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Penas restritivas de direitos: alternativa de punição justa: uma análise dos fins das penas restritivas de direitos à luz da teoria dialética unificadora de claus roxin

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PÚBLICO MESTRADO

SHEILLA MARIA DA GRAÇA COITINHO DAS NEVES

PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS -

ALTERNATIVA DE

PUNIÇÃO JUSTA: UMA ANÁLISE DOS FINS DAS PENAS

RESTRITIVAS DE DIREITOS À LUZ DA TEORIA DIALÉTICA

UNIFICADORA DE CLAUS ROXIN

Salvador

Agosto 2007

(2)

SHEILLA MARIA DA GRAÇA COITINHO DAS NEVES

PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS -

ALTERNATIVA DE

PUNIÇÃO JUSTA: UMA ANÁLISE DOS FINS DAS PENAS

RESTRITIVAS DE DIREITOS À LUZ DA TEORIA DIALÉTICA

UNIFICADORA DE CLAUS ROXIN

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-graduação em Direito, Faculdade de Direito,

Universidade Federal da Bahia, como requisito

parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Auxiliadora

Minahim

Salvador

2007

(3)

TERMO DE APROVAÇÃO

SHEILLA MARIA DA GRAÇA COITINHO DAS NEVES

PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS -

ALTERNATIVA DE

PUNIÇÃO JUSTA: UMA ANÁLISE DOS FINS DAS PENAS

RESTRITIVAS DE DIREITOS À LUZ DA TEORIA DIALÉTICA

UNIFICADORA DE CLAUS ROXIN

Dissertação julgada aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de

Mestre em Direito,

Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora:

Maria Auxiliadora Minahim _________________________________________

Doutora em Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Doutora de Direito, Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Alessandra Mascarenhas Prado_______________________________________

Doutora em Direito Penal, Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC)

Cláudio Alberto Gabriel Guimarães ___________________________________

Doutor em Direito Penal pela Universidade Federal de Pernambuco

Doutor em Criminologia pela Universidade Federal de Santa Catarina

(4)

A

André, Daniel e Thereza Cristina, filhos queridos, por terem me transformado em uma pessoa mais justa e humana.

(5)

AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter-me permitido a realização da pesquisa.

À Maria Auxiliadora Minahim, orientadora sábia e dedicada, pela forma profunda e humana de ministrar o conhecimento.

A Luiz Carlos, meu esposo, pela paciência, companheirismo e apoio fundamental na infra-estrutura familiar e doméstica.

À Leda Terezinha, minha mãe, por ter me ensinado a importância da aquisição do saber. À Andréia Cristina, minha irmã, pelo auxílio, esforço e incansável dedicação dispensados. À Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto, Procurador Geral de Justiça do Estado da Bahia, Hermenegildo Virgílio de Queiroz, Procurador Geral de Justiça Adjunto, Washington Araújo Carijé, Corregedor Geral do Ministério Público da Bahia, José Gomes Brito, Ouvidor Geral do Ministério Público da Bahia, Elna Leite Ávila Rosa, José Cupertino Aguiar Cunha, Leonor Salgado Atanázio, Miria Valença Gois, Oseneide de Calazans Barbosa, Regina Helena Ramos Reis, Rita Maria Silva Rodrigues e Vera Lúcia de Azeredo Coutinho, Procuradores de Justiça integrantes do Conselho Superior do Ministério Público - Gestão 2004-2006, pelo apoio à minha qualificação profissional, autorizando o afastamento parcial de minhas atividades para a conclusão do curso de Mestrado.

A Rômulo de Andrade Moreira, colega do Ministério Público, pelo grande estímulo e suporte bibliográfico.

À Nágila Maria Sales Brito, colega do Ministério Público, pelos úteis conselhos e ensinamentos na Metodologia da Pesquisa Científica.

À equipe de bibliotecárias do Ministério Público da Bahia, pela valiosa colaboração na pesquisa realizada.

A Leandro Fon Simões, assessor do Ministério Público, pelo acúmulo de tarefas resultante das horas em que me dediquei aos estudos.

A João Carlos Rodrigues Silva Filho, através de quem foi possível a realização das entrevistas.

Ao corpo técnico de funcionários da Central de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas da Bahia: Andréa de Araújo, assistente social, Maria Célia Vaz, psicóloga, e Fernanda Pontual, bacharela em Direito, pelas ricas e ilustradas entrevistas concedidas.

Aos magistrados Jefferson Alves de Assis, Jaqueline de Andrade Campos Reges, Cássio Miranda; ao advogado Sebastian Borges de Albuquerque Mello; e aos colegas do Ministério Público Vera Lúcia de Azeredo Coutinho, Arx Tadeu e Maria Luiza Pamponet, pela confiança em prestarem seus sábios depoimentos.

(6)

“O fim das penas não é outro senão impedir o réu de causar novos danos a seus cidadãos e de demovê-lo de praticar outros iguais. As penas, portanto, e

o método de infligi-las devem ser escolhidos de modo que, guardando as proporções, causem a impressão mais eficaz e duradoura nos homens, e a

menos penosa no corpo do réu.” Cesare Beccaria. Dos delitos e das Penas.

(7)

RESUMO

A pena pública vem registrando, ao longo dos séculos, sensível mudança em sua finalidade e execução. Sanções cruéis foram aplicadas, durante grandes períodos, na história da humanidade, tais como as mutilações, açoites, ferrete, galés e outras dessa natureza, até se chegar à pena privativa da liberdade, a qual se mostrou inapta à ressocialização dos condenados. Congressos internacionais são realizados com a finalidade de buscar uma forma mais humana de repressão estatal, nos quais começam a ser delineadas mudanças nas regras punitivas, através de alternativas ao regime prisional. Surgem, em diversos países, penas alternativas à prisão, e, no Brasil, a Lei 7 209/84 reformou a Parte Geral do Código Penal em que estão editadas a prestação de serviço à comunidade, a interdição temporária de direito e a limitação de fim de semana. A Lei 9 714/98 estabeleceu a prestação pecuniária e a perda de bens e valores. Surgem outras penas restritivas de direitos, através de leis especiais, o que demonstra a aceitação no sistema penal brasileiro das penas alternativas. Passa-se, então, a questionar sobre a existência de certo exagero do legislador na edição dessas leis, levantando-se a levantando-seguinte problemática: as penas restritivas de direitos são uma proposta adequada para a punição de pequeno e médio potencial ofensivo? São elas eficazes no sentido da realização dos fins retributivos, preventivos gerais e especiais da pena? A hipótese que restou comprovada é a de as penas restritivas de direitos são adequadas para a punição de infratores de pequeno e médio potencial ofensivo, a depender das condições subjetivas, pois possuem plena eficácia, ao realizar os fins gerais e especiais da pena, mas dependem de uma criteriosa aplicação judicial e de uma infra-estrutura de execução. Apurou-se, ainda, que a sistemática de cominação, aplicação e execução das penas restritivas de direitos encontra muitos pontos em comum com a Teoria Dialética Unificadora, de Claus Roxin, tomada, na pesquisa, como marco de justificação do poder do Estado de imposição de penas. Concluiu-se, ao final, que a justa punição em crimes de pequeno e médio potencial ofensivo se faz com sanções restritivas de direitos, e ficou reservada a prisão para autores de crimes graves, agentes perigosos e/ou habituais, enquanto outras sanções eficazes não surgirem no contexto punitivo.

(8)

ABSTRACT

Along the centuries, public penalty has been going through significant change in its purpose and execution. During large periods in the history of mankind, cruel sanctions were applied, such as mutilations, flogging, branding irons, forced labor at galleys and other ones of the same nature until getting to the freedom-taking penalty, which showed not to be suitable to the resocialization of the ones who were convicted. International congresses are held with the intention of searching for a more humane way of repression by the state and by means of these congresses changes start to arise in punishing rules, through alternatives to the prison disciplinary rules. In several countries, penalties that are alternative to prison arise and, in Brazil, Law 7 209/84 reformed the General Part of the Penal Code, in which community service rendering, temporary interdiction of rights and weekend limitation are foreseen. Law 9 714/98 established the pecuniary provision and the loss of assets and values. Other penalties restricting rights arise by means of special laws, which demonstrate their acceptance in the Brazilian penal system of alternative penalties. We start then questioning the existence of certain exaggeration of the legislator when issuing these laws and the following problem is brought up: are the penalties that restrict rights an adequate proposal for the small and medium offensive potential punishment? Are they efficient in the sense of the accomplishment of the retribution, general preventive and special purposes of the penalty? The hypothesis proven is that the penalties that restrict rights are adequate to punish transgressors of small and medium offensive potential, depending on the subjective conditions, since they have total efficacy, when accomplishing the general and special purposes of the penalty, but they depend on clear-sighted judicial application and execution infrastructure. It was also found that the system applied in the decision, application and execution of penalties that restrict rights has many points in common with the Unifying Dialectical Theory, by Claus Roxin, which was taken in research as sign of justifying the State power to impose penalties. In the end, the conclusion was that the just punishment related to crimes of small and medium offensive potential is applied by means of sanctions that restrict rights, and prison was reserved for the authors of grave crimes, for dangerous and / or usual agents, while other efficient sanctions do not arise in the punishing context.

(9)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Número de Processos novos recebidos por ano – período:

2001 a 2005 (1.semestre)

189

Figura 2 Casos acompanhados pela Equipe Psicossocial

189

Figura 3 Atendimentos efetuados pela Equipe Psicossocial por mês

190

Figura 4 Número de Processos por tipo de Pena Recebidos no 1º

Semestre

191

Figura 5 Tipo de Pena

192

Figura 6 Sexo Feminino e Masculino

207

Figura 7 Escolaridade

208

Figura 8 Faixa Etária

208

Figura 9 Tipos de crime

209

Figura 10 Percentual de penas aplicadas

210

(10)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Medidas restritivas de direitos aplicadas no RJ 185

Tabela 2 Penas restritivas de direitos aplicadas no RJ 186

Tabela 3 Serviços realizados com penas e medidas alternativas no RJ 187

Tabela 4 Serviços de execução de penas e medidas alternativas no Brasil 194

Tabela 5 Resultados da prestação de serviços à comunidade em Salvador 206

Tabela 6 Resultados da prestação pecuniária em Salvador 206

Tabela 7 Penas alternativas aplicadas ou propostas em Salvador 210

Tabela 8 Interdições temporárias de direitos aplicadas ou propostas em

(11)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AJURIS Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul

CEAPA Central de Penas e Medidas Alternativas

CEAPA/BA Central de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas

Alternativas da Bahia

CGPMA Coordenação Geral do Programa de Fomento às Penas e

Medidas Alternativas

CENAPA Central Nacional de Apoio e Acompanhamento às Penas e

Medidas Alternativas

CAOPEPMA Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Execução

Penal e Medidas Alternativas do Ministério Público do Estado

Do Paraná

CEPA Central de Execução das Penas Alternativas da Comarca de

Curitiba

CEPMA Central de Penas e Medidas Alternativas

CONAPA Comissão Nacional do Programa de Penas e Medidas

Alternativas

DEPEN Departamento Penitenciário Nacional

FDE Fundação para o Desenvolvimento para a Educação

NOAD Núcleo de Orientação e Atendimento a Dependentes Químicos

Unafri Instituto das Nações Unidas Africanas para a Prevenção do

Crime e Tratamento do Delinqüente

SEBES Secretaria do Bem-Estar Social do Município de São Paulo

UNIFACS Universidade Salvador

VEPA Vara de Execuções de Penas Alternativas

(12)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 13

2 ORIGENS E FINS DA PENA 18

2.1 BREVES DADOS HISTÓRICOS SOBRE A ORIGEM E A EVOLUÇÃO DA PENA

18

2.2 OS FINS DA PENA: TEORIAS DESLEGITIMADORAS 35

2.3 TEORIAS LEGITIMADORAS 43

2.3.1 Teorias Absolutas ou Retributivas 43

2.3.2 Teorias Relativas ou Utilitárias 47

2.3.2.1 Teoria da Prevenção Geral Negativa 49

2.3.2.2 Teoria da Prevenção Geral Positiva 52

2.3.2.3 Teoria da Prevenção Especial 55

2.3.3 Teorias Ecléticas ou Mistas 59

2.3.3.1 Teoria Dialética Unificadora 61

3 O SURGIMENTO DE UMA FORMA ALTERNATIVA DE PUNIÇÃO 70

3.1 DECLÍNIO DA PENA DE PRISÃO PARA OS CRIMES MENORES 70

3.2 ORIGEM DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS NO PANORAMA LEGISLATIVO INTERNACIONAL

77

3.3 UMA ANÁLISE DO SISTEMA ALTERNATIVO À PENA DE PRISÃO NA LEGISLAÇÃO DE OUTROS ESTADOS

86

4 A RESPOSTA PENAL ADEQUADA AOS CRIMES DE PEQUENO E MÉDIO POTENCIAL OFENSIVO

102

4.1 AS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS ESTABELECIDAS NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA: COMINAÇÃO, APLICAÇÃO E EXECUÇÃO. UMA ANÁLISE DE SUA ADEQUAÇÃO E EFICÁCIA

4.1.1 Surgimento e expansão das penas restritivas de direitos

4.1.2 Sistemática de cominação, aplicação e execução das penas restritivas de direitos

4.1.3 As penas restritivas de direitos e os princípios constitucionais 4.1.4 Penas restritivas de direitos: menos dispendiosas e mais humanas

102

102 105 110 114

(13)

4.1.5 As penas restritivas de direitos e o movimento de repressão legal 4.1.6 As penas restritivas de direitos e sua eficácia

116 123

4.2 AS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS EM ESPÉCIE 125

4.2.1 A prestação pecuniária 125

4.2.2 A perda de bens e valores 136

4.2.3 A prestação de serviços à comunidade 142

4.2.4 A interdição temporária de direitos 147

4.2.4.1 Proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública bem como de mandato eletivo

151

4.2.4.2 Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial

157

4.2.4.3 Suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo 160

4.2.4.4 Proibição de freqüentar determinados lugares 164

4.2.5 Limitação de fim de semana 166

4.2.6 Outras penas restritivas de direitos estabelecidas em leis especiais 171 4.3 BREVE CONCLUSÃO SOBRE A ADEQUAÇÃO E A EFICÁCIA DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS

175

5 A MECÂNICA DE CUMPRIMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS

5.1 O MONITORAMENTO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS NO BRASIL

5.2 O MONITORAMENTO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS NA BAHIA

5.3 A EXECUÇÃO DAS MEDIDAS RESTRITIVAS DE DIREITOS ESTABELECIDAS NA TRANSAÇÃO PENAL: UM PROBLEMA

6 A TEORIA DIALÉTICA UNIFICADORA E O SISTEMA BRASILEIRO DE COMINAÇÃO, APLICAÇÃO E EXECUÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS: A BUSCA DA JUSTIÇA PUNITIVA

7 CONCLUSÃO REFERÊNCIAS APÊNDICES 180 180 200 213 228 252 263 276

(14)

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho versa sobre o tema “As penas restritivas de direitos no ordenamento jurídico brasileiro: alternativa de punição justa à luz da Teoria Dialética Unificadora, de Claus Roxin”.

As penas restritivas de direitos constituem assunto atual e um dos mais polêmicos na área do Direito Penal contemporâneo, tendo sido inseridas no Código Penal pátrio, através da Reforma Penal (Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984) eaperfeiçoadas pela Lei n. 9.714, de 25 de novembro de 1998.

A sociedade espera, apesar de algumas teorias pensarem em sentido contrário, a efetiva punição de quaisquer agentes que cometem crimes e, numa concepção restrita do que se conceitua “punir”, exige, em grande escala, a aplicação de uma pena privativa de liberdade. Porém, o organismo estatal vem observando que a sanção segregativa, aplicada ao indivíduo que pratica delitos menores, cria sérios obstáculos à sua ressocialização, além de ferir direitos fundamentais do cidadão.

O Código Penal de 1940 não contemplava penas restritivas de direitos; estabelecia, entrementes, a pena de multa; e, considerando-se que esta, naquele estatuto de lei, quando fixada alternativamente à privativa de liberdade, em alguns tipos, cominada em “cruzeiros”, não acarretava a punição desejada, em face das constantes desvalorizações da moeda. Verificava-se, em diversas ocasiões, a culminação de processos cujo resultado era a condenação de agentes que praticavam crimes pouco gravosos a penas privativas de liberdade.

Com a reforma de 1984, timidamente, o legislador inseriu no ordenamento jurídico brasileiro as penas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana), em substituição às penas privativas de liberdade inferiores a um ano, nos crimes dolosos, ou sem limite quantitativo de pena, nos crimes culposos, obedecendo-se aos critérios de ausência de reincidência e de requisitos subjetivos favoráveis ao condenado, ou seja, a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade, bem como os motivos e as circunstâncias indicassem que a substituição seria suficiente.

A Lei nº 9.714/98 acrescentou outras penas restritivas de direitos: a prestação pecuniária e a perda de bens e valores, possibilitando a substituição da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, em crimes dolosos, delitos esses cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, ou em qualquer quantidade de pena, nos crimes culposos. A reincidência exigida, com a nova disposição legal, passou a ser em crime doloso, ou ainda,

(15)

a específica, desde que em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável, devendo considerar-se, também, os aspectos subjetivos do condenado, inseridos no art. 44, inciso III, do Código Penal.

Surgem, ainda, outras penas restritivas de direitos, através de leis especiais, a exemplo da Lei dos Crimes Ambientais (Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998) e da nova Lei de Tóxicos (Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006), o que demonstra que ocorreu a ampliação do sistema de penas alternativas na legislação pátria.

Assim, houve significativo aumento de abrangência das penas restritivas de direitos em relação a vários tipos penais, evitando o encarceramento de muitos sentenciados que se enquadram nos requisitos estabelecidos no dispositivo de lei supramencionado. Passa-se, então, a questionar sobre a existência de certo exagero do legislador na edição dessas leis, o que sugere a problemática que se levanta na pesquisa: as penas restritivas de direitos são uma proposta adequada para a punição de pequeno e médio potencial ofensivo? São elas eficazes no sentido da realização dos fins retributivos, preventivos gerais e preventivos especiais da pena?

É importante declinar, inicialmente, que as leis supramencionadas são o resultado de uma sensível mudança de paradigma punitivo que vem-se processando ao longo dos séculos, pois a pena pública está perdendo, gradativamente, o seu caráter expiatório, e transformando-se em sanção menos aflitiva. Muitos paítransformando-ses vêm lançando mão de penas alternativas à prisão, já que esta também se mostrou inapta a promover uma sadia reintegração do infrator à sociedade.

Diante desse contexto, propõe-se, neste trabalho que, uma vez atendidos os requisitos legais, as penas restritivas de direitos são, no atual contexto, as mais adequadas para proporcionar uma oportunidade de mudança de comportamento no sentenciado, além de se constituir-se num modelo que respeita os direitos fundamentais do cidadão, e de cumprir a função de reprovação do crime, ao realizar os fins gerais e especiais da pena.

Desperta-se, dessa forma, o completo reconhecimento da necessidade de aplicação criteriosa das penas restritivas de direitos, pelos magistrados. Deve-se levar em conta, não somente os pressupostos objetivos, estabelecidos no art. 44, do Código Penal, mas, sobretudo, as condições subjetivas do agente, que também se encontram reguladas no inciso III, do mesmo dispositivo legal, e a adequação ao caso concreto, devendo ficar evidenciado, assim, não se constituir em única solução de punibilidade legítima do organismo estatal brasileiro.

Nesse lanço, para justificar a legitimidade de aplicação das penas restritivas de direitos, pelo ordenamento jurídico brasileiro, e de sua amplitude de aplicação, pela Justiça

(16)

Criminal, nos casos previstos em lei, fez-se indispensável a busca de um embasamento teórico que encontrasse sustentáculo nas teorias que se dedicam ao estudo dos fins da pena.

Dentre elas, afirmou-se, na investigação, que a “Dialética Unificadora”, de Claus Roxin1, é a teoria que melhor se aproxima dos fundamentos da sistemática adotada na legislação brasileira no que tange à legitimidade, adequação e eficácia das penas restritivas de direitos. Isto porque sustenta a admissão de um Direito Penal mínimo, realmente necessário no controle racional da criminalidade e que se faz necessário somente quando for indispensável para a ordenação da vida em comum, procedendo, além da seleção de condutas típicas, numa esfera subsidiária, também à seleção de sanções, que deverão ser mais suaves para condutas de menor ofensividade.

Ademais, trata-se de teoria que somente admite a legitimidade do Estado para aplicar uma pena quando esta é o resultado da medida de culpabilidade do agente, adicionada de um plus, a saber, quando a sanção for necessária para a prevenção geral e especial. Trata-se de um fator de política-criminal que se agrega à culpabilidade do infrator com o escopo de justificar o direito de punir, momento em que considera plausível a possibilidade de se restaurar a paz pública com sanções menos graves.2

Para tanto, a investigação analisou a Teoria Dialética Unificadora, de Claus Roxin, em confronto com o ordenamento jurídico brasileiro, no que tange à legislação infraconstitucional pertinente às penas restritivas de direitos. A pesquisa também examinou as três fases da pena (cominação, aplicação e execução), apontando, em cada uma delas, os fins da prevenção geral (intimidação dos membros da sociedade) e especial (ressocialização do sentenciado), apresentando razões pelas quais as penas restritivas de direitos, desde que aplicadas adequadamente ao caso concreto, devem ser utilizadas pelos magistrados.

O estudo objetivou, ainda, pesquisar a forma como vem sendo feita a execução das penas restritivas de direitos, além dos motivos que vêm obstando a aplicação ou freqüência de aplicação das penas e medidas3 restritivas de direitos. Procedeu-se também a uma análise comparativa dos custos que norteiam a fiscalização de cumprimento e execução das penas e medidas alternativas em confronto com as penas privativas de liberdade.

Buscou-se, enfim, demonstrar, que a justa sanção, no Direito Penal contemporâneo, constitui-se da equilibrada cominação e criteriosa fixação, além da execução eficiente de

1

ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal. Tradução: Ana Paula dos Santos Luís Natscheradetz. 3.ed. Lisboa: Vega Universidade, 2004, p.43.

2

Ibidem, p.40.

3

A expressão “medidas restritivas de direito” são aqui referidas como aquelas propostas pelo Ministério Público, quando da transação, nos Juizados Especiais Criminais.

(17)

penas restritivas de direitos, nos crimes de pequeno e médio potencial ofensivo, reservando-se a prisão, para os agentes perpetradores de crimes graves e/ou criminosos perigosos ou habituais.

O método aplicado no trabalho em epígrafe foi o analítico. Procedeu-se à comparação entre as penas restritivas de direitos e a privativa de liberdade, ressaltando-se as qualidades positivas e negativas de cada uma delas e refutando-se a segunda como forma de punição justa e adequada em crimes de menor potencialidade lesiva. Para tanto, utilizou-se de consulta a publicações diversas, tais como livros, revistas, sites, artigos, regramentos nacionais e estrangeiros, jurisprudência e outras publicações oficiais.

Além das análises supramencionadas, recorreu-se, também, a dados oriundos de uma pesquisa de campo, coletados a partir de uma amostra intencional, através de entrevistas com alguns Juízes e Promotores Criminais da Comarca de Salvador, Advogados, e funcionários da CEAPA4, sendo que algumas dessas entrevistas se encontram gravadas e transcritas, na íntegra; e outras foram fornecidas por escrito. Essas entrevistas subsidiaram as discussões teóricas desenvolvidas no trabalho.

De posse das informações levantadas, foram realizadas análises dedutivas sobre a eficácia e adequação de cada pena restritiva de direitos, no ordenamento jurídico brasileiro, tendo-se anotado as conclusões em favor do seu uso conforme as limitações estabelecidas em lei.

Com esses instrumentos, procedeu-se, inicialmente, a uma breve pesquisa sobre a origem e os finalidades da pena, sobre o declínio da pena de prisão na história da humanidade e também sobre a origem das penas restritivas de direitos no panorama legislativo internacional. Posteriormente, lançou-se ao estudo a respeito das penas restritivas de direitos estabelecidas na legislação pátria e de seu sistema de cominação, aplicação e execução.

Para isto, tratou-se, no capítulo segundo, item um (01), de importantes dados históricos sobre a origem e a evolução da pena, fazendo-se necessário esse exame para estimular a reflexão no que tange às mudanças de paradigmas punitivos, que se processaram durante todos esses séculos, até a implantação das penas restritivas de direitos, na atualidade. Em continuidade, no item dois (02), fez-se uma análise das teorias legitimimadoras e deslegitiminadoras, o que objetivou fundamentar a opção de legitimação do direito de punir do Estado, que foi adotada na investigação.

4

BAHIA. Central de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas da Bahia. Relatório Geral de Atividades e Resultado CEAPA. Ano 2006.

(18)

Prosseguiu-se, no capítulo terceiro, em seu item um (01), com o exame do declínio da pena de prisão para os crimes menores, com o escopo de verificar, tanto no contexto nacional, como internacional, os defeitos dessa sanção para que não permaneça sendo utilizada nos crimes de pequeno e médio potencial ofensivo, onde se sustenta bastarem as penas alternativas. O item dois (02) dedicou-se ao estudo da origem das penas restritivas de direitos que se delinearam no panorama legislativo internacional, apurando-se o efetivo surgimento dessas sanções, em nível mundial, ao responder à crise da pena privativa de liberdade que se mostrava impotente para solucionar os problemas resultantes da criminalidade de pequeno e médio potencial ofensivo. Já o item três (03) procede a uma análise do sistema alternativo à pena de prisão na legislação de outros Estados, constatando-se que vários países já vêm adotando a sanção alternativa em suas legislações, o que milita em favor da adequação dessas penas no Direito Penal.

No capítulo quarto, tratou-se da resposta penal adequada aos crimes de pequeno e médio potencial ofensivo, investigando-se, no item um (01) se as penas restritivas de direitos que se encontram estabelecidas na legislação infra-constitucional obedecem a um sistema de cominação, aplicação e execução adequado ao texto constitucional e aos seus princípios basilares, e também legítimo frente ao Estado de Direito que se encontra assentado nos direitos fundamentais do cidadão. E no item dois (02), procedeu-se à análise das penas restritivas de direitos em espécie, examinado-se cada uma, em separado, para perquirir se atingem os fins da prevenção geral, especial, além da retribuição justa, na medida da culpabilidade do agente, anotando-se também as hipóteses em que se fazem adequadas.

A mecânica de cumprimento e fiscalização das penas restritivas de direitos foi examinada no capítulo quinto, onde se analisou como está sendo feito este monitoramento no Brasil (item 1) e na Bahia (item 2). O item três (03) ficou reservado ao estudo dos problemas causados por uma lacuna na Lei 9099/95, que deixou de consignar uma solução para os casos de descumprimento injustificado da sentença homologatória de transação, fato que pode repercutir na ineficácia das penas (medidas) restritivas de direitos transacionadas.

O capítulo sexto se dedicou ao exame comparativo entre a sistemática de cominação, aplicação e execução das penas restritivas de direitos que se encontram estabelecidas na legislação pátria e a Teoria Dialética Unificadora, de Claus Roxin.

Nesse passo, lança-se, nas próximas linhas, o resultado de uma investigação que objetivou apurar a legitimidade, a adequação e a eficácia das penas restritivas de direitos, que emergiram através do novo paradigma punitivo, cujas conclusões, que explicitam reflexões significativas a respeito do tema, são reveladas no presente trabalho.

(19)

2 ORIGENS E FINS DA PENA

2.1 BREVES DADOS HISTÓRICOS SOBRE A ORIGEM E A EVOLUÇÃO DA PENA

A compreensão da importância que hoje se reconhece às penas restritivas de direitos recomenda uma análise sobre a sanção criminal ao longo da história da humanidade. Trata-se de uma longa caminhada desde a imposição de penas extremamente cruéis até as sanções que possam impingir menos sofrimento ao homem.

No que tange à sua origem, pode-se afirmar que a pena nasceu em tempos remotos, mas é muito difícil estabelecer seu marco inicial.5 Sabe-se, entretanto, que as bases da pena pública estão na própria evolução política da sociedade e no reconhecimento da autoridade de um chefe a quem era deferido o poder de castigar em nome dos súditos.

Para Carrara, “procurar a origem da pena é fórmula escolástica, mas vazia de sentido, quando se considera a pena de um ponto de vista abstrato e especulativo”. Aqui o penalista italiano faz uma analogia da procura da “origem da pena” com a procura da “origem da vida no homem”, afirmando que é exatamente “como se o homem, conservando sua natureza, pudesse ter existido um instante sem possuir vida”.6

Ao fundamentar seu posicionamento, afirma:

Em toda a parte em que viveram homens existiram ofensas recíprocas, pelo impulso das paixões egoísticas, e o direito foi violado; onde quer que tenha havido violação do direito, imediatamente existiu o desejo de repressão, ao qual se seguiu (em sendo possível a repressão). É vaidade procurar em um ser qualquer, com a fórmula origem, a gênese de uma condição de fato, que foi congênita e inerente ao mesmo ser.7

Da leitura atenta de suas considerações a respeito da origem da pena, verifica-se que o magistério de Carrara continua atual, pois a sanção pelo ato desconforme às condutas reiteradas e aceitas pelo senso comum numa sociedade nasceu, sem qualquer sombra de dúvida, com o próprio homem e sua vida em comunidade. Destarte, tentar-se-á imprimir aqui um rápido esboço da existência da pena ao longo da evolução histórica da humanidade, com o

5

“A história da pena revela que a sua existência foi modelada por totens e tabus que lhe imprimiam contornos místicos enquanto os diversos castigos corporais até a morte traduziam as expressões cruentas da defesa e da vingança. O infrator também poderia ser condenado à perda da paz que se caracterizava pela expulsão do clã e a impossibilidade de sobrevivência diante das forças hostis da natureza, da agressão dos animais ou da dificuldade na colheita de alimentos”. (DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. São Paulo: RT, 1998, p. 31).

6

CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal: Parte Geral. Tradução Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: São Paulo, 2002, v.2, p. 13-14.

7

(20)

efetivo escopo, sem fugir do tema que aqui se propõe: compreender-se a vultosa importância das penas alternativas à prisão, na era contemporânea.

Sem dúvida, a história das penas é o registro vivo de uma longa e contínua caminhada, desde a imposição de sanções severas e impiedosas, até aquelas que impingem menos sofrimento ao homem.

Miguel Reale Júnior afirma, com acerto, que a “história do Direito Penal é a história de um longo processo de humanização da repressão”.8

Assevera Franz von Liszt que a história do desenvolvimento da pena apresenta, entre os povos, traços muito comuns. Esse fato demonstra que, em toda a parte, a pena seguirá em sua evolução de modo a esperar-se, no futuro, uma reforma eficaz da legislação penal. Este que será o guia e conselheiro de uma Política Criminal com consciência de seu fim e que saiba, ao mesmo tempo, prender-se de forma prudente e avisada ao passado.9

Tal assertiva de Liszt nada mais é do que a constatação de que o homem não pode prender-se, em definitivo, às formas positivadas em tempo pretérito para solucionar as pendências sociais, devendo, para tanto, buscar o aperfeiçoamento do sistema punitivo. Desta feita, não se deve deixar dominar puramente pela razão tecno-instrumental, o que pode repercutir na perda da referência do ser humano com o seu sujeito cognoscente, e propiciar o desprestígio das possibilidades do conhecimento crítico mediante a auto-reflexão.

Na esteira desse raciocínio, expressa-se Habermas, em Conhecimento e Interesse: “Um ato da auto-reflexão que altera a vida é um movimento da emancipação. De modo igual como aqui o interesse da razão não pode corromper a força cognitiva da razão[...]”10

Habermas se contrapõe a essa forma de pensar arraigada na razão instrumental; formula uma teoria do conhecimento que passa a relacionar as ciências da natureza com as ciências humanas. Para ele, também existem muitas transformações no contexto da modernidade e da pós-modernidade que devem levar à reflexão uma nova forma de organização da vida, seja no campo social, cultural, econômico ou político. Portanto, para Habermas, o homem deve ter consciência dessa tendência de instrumentalização da vida e assumir o controle de forma ordenada, inclusive de suas próprias relações com a natureza. Assim, partirá para um “projeto” que deverá ser corrigido e completado na esfera de relações

8

REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal: Parte Geral. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 2 p.3.

9

LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal Alemão. Tradução e comentários de José Higino Duarte Pereira. Campinas: Russel, 2003, v. 2, p.74.

10

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do campo científico com o próprio homem.11

Do enlace do quanto leciona o filósofo alemão, há de se concluir que, na modernidade e pós-modernidade, é preciso que a política criminal exercite novas formas de punição, que podem ser mais adequadas a esses momentos históricos. Assim, passa-se à reflexão no sentido de deixar de tomar como absolutos dogmas do passado para buscar o consenso edificante de um novo paradigma punitivo para as infrações de pequeno e médio potencial ofensivo.

Nesse passo, urge como necessário o exame das penas que foram adotadas desde o início da história da humanidade, com o objetivo de estimular a “reflexão” sobre a mudança de paradigmas punitivos que se processaram durantes esses séculos.

Desde que o Estado passou a monopolizar a administração da pena, as sanções penais mais utilizadas até Idade Moderna podem ser assim enumeradas: a pena de morte (pena capital12), as penas corporais13 (ex: mutilações, acoites, ferrete14), as pecuniárias15, que se dividiam em multa e confisco, além das infamantes16.

Ao estudar-se a história da persecução penal, observa-se, de início, o quase completo desinteresse do Estado em assumir tal múnus. Esta era deixada à iniciativa do ofendido ou de um cidadão qualquer: trata-se da fase da vindita privada, em que as famílias é que detinham o

11

HABERMAS apud MEDEIROS, Arilene Maria Soares de; MARQUES, Maria Auxiliadora de Resende Braga. Habermas e a Teoria do Conhecimento. Disponível em: <http://www.bibli.fae.unicamp.br> .Acesso em: 23 jun. 2007.

12

“Nas leis romanas nem sempre a pena capital exprimia a perda da vida. Esta denominação foi usada também para designar a morte civil (diminutio capitis maxima vel media) não acompanhada de morte natural”. (CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal: Parte Geral. Tradução Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: São Paulo, 2002, v. 2, p.111).

13

Carrara denominou as penas corporais de “aflitivas diretas ou positivas”, que poderiam ser indeléveis ou deléveis. São indeléveis aquelas que deixam sobre o corpo um sinal permanente, como o ferrete e a mutilação, e são indeléveis as que não produzem tal resultado, como a fustigação, as correntes, etc. (Ibidem, p.121-122).

14

Carrara assevera:“Do primeiro pensamento decorreu que o ferrete se impusesse através da impressão indelével de uma letra do alfabeto no corpo do réu, lembrando justamente, pela inicial, o delito cometido, ou a pena sofrida; pelo que Pancirolo (Thesaurus variarum lectionum, cap. 241. Lião, 1617) recorda que os marcados dessa maneira eram chamados homines litterati: e foram também chamados homines stigmatici, daí surgindo a expressão homines integrae frontis, usada por Papiniano para designar o homem isento de qualquer condenação. Henkart, Diss., de stigmate faciei humanaes non inurendo, Leipzig, 1776. Do segundo pensamento derivou que o membro eliminado fosse justamente o que melhor podia servir para o delito. E, nesse sentido, se usou cortar o nariz às adúlteras, a fim de que a deformidade afastasse delas os galantes (Crell, Dissetationes, fasc.2, dissert.6,

cap. 2, p.91. De jure manuun in foro criminali)”. (CARRARA, op.cit., p.125). 15

Carrara define como pena pecuniária toda a diminuição de riqueza dos homens, sancionada pela lei como punição de um delito. Quando a lei exige do delinqüente, como sanção do delito, todo o seu patrimônio, toma a pena o nome de confisco, mas se for apenas uma parte desse patrimônio, esta recebe o nome de ammenda ou multa.Diz não ser possível definir cientificamente os critérios entre a ammenda e a multa, porque a diferença entre esses critérios nasce do direito positivo de vários povos. (CARRARA, op.cit., p. 139).

16

Penas infamantes, no dizer de Carrara, são “aquelas que ferem o delinqüente no patrimônio da honra”. O penalista italiano contesta a existência dessas penas, uma vez que “a natureza mesma do delito ou da punição pode operar o efeito de manchar a fama do réu, como conseqüência espontânea de si própria”. Adverte que se chama pena infamante somente aquela em que a infâmia é irrogada por uma “formal declaração da lei”. A infâmia nascida da lei era expressamente decretada pelo juiz, que o declarava infame. Poderia, ainda, o decreto judicial ser acompanhado de uma manifestação material, como, por exemplo, o pelourinho, a mudança de vestimentas e a equitação sobre asno. (CARRARA, op.cit., p. 136-137).

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dever de vingar com o sangue suas próprias vítimas.

Nas sociedades de estrutura familial, as quais precederam a fundação do Estado (comunidades que têm o sangue por base), encontram-se duas espécies de pena, a saber: a punição do membro da tribo, o qual se fez culpado para com ela ou com seus companheiros; e a punição do estranho que veio de fora invadir o círculo do poder e da vontade da sociedade ou de alguns de seus membros.17

No antigo Direito Germânico, “o crime (Verbrechen) era uma forma de quebrar a paz... ‘um procurar sofrimento (Wehtun)’ ”, afirma Francisco de Assis Toledo, invocando o magistério de Karl von Amira.18 E a palavra latina poena, entre seus inúmeros sentidos, tinha também o significado de “dor”, “sofrimento”, adverte, aduzindo que este significado continua “bem vivo, entre nós, na linguagem literária”, conforme preconiza o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.19

Posteriormente, o Estado passou a agir em lugar do ofendido, entretanto era nítido que, tanto nas formas procedimentais, quanto na qualidade e quantidade de penas eleitas, como pelo modo cruel e bizarro de executá-las, muitas vezes aplicadas a meros suspeitos de um delito, nada guardavam de respeito ao ser humano. A pena passava a ser pública, mas estava impregnada pela vingança, penetrava nos costumes sociais e procurava alcançar a proporcionalidade através das formas do talião e da composição.

No Direito Romano, conferia-se ao paterfamiliae grande parcela da potestade punitiva, especialmente em relação aos escravos, sendo previstas penas de caráter perpétuo com trabalhos forçados, que eram impostas a pessoas de classes inferiores, e que duravam até esgotar a capacidade de trabalho do condenado. 20 Na fase inicial da monarquia, o rei detinha as funções religiosas supremas, sendo que a pena tinha caráter sagrado e era executada por imposição divina. Nesse período, o Direito estava enraizado no costume religioso e a religião encontrava-se estabelecida no culto doméstico da família. Nos crimes públicos (traição ao Estado, homicídio de homens livres, o incêndio, a corrupção de juízes, a sátira injuriosa, as assembléias noturnas e o sortilégio), o Estado atuava como titular do direito de punir,

17 LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal Alemão. Tradução e comentários de José Higino Duarte Pereira.

Campinas: Russel, 2003, v. 1, p. 75.

18

Karl von Amira, Germanishes Recht, apud Iside Mercuri, Introduzione, Códice Penalle della República

Democrática Tedesca, apud TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal: de acordo com

a Lei n. 7.209, de 11-71984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 217.

19

TOLEDO, op. cit., p.217.

20

CRUZ, Rogério Schietti Machado. A punição no Brasil do Século XIX. Processo Penal: pensado e aplicado. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. p. 41.

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prevalecendo quase sempre a pena de morte.21

Já com a República, esse mesmo Estado assumiu o monopólio da justiça punitiva, em Roma, quando a pena de morte começou a ser reduzida, dando-se preferência a penas mais amenas como o exílio e a deportação, ao lado dos trabalhos forçados.22 “As práticas criminais vão abrandando-se, até a quase extinção da vingança privada, o desuso da pena de morte e a adoção do princípio da legalidade (Lex Corneliae e Lex Juliae), que exigia a prévia cominação da pena nos crimes públicos”.23

Com a instauração do Império, surgiu o chamado “processo extraordinário”, que paulatinamente foi substituindo o “processo ordinário”. O primeiro era promovido por um magistrado e baseava-se na lei prévia, nas fórmulas processuais rígidas e nas decisões, que se restringiam a declarar a procedência ou a improcedência da acusação, e a imposição da pena era tarefa da lei e do magistrado da execução. O processo extraordinário cuidava de crimes que não estavam previstos em lei, mas que eram entendidos como reprováveis, além de ser destinado ao julgamento de pessoas consideradas não-cidadãos e dos escravos. Aos poucos, as formas foram flexibilizadas e as penas ganharam elasticidade, sendo recuperado o prestígio da pena de morte.24 Os romanos não usaram o cárcere como pena, mas como custódia.25

Na Idade Média, merece relevo o surgimento da jurisdição eclesiástica da Santa Inquisição e a jurisdição secular, adotada com apoio no direito comum (romano-canônico) e nos costumes locais, sedimentadas entre os povos originários da Europa e os bárbaros que, a partir do Século V, foram se instalando nesse continente.26

Nos primórdios da Inquisição, o processo era de competência exclusiva dos bispos que, para a descoberta da verdade, utilizam-se das “ordálias” ou “juízos de Deus”, método que era admitido, oficialmente, como prova até o ano de 1157.27

O processo iniciava-se por denúncia ou de ofício, sendo, também, inquisitivo e secreto, com o escopo de impossibilitar a conspurcação das provas. Os delitos eram classificados em: eclesiásticos, seculares e mistos; embora tal divisão não fosse clara, porque a legislação secular considerava crime toda a ofensa aos preceitos da igreja (crime de

21

FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. História do Direito Penal (crime natural e crime de plástico). São Paulo: Malheiros, 2005, p. 36-37.

22 CRUZ, Rogério Schietti Machado. A punição no Brasil do Século XIX. Processo Penal: pensado e aplicado.

Brasília: Brasília Jurídica, 2005, p. 41.

23

FÜHRER, op. cit., p.39.

24

Ibidem, p. 40-41.

25

CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal: Parte Geral. Tradução Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: São Paulo, 2002, v. 2, p. 130.

26

CRUZ, op.cit., p. 42.

27

(24)

majestade divina), daí, porque um crime eclesiástico era automaticamente um crime comum.28 Objetivava-se o arrependimento do suposto “pecador”, quando, então, seria encerrado, sendo que o confessor do acusado aplicava-lhe o perdão ou as penitências religiosas, tais como rezas, missas, jejuns, obrigação de portar determinados sinais nas vestes, flagelação, peregrinações, multa e prisão. E se não fosse alcançada a confissão, aplicava-se a pena que era, geralmente, a pena de morte, executada pela justiça secular, preferencialmente na fogueira.29

Sobre a Santa Inquisição, atesta Rogério Schietti Machado Cruz:

Ao contrário do que se costuma dizer, a Inquisição não se apresentou como pioneiro modelo cruel de se realizar justiça, mas apenas reverberou, com o paradoxo de ser uma justiça praticada em nome de Deus, o que era rotina no Direito secular a ela contemporâneo, também encarregado de impiedosa ferocidade, mercê de um espírito vingativo e utilitário que animava a persecução penal.30

O Direito Romano, o Germânico e o Canônico contribuíram para a formação de um Direito Penal comum, embora apresentassem graus de evolução e princípios diferentes, e este Direito Penal regeu a prática da justiça punitiva em diversos países da Europa, durante a Idade Média e épocas posteriores.31

O Direito Romano predominava sobre os demais, principalmente depois que, no século XII, a Escola dos Glosadores passou a comentar e interpretar os velhos textos imperiais. Dessa escola, surgiu a “Escola dos Práticos” ou “Pós-Glosadores”, que fundiu o Direito Romano ao Germânico.32

O Direito dos glosadores e dos práticos foi estruturado na Alemanha, através da Constituição Carolina, ordenada por Carlos V (1532), e que possuía uma vertente processual demarcada, com amplo reflexo, no direito material e na vida do cidadão.33

As sanções penais utilizadas até esse período histórico poderiam ser enumeradas como a pena de morte (pena capital34), as penas corporais35 (ex: mutilações, acoites, ferrete36), as

28

FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. História do Direito Penal (crime natural e crime de plástico). São Paulo: Malheiros, 2005, p. 43.

29

Ibidem, loc.cit.

30

CRUZ, Rogério Schietti Machado. A punição no Brasil do Século XIX. Processo Penal: pensado e aplicado. Brasília: Brasília Jurídica, 2005, p. 42.

31 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte geral. Revista e atualizada por Raphael Cirigliano Filho. 5. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2003, v. 1, p. 43. 32 Ibidem, p. 44. 33 Ibidem, loc.cit. 34

“Nas leis romanas nem sempre a pena capital exprimia a perda da vida. Esta denominação foi usada também para designar a morte civil (diminutio capitis maxima vel media) não acompanhada de morte natural”. (CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal: Parte Geral. Tradução Ricardo Rodrigues Gama.Campinas: São Paulo, 2002, v. 2, p.111).

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pecuniárias37, que se dividiam em multa e confisco, além das infamantes38. Na Antigüidade, a prisão não possuía o caráter de pena, pois seu fim precípuo era a custódia dos réus até o momento do julgamento ou da execução. A prisão também servia à colheita de provas mediante tortura39. A detenção era uma “verdadeira antecâmara de suplícios”, onde se depositava o acusado à espera do julgamento.40 Assim, na Idade Média, ainda predominou a prisão como custódia e a execução das penas corporais e capitais, realizadas num público espetáculo que era oferecido às multidões.

Foi um longo e sombrio período da história do Direito Penal, no qual a defesa do príncipe e a defesa da religião se confundiam, introduzindo o arbítrio judiciário sem limites na definição dos crimes e também na determinação da pena, o que criou em volta da justiça punitiva uma atmosfera de incerteza, insegurança e justificado terror, assevera Aníbal

35

Carrara denominou as penas corporais de “aflitivas diretas ou positivas”, que poderiam ser indeléveis ou deléveis. São indeléveis aquelas que deixam sobre o corpo um sinal permanente, como o ferrete e a mutilação, e são indeléveis as que não produzem tal resultado, como a fustigação, as correntes, etc. (Ibidem, p 121-122).

36

Carrara assevera:“Do primeiro pensamento decorreu que o ferrete se impusesse através da impressão indelével de uma letra do alfabeto no corpo do réu, lembrando justamente, pela inicial, o delito cometido, ou a pena sofrida; pelo que Pancirolo (Thesaurus variarum lectionum, cap. 241. Lião, 1617) recorda que os marcados dessa maneira eram chamados homines litterati: e foram também chamados homines stigmatici, daí surgindo a expressão homines integrae frontis, usada por Papiniano para designar o homem isento de qualquer condenação. Henkart, Diss., de stigmate faciei humanaes non inurendo, Leipzig, 1776. Do segundo pensamento derivou que o membro eliminado fosse justamente o que melhor podia servir para o delito. E nesse sentido se usou cortar o nariz às adúlteras, a fim de que a deformidade afastasse delas os galantes (Crell, Dissetationes, fasc.2, dissert.6,

cap. 2, p.91. De jure manuun in foro criminali)”. (CARRARA, op.cit., p 125). 37

Carrara define como pena pecuniária toda a diminuição de riqueza dos homens, sancionada pela lei como punição de um delito. Quando a lei exige do delinqüente, como sanção do delito, todo o seu patrimônio, toma a pena o nome de confisco, mas se for apenas uma parte desse patrimônio, esta recebe o nome de ammenda ou multa.Diz não ser possível definir cientificamente os critérios entre a ammenda e a multa, porque a diferença entre esses critérios nasce do direito positivo de vários povos. (CARRARA, op.cit., p 139).

38

Penas infamantes, no dizer de Carrara, são “aquelas que ferem o delinqüente no patrimônio da honra”. O penalista italiano contesta a existência dessas penas, uma vez que “a natureza mesma do delito ou da punição pode operar o efeito de manchar a fama do réu, como conseqüência espontânea de si própria”. Adverte que se chama pena infamante somente aquela em que a infâmia é irrogada por uma “formal declaração da lei”. A infâmia nascida da lei era expressamente decretada pelo juiz, que o declarava infame. Poderia, ainda, o decreto judicial ser acompanhado de uma manifestação material, como, por exemplo, o pelourinho, a mudança de vestimentas e a equitação sobre asno. (CARRARA, op.cit., p. 136-137).

39

Carrara define como principais penas aflitivas negativas a detenção e o exílio, que se divide em exílio propriamente dito, e relegação ou confinação. Detenção, para o mestre italiano é “toda a espécie de punição com que se prive o delinqüente da sua liberdade, encerrando-o, por tempo determinado, em recolhimento a isso destinado”. Com o nome de detenção, Carrara exprime todas as formas congêneres de punição consistentes em encerrar-se um réu num lugar de pena, as quais se dá nome especial, tirado do nome do próprio estabelecimento e que, segundo a sua natureza, é denominado prisão, cárcere, casa de força, casa de disciplina, casa de correção, ergástulo, galés e outros. O exílio, em sentido próprio, para Carrara, “é o afastamento do delinqüente de um determinado lugar, único que lhe é interdito, com plena liberdade de estar em outra parte, onde quer que lhe agrade”. A relegação, para o mestre italiano, “consiste em interpor-se ao réu a residência em um determinado território, com a interdição de se dirigir a qualquer outra parte do globo”. Quando o exílio consiste na expulsão de todo o território do Estado, denomina-se “desterro”. Quando a relegação se dá em lugar ultramarino, diz-se “deportação”. (CARRARA, op.cit., p 129-133).

40

(26)

Bruno.41

Com a chegada da Idade Moderna, época das grandes navegações e descobrimentos, paulatinamente, o feudalismo foi chegando ao fim, consolidando-se, pouco a pouco, os Estados Nacionais. Foi desaparecendo o poder dos reis, dos senhores e dos cavaleiros, substituído por uma máquina potente de governo, baseada num poder central soberano absoluto. Surge o liberalismo econômico e, com ele, a Igreja é afastada da atividade econômica. A Justiça, por sua vez, transforma-se no monopólio do rei e o Direito Penal foi centralizado, através de leis unitárias que abrangiam todo o território nacional.42

Mas as penas continuaram “desumanas, executadas publicamente e sempre acompanhadas de imposição de sofrimento feroz e desnecessário, faziam parte de um espetáculo dantesco, especialmente planejado com a função de intimidar o povo e desencorajar a desobediência do poder absoluto do soberano”.43

O número de crimes aumentava gradativamente e a sociedade começava a insurgir-se contra uma Justiça Criminal que era processada de forma rude e aflitiva.44

Nesse período, surgem alguns pensadores de expressão. Dentre eles, destaca-se Thomas Hobbes (1588-1679) que encontra o fundamento do poder absoluto do soberano numa necessidade humana imperiosa. Assevera que, na busca de paz para viver, os homens se agrupam sob a égide de um pacto social, pois abdicam de grande parte da liberdade a favor do Leviatã (o Estado), para que este mantenha a ordem social, e imponha a lei obrigatória.45

Nas palavras de Thomas Hobbes:

A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns contra os outros, garantindo-lhes, assim, uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade [...]. 46

Carrara atesta que na França, até o Código de 1791, a detenção não era considerada pena, mas tão somente um meio de manter “seguros os culpados”.47

Embora a prisão não fosse pena, os presídios franceses da época viviam superlotados,

41

BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral. Revista e atualizada por Raphael Cirigliano Filho. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v.1, p.44.

42

FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. História do Direito Penal (crime natural e crime de plástico). São Paulo: Malheiros, 2005, p.45-47. 43 Ibidem, p.47. 44 Ibidem, p.48. 45 Ibidem, p.49. 46

HOBBES apud CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito: Geral e Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p.203.

47

GUZMAN apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão - Causas e Alternativas. São Paulo: RT, 1993, p.24.

(27)

pois as autoridades civis e militares (tenentes) podiam mandar prender autores de quaisquer infrações, fossem elas graves ou não. Em tese, deveriam ser julgados nos dias posteriores, entretanto não era o que ocorria, ficavam essas pessoas presas, por longo período, sem julgamento. Ademais, as condições dos presos eram abomináveis, pois sobreviviam de coletas de donativos que eram feitas em seu benefício.48

No que tange à prisão como pena, René Ariel Dotti, ao reportar-se aos ensinamentos de Cuello Calón, afirma ter havido o seu aparecimento efêmero, em meados dos anos setecentos a oitocentos, a saber:

[...] um édito de Luitprando, Rei dos longobardos (712-744) dispunha que cada juiz tivesse em sua cidade um cárcere para prender os ladrões pelo tempo de um ou dois anos. Também um capitular de Carlos Magno (813) ordenava que as pessoas boni

generi que tivessem delinqüido poderiam ser recolhidas à prisão por determinação

do Rei até que se corrigissem. Mas como adverte o mesmo escritor, os exemplos indicam o caráter raro da imposição do encarceramento como sanção autônoma segundo a revelação das fontes oriundas dos séculos XI e XII.49

Carrara explana que o sistema penitenciário teve seu real início com os católicos eruditos e remonta ao sexto século da era cristã, fixando sua instituição em um Mosteiro do Sinai.50 Mas lembra que Clemente XI fundara, em Roma, no ano de 1703, no Hospital São Miguel, um cárcere para jovens delinqüentes, que fora organizado no sistema celular, com isolamento e instrução, e que análogo instituto já existira em Florença, desde o ano 1701, em São Felipe.51 Constata-se, aí, a influência da Igreja na evolução do Direito, pois a palavra penitência é eminentemente cristã, e está presente até hoje nas instituições prisionais, denominadas penitenciárias.

Na Idade Moderna, em vista das mudanças que ocorreram no panorama econômico europeu, durante os séculos XVI e XVII, quando a miséria crescera desmesuradamente e, com ela a delinqüência, por razões de política criminal, preferiu-se diminuir, aos poucos, a utilização da pena de morte, ao verificar-se que não era a solução adequada a ser aplicada para tantas pessoas. Assim, “na segunda metade do século XVI, iniciou-se um movimento de grande transcendência no desenvolvimento das penas privativas de liberdade, na criação e construção de prisões organizadas para a correção dos apenados”.52

Delineava-se um cenário em que “seria mais lucrativo que a imposição da pena capital

48 CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito: Geral e Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004,

p.204.

49

CALÓN apud DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. São Paulo: RT, 1998, p. 33.

50

Revue Catholique de Louvain, 1852-1853, p. 708 ss., apud CARRARA, Francesco. Programa do Curso de

Direito Criminal: Parte Geral. Tradução Ricardo Rodrigues Gama.Campinas: São Paulo, 2002, v. 2, p. 127. 51

CARRARA, op. cit., p.128.

52

GUZMAN apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão - Causas e Alternativas. São Paulo: RT, 1993, p.24.

(28)

a exploração do braço penitenciário para a execução de muitos trabalhos”.53 Proliferam as casas de correção, na Inglaterra, que foram de grande valor histórico e penitenciário, as quais se destinavam a reformar os delinqüentes por meio do trabalho e da disciplina, a exemplo da utilização do castelo de Bridwel, em Londres, cedido pelo Rei, a pedido do clero, “para que nele se recolhessem os vagabundos, os ociosos, os ladrões e os autores de delitos menores”.54 Também, em Amsterdam, foram criadas, no ano de 1596, casas de correção para homens e, no ano de 1957, outra prisão para mulheres, que tinham por escopo o tratamento da pequena delinqüência; e não se pode negar que essas casas de correção, tanto as inglesas como as holandesas, já assinalam o surgimento da pena privativa de liberdade moderna, pois seus fundadores acreditavam que pudessem reformar o delinqüente, assevera Cezar Bitencourt, ratificando o magistério de Sellin. No entendimento esboçado por Radbruch, entretanto, os condenados, ao serem liberados das casas de trabalho, não tinham sido corrigidos, mas sim, “domados”.55 Registre-se, outrossim, que as prisões de Amsterdam, que se destinavam à recuperação dos apenados, foram copiadas por muitos países europeus, por constituírem modelo ímpar de ressocialização.56

Porém, ao lado das prisões que procuravam edificar a moral dos delinqüentes, e que eram aplicadas a delitos menos graves, ainda vigia uma das mais duras modalidades de pena de prisão, no século XVI, que foi a pena de galés. Sobre ela, Cezar Bitencourt se refere:

As galés foram uma espécie de prisão flutuante. Grande número de condenados a penas graves e prisioneiros de guerra eram destinados como escravos ao serviço das galés militares, onde eram acorrentados a um banco e ficavam, sob ameaça de um chicote, obrigados a remar. Refere Cuello Calón que alguns países mantiveram essa pena até o século XVIII. “Inglaterra, França, Espanha, Veneza, Gênova, Nápoles utilizaram as galés. Certos países da Europa Central vendiam seus delinqüentes aos países marítimos para este serviço, como Nuremberg e Ansbach em 1570; a Áustria

vendeu seus condenados a Veneza e Nápoles até 1762.57

Por volta do século XVII, surge na Europa o famoso Hospício de San Felipe Neri, fundado na cidade de Florença, no ano de 1667, pelo sacerdote Filippo Franci, que pôs em prática uma idéia de Hipólito Francini. A instituição teve a destinação inicial de acolher e reformar crianças errantes e, mais tarde, passou a admitir jovens rebeldes e indisciplinados, aplicando-se, ali, o regime celular estrito. Tal obra é um importante antecedente do regime

53

DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. São Paulo: RT, 1998, p. 35.

54

CALON e GUZMAN apud BITENCOURT, op. cit., p. 24.

55

CALON apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão - Causas e Alternativas. São Paulo: RT, 1993, p. 25.

56

GUZMAN apud BITENCOURT, op. cit., p. 26.

57

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celular e nela se reflete seu profundo sentido religioso.58

Digno de nota é que essa instituição causou uma boa impressão em Jean Mabillon, um monge beneditino francês, o qual escreveu um livro cujo título é “Reflexões sobre as Prisões Monásticas”. Essa obra leva em conta a experiência punitiva do tipo carcerário que havia sido aplicada no direito canônico, formulando considerações que vêm antecipar afirmações típicas do Iluminismo sobre o problema penal, tais como a proporcionalidade da pena de acordo com o delito cometido e a reintegração do apenado à comunidade.59

Na segunda metade do século XVIII, verificou-se que a pena de morte não tinha contido o aumento dos delitos, nem o agravamento das tensões sociais, nem, tampouco havia garantido a segurança das classes superiores. O desterro das cidades e as penas corporais, assevera Cezar Bitencourt, contribuíram “para o desenvolvimento de um banditismo sumamente perigoso, que se estendia com impetuosa rapidez quando as guerras e as revoluções haviam desacreditado e paralisado os velhos poderes”.60 Desta maneira, a crise das penas, até então aplicadas, faz surgir uma nova forma de punição: a pena privativa de liberdade, que vinham se delineando no cenário europeu, e se mostrava aparentemente eficaz para o exercício do controle social.

Não se pode ter a ingenuidade de acreditar que a prisão surgiu em face de um movimento humanitário, pois as razões de seu surgimento foram muitas. Dentre elas, merecem destaque os transtornos socioeconômicos por que passava o mundo ocidental: queda de salários, desemprego, escassez de moeda, etc. Nos períodos de desemprego, “era preciso reabsorver os ociosos e dar proteção social contra a agitação e os motins”, diz Cezar Bitencourt.61

Nesse aspecto, Michel Foucault é incisivo:

A época clássica utiliza o confinamento de forma equivocada, para fazê-lo desempenhar um duplo papel: reabsorver o desemprego, ou, pelo menos, apagar os seus efeitos sociais mais visíveis e controlar as tarifas quando houver risco de subirem muito; atuar alternativamente sobre o mercado de mão de obra e os preços de produção.62

Mas também não se pode olvidar que alguns pensadores, já em meados do século XVIII, reagem diante do quadro desumano e utilitarista da legislação criminal européia vigente, merecendo destaque, dentre os grandes reformadores da pena de prisão, César

58

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão - Causas e Alternativas. São Paulo: RT, 1993, p. 27. 59 Ibidem, p. 27. 60 Ibidem, p. 34-35. 61 Ibidem, p. 35-36. 62

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