevação que ameaçava seu governo. O termo ―legalista‖ era uma referência à defesa da legalidade do poder vigente, ou seja, ao mesmo tempo em que o governo central se colocava ao lado da lei, levava seus opositores a um papel de antagonismo a ela, portanto seriam tratados como criminosos.

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no controle do estado, demonstrando-se desde o início da queda dos federalistas em abril daquele ano, uma importante ferramenta de propaganda do florianismo em Santa Catarina.

Essa foi uma das implicações resultantes do violento processo de disputas políticas que opuseram entre si membros de uma elite abastada com o objetivo de consolidar o regime republicano. Republicanos e federalistas o compreendiam de formas distintas e as tensões que se originaram do embate dessas ideias promoveram uma escalada de violência inerente a essa conjuntura, sendo, conforme aponta Corrêa, inevitável. (1990, p.21-22)

O federalismo7 foi uma expressão política efêmera em terras catarinenses e ―(...) numa situação tumultuada e precária, conseguiu manter-se no poder por três anos.‖ (ARAÚJO, 1989, p.110) Já no fim desse processo, o governo de cunho revolucionário durou poucos meses, de outubro de 1893 a abril de 1894. A instalação e queda desse governo revolucionário, paralelo ao central, unindo os três estados da região sul do Brasil, deve se iniciar nesta pesquisa a partir da Revolta da Armada e sua invasão à Desterro, pois esse acontecimento foi crucial para tornar esta cidade, a capital deste governo paralelo, principal ponto de convergência entre as lideranças federalistas rio-grandenses e os insurgentes da Marinha no Rio de Janeiro. (CORRÊA, 1990, p.27; NECKEL, 2003, p.30-31)

1.1. A REVOLTA DA ARMADA: DESTERRO NA ROTA DA REVOLUÇÃO

Em meados de 1893, as tensões entre os principais oficiais da Marinha e governo central se intensificaram. O ministro da Marinha Custódio de Melo8, oficial de grande prestígio, pediu demissão de seu cargo em 28 de abril de 1893, alegando que Floriano estava conduzindo de forma inadequada os conflitos locais existentes no Rio Grande do Sul. Dessa maneira, argumentou que:

Está no domínio público e na consciência de todos que a atual administração do Rio Grande do Sul não representa a maioria dos nossos compatriotas naquele Estado: não é um governo de seleção imposto pela opinião popular e, tais condições é um governo fraco, que somente pelo apoio das armas federais poderá manter-se. (MELLO apud CORRÊA, 1990, p.29)

7 O federalismo se caracterizou naquela conjuntura como uma tendência político-ideológica republicana que defendia a descentralização do poder em unidades com alto nível de autonomia perante o governo central. 8 Custódio José de Melo foi Contra-Almirante da Marinha do Brasil, Ministro da Marinha e líder do grupo que conflagrou em setembro de 1893 a Revolta da Armada em oposição ao governo Floriano Peixoto.

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Custódio de Melo se referia ao governo de Júlio de Castilhos que, apoiado pelo governo central, fazia frente ao movimento federalista que ganhava corpo e adesão popular naquele estado. Era fato que o prestigiado oficial da Marinha defendia abertamente a adesão do governo central a uma política de caráter neutro e pacifista diante daquelas circunstâncias, porém também era fato que estava, enquanto ministro e sem o conhecimento de Floriano, conduzindo ações paralelas ao governo central nos conflitos ao sul do país naquele momento. (CORRÊA, 1990, p.27-28) Havia, portanto muitas divergências entre Custódio de Melo e Floriano Peixoto no que se referia à condução daqueles conflitos, refletindo a histórica rivalidade existente entre as instituições militares.

As tensões que pairavam sobre os oficiais da Marinha e do Exército possuíam raízes ainda imperiais, desde a composição social até o soldo que recebiam9. Dessa forma, a demissão de Custódio de Melo fez com o governo buscasse rapidamente um substituto a altura, porém sem sucesso entre os principais quadros, o que intensificou a rejeição ao governo florianista. (XAVIER, 2017, p.179) No decorrer dos meses seguintes, oficiais da Marinha continuavam a conspirar contra os interesses do governo central nos conflitos entre republicanos e federalistas no Rio Grande Sul, sendo o dia 18 de julho daquele ano o ponto de inflexão que projetou a outro nível a escalada de tensões entre o oficialato oposicionista da Marinha e o governo central. Eduardo Wandenkolk10 foi enviado do Rio de Janeiro para apoiar tropas federalistas em uma ação articulada no porto de Rio Grande e lá, se viu em situação delicada devido à má organização das forças de apoio terrestre local. A ação foi desastrosa não surtindo o efeito desejado pelos oficiais oposicionistas da Marinha que o enviaram. (CABRAL, 1937, p.317) No caminho de volta para a capital foi detido em Desterro, chegando ao Rio de Janeiro como prisioneiro, sendo confinado na Fortaleza de Santa Cruz ―(...) de jurisdição do exército, sentindo-se a Armada ofendida, tanto pelo fato da rivalidade entre as corporações, quanto por, sendo o Almirante Senador, ser preso sem autorização do senado‖. (CORRÊA, 1990, p.34)

A partir desse momento os principais oficiais da Marinha entravam em rota de colisão direta com o governo de Floriano Peixoto. No dia 6 de setembro de 1893 Custódio de Melo,

9

Segundo Côrrea, na Marinha encontravam-se ―(...) elementos oriundos geralmente da nobreza brasileira ou classe média alta, que lhe dava certo clima de aristocracia.‖ (1990, p.27) Já a oficialidade do exército era composta por membros de uma burguesia emergente, que por sua característica socialmente móvel, estava mais adaptada às mudanças intrínsecas ao novo regime como o abolicionismo.

10 Eduardo Wandenkolk foi Contra-Almirante da Marinha do Brasil e senador da República no governo provisório de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto.

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que liderava o grupo oposicionista a Floriano, fez um pronunciamento ao povo brasileiro onde apontava os motivos que levaram ele e seus apoiadores a romper com o governo central tomando a baía da Guanabara. No seu pronunciamento, Custódio de Melo destacou o seu compromisso com os valores republicanos aos quais defendeu em diversas ocasiões e criticou veementemente a atuação do governo florianista, destacando o seu caráter autoritário e demonstrando disposição em lutar por uma mudança conjuntural nesse processo:

Não posso conservar-me inerte nessa situação angustiosa do meu país. Os homens, cuja ação os acontecimentos políticos foram determinados, não podem deixar de concentrar em si as tendências e as aspirações de uma época. A Nação anseia por ver-se livre de um governo que a humilha. A época é, pois de reconquista de direitos e de liberdades que foram conculcados e suprimidos. (MELLO apud CORRÊA, 1990, p.36-37)

Dessa maneira, influentes setores da Marinha aderiram ao movimento militar que se opunha a Floriano Peixoto, estava deflagrada a Revolta da Armada no Rio de Janeiro, um movimento que, mais tarde, ecoaria de forma irremediável em águas catarinenses, tendo dramáticas implicações em Desterro. (MEIRINHO, 1982, p.64)

Os planos dos revoltosos da Marinha envolviam a tomada de pontos estratégicos da estrutura logística do governo central e um ataque por terra vindo de São Paulo para depor Floriano. Deste modo, Custódio de Melo instruiu Frederico Guilherme de Lorena11 a comandar o Cruzador ―República‖ numa missão que visava apressar o processo de deposição de Floriano da cadeira presidencial. Essa missão era composta por cinco objetivos:

1º. Transpor a barra do Rio de Janeiro, na noite de 16 de setembro, partir em direção ao porto de Sepetiba para cortar as comunicações do governo por via marítima.

2º. Destruir ou inutilizar todos os elementos de defesa do Governo, tanto nas imediações de Sepetiba, quanto dos portos próximos.

3º. Apreender a bordo dos navios mercantes nacionais, mediante recibo, todos os gêneros ou comestíveis necessários à esquadra revoltosa.

4º. Destacar navios incorporados à divisão para servirem de comunicação com os vasos de guerra revoltosos ao longo do litoral.

11

Militar da Marinha do Brasil, com posto de Capitão de Mar e Guerra, foi um dos líderes revoltosos de 1893, sendo posteriormente considerado um desertor pelo governo central. Esteve a frente do Governo Provisório instituído em Desterro entre 1893 e 1894. Foi capturado em executado nesta mesma cidade no processo de dissolução do movimento federalista em terras catarinenses.

(22)

5º. Comunicar ao comando em chefe da esquadra todos os seus procedimentos mais importantes que forem sendo feitos, servindo para este fim a torpedeira Marcílio Dias. (CORRÊA, 1990, p.57-58)

Os fatos ocorridos a partir dessa missão revelam que Frederico de Lorena não conseguiu efetivar operacionalmente as instruções que seu comandante havia lhe passado. Não conseguindo desembarcar em Sepetiba, seguiu para Santos onde também não obteve sucesso, dessa maneira os navios República e Pallas rumaram para o sul com destino ao porto de São Francisco em Santa Catarina com a finalidade de abastecimento. (BOITEUX, 1912, p.409; CORRÊA, 1990, p.58) Nesse momento há um importante ponto de inflexão nas ações dos revoltosos da Marinha, Frederico de Lorena decide articular ações militares em Santa Catarina, dentre as quais se destacam o envio de militares a Joinville que ―(...) retornaram com o aparelho telegráfico da cidade, e o chefe federalista local Abdon Batista (...)‖ (CORRÊA, 1990, p.58), o envio do navio Pallas para o porto de Itajaí com a finalidade de inutilizar o sistema de comunicação daquela cidade e ações em terra foram tomadas para dificultar a mobilidade das forças legalistas que porventura tentassem se evadir em direção ao norte do estado. Por fim, Frederico de Lorena buscou construir uma aliança com as lideranças federalistas locais para atacar o 25º. Batalhão sediado em Desterro12. E assim foi feito, em 26 de setembro o cruzador República chega á capital catarinense.

Avisado pelo próprio presidente da República que Desterro seria alvo de ataque pelos revoltosos da Marinha, Coronel Julião Augusto de Serra Martins13 preparou as defesas da cidade a partir das fortalezas e do instrumental bélico que dispunha. Sobre os preparativos para a defesa de Desterro, havia, entre as lideranças locais, simpatia pelo movimento revolucionário que se aproximava e, portanto as defesas foram esvaziadas por agentes públicos, militares e civis, com o objetivo de flagelar a resistência à chegada dos revoltosos.

As condições de defesa eram diminutas. Havia completa falta de armas e munições de artilharia. As fortalezas implantadas no norte da Ilha de Santa Catarina possuíam meia dúzia de canhões antigos, dos séculos dezesseis e dezessete, além de pouca munição, e os transportes para tropas tanto por terra quanto por mar eram escassos, senão inexistentes. A situação era tão precária que o Coronel Serra Martins teve que reunir alguns canhões de bronze que serviam como enfeites em logradouros públicos da cidade. (CORRÊA, 1990, p.60)

12

Segundo Corrêa, ―(...) apesar do governo de Santa Catarina estar nas mãos de federalistas, o comando do 25º. Batalhão representava o único baluarte contra os revolucionários.‖ (1990 p.58-59).

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Apesar da pouca capacidade de defesa, Desterro apresentou armas e resistiu aos ataques, mesmo que de maneira pouco eficaz, porém a crescente adesão dos próprios oficiais comandados por Serra Martins à causa revolucionaria tornava a rendição da capital catarinense uma questão de tempo. Ciente disso, Frederico de Lorena enviou, no dia 28 de setembro, uma intimação a Serra Martins para iniciar o processo de capitulação da cidade. Neste documento enfatiza o caráter libertador das ações militares comandadas pelo movimento revolucionário, trata o presidente Floriano como um déspota autoritário e faz um apelo para que Desterro seja entregue sem mais derramamento de sangue. (CORRÊA, 1990, p.61-62; BOITEUX, 1912, p.410)

No dia seguinte, uma reunião entre oficiais de Desterro definiu a rendição da cidade e se instalou uma comissão para negociar esse processo. Aos militares envolvidos na resistência foi deliberado que poderiam aderir ao movimento revolucionário ou assumir neutralidade, assim se procedeu com Serra Martins que não aderindo à luta revolucionária, foi enviado ao Rio de Janeiro. Em 30 de setembro, Frederico de Lorena proferiu um manifesto a população de Desterro onde mais uma vez acusa o presidente Floriano de tirania e exalta:

(...) a liberdade da Pátria, a fim de que nossos cidadãos, livres de quaisquer peas, possam escolher aqueles que devem consolidar as instituições, fazendo efetivar as garantias oferecidas pela constituição e pondo em vigor o regime federativo nela estabelecido, sempre fraudado pelos chefes dos governos que tão mal tem dividido os destinos da Pátria. (MURICY apud CORRÊA, 1990, p.69-70)

Dessa maneira, a Revolta da Armada se alinha ao movimento federalista em Santa Catarina. A partir desse momento Desterro caminha a passos largos para se tornar o centro de um dos mais sangrentos conflitos políticos da Primeira República.

1.2. OS GOVERNOS REVOLUCIONÁRIOS

Logo que os revoltosos da Marinha ocupam Desterro, articulações políticas se iniciam para definir o papel da capital catarinense na revolução que pretendia derrubar o presidente Floriano Peixoto. Já nos primeiros dias se instala o Comando Militar Revolucionário que, entre outras deliberações, é responsável pela ―(...) extradição do Comandante Serra Martins para o Rio de Janeiro.‖ (CORRÊA, 1990, p.74) A partir do dia 11 de outubro, os moradores de Desterro veem a cidade se transformar em um grande quartel general. Lideranças federalistas do Rio Grande do Sul unidas aos oficiais revoltosos da Marinha formavam pela primeira vez um só movimento.

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O governo de Santa Catarina, por sua vez, já havia se engajado com o movimento revoltoso dos oficiais da Marinha e tinha, por questões ideológicas, uma forte inclinação em apoiar os federalistas do sul, o ponto de convergência era a queda de Floriano Peixoto. O empenho das lideranças federalistas catarinenses com esta causa era tanta, que diante dessa conjuntura a ―(...) Assembleia Legislativa do Estado declarou separado o Estado de Santa Catarina da União, enquanto o Marechal Peixoto continuasse na administração federal, além de ter concitado o povo a pegar em armas para derrubá-lo.‖ (CORRÊA, 1990, p.74)

A ocupação de Desterro pelas tropas revoltosas da Marinha se deu pelas decisões tomadas por Frederico de Lorena, às julgando mais acertadas como já pontuamos, porém a sua escolha, como centro estratégico da revolução, foi fundamentada na possibilidade que dava tanto aos revoltosos da Marinha quanto aos federalistas gaúchos, de obter vantagens logísticas para avançar por terra e mar contra o governo central no Rio de Janeiro14.

Do ponto de vista de alguns gaúchos, federalistas, a revolução do Rio Grande estava perdida incontestavelmente, e somente o estabelecimento de um Governo Provisório em Desterro poderia salvá-la. Esta ideia, aliás, já tinha sido proposta por Silveira Martins15 ao Almirante Custódio de Mello, logo no início do movimento da Armada, no Rio de Janeiro. (CORRÊA, 1990, p.75)

No dia 14 de outubro de 1893 foi instalado o Governo Provisório16. Inúmeras lideranças federalistas e toda a oficialidade da Marinha que acompanhou Frederico de Lorena na tomada de Desterro estavam presentes no Palácio do Governo do Estado para legitimar a sua posse enquanto dirigente desse novo governo. (OLIVEIRA, 1995, p.14) No momento da posse, Frederico de Lorena fez um pronunciamento aos presentes onde tratou de expor a trajetória revolucionária dos revoltosos da Marinha que o levaram até este momento, destacando a adesão do povo catarinense à luta contra o autoritarismo de Floriano Peixoto e que por isso, Desterro ―(...) estava destinada a ser provisoriamente a sede do primeiro governo revolucionário.‖17

14

Os revoltosos da Marinha tinha como base naval a baia de Guanabara e os federalistas gaúchos utilizavam terras no Uruguai como base de operações de onde partiam suas ações militares. Nos dois casos havia vantagem na mudança para Desterro por melhor distribuição logística de suprimentos, pelo ganho político de ser um espaço em território nacional e por facilitar a comunicação entre as lideranças.

15

Gaspar da Silveira Martins foi magistrado e uma das mais importantes lideranças políticas do movimento federalista no Rio Grande do Sul entre 1892 e 1895.

16 Inicialmente a ideia era constituir uma junta governativa que teria um representante do Rio Grande do Sul, um de Santa Catarina e um da Armada revoltosa, porém articulações políticas construíram a solução de um governo com somente um governante.

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Nas suas primeiras medidas enquanto principal autoridade do governo provisório, Frederico de Lorena construiu seu quadro administrativo. Um dos principais objetivos com a instalação de um governo paralelo ao central foi ―(...) fazer com que as nações do Prata, principalmente, reconhecessem o estado de beligerância no Brasil, o que impediria a venda de armamento ao governo do Rio de Janeiro para proteger-se dos revolucionários.‖ (CORRÊA, 1990, p.79; MEIRINHO, 1982, p.67) Dessa forma, lideranças federalistas do Rio Grande do Sul foram nomeadas em embaixadas nesses países para construir uma conjuntura diplomática propositiva para os revolucionários. Essas nomeações feitas por Frederico de Lorena evidenciaram a sua aproximação com grupos politicamente menos influentes no movimento revolucionário, na sua grande maioria militares de baixa patente, e isso promoveu descontentamentos e tensões entre as lideranças mais tradicionais tanto do movimento federalista quanto da Armada18.

As críticas à condução que Frederico de Lorena dava ao Governo Provisório ganharam volume a ponto de haver intervenção de Custódio de Melo, que cobrava explicações de seu subordinado hierárquico. Frederico de Lorena justificava suas indicações alegando critérios técnicos na escolha dos indivíduos que formavam seu governo e ao mesmo tempo atacava aqueles que o criticavam. O fato era que o Governo Provisório se demonstrava politicamente centralizador, ideologicamente anti-monarquista, com caráter militarista, apresentando estreitas ligações com o positivismo e isso era visto como um problema para muitas lideranças civis e militares dos movimentos envolvidos nesse processo, que apesar de nesse momento lutar por um regime republicano, tinham raízes monarquistas.

Apesar da tendência anti-monarquista do governo provisório, Frederico de Lorena se via ao acaso construindo pontes com políticos catarinenses ligados a esta vertente, era uma forma de manter certa governabilidade, pois o apoio de nomes como Cristóvão Nunes Pires19 trazia estabilidade interna para o governo. Todavia, em 07 de dezembro, Saldanha da Gama publicou um manifesto criticando a queda do monarquismo em 15 de novembro de 1889.

18

Nesse período as duas principais lideranças desses movimentos, Silveira Martins e Custódio de Melo, trocavam correspondências constantemente e com frequência tratavam criticamente das escolhas de Frederico de Lorena quanto aos quadros que compunham o Governo Provisório. (CORRÊA, 1990, p.80-87)

19 Industrial e comerciante. Foi deputado à Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catarina na 24ª legislatura (1882 — 1883) e na 25ª legislatura (1884 — 1885). Foi um dos membros da Junta Governativa catarinense de 1891 e vice-presidente do Estado de Santa Catarina, tendo assumido a presidência de 24 de setembro a 08 de outubro de 1893.

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Neste momento Frederico de Lorena se posiciona duramente contra o Vice-Almirante gerando mais tensões entre seus correligionários da Armada.

Se o governo de Frederico de Lorena não era bem visto pela chefia dos federalistas gaúchos, principalmente por Gaspar da Silveira Martins, agora, com esta atitude francamente contra o pensamento do Vice-Almirante Saldanha da Gama, as coisas pioraram em termo de apoio. Vetado pelos revolucionários gaúchos, rompia também contra aquele que mais tarde iria dividir a liderança da Armada com Custódio de Mello. A atitude individualista de Lorena, na verdade, prenunciava uma profunda queda nos objetivos do Governo revolucionário, tábua de salvação de todos aqueles que se voltaram contra Floriano Peixoto. (CORRÊA, 1990, p.79)

Em dezembro de 1893, os rumos que o movimento revolucionário tomava eram difusos, a dinâmica da articulação política parecia não aglutinar efetivamente as forças contrárias a Floriano e o Governo Provisório não demonstrava ser o ponto de convergência entre os federalistas gaúchos, revoltosos da Armada e políticos catarinenses conforme imaginado nos meses anteriores. O isolamento cada vez maior de Frederico de Lorena refletia de forma contundente a falta de diálogo entre as forças que compunham a revolução.

Diante dessa conjuntura, a ideia de formar uma Junta Governativa ganha força novamente e articulações começam a se estabelecer com essa finalidade. Uma visita de Custódio de Melo à Desterro trouxe apreensão às lideranças políticas locais, pois temiam significar o fortalecimento do Governo Provisório e de fato, a expectativa foi confirmada, esse evento deu sobrevida a Frederico de Lorena no governo. (CORRÊA, 1990, p.104-108)

Apesar de contrariados com os rumos do Governo Provisório, os federalistas gaúchos continuaram com seus planos de uma invasão por terra à capital do governo central, passando por Paraná e São Paulo. Dessa forma, as tropas revolucionárias gaúchas passaram por Desterro e em meados de janeiro de 1894 adentraram ao estado do Paraná.

A invasão do Paraná representou a primeira grande vitória revolucionária do ponto de vista militar, permitindo a criação de novos ânimos para o prosseguimento da causa em direção a São Paulo e, posteriormente, à capital da República, para a deposição de Floriano Peixoto. Na defesa daquele estado, principalmente quando da ocupação da cidade da Lapa, pelos federalistas, entraram em conflito contra o exército de Gumercindo Saraiva20 tropas federais onde atuaram militares catarinenses e políticos engajados. (CORRÊA, 1990, p.123)

20 Gumercindo Saraiva foi um estancieiro, militar e liderança carismática gaúcha na região fronteiriça com o Uruguai. É apontado como um dos principais comandantes das tropas rebeldes durante a Revolução Federalista.

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Esse movimento causou graves implicações para o Governo Provisório em Desterro. Embora as manobras militares bem sucedidas no estado do Paraná tenham contribuído para consolidar o governo provisório, o surgimento de novas personalidades políticas paranaenses embaralhou as articulações políticas então estabelecidas, desequilibrando as relações de poder instituídas por Frederico de Lorena. Este foi o caso do desembargador Emygdio Westphalen21 que viria a assumir interinamente diversas pastas vagas no Governo Provisório em troca de um maior controle por parte de Frederico de Lorena de postos estratégicos no estado do Paraná. Com sua chegada a Desterro, ―(...) exigiu a demissão de Henrique Valga do Ministério da Justiça e Interior e de Mourão dos Santos da Marinha.‖ (CORRÊA, 1990, p.126) Esse incidente junto à decisão do governo provisório de dar passagem a um grupo florianista derrotado no Paraná para o exílio no Uruguai, promoveu uma cisão entre o Governo Provisório e o único elo que ainda o sustentava, Custódio de Melo.

O rompimento definitivo entre Custódio de Mello e o Presidente do Governo Provisório teve início quando, com a vitória federalista no Paraná, Lorena autorizou a saída de alguns republicanos derrotados, em direção a Montevidéu. De imediato, Mello telegrafou ao Presidente do Governo protestando pelo fato de não ter sido ouvido no caso, pois era contra tais liberdades. No mesmo documento, o Almirante pediu explicações sobre a saída de Mourão e Henrique Valga. (CORRÊA, 1990, p.127)

Diante desses fatos, isolado politicamente e sem respaldo das forças militares que compunham a estrutura armada da revolução, Frederico de Lorena publicou um manifesto ao povo catarinense em 12 de março de 1894 informando que deixava a presidência do Governo Provisório, abrindo espaço para a instalação de uma Junta Governativa com representantes dos três estados. Os nomes escolhidos para formar o novo governo foram José Ferreira de Mello22, representando Santa Catarina e Emygdio Westphalen por parte do Paraná. Silveira Martins seria responsável por indicar o representante do Rio Grande do Sul, mas ―(...) não deu a mínima importância para este novo governo, pois, além de sequer ter mandado representante, parece não ter tocado no assunto com o Almirante Saldanha da Gama (...)‖ (CORRÊA, 1990, p.131),ou seja, o novo governo revolucionário, proposto em moldes mais descentralizados, já começou com problemas deixados pelo Governo Provisório. Todavia, a herança deixada pelo antigo governante era muito pior que relações políticas mal conduzidas entre aliados.

21

Emygdio Westphalen foi um político, procurador e desembargador no estado do Paraná.

22 José Ferreira de Mello foi advogado, juiz de direito, político e presidente do Supremo Tribunal Federal do Governo Provisório dos Estados Unidos dos Brasil em 1894.

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Apesar de Lorena ter montado um arsenal de Marinha em Desterro, a situação dos navios necessários à proteção da costa paranaense, Santa Catarina e Rio Grande do Sul era lastimável. Faltavam armamentos, grande número de embarcações estava em reparos, além da falta constante de combustível. A própria defesa da terra, localizada nas fortalezas e fortes que circundavam a Ilha de Santa Catarina, não apresentava quaisquer condições de sustentar troca de fogo com navios florianistas que se aproximavam do sul. Os canhões não eram automáticos e ainda permaneciam em uso aqueles que já haviam sido insuficientes em meados do século XVIII, quando da invasão espanhola à Ilha. (CORRÊA, 1990, p.133)

Certamente outros fatores como a dinâmica dos movimentos militares executados sobre o estado do Paraná e a difícil articulação entre os diversos grupos que compunham o movimento revolucionário, podem ser elencados como elementos que colaboraram para o colapso financeiro da revolução, mas o caráter centralizador do Governo Provisório se apresentou como fonte de crises políticas, algo que contribuiu para a desorganização da estrutura política e militar da revolução.

As condições objetivas para a continuidade das operações militares eram cada vez piores. As tropas de Gumercindo Saraiva presentes no Paraná não tinham mais condições de avançar e pressionados por uma súbita investida do exército legalista, vindo de São Paulo, regressaram em direção ao Rio Grande do Sul para de lá, continuar a revolução.

Em Desterro a situação era calamitosa, a iminência de um ataque dos navios florianistas fez com o Aquidabã23 ficasse para proteger a Ilha, porém os problemas não se resumiam somente à questão financeira, o contingente estava defasado, portanto menores de idade foram empregados no serviço militar para proteger a cidade. (OLIVEIRA, 1995, p.17-18) Um movimento de recuo estratégico foi realizado no dia 03 de abril de 1894 por Custódio de Melo ao sair de Paranaguá em direção à Rio Grande para ocupar a cidade. Mal sucedido, fez com que o Almirante seguisse viagem até Montevidéu, onde entregou seus navios ao governo uruguaio. Desterro estava indefesa, os braços militares da revolução foram para o sul e muitas lideranças políticas catarinenses ligadas ao federalismo fugiram por medo de retaliação das forças legalistas que estavam a caminho.

1.3. ACERTO DE CONTAS: O DURO GOLPE LANÇADO SOBRE DESTERRO

Com a retirada das forças revolucionárias para sul, o mês de abril do ano de 1894 seria marcado pelo início de uma profunda conversão política em Desterro. Floriano Peixoto 23 Aquidabã foi um dos principais encouraçados da Marinha do Brasil no fim do século XIX.

(29)

intensifica esforços para atacar os estados do Paraná e Santa Catarina e restaurar a legalidade naquela região. Para tanto, mobiliza parte dos navios de guerra da Marinha que se encontravam na região norte e adquire embarcações dos Estados Unidos da América.

Com esses navios foi possível tomar Paranaguá e entrar pelo interior do estado do Paraná, ocupando Curitiba, além de avançar para o sul e bombardear o ―República‖ em águas catarinenses. Assim foram afugentados os poucos revolucionários que ainda se encontravam em Desterro, principalmente os membros do Governo Provisório. (CORRÊA, 1990, p.142)

No dia 16 de abril uma esquadra legalista tomou Desterro e dois dias depois as forças representantes do governo central assumiram o governo provisoriamente por meio da indicação de Aristides Villas Boas24. As ações tomadas pelo governo provisório legalista visaram desconstruir políticas e estruturas criadas pelos federalistas, tais como a anulação das ações tomadas pelo governo do estado entre fevereiro e abril, dissolução da Assembleia Legislativa de Santa Catarina e do Supremo Tribunal Federal, estrutura do poder judiciário, criada pelo governo provisório de Frederico de Lorena.

Poucos dias depois, o Cruzador ―Ibaipe‖ chega a Desterro trazendo consigo o Coronel Antônio Moreira César25 e 500 praças do 7º e 23º Batalhão de Infantaria do Exército. Em 22 de abril, Moreira César assume o governo do estado de Santa Catarina, a sua gestão vai se estender até 28 de setembro daquele ano. Entre as suas ações enquanto governador do estado, a característica mais marcante certamente foi o encalço implacável aos federalistas que ficaram em Desterro, a imposição da legalidade florianista veio por meio de um violento e vingativo processo de perseguição política que atingiu em cheio a elite oposicionista ao governo central.

Insuflado por espíritos perversos da Capital e do Rio, Moreira Cezar instalou o terror em Santa Catharina. Fez prender e recolher à fortaleza de Santa Cruz os apontados como inimigos da legalidade, até mesmo os que não haviam participado da revolução. As denúncias, as delações se succediam com frequência e Santa Catharina conheceu as páginas mais negras de sua história. As fortalezas se congestionaram de prisioneiros, uns que não puderam exilar ou esconder à fúria sanguinária dos vencedores, outros que se não haviam por culpados e ainda outros que, tendo buscado refúgio no interior da ilha, nas casas de amigos ou nos mattos, foram denunciados pela

24 Tenente do exército brasileiro, Aristides Villas Boas foi indicado pelo Almirante Jerônimo Francisco Gonçalves (responsável militar pela tomada de Desterro) ao cargo de governador provisório do estado de Santa Catarina.

25 Antônio Moreira César foi Coronel do Exército Brasileiro. Defensor ferrenho do regime florianista, seu nome esteve envolvido em diversas operações e intervenções militares no início do período republicano no Brasil.

(30)

perversidade dos adversários, no seu incontido e desumano ódio partidário. Casas foram varejadas pela soldadesca em fúria; famílias, desrespeitadas. (CABRAL, 1937, p.338-339)

O número de mortos nesse processo é ainda objeto de discussão historiográfica. Boiteux descreveu uma listagem com 42 nomes daqueles que foram presos e mortos na fortaleza de Santa Cruz na Ilha de Anhatomirim (1912, p.421), Duarte Schutel aponta em seus escritos 34 mortos (2002, p.120-122), já Cabral nomeia 185 cidadãos desterrenses que foram presos e não mais voltaram ao seio de suas famílias (1937, p.341-342).

Grande parte da discussão em torno das execuções ocorridas em meados de 1894 em Desterro se dá pelo fato de que muitos federalistas que estavam presentes nas listagens de mortos foram processados no ano seguinte às execuções por crimes cometidos durante os governos revolucionários.

Segundo denúncia do Procurador da República José Joaquim de Moraes Sarmento, ao Juiz Federal de Santa Catarina, de 21 de fevereiro de 1895, que relaciona sessenta e cinco nomes incursos no Art. 11, § 4 do Código Penal, são citados os nomes de Elesbão Pinto da Luz, Francisco Vieira Caldas e Caetano Nicolau de Moura. Quase todos compareceram a audiência perante o Juiz, e os que não foram era porque estavam no exterior. Mas todos eram vivos, em março de 1895, segundo o noticiário do jornal ―República‖. (CORRÊA, 1990, p.146)26

Os relatos de que pessoas supostamente executadas pela repressão imposta por Moreira César, estavam na verdade vivas, correram as páginas dos jornais, principalmente os veículos que apoiavam o PRC, era uma forma de minimizar o terror provocado por tamanha violência exercida sobre a população de Desterro. Todavia, essa narrativa ganhava lastro robusto com notícias que narravam o desenrolar da revolução que ainda estava presente no interior do estado:

Por telegramma de Florianopolis, Santa Catharina, sabe-se que uma força de cavalaria do governo bateu um grupo de revoltosos na margem esquerda do Rio Negro, ferindo oito homens e tomando 40 cavallos, armamento e munição. Mais tarde o grupo restante foi batido em Coritybanos, morrendo a maior parte. Segundo cartas e documentos officiaes recebidos pelo comandante do districto, foram mortos o engenheiro francez Buette e o negociante Caetano de Moura, além de outros, fugindo o ex-1º tenente

26

Nesta passagem, Corrêa cita o artigo 11 do código penal de 1890, todavia neste artigo não se encontra elementos de constituição criminal, nem parágrafos conforme também exposto. Todavia, o artigo 111 se encaixa no contexto ao qual a narrativa do autor está inserida.

(31)

Monteiro de Barros, o tenente da artilharia Nepomuceno Costa, Alfredo Gama, o médico Paula Freitas e o poeta Guimarães Passos.27

Neste relato de 24 de novembro de 1894 há a descrição de uma operação militar que desbaratou um grupo de combatentes que resistia ao fim da revolução em Santa Catarina e entre os nomes citados, há pelo menos quatro que estavam presentes em todas as listagens dos executados meses antes na Ilha de Anhatomirim, sendo estes: o engenheiro Buette de nacionalidade francesa, Major e médico Paula Freitas, Guimarães Passos e Caetano de Moura.

Este último, Caetano Nicolau de Moura surge ainda, meses antes, no dia 07 de setembro, num telegrama enviado por sua esposa ao próprio Floriano Peixoto, lhe suplicando a liberdade do marido:

Em nome da data de hoje representativa da independência da nossa Patria, peço-vos a liberdade de meu marido, Caetano Nicolau de Moura, contra quem não deve haver um único documento verdadeiro na questão da revolta contra vos. Não sou só quem ouso dirigir este pedido: são também inocentes filhinhos dele e meus, banhados em lágrimas diariamente, chorando a sua ausência ignorando seu paradeiro. Vos, que sois justo, e magnânimo, clemente, vos campadecereis das angustias que sofremos e estou certa, attendereis meus rogos. (MOURA, 1894)

No telegrama enviado a Floriano Peixoto há elementos que corroboram para uma percepção de imprecisão quanto às listagens de mortos em Anhatomirim. De todo modo demonstra também sua autenticidade, pois revela o registro de desparecimento do sujeito. Para sua esposa esse desaparecimento seria fruto de prisão arbitrária, porém poderia ser aos olhos da comunidade, um atestado de óbito diante do terror impresso sobre a população de Desterro.

A responsabilidade pela violência política exercida pelo Estado nesse processo também é matéria de divergências na historiografia. Cabral (1937, p.343) apresenta um documento que dispõe sobre um telegrama enviado por Moreira César a Floriano Peixoto em 08 de maio de 1894 que não deixa dúvidas sobre a responsabilidade do presidente da república nesse processo. Todavia, Pereira (1976, p.101-109) apresenta argumentos que contestam a autenticidade do documento que Cabral utilizara para responsabilizar diretamente Floriano pelos fuzilamentos na fortaleza de Santa Cruz28. Há muita discussão entre os

27 A NOTÍCIA, Rio de Janeiro, 24 e 25 de novembro de 1894, p.2. 28

Carlos da Costa Pereira apresenta em sua obra ―A Revolução Federalista de 1893 em Santa Catarina‖, uma discussão sobre o documento exposto por Oswaldo Rodrigues Cabral. Nessa discussão, Pereira traz argumentos que questionam a autenticidade do telegrama apontado por Cabral como prova de responsabilidade de Floriano

(32)

pesquisadores com relação ao tema. De todo modo, devemos destacar que autores ligados ao IHGSC vêm, ao longo do tempo, se posicionando majoritariamente ao lado de Pereira eximindo Floriano de qualquer responsabilidade. Apesar desse intenso debate, o fato é que Floriano Peixoto, enquanto presidente da república enviou um interventor militar à Desterro e seu subordinado promoveu uma implacável perseguição aos opositores políticos de seu governo. Dessa maneira, inevitavelmente o ônus dos crimes políticos cometidos naquele período está atrelado a sua gestão.

Esse processo impactou profundamente Desterro, primeiro por atingir parte de uma elite historicamente abastada29 e também por se tratar, naquele momento, de uma cidade de pouco mais de 30.000 habitantes (BRASIL, 2011, p.71), ou seja, todos conheciam as vítimas e as notícias se espalhavam rápido devido ao tamanho da comunidade, ampliando a dimensão daquelas perseguições e execuções.

Restaurada a Constituição Estadual de 1891, o PRC se organizou de modo a voltar ao poder por meio de eleições convocadas por Moreira César. O Partido federalista fora extinto, portanto não participando do pleito. O caminho estava livre para ascensão de lideranças republicanas emergentes como Hercílio Luz30, eleito e empossado presidente do estado de Santa Catarina em 28 de setembro de 1894. Em um de seus primeiros atos como governante de Santa Catarina, sancionou a Lei nº111 de 1º de outubro de 1894, que modificava o nome da capital catarinense, Desterro se tornava Florianópolis, a cidade de Floriano. (CÔRREA, 1990, p.147-148; NECKEL, 2003, p.35; MEIRINHO, 1982, p.74-77).

Peixoto na perseguição política imposta por Moreira Cesar em meados de 1894. O autor traz as discussões promovidas pelos deputados em torno da apresentação desse documento na Câmara. Pereira assume a defesa de Floriano tal qual sua base legislativa à época e afirma que o documento em questão seria apócrifo, ou seja, de origem suspeita ou duvidosa. Ver PEREIRA, Carlos da Costa. A revolução federalista de 1893 em Santa Catarina. Florianópolis: Governo do Estado de Santa Catarina, 1976. p.101-109.

29

Essa elite abastada era composta pelas antigas lideranças políticas liberais e conservadoras, que se viram escanteadas dos espaços públicos (cargos) com a mudança do regime. Dessa forma, algumas das implicações desse processo foram os choques de interesses de cada grupo e a dinâmica da mobilidade social que caracterizou aquela conjuntura. Segundo Pedro (1994), ―(...) tais cargos devem ter representado não somente influência política, como alternativa de manutenção de rendas familiares; daí, talvez, a razão para, no final do século, acontecer esta acirrada disputa que se expressou em cisões de grupos, como os ex-conservadores e ex-liberais que formaram o ―Partido União Federalista‖, e os republicanos do ―Partido Republicano Catarinense‖.‖ (p.63) 30

Hercílio Pedro da Luz foi engenheiro e político. Atuou como funcionário público de alto escalão em diversos municípios de Santa Catarina e teve relevante papel na reação republicana à Revolução Federalista de 1893 no Estado. Governou Santa Catarina em períodos intermitentes de 1894 a 1924 quando faleceu.

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