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RELATÓRIO CIENTÍFICO DO PROJETO A contemporaneidade na confluência da arte e do design na obra de Guto Lacaz Coordenação do Projeto Profa. Dra. Ariane Daniela Cole Profs. Pesquisadores Profa. Ms. Ana Paula Calvo Profa. Ms. Zuleeica Schincariol Prof. Dr. Artur Cole Alunos colaboradores Emille Yoshie Sasaki Guilherme Gonçalves Ferreira Souza Araújo Laís de Paula Santos Leticia Gonçalves Santos Wagner Mostaço Barros Voluntários Eduardo Cole William Cole MACKPESQUISA 2016 SÃO PAULO MARÇO 2017

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2 Agradecimentos Inicio este relatório agradecendo ao Mackpesquisa o apoio para a realização deste projeto acalentado desde o ano de 2010, ano em que finalizamos o projeto de pesquisa intitulado: A Poética De Evandro Carlos Jardim. Figuras: Seres,Tempos e Lugares. Este nos trouxe a ideia de darmos prosseguimento às pesquisas agora abordando um designer e artista. Agradeço aos pareceristas a avaliação favorável para a elaboração desta pesquisa que se constituiu em um audiovisual sobre a obra do artista Guto Lacaz, tornando o processo de sua realização enriquecedor, ao passo que apresentou avanços tanto metodológicos quanto técnicos em comparação à experiência anterior entre outros aspectos. Experiência esta que nos possibilitou aprofundar o conhecimento sobre a obra de Guto Lacaz, apesar da familiaridade que temos com a sua obra, e registrar esta vivência em linguagem audiovisual. Agradeço a colaboração dos professores, pesquisadores que compuseram a equipe para a realização deste trabalho, a Profa. Ms. Ana Paula Calvo, Prof. Dr. Artur Cole; Profa. Zuleic Schincariol, a dos alunos Emille Yoshie Sasaki, Guilherme Gonçalves Ferreira Souza Araújo, Laís de Paula Santos, Leticia Gonçalves Santos, Wagner Mostaço Barros; assim como do fotógrafo Edson Kuramasaka, que graciosamente cedeu direitos sobre imagens de sua autoria. Esperamos, assim, que esta peça audiovisual carregue a expressão dos conhecimentos agregados a partir desta experiência.

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3 SUMÁRIO Intodução Guto Lacaz: Artista e Designer O AUDIOVISUAL COMO INSTRUMENTO DE PESQUISA E SUA DIFUSÃO Representação Quadro, corpo, percepção Da mobilidade do olhar Desmaterialização e intersubjetividade Pesquisa com imagens: construção de conhecimento, criação e cultura Percepção/Expressão O audiovisual como instrumento de pesquisa Percepção, memória, imaginação, ação Arte, pesquisa e linguagem audiovisual Roteiro em movimento ETAPAS DE REALIZAÇÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS APÊNDICES REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS 5 7 22 23 24 26 27 30 33 34 37 40 41 45 58 61 64

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5 Introdução Dando continuidade às pesquisas desenvolvidas pelo grupo Design, Arte: linguagens e processos, o presente trabalho, tem a intenção de apresentar os resultados da pesquisa intitulada A contemporaneidade na confluência da arte e do design na obra de Guto Lacaz, desenvolvida ao longo do ano de 2016. Estudar os processos criativos e debater as relações entre Arte e Design no contexto contemporâneo a partir da análise da obra de Guto Lacaz foi o nosso principal objetivo, pois em sua obra podemos observar a confluência da arte, do design, assim como da ciência e tecnologia, confluências estas muito presentes no contexto da arte contemporânea. A partir da obra de Guto Lacaz, formado em arquitetura, reconhecido artista plástico e designer, em dimensão nacional e internacional, elegemos como instrumento de pesquisa a realização de um vídeo experimental que buscasse, em termos conceituais e formais, uma aproximação com a sua obra e resultasse em um trabalho, que também, por sua vez apresentasse, para além do documental, um caráter artístico. Vivemos em um contexto onde as fronteiras dos campos de conhecimento, moventes, inconstantes, se diluem e se imbricam, criando zonas multidisciplinares. Para olharmos o mundo contemporâneo com suas complexidades, multiplicidades, heterogeneidades, a cultura se apresenta como possibilidade de aproximação da constituição de nossa humanidade neste contexto. Evidentemente existem vários modos de abordagem, várias análises possíveis, deste enorme universo que constitui nosso tempo, especialmente a partir da década de 90 quando começaram a se popularizar os primeiros computadores pessoais, começaram a se difundir os primeiros recursos digitais de processamento de imagens e informações e estas últimas ganharam difusão global, imediata e de fácil acesso. No contexto contemporâneo, com o crescimento das cidades, da população e da sociedade de consumo, da industrialização e o fenômeno da globalização, o barateamento dos meios de produção e distribuição, promovendo o acesso aos bens de consumo, o design nos propiciou ferramentas, mobiliário, objetos, equipamentos, acessórios, constituindo um imenso universo de objetos, favorecendo de um lado o

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6 conforto e sua fruição estética e de outro apresentando graves desdobramentos para o meio ambiente e a qualidade de vida. Provocando reflexão e estabelecendo relações que transcendem as objetivas, promovendo experiências afetivas e subjetivas. Para além das funções objetivas, estas relações afetivas são de fundamental importância para o resgate de valores e de uma dimensão humanista que está se perdendo nas urgências alienantes e apelos da sociedade global de consumo, que se apresenta num vertiginoso mecanismo de autodestruição. O trabalho do designer ensejará que o homem, deixando de ser massa moldável e controlada, reencontre sua subjetividade, desenvolva seu aparelho crítico, possibilite a construção de sua cidadania e a reafirmação dos compromissos sociais. (NIEMEYER, 2014, P. 41) Com o desenvolvimento das tecnologias, novas fronteiras se abrem tanto para o design como para a arte. Neste contexto o design e a arte passam a contribuir para o que podemos chamar de estetização da vida cotidiana, enquanto a arte passa a ser entendida como um desdobramento da própria vida. Deste modo, passamos a ver metodologias de criação próprias da arte serem incorporadas em projetos de design, nos museus, centros culturais e a presença de objetos de design, estetizados permeando a vida cotidiana. O fenômeno da estetização da vida cotidiana ocorre em função de três parâmetros (Featherstone apud Moura, p. 26): 1) A dessacralização do objeto de arte 2) A valorização das relações entre o indivíduo e o objeto na construção da experiência estética. Onde o corpo, os sentimentos, os comportamentos e as paixões passam a ser entendidas elas mesmas como obras de arte. 3) A exploração comercial do fluxo abundante, veloz e ininterrupto de signos e imagens, estabelecendo uma relação quase que indistinta entre imagem, realidade e imaginário.

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7 Para Costa (2014, p.54) o design é antes de tudo a interface que existe entre o corpo, o usuário e a ação, esta concepção do design o aproxima das novas perspectivas da arte entendida em sua dimensão relacional (Bourriaud, 2009), seja com o corpo, seja com o espaço em comum (Tassinari, 2010). Nas atuais concepções do design o corpo assume o protagonismo, como agente, entendendo o corpo em suas dimensões objetivas e subjetivas. É senso comum que a obra de arte, sempre e necessariamente, se destina ao outro, sem este outro não há obra. No espaço em comum a obra de arte se apresenta e propõe um jogo entre pontos de vista, no sentido de constituir uma trama intersubjetiva, que não emerge somente da obra, exige o esforço do espectador. Ao confluir olhares distintos, a intersubjetividade no espaço em comum agrega as diversas subjetividades, na direção de promover uma abstração conjunta e constituir uma estrutura onde os desdobramentos na comunicação entre obra, mundo e espectador seja capaz de criar uma trama que o individue e situe ao mesmo tempo. Sabemos que o Brasil é um país de notada riqueza cultural, todavia pouco valorizada e estudada com a devida atenção, embora esteja sendo objeto de atenção de importantes instituições culturais internacionais e em pleno processo de internacionalização. Assim, projetos de pesquisa desta natureza, buscam trazer à luz obras significativas, na direção de buscar uma valorização de nossa cultura. Guto Lacaz: artista e designer É neste contexto que se insere e se apresenta a obra de Guto Lacaz, onde podemos identificar esta interlocução constante entre arte e design. Em seus trabalhos podemos verificar a presença de diversos meios de expressão; tanto na arte quanto no design, vemos a presença do desenho, da pintura, colagens, do material impresso, utilização de recursos eletroeletrônicos, dos ready mades, instalações, da performance, numa rica profusão de processos criativos. Podemos também identificar uma grande desenvoltura para lidar com técnicas e tecnologias diversas, transitando entre a arte, a ciência, o design e a tecnologia. Assim como expressões das mais lúdicas, quase pueris, carregadas de humor e ironia, às mais poéticas, densas e graves.

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8 Entendemos seus processos como estético-criativos na medida em que é capaz de comunicar uma universalidade por meio do estímulo do livre jogo entre imaginação e o entendimento, que por sua vez, engloba as disposições das faculdades-de-conhecimento, estabelecendo uma relação direta entre a percepção, a subjetividade e a produção de conhecimento (Kant, 1994). Na confluência entre a Arte e o Design, o desenho e a construção Lacaz subverte os aspectos utilitaristas dos objetos e com isto problematiza, ironiza, questiona, e nos afeta abrindo novas possibilidades de interpretação, entendimento, relações e manejo dos objetos e conceitos na realidade. Transita entre as linguagens, palavras e objetos, entre a arte e o design, entre o desenho, o objeto, a instalação e a performance, produzindo trocas e novas possibilidades de abordagem tanto para a arte como para o design. Ambos em movimento dinâmico em mútuo processo de afecção. Um afecto (affectus) é uma variação intensiva que está diretamente relacionada ao aumento ou à diminuição das potências de agir, composto por movimentos, ações e pela transição vivida de um corpo, estado de perfeição, a outro, uma passagem determinada por idéias. É pelos afectos que os corpos se desenvolvem e progridem…. Um afecto é uma afecção que transforma positiva ou negativamente a potência de agir, de maneira que uma afecção neutra, que mantém a potência de agir estática, não pode ser considerada um afecto. (Costa Jr., 2009, p. 15) Podemos ver isto em várias obras de sua autoria onde propõe um novo olhar para os objetos e máquinas conferindo-lhes um frescor e uma expressividade inusitada, desvinculadas dos seus aspectos funcionais, muitas vezes rompendo o caráter estático dos objetos, instigando a imaginação do espectador, favorecendo sua participação no processo de significação da obra, e do entendimento de nossas relações com estes. Revelando o seu fascínio e as férteis trocas possíveis entre os aspectos expressivos, técnicos, criativos e lúdicos destes objetos e máquinas, expondo as relações que ele elabora entre a arte e o design entre a forma e o espaço. Quando criança, Guto Lacaz já recebia uma assinatura da famosa revista Mecânica Popular, presenteada pelo seu pai, o que o estimulava a desmontar e conhecer os objetos em seu interior. Sua disposição científica o levava a desmontar estes objetos de forma cirúrgica, metódica, analítica. Em sua infância também o encanto com desenhos de seu vizinho, Rui Pedreira, fez com que ele se apropriasse também desta

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9 ferramenta de expressão e projeto, estes dois elementos, o desenho e o objeto, até hoje, constituem a base de seus processos criativos. A partir destas experiências se encaminhou para um curso técnico de eletrônica e depois o curso superior em arquitetura e urbanismo. Seu ingresso nas artes teve início despretensiosamente com a grata surpresa de ser selecionado e premiado na exposição intitulada 1a. Mostra do móvel e do Objeto Inusitado (1978), onde sua obra foi identificada como de linhagem dadaísta de vertente duchampiana (Araújo, 1978). Foi então que o artista se deu conta da dimensão cultural do que fazia, e passou a se dedicar intensamente aos seus projetos artísticos. Podemos observar estas relações também na obra Óleo Maria à Procura da Salada1, onde uma lata de óleo circula, movida por motores, pelas bordas de uma bandeja (Fig. 1), dotada de uma tonalidade lúdica, assim como em Auditório para Questões Delicadas (Fig. 2), instalado no lago do Parque do Ibirapuera por ocasião da XX Bienal em 1989, e Cosmos (Fig. 3), envolvendo além de uma questão técnica de design, questões poéticas de tonalidade mais grave. Fig. 1 - Óleo Maria à Procura da Salada, Guto Lacaz, (1982)

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10 Fig. 2 - Auditório para Questões Delicadas, instalação, Guto Lacaz, Parque do Ibirapuera, 1989. Suas obras também proporcionam ao espectador uma experiência estética, sensível, e intelectual ao mesmo tempo, muitas vezes envolvendo o desenho, o espaço, o corpo e o movimento; a arte e o design, como em Cosmos (1991, Fig. 3), ou em Eletroesferoespaço (1985, Fig. 4). Em ambas instalações o expectador é convidado a percorrer um trajeto projetado pelo artista. Em Cosmos, a sala era escura, promovendo a sensação onírica de flutuação, e somente podíamos ver o trajeto desenhado pelo chão e as bolas de isopor, ambos pintados com a cor azul da luz negra fluorescente. As bolas de diversas dimensões, se deslocavam em velocidades diferentes, fixadas em estruturas giratórias de diferentes alturas e raios, simulando o movimento dos astros.

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11 Fig. 3 - Cosmos, Instalação, Guto Lacaz, MASP, 1991 Já em Eletroesferoespaço (Fig. 4), o expectador, portando um walkman que toca a ópera Tannhäuser de Wagner, é convidado a percorrer o corredor sinalizado por um tapete vermelho, ladeado por aspiradores de pó, cujos motores invertidos fazem flutuar bolinhas de pingue-pongue. Neste caso a obra se completa no ato do caminhar, ao som fruído individualmente, por meio de headfones. A épica e grave ópera faz contraponto à flutuante alegria das bolinhas, em cenário que sugere suntuosidade e reverência ironicamente composta com aspiradores de pó. Nas duas instalações, embora explicitamente relacionadas ao universo da arte, fazem uma referência à ciência e ao design. Ambas instalações, para além da experiência sensível, abrem a possibilidade de múltiplas interpretações.

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12 Fig. 4 – Guto Lacaz, Eletroesferoespaço, 1985, Instalação (aspiradores de pó e bolinhas de isopor headfones), Coleção Pinacoteca do Estado de São Paulo. Fonte: Lacaz (2009) Omemhobjeto. 30 anos de arte. São Paulo. Décor. Assim como a arte, o design não pode ser analisado isoladamente, de modo desvinculado dos outros fenômenos pertencentes a uma mesma temporalidade, contexto social, econômico, tecnológico, cultural, político. A história do design, assim como a história da arte e das cidades estão imbricadas. Para Argan (1995) a cidade, que por sua vez abriga e engendra objetos e máquinas, não só favorece a arte, mas é ela mesma uma grande obra de arte que se constitui de forma coletiva. O conceito de imaginabilidade das cidades apresentado por Lynch (1997), pode ser também atribuído a objetos que a habitam. Imaginabilidade pode ser entendida também como legibilidade ou visibilidade, pois um objeto só pode ser evocado pela imaginação quando presente na memória de quem imagina. Assim ocorre também com os objetos, para habitar a memória e a imaginação das pessoas eles devem ser dotados de imagens elaboradas, de identidade própria, e quanto mais claramente for definida sua identidade, mais nos identificaremos com seus aspectos objetivos e subjetivos, mais nos ocuparemos com eles e a imaginação poderá trabalhar sobre sua imagem. A imaginabilidade dos objetos, quando existente, torna-os presentes aos sentidos afetando seu espectador, convidando-o a uma participação mais intensa, no processo mesmo de constituição da realidade. A título de exemplo tomemos a obra RG enigmático (fig. 5 e 6); trata-se de uma máquina dotada de pedais que acionam 10 carimbos correspondentes aos numerais, cada qual representado por uma imagem relacionada a um elemento do contexto

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13 brasileiro: sua fauna, flora, clima população, origem, tecnologia, águas, minerais... Esta obra propõe ao espectador que imprima o número do seu RG, criando relações entre os números, as imagens, sua cultura, identidade e imaginação. Fazendo, ao mesmo tempo, uma referência ao design, representado tanto pelo projeto da própria máquina, pela sua capacidade de reproduzir uma imagem impressa, como à arte pela evocação da unicidade, da identidade e da imaginação, assim como da relação com o seu expectador. Ainda assim, trata-se de uma máquina cuja utilidade se situa no universo da poética. Fig. 5 e 6 – RG Enigmático, Guto Lacaz, 1999 Sua atuação como artista gráfico também colaborou para o desenvolvimento de obras que se situam entre a arte e o design gráfico, como o livro de desenhos Desculpe Letra (2000, Fig.7) e o livro de poemas tipográficos Inveja (2015, Fig. 8).

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14 Fig. 7 - Guto Lacaz (2000) Desculpe a letra. São Paulo. Ateliê Editorial. Fig. 8 - Guto Lacaz (2012), Inveja. São Paulo. Dash Editora. No seu trabalho gráfico vale apontar para a presença da arte, da ciência e de nossas relações com elas. Seja propondo a construção de um submarino num sistema de Faça Você Mesmo (Fig. 9), ou em sua série de 12 grandes serigrafias, intitulada Pequenas Grandes Ações (fig. 10). Estas últimas fazem referência à Pop Art, e às invenções, onde objetos, referências do design, substituídos dos por imagens gráficas, fazem alusão a manuais de utilização de objetos, apresentam sua presença em nosso cotidiano, demonstram suas relações com o corpo e com a nossa cultura industrial, global.

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15 Fig. 9 - Cartaz para campanha da revista criativa, Guto Lacaz Fig. 10 – Pequenas Grandes Ações, Guto Lacaz, serigrafias, 2003. Vale, todavia aqui, fazer uma distinção etimológica entre as palavras Arte e Design. A palavra Arte deriva do grego techné, relacionada à tekton (fabricante ou construtor) e

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16 hylé, estrutura amorfa na qual o artista provoca o aparecimento da forma. Na acepção latina da palavra thecné corresponde a ars, que por sua vez significa manobra, capacidade de articulação, agilidade, que pode também ser interpretada como capacidade de manipular. Em 1607, Zuccaro aponta para uma dimensão divina, onde a própria constituição do seu signo, na palavra signo (segn), se localiza no centro da palavra Deus (Dio): Di-segn-o. Todavia a palavra ressurge com a industrialização na Inglaterra no sentido de designar, atribuir, indicar, representar. De um lado a ideia abstrata de projeto, e de outro a ideia objetiva de configurar. Para Flusser (2007) podemos também interpretar a palavra segundo o verbo to design, que quer dizer tramar, simular, projetar, configurar, proceder de modo estratégico, o que aproxima a palavra design da arte. Ao pensar em linhas divisórias entre campos de conhecimento contíguos, na pós modernidade, veremos que não é mais possível definir um limite preciso que distinga arte e design, sobretudo na obra do artista em questão, quando estamos tratando de campos contíguos, que atualmente se caracterizam pela transdisciplinaridade e pelas relações entre suas atividades e a própria vida. Uma linha liga-se ao que está de um lado e de outro íntima e inelutavelmente. Até mesmo nos campos mais duros das ciências exatas, biológicas e tecnológicas, podemos ver esta imbricação dos conhecimentos. (Costa, 2010) A máquina não é um simples artefato mecânico, inventar uma máquina significa dar forma material a uma ideia. Uma confluência de arte, ciência, tecnologia e design que representa assim um vasto campo de possibilidades que resulta em um novo conceito de arte. A produção artística contemporânea mostra como é cada vez mais difícil a distinção categórica entre objetos originários da imaginação artística, da investigação científica e da invenção técnico-industrial. (COSTA JR., 2009, p. 73) Para Machado (2008 apud Costa, 2014) os círculos que definem cada campo do conhecimento possui um núcleo denso, potente, definidor de conceitos, práticas, modos de produção, tecnologias, usos, enfim, conhecimentos específicos, em seu centro e menos denso em suas bordas apresentando maior ou menor grau de penetração, de intersecção com outros campos, muitas vezes reveladoras de

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17 possibilidades insuspeitadas. Possibilidades estas muito valorizadas pelo pensamento contemporâneo, já que abre para novos modos de perceber e lidar com a realidade, favorecendo a tolerância, a convivência pacífica das diferenças, a multiplicidade e a convergência do pensamento. Importante também lembrar que o limite instituído entre as atividades do design e da arte, estão sujeitas a motivações históricas, políticas, tecnológicas e muitas vezes submetidas à força do capital. Atualmente, no momento de debates e valorização da estética relacional (Bourriaud, 2009), onde podemos observar na arte uma imbricação, muitas vezes indistinta, com a vida, assim como no design que se revela em suas vertentes voltadas para as questões sociais e ambientais, na manifestação de coletivos e ONGS, tornando a distinção entre arte e design, fica ainda mais tênue. Em contato com a obra de José Roberto Aguilar na década de 80, descobriu a possibilidade da performance como meio de expressão compreendendo que suas performances se caracterizariam pelas relações entre o homem e o objeto, o tempo e no movimento. Em Eletroperformance (1984) e na série de performances, ambas compostas por pequenas cenas, intituladas Máquinas (I, II, III, IV), cuja primeira edição se deu em 1999 (Fig. 11) podemos observar a importância da subversão de situações corriqueiras para inusitadas justamente pela manipulação do tempo, do movimento e das relações com os objetos.

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18 Fig. 11 - Máquinas I, 1999, Performance, (Vassoura, pá de lixo, furadeiras, lata de lixo). Coleção do artista. Fonte: Lacaz (2009) Omemhobjeto. 30 anos de arte. São Paulo. Décor. Em Eletroperformance, cuja proposta era criar cenas que utilizassem a energia elétrica, em uma delas Lacaz caminha lentamente sobre uma linha de luz portando uma longa lâmpada fluorescente com a qual desenha muito lentamente círculos no espaço. Em Máquinas I, ele e seu assistente Javier Judas Y Manubens utilizam uma vassoura e uma pá de lixo, acopladas respectivamente em uma furadeira elétrica e uma manual, para “varrer” uma bolinha expandindo as possibilidades de seus usos. A expansão da escala também é utilizada para criar acontecimentos insólitos. O Periscópio (1994, Fig. 12) de Guto Lacaz é ampliado para a escala da cidade, alcançando o 5º andar do edifício onde acontecia o Arte Cidade II, proposta de Nelson Brissac Peixoto (1994), para uma série de intervenções urbanas na cidade de São Paulo. Para além do inusitado da escala, o gigantesco periscópio favoreceu a interação entre o público visitante da exposição e os pedestres que transitavam pela rua, gerando uma comunicação improvável sem este equipamento, potencializando o

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19 aspecto relacional da obra de arte (Borriaud, 2009), humanizando a cidade (Brissac-Peixoto, 1996). Fig. 12 - Periscópio, 1994, Intervenção Urbana (ferro, madeira, espelhos). Coleção do artista. Fonte: Lacaz (2009) Omemhobjeto. 30 anos de arte. São Paulo. Décor. Sua atuação, no sentido de subveter formas e usos dos objetos, recria novas realidades, se expande do desenho para o objeto, do objeto para a performance, para a instalação e a intervenção urbana, chegando a trabalhos que se situam entre a performance e a intervenção urbana como em OFNIs (objetos flutuantes não identificados) 2012, (Fig. 13), onde o artista e seu assistente dirigem estes objetos numa dança flutuante, ampliando o alcance de sua obra, gerando novas relações, novos olhares sobre os objetos, os espaços, o tempo e o movimento.

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20 Fig. 13. - OFNIs, 2012, Intervenção Urbana (Isopor, Motor, Performers), Lago do Ibiirapuera. Coleção do artista. Fonte: Edson Kuramasaka Esta expansão se manifesta também no tipo de relação que estabelece com o público. Vemos seu trabalho propor com seu público desde uma relação contemplativa, sobretudo em suas primeiras exposições, objetos e desenhos, também faz com que a obra se realize na integração com a obra a exemplo de sua instalação Eletro Esfero Espaço (Fig. 4). Já em obras como Periscópio (1994, Fig. 12), 18 (2016, Fig. 14) e Biciclóptica (2015, Fig. 15), esta se realiza na interação com a obra onde o público é convidado a fazer parte com a sua ação, situando-o entre espectador, performer e usuário, realizando uma aproximação entre arte e vida.

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21 Fig. 14 - Guto Lacaz, 18, 2016, Performance. Coleção do artista. Fonte: Didrone Fig. 15 - Guto Lacaz, Biciclóptica, 2015, Performance. Coleção do artista. Fonte: Edson Kuramasaka

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22 O AUDIOVISUAL COMO INSTRUMENTO DE PESQUISA E SUA DIFUSÃO Há diversos modos de abordagem e constituição de pesquisas com imagens. Podemos pensá-las do ponto de vista da filosofia; da história; da psicologia; da antropologia; dos processos de criação e de comunicação, que por sua vez abrangem estudos da linguagem, dos seus recursos e instrumentos, entre tantas outras possibilidades. O conhecimento da imagem em movimento mostra-se cada vez mais importante para aprofundarmos o entendimento sobre o fenômeno da imagem. Em função do desenvolvimento tecnológico, que abre o acesso às tecnologias digitais de produção de imagens fixas e em movimento, a internet, e os sites de sua propagação, notadamente o Youtube e o Vimeo, estamos testemunhando o surgimento de uma nova categoria de imagens cujos aspectos formais, simbólicos, expressivos e comunicativos apontam para novas relações cognitivas e de comunicação, com as quais estabelecemos novas relações, novos usos sociais. A imagem em movimento passa a se constituir como uma linguagem de circulação e acesso universais, portanto objeto interdisciplinar de estudos, para além do cinema, seja da arte, da filosofia; da ciência; da história; da psicologia; da antropologia; dos processos de criação e de comunicação. Para Santaella (1998), o estudo da imagem é um empreendimento interdisciplinar dada a sua complexidade e multiplicidade de abordagens. A autora nos lembra das origens etimológicas do termo teoria cuja origem grega, theorein, quer dizer: ver, olhar, contemplar ou mirar. Para ela, teorizações não se realizam sem a participação das imagens, são permeadas por elas; assim como imagens, sejam elas do domínio material, visual, público, intersubjetivas; sejam elas do domínio imaterial, imagens mentais, intra-subjetivas, são por sua vez, também permeadas por teorizações. Desenvolvemos estas reflexões a partir da necessidade de debatermos sobre as relações que se estabeleceram entre a imagem e a imagem em movimento, e seu impacto na percepção, no desenvolvimento da linguagem audiovisual, e na construção do conhecimento, que se desenvolve através da pesquisa que utiliza a tecnologia videográfica, digital.

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23 Sabemos que quando falamos em movimento falamos de relações espaço/temporais, sabemos também que o entendimento do espaço, assim como do tempo, sofreu grandes alterações ao longo da história. Estaremos assim abordando as invenções tecnológicas de produção da imagem, como recursos e instrumentos de pesquisa, percepção e expressão. Sabemos que a representação do movimento, através da imagem sempre se apresentou como um desafio desde o momento em que o homem começou a elaborar imagens como, por exemplo, nas cavernas de Lascaux. E, podemos observar que ao longo da história das imagens, inovações técnicas, tecnológicas e de linguagem, não implicam no desaparecimento de linguagens tradicionais. Elas se apresentam como novas possibilidades que se somam e se articulam, contribuindo para esta grande construção humana que é a cultura, num processo contínuo. Embora possamos sugerir expressões do espaço e do tempo através de imagens fixas, a busca da representação do espaço e do tempo continuou e ainda continua, através de linguagens diversas, na elaboração das imagens. O que não implica em processos excludentes, ainda produzimos literatura, teatro, pintura e fotografia, e, à interlocução entre estas linguagens, agregam-se outras, novas. Para Belting (2001), a história das imagens sempre esteve ligada ao desenvolvimento de seus meios, e os meios não só lhe dão suporte como fazem parte de sua significação, na medida em que determinam as possibilidades, através de seus recursos e instrumentos, seus modos de apresentação e, portanto, de sua percepção. Representação É importante esclarecer, antes de tudo, algumas questões relativas ao conceito de representação no sentido de situar o contexto de nossa reflexão. Este termo, cuja origem medieval, abriga o significado daquilo que guarda semelhança, agregou, mais tarde, outros significados relativos à construção do conhecimento através da idealização da imagem, ou do próprio objeto. Kant (Apud Abbagnano, 1998) inaugurou uma acepção bastante abrangente considerando o termo como manifestação de todo

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24 ato de natureza cognitiva, independente de sua semelhança com algo que pertença à realidade. Mas, de qualquer modo, o termo representação estará sempre, inerentemente, ligado às manifestações do real. Utilizado também para significar os conceitos de substituir, presentificar, algo ausente, explicitando um aspecto paradoxal, o termo em questão parece estar sofrendo desgastes com o desenvolvimento do pensamento. Sabemos que a representação é um artefato cultural constituído por convenções, pela técnica e pela ideologia (Aumont, 2004), entretanto, hoje o termo representação talvez deva ser entendido em sua acepção alargada, no sentido da elaboração de uma percepção que se expressa, seja através da imagem, da palavra, do corpo, das sonoridades, dos objetos. O debate em torno das representações mentais e das concretizadas através dos meios é extensivo. Não se trata aqui de fazer distinções, mas apontar para relações entre elas. Para Belting (2001) toda imagem visível necessariamente é inscrita em um suporte, isto se aplica também às imagens mentais, na medida em que se inscrevem de algum modo, em nosso corpo. Neste sentido tanto a percepção e como a fabricação de imagens são duas faces de uma mesma moeda, ambas são atos simbólicos já que percebemos o mundo de um modo distinto daquele que se apresenta de fato, e ao inscrevermos imagens, o fazemos através de símbolos. Assim, a oposição entre imagem e meio, forma e conteúdo, correlatos da oposição entre matéria e espírito, não faz sentido, ambos participam do mesmo processo de simbolização. Para o autor uma imagem é mais que o produto de uma percepção, é resultado de uma simbolização pessoal ou coletiva. É neste sentido que devemos compreender os modos que encontramos para apresentar as obras de Guto Lacaz, seja por meio do vídeo, das animações, fotografias e músicas presentes no audiovisual apresentado. Quadro, corpo, percepção O ato de perceber implica em um processo de interpretação e síntese. Interpretar, sintetizar e comunicar, são processos que estão sujeitos ao perfil cultural e sensível de quem percebe. Assim, a expressão do objeto percebido só pode adquirir uma configuração a partir de um ponto de vista, escolhido por alguém, de acordo com os

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25 seus critérios e recursos. Esta configuração é a expressão do seu entendimento da realidade, de sua relação, de sua postura, frente a ela, de suas estruturas culturais enfim. É importante lembrar também que a cultura está circunscrita a uma estrutura espaço/temporal. Qualquer imagem, ao ser uma imagem, é por si limitada por suas bordas, pelo que se convencionou chamar de quadro, mesmo nossa visão apresenta-se desfocada nas bordas, dependente do movimento dos olhos, da cabeça, do corpo. A imagem que chega aos nossos olhos aproxima-se mais do formato circular, a lente da câmera, circular, recepciona a imagem, o corte retangular que se insere no centro deste círculo isola as distorções que se projetam em suas bordas, provavelmente seja expressão de uma busca de precisão na construção de um espaço referencial. A caixa da objetiva que produz a imagem quadrangular, está presente nas várias etapas da realização da fotografia, do cinema, desde a captação da imagem à sua recepção, nos aparelhos, no papel e até na moldura, na tela. Ela é denominada, não inocentemente, de janela, por meio da qual percebemos o mundo. Esta quadrificação nada tem de natural, ela é construída, cultural, possui uma dimensão simbólica e está presente nos códigos dominantes da representação, nas estratégias da composição. Este dispositivo está intimamente relacionado ao espaço topológico, definido por Dubois (1999) da seguinte maneira: [...]chamo de espaço topológico o espaço referencial do sujeito que olha no momento em que examina uma foto e na relação que mantém com o espaço da mesma. De maneira geral, de fato, a topologia - utilizarei aqui o termo nesse sentido -, é o que define espacialmente nossa presença no mundo. É algo de completamente decisivo para nós no plano existencial (cf. os trabalhos de Piaget), pois fundamenta toda a consciência que temos da presença no mundo de nosso próprio corpo (DUBOIS, 1993, p.212, parêntesis do autor). Somos seres eretos dotados de lateralidade, estas definições espaciais, de nossa presença no espaço, estão insistentemente presentes no universo das representações colocando em relação o espaço referencial, o representado, o da representação e o espaço topológico de quem olha.

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26 Quando tiramos uma fotografia tradicional de uma paisagem, por exemplo, iremos fotografá-la em pé, levaremos a objetiva aos nossos olhos e trataremos de manter o horizonte paralelo à base do papel e, quando formos observá-la, iremos colocá-la horizontalmente diante de nossos olhos, os bordos quadrangulares funcionarão como uma espécie de registro que nos permitirá identificar, relacionar estes espaços. Na fotografia o espaço registrado, é um espaço a ser tomado do mundo, ou deixado de lado, opera numa ação de subtração de todo um espaço pleno, contínuo e, por mais que seja uma foto produzida, maquiada, manipulada, o seu objeto faz parte do espaço no qual estamos, nós mesmos, inseridos. Uma imagem, talvez não seja supérfluo dizê-lo após Lacan, é, a um só tempo, gato por lebre, a ótica e o imaginário... Fazer uma imagem é, portanto, sempre apresentar o equivalente de um certo campo – campo visual e fantasmático, e os dois a um só tempo, indivisivelmente (Aumont, 2004, p. 114). De todo modo, uma imagem se oferece ao olhar, para ser interpretada pelo seu espectador, que supre as lacunas da imagem, pois toda imagem tem caráter abstrato, simbólico e trata de sínteses (Gombrich, 1986). Neste sentido faz parte da ação do espectador a interpretação da imagem, que cria imagens através de seu olhar, inscreve-as em sua mente, tornando-se ao menos de modo potencial também criador, e fazendo da imagem um meio de comunicação intersubjetivo de nossa experiência no mundo. Neste sentido o audiovisual se apresenta como um rico e denso instrumento de pesquisa e registro de uma realidade consubstanciando-se assim como um documento eficiente em muitos aspectos. Da mobilidade do olhar Através de uma imagem, seja fotografia, desenho, pintura, podemos sugerir noções de movimento, porém não da passagem do tempo, contudo, nenhum destes recursos de linguagem se aproxima ao que uma câmera de cinema pode fazer em termos de expressão do movimento, potencializada pela agilidade dos recursos videográficos e digitais.

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27 Um exemplo claro disto é o vídeo, um sistema híbrido que opera na fronteira de códigos distintos, provindos da pintura, da fotografia, do cinema, do teatro, da literatura, do rádio e agora também da gráfica digital, aos quais agrega elementos próprios de linguagem. Diante de uma imagem fixa ainda somos a um só tempo, escravos e senhores de nosso próprio olhar. Nós temos o poder de decidir para onde e quando iremos dirigir nosso olhar e embora os limites do quadro existam de fato, a imagem tem o poder de criar uma realidade para além destes, e, nossa imaginação capaz de sublimá-los. Enquanto no audiovisual o olhar é capturado numa ilusão de liberdade, na medida em que os limites do campo visual são móveis, podemos dizer que é aprisionado pela condução da câmera que dirige o olhar no universo limitado do plano que ao mesmo tempo revela e oculta. Embora o audiovisual permita esta extrema mobilidade, a participação do artista e designer Guto Lacaz foi muitas vezes determinante da condução da câmera, seja no momento das entrevistas, seja na gravação de suas performances. Em função do movimento do seu corpo, da ordem de seu atelier, da demanda dos objetos presentes em cena. Desmaterialização e intersubjetividade No vídeo e, sobretudo nas tecnologias digitais somos capturados pelo fluxo variável, ágil, abismal, vertiginoso, gerado pelo acúmulo de informações, pelos layers/janelas que se sucedem ininterrupta, rápida e surpreendentemente. Somos conectados, imantados, absorvidos pelo jogo da sedução e da identificação, na medida em que, sobretudo agora, nós fazemos o papel de condutores do olhar e da nossa ação, ao menos de modo potencial, mais intensivo e extensivo. Com o acesso às tecnologias digitais, à intervenção e interação, os limites da imagem se estabelecem em um plano imaterial, cujo caráter tende à abstração e à subjetividade. O acesso à produção da imagem potencializa estes jogos na medida em que o espectador é, ao menos de forma latente, seu autor também, aproximando o espectador da possibilidade de intervenção naquela imagem, naquela representação.

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28 As obras do artista assim como as animações presentes neste audiovisual em questão buscaram apresentar esta possibilidade, no sentido de potencializar as relações intersubjetivas entre obra e espectador. A imagem assim, assume uma realidade própria e perde também seu poder de atestação, mas ganha estatuto abstrato do texto, que se apresenta para decifração, capturando não somente nosso olhar, como nosso pensamento. Assim uma imagem, seja fotografia, um desenho, um vídeo de um objeto empírico de pesquisa se apresenta como questão de debate e reflexão, inclui e envolve o espectador, torna-se imagem questionante. Temos também como objetivo, após encaminhar o vídeo em questão para festivais de vídeo, e depois para programas de televisão tais quais Arte 1, TV Brasil, TV Cultura, disponibilizar este trabalho na internet, oferecendo ao espectador esta relação mais profunda, autônoma e democrática, com este trabalho. O olhar se inventa, se descobre e se modela através dos dispositivos técnicos (Aumont, 2004). Assim, as tecnologias podem ser compreendidas como processos de criação coletivos que buscam o entendimento da realidade, e em última instância, da subjetividade humana, que se explicita através da criação. Se a imagem em si já agrega um caráter abstrato, sua desmaterialização por meio das tecnologias digitais, o amplia e intensifica. A fotografia ainda mantém a materialidade da imagem e ainda permite o contato físico com ela. Já o cinematógrafo acrescenta um dispositivo mediador entre a prefiguração, a captação e a visualização da imagem, o sistema de projeção. Agora a imagem se torna visível, mas não palpável, embora ainda se realize através da materialidade da película. O processo de desmaterialização da imagem intensifica-se com a televisão cuja imagem se estruturou no paradigma da difusão, ao vivo, sem registro algum. Com as tecnologias digitais, este processo torna-se radical, aqui não há mais necessariamente contato do dispositivo com o referente, a imagem pode ser elaborada na máquina, e esta se torna origem e habitat da imagem. A máquina não cumpre mais somente a função de organizar, registrar, visualizar imagens captadas da realidade, mas também

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29 de concebê-las. Junto ao processo de desmaterialização podemos observar a intensificação do dado do movimento e uma aproximação com o estado de abstração. A desmaterialização da imagem vem acompanhada da dissolução entre fronteiras formais e materiais, entre suportes e linguagens, onde imagens são compostas a partir de origens diversas, fotografias, pinturas, desenhos, textos, vídeo. O tempo no cinema é dado, e embora possamos alterar o ritmo do fluxo das imagens através da câmera lenta ou rápida, a sua inscrição no celulóide é definitiva, no momento da projeção o espectador deve se submeter a este tempo dado. A partir das tecnologias videográficas e, sobretudo nas digitais, o tempo torna-se agilmente manipulável, móvel, podemos a qualquer momento acelerar, desacelerar, intercalar, mover, o fluxo das imagens. Buscamos em nosso trabalho explorar todas estas capacidades da linguagem audiovisual e o slow motion foi um recurso muito acessível e eloquente na captação das imagens da obra 18 (Fig, 16), quando fomos gravar na raia olímpica da USP. Do ponto de vista expressivo, permitiu observar o movimento dos remos, do corpo, das águas, agregando uma esfera poética ao acontecimento. Fig. 16 - Guto Lacaz, 18, 2016, Performance. Coleção do artista. Fonte: Mirabilis

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30 Podemos nos referir ao vídeo como técnica, linguagem, processo, obra, meio de comunicação, imagem, dispositivo. Para Dubois (2004), o vídeo é antes um estado da imagem do que um objeto, a um só tempo objeto e processo, obra e meio, privado e público. Dubois defende o vídeo como uma forma que pensa imagens, o que elas são, fazem, ou criam. Situa-se entre a arte e a comunicação, entre a pintura e a televisão, entre o vídeo-arte e o documentário, entre o cinema e a imagem digital, é entendido como passagem. Neste sentido buscamos alcançar um caráter artístico com este audiovisual. No entanto, percebemos que seria necessário um tempo mais alargado para alcançarmos este objetivo, sem perder o caráter de documento acadêmico. Estas potências do audiovisual são desafiantes na medida em que muitas possibilidades se apresentam, desde a escolha dos elementos que vão compor este audiovisual, sendo necessário, ao mesmo tempo, estabelecer uma unidade conceitual, simbólica, gráfica, agregando imagens de fontes diversas, o vídeo, a foto, o desenho, vinhetas, animações, o som. Por outro lado esta abertura permite explorar variadas formas de expressão, tornando a atividade de produção muito rica e densa. Podemos acrescentar que vídeo é dotado de uma mobilidade e uma mutabilidade capaz de se reinventar permanentemente, na mesma proporção de seu próprio repertório. Capaz de articular duas extremidades opostas, de um lado da desconstrução da imagem proposta pelos cânones clássicos e de outro um domínio do processo gerador da imagem, através de uma ordenação matemática. Capaz de alcançar uma síntese através desta fértil e híbrida interlocução. Para Dubois (2004) o vídeo instaura novas modalidades de funcionamento do sistema de imagens. Imagens para contar histórias, proporcionar experiências sensíveis, gerar reflexões, para estimular o olhar, comunicar, apresentar, expressar, revelar. Buscamos, deste modo a proporcionar ao espectador, estas experiências acima, na aproximação com a obra de Guto Lacaz. Vemos assim o vídeo como um grande campo de exploração interdisciplinar de estudos do fenômeno da imagem e como um grande instrumento para o desenvolvimento de pesquisas e construção do conhecimento. Pesquisa com Imagens: construção de conhecimento, criação e cultura

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31 Em uma pesquisa que envolve linguagens visuais e audiovisuais a investigação do processo de criação é muito adequada, já que a própria constituição das imagens é resultado dele. Entendemos o processo de criação como um processo de construção de conhecimento que se dá a partir da observação do mundo, do conhecimento armazenado na memória, da atividade da imaginação criadora, que articula teoria e práxis, coração e intelecto. O que move o criador é a necessidade de conhecimento, que não deixa de ser conhecer a si mesmo, o que implica em um entendimento do ser em todas as suas abrangências e aprofundamentos. E, na medida em que criamos e devolvemos esta percepção elaborada do mundo, o investimos de novos significados, e, portanto, em conhecimento. (Salles, 1998, 2006). É importante considerar também que no processo da própria pesquisa, muitas vezes indagamos quais elementos, pontos de vista, abordagens, metodologias adotar, no sentido de lançar um olhar próprio sobre assuntos a ela relacionados. Projetar é lançar à frente, ao futuro. Formulamos indagações acerca dos fenômenos e através da criação de métodos de pesquisa buscamos repostas, aproximações. Portanto, um projeto de pesquisa é algo que inicialmente não existe concretamente, somente enquanto ideia. É uma atividade enfim que se aproxima, muitas vezes, do fazer criador, que em si é investigativo. A Antropologia Visual apresentou formas de investigação dos fenômenos culturais e um amplo potencial no estabelecimento de interfaces com o estudo dos processos de criação, da cultura e das linguagens visuais e audiovisuais. Para Salles (2006), processos de criação estão necessariamente inseridos em uma cultura que constitui afinal uma memória coletiva e ao mesmo tempo um mecanismo de conservação, transmissão e elaboração de novos textos. Conhecer os procedimentos criativos, envolve, sob este ponto de vista, a compreensão do modo como os processos culturais passam a pertencer às obras em construção. Algo é certo, essas interações abrigam o que vem de fora em um complexo intercruzamento refratário às leituras dicotômicas... (SALLES, 2006, p.50). O enfoque sobre o fenômeno da criação pode recair em um ou outro elemento do seu processo, como no estudo das tendências que se apresentam, dos processos que envolvem o complexo percepção/memória/imaginação, entendidos como

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32 interlocutores e que se articulam de forma associada, assim como a tríade percepção/pensamento/ação e seus correlatos. Apresenta-se, ainda, a possibilidade de aprofundar o estudo do processo de criação através dos fenômenos que sobre ele incidem, ou dele irrompem como as pesquisas, a experimentação, os momentos de decisão, os acasos, entre outras possibilidades. Já que às vezes cada um destes elementos pode funcionar como um nó de uma rede de relações gerando confluências. Embora possamos concentrar nosso enfoque para alguns dos constituintes identificados pela crítica de processos, é importante sempre lembrar que o processo de criação se desenvolve de modo complexo, fluído onde todos estes elementos agem simultaneamente. Podemos identificar cada um destes elementos na obra de Guto Lacaz, como a memória e a imaginação estão associadas em seus processos criativos, como a experimentação e o acaso incidem sobre suas obras, e a importância da pesquisa na construção de seu trajeto como artista. Pela necessidade de estabelecer novos paradigmas, a partir da presença das mídias digitais, estudos recentes sobre o processo de criação o observam como uma rede de conexões, cuja densidade está relacionada à multiplicidade de relações que a mantém (Salles, 2006). A noção de rede tem se apresentado como um conceito presente e fundante em diversas áreas do conhecimento, sobretudo na medida em que é apontada como uma forma de observar a construção do próprio pensamento, onde os elementos, ou nós que a criam, estabelecem uma relação recíproca, interativa, móvel, instável, apresentando uma tendência, na direção de um movimento de expansão e aprofundamento. A presente pesquisa se apropriou de forma intensa desta plataforma para o seu desenvolvimento, seja para pesquisar a obra de Guto Lacaz que se encontra em seu site, para levantar outras pesquisas já realizadas, para trocas de imagens, vídeos, animações, músicas e textos, possibilitando uma interação e uma mobilidade entre os integrantes da equipe. Parente (2004) aponta para a proximidade existente entre máquina e homem, onde a

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33 máquina é resultado de um processo de subjetivação. O autor ainda discorre sobre nosso modo de operar na contemporaneidade, para ele agimos cada vez mais como editores ou montadores e nossa memória funciona cada vez mais como uma ilha de edição não linear. Poderíamos mesmo dizer que as máquinas digitais são expressões de nossa forma de perceber, pensar e agir, já que são frutos de processos de criação: percepção/expressão, intenção, pesquisa, reflexão, decisão e ação. Sob esta perspectiva, é importante que observemos o fenômeno da criação não mais como um processo que ocorre de forma linear, não é mais possível estabelecer etapas, mas picos, ou nós que podem ser ativados, retomados e interconectados, a qualquer momento, em um corpo teórico de conceitos interrelacionados (Salles, 2006). Percepção/Expressão Trago a contribuição de Merleau-Ponty para esta reflexão no sentido de compreender, no plano da filosofia, e no contexto do processo de criação, como entendemos o fenômeno da percepção e como ela atua nos processos de elaboração dos dados da realidade. Através da Fenomenologia da Percepção e da Antropologia Visual compreendemos que o ato de documentar, de registrar uma realidade, inclui aquele que documenta no próprio fenômeno. “O objecto de estudo da antropologia não é (totalmente e só) exterior ao investigador, isto é, somos parte do mundo que estudamos. Isto não é apenas uma questão metodológica, mas também um facto existencial.” (RIBEIRO, 2005, p.18). A fenomenologia da percepção apontou para a importante interferência da subjetividade nos processos de análise dos fenômenos. Merleau-Ponty (1969) alertou para a importância do corpo nos processos perceptivos. Um corpo complexo que abarca, no tempo e no espaço, os sentidos, a memória, a imaginação, esclarecendo as inter-relações entre a identidade poética, as coisas, os seres e os lugares. Onde o corpo é a sede do diálogo entre o mundo e o eu, através da interlocução entre a percepção, a memória, a imaginação e a ação.

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34 De acordo com a filosofia cartesiana, o processo de investigação deve se dar de maneira científica, metódica, objetiva, não se deixando perturbar pela fantasia ou pela paixão. Importa considerar a contribuição deste método de investigação, já que lança bases objetivas de análise. Entretanto, vale frisar o contexto em que se estruturou a metodologia de pesquisa proposta por Descartes, na medida em que nos auxilia no exame do pensamento de Merleau-Ponty, que não propõe substituir os métodos racionais por um método contrário, mas vincular o pensamento filosófico à experiência vivida inerente ao corpo sensível, sede tanto do espírito matemático, como também dos sonhos e das paixões (Merleau-Ponty, 1969). O mundo se apresenta à nossa percepção, e neste exato momento inaugura-se o processo de criação, o próprio ato de perceber já se dá como criação onde participam as funções da memória e da imaginação, portanto, a percepção é elemento fundamental desse processo. Assim, através do processo de criação, o mundo apresenta-se à percepção enquanto possibilidade (Merleau-Ponty, 1969). O autor reflete de modo sistemático e durante toda a construção de sua obra, sobre a importância da imagem na relação entre os homens, sua cultura, suas coisas, seus ambientes. Para a fenomenologia de Merleau-Ponty (1969), a Forma não é algo externo ao ser, para ter alguma espécie de significação é necessário haver uma comunicação entre a objetividade e a subjetividade, já que a Forma é expressão de algo percebido e elaborado. Deste modo, a simples escolha dos temas de nossa abordagem é fruto de uma experiência prévia e de uma elaboração dos dados colhidos do mundo. O audiovisual como instrumento de pesquisa A linguagem audiovisual é capaz de agregar a imagem e o som, o que inclui a fala, os ruídos locais, a música, a palavra, a narração, assim como agrega a presença de elementos visuais, sejam eles centrais ou periféricos, determinados pela sua importância icônica, indicial ou simbólica. Trata-se de uma linguagem complexa, de múltiplas abordagens, que demanda o conhecimento destas diversas linguagens. De modo geral, em uma produção audiovisual ficcional partimos geralmente de uma

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35 ideia, para elaborarmos em seguida um argumento e a partir dele estruturarmos um roteiro (Comparato, 1995; Field, 1975). Tendo em mãos um roteiro previamente estruturado, inaugura-se o momento da captação das imagens, para depois, realizar a montagem finalizando assim o audiovisual. Entretanto vemos em Nichols (2005), Vertov (1929) e Ribeiro (2004, 2005) entre outros autores e títulos, modos diversos de produção audiovisual. José Ribeiro (2004) aponta para um paralelismo entre as proposições de Vertov e os métodos de pesquisa em Antropologia Visual, ambas organizadas em 6 etapas, abaixo descritas de forma sucinta, onde o conceito de montagem se dá a partir da própria observação, e se apresenta nas etapas subseqüentes como na formulação de hipóteses e análises. Teoria da Montagem de Vertov Intinerário de pesquisa em Antropologia Visual Montagem durante a observação Abordagem do terreno Organização mental dos dados observados Formulação de hipóteses Montagem durante a captação Trabalho de terreno, recolha dos dados Primeira organização do material bruto, captação complementar Avaliação das hipóteses, retorno ao terreno Seleção dos fragmentos estruturais Articulação do discurso Montagem final acentuando o foco do filme Hierarquização dos temas, síntese Assim, identificamos uma possibilidade de viabilizar uma confluência entre antropologia visual, a fenomenologia da percepção e a produção audiovisual, sobretudo a partir de seu entendimento de montagem. A montagem ao final se mostrou bastante trabalhosa, consumindo um tempo

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36 bastante significativo, pois as escolhas, desde a alternância dos planos, a seleção dos trechos das entrevistas, a disposição da sequência dos temas, cada um destes elementos carrega consigo várias dimensões, desde as dimensões objetivas do discurso verbal e plástico das imagens; da relação entre a direção, o artista e suas obras; à sua dimensão poética e simbólica entre outras complexidades. Assim, cada escolha impacta de forma incisiva no produto final. Para Vertov a câmera é uma extensão permanente do olho, liberta-o de sua imobilidade, possibilita aproximações, distanciamentos, deslocamentos para cima para baixo, através. Favorece a observação, a exploração, o desvendamento do real, educa e organiza o olhar do espectador. Para Nichols (2005), qualquer que seja a natureza ou a intenção de uma peça audiovisual, sempre, de algum modo, ela estará registrando a realidade. O que distingue um filme de ficção de um documentário é o seu objeto: a realidade dos fatos, denominado por Nichols de documentários da representação social, ou a realidade das subjetividades, que para o autor denomina-se, documentário de satisfação dos desejos. Tanto o trabalho de terreno proposto pela Antropologia Visual, como o trabalho ativo de observação e mobilidade como propõe Vertov, não permite que se parta de um roteiro pré-determinado de filmagem. Não há regras, há uma incessante e atenta busca, no sentido da investigação. Por maior que seja o desejo de conquistar a neutralidade, sabemos que o cineasta, a cada decisão, seja no que diz respeito aos procedimentos de captação, o enquadramento, a distância da câmera, o tempo da tomada, seja no que diz respeito à montagem, a escolha das cenas, a sua duração, ordenação, o momento do corte, explicita seu olhar sobre a realidade; a neutralidade, afinal, é ilusória. Decorre disto uma maior implicação do espectador, que se vê impelido a questionar o que está vendo. Para Ribeiro (2004), até pouco tempo atrás, setores mais ortodoxos da academia, entendiam que o filme etnográfico ainda apresentava possíveis ligações perigosas com as tentações da estética do espetáculo e possíveis desvios em função da

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37 dependência de financiamento. Hoje, os meios não constituem mais obstáculos metodológicos para o desenvolvimento das pesquisas. Pelo contrário as ferramentas digitais de captação e montagem permitiram que o processo se desenvolvesse de modo exploratório. A introdução do cinema no dispositivo da pesquisa do etnólogo modifica profundamente a relação entre a observação e a linguagem na pesquisa e na exposição de resultados, libertando a linguagem da descrição, exercida agora com muito mais rigor pelo registro audiovisual, atribuindo-lhe novas funções, as de microanálise das manifestações sensíveis. A imagem torna-se central no processo de pesquisa e não mera ilustração do inquérito oral ou do texto. (Ribeiro, 2004, p 132) De acordo com estudos dos processos de criação, a concretização da obra suscita hipóteses que por sua vez são testadas e avaliadas, abrindo novas possibilidades de desenvolvimento da obra gerando uma proliferação de novos caminhos e concretização de novas formas. Tudo, potencialmente em movimento. (SALLES, 1998 e 2006) Podemos mesmo dizer que meios não só favorecem os processos exploratórios como aproximam o processo de observação, documentação, registro do mundo, dos processos de criação. Da fotografia à imagem digital encontra-se o vídeo, o vídeo como técnica, linguagem, processo, obra, meio de comunicação, imagem, dispositivo metodológico. Vemos assim o vídeo como um grande campo de exploração, pesquisa e experimentação. Tanto o processo da criação, quanto o da pesquisa, se dá num movimento contínuo de elaboração dos dados do real, deixando sensação de um trabalho móvel, em fluxo, sempre aberto para ser retomado, como um nó da rede que promove, ao mesmo tempo convergências, difusões, trânsitos. Percepção, memória, imaginação, ação Desvendar o desconhecido no processo de criação se apresenta como uma ação que se direciona a um processo de construção de conhecimento. Esta construção se dá em um inquieto movimento, num processo individual ou coletivo, seja para o desvendamento de tendências, seja na direção do conhecimento da natureza, no

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38 sentido de compreender melhor a subjetividade humana, ou a realidade no contexto do mundo, entre tantas possibilidades. Quantos aspectos ainda se apresentarão para a sua exploração e compreensão, seria improvável prever, já que cada descoberta propõe novos desafios. Assim, o processo de criação sempre apresenta novos aspectos a desvendar, a superar, a descobrir, a compreender. A percepção, como vimos, é um elemento fundamental e inaugural do processo de criação, tornando-se junto à memória e à imaginação instrumento de elaboração da realidade. Ao devolver sua interpretação do real, através do diálogo com a percepção, memória e imaginação, a atividade criadora engendra a realidade da obra que, por sua vez, incide sobre a própria realidade, transformando o nosso olhar, nossa apreensão e aprofundamento da compreensão do real. Obras reconhecidas pela coletividade se tornam históricas ao longo de gerações e oferecem-se como documentos de processo de criação em um plano coletivo, assim, a cultura elabora seus próprios processos através do diálogo com obras históricas e movimentos da atualidade. Entretanto, vale frisar, sabemos que a interpretação da cultura, é mutável e passível de revisões e reelaborações. O processo de criação se fundamenta na percepção, que se articula com a memória e a imaginação. Entretanto, sensações e pensamentos sem a inferência da ação não são suficientes, por si só, para concretizar o processo de criação. É através da ação que se realiza o diálogo com a própria obra em processo de elaboração, quando se aprofunda o projeto, quando se promove o desvendamento de suas tendências, através da interlocução entre sensação, pensamento e ação. A cada ação, cria-se uma nova proposição, novas sensações e pensamentos se apresentam solicitando novas ações. Ações promovem conhecimento na medida em que levam o criador a lidar com o objeto de sua ação, e para dar continuidade a esse processo o criador também é levado a adquirir novos conhecimentos, seja no sentido de promover um aprofundamento, uma superação ou uma alteração. Assim, a pesquisa, que abrange desde conhecimentos técnicos, científicos, filosóficos, antropológicos, entre outros, em função das tendências que se apresentam também é

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39 elemento integrante do processo de criação e podemos observar sua presença e importância em processos de criação, tanto de natureza individual, quanto coletiva. Entretanto, para que a ação possa se realizar é necessário que incida sobre a matéria, através de recursos e instrumentos, que guardam suas próprias leis. A experiência de realização audiovisual se mostrou muito produtiva para o desenvolvimento da pesquisa pois, embora muito exigente, exigiu uma pesquisa prévia, proporcionou uma imersão no trabalho do artista, apresentou questões importantes acerca do artista e sua obra, entre outras. A utilização de recursos criativos e instrumentos exigem conhecimento da matéria com a qual o artista está lidando, e esse conhecimento é alcançado através de testes e pesquisas, que se desenvolvem através da ação, do embate com a matéria. A necessidade de expressão e a busca por novas possibilidades expressivas fazem da transgressão um agente importante do processo de criação, já que através da transgressão, novos caminhos se apresentam para o desenvolvimento do processo. A transgressão não se restringe apenas aos recursos criativos, à matéria, opera também na esfera das concepções. Assim, se apresenta uma proximidade entre matéria e concepção. Transgressão e experimentação são ações intimamente relacionadas. O ato de transgredir é resultado da experimentação e envolve a decisão de transgredir. Em qualquer momento do processo de criação possibilidades de expressão são consideradas e testadas. Os testes serão então avaliados, no sentido de se observar o quanto correspondem à tendência do projeto idealizado, se haverá, ou não, necessidade de ajustes, novos testes, ou se deverão ser descartados. Assim, experimentos serão apropriados, reservados, ajustados ou então descartados, mas qualquer uma dessas ações implica em uma decisão, que se inscreverá de forma determinante no processo de criação. Muitos experimentos foram realizados, porém, como já dissemos, gostaríamos de ter tido um tempo mais alargado e tivemos receio de enveredar pela transgressão perdendo o caráter acadêmico da pesquisa. Pretendemos mais adiante de modo experimental, realizar esta transgressão a título de verificação desta possibilidade.

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40 Finalmente, os elementos que constituem o processo de criação se enlaçam em um fluxo de continuidades, o processo de criação opera uma permanente apreensão de conhecimento, uma contínua descoberta de novas formas de perceber e expressar os fenômenos da vida e a inauguração de obras que afinal, se constituem como universos próprios transformando a realidade. Arte, pesquisa e linguagem audiovisual Como já dissemos, desenvolvemos práticas laboratoriais audiovisuais e de campo na busca de possibilitar a aproximação com o processo de criação do artista através do recolhimento de material primário por meio de entrevistas com o artista, vídeos de exposições, trabalhos originais, vídeos das performances, e demais materiais de registros pessoais como croquis e desenhos. Deste modo buscamos identificar os caminhos do seu pensamento e de sua ação criativa, na relação entre a arte e o design, abordando como se dá a interlocução entre estes dois campos no processo de criação, assim como suas relações a tecnologia. A partir de análises sobre sua obra, na arte e no design, assim como estudos sobre as funções e papéis desempenhados por estas atividades na constituição da cultura contemporânea, emergiram análises que por sua vez foram problematizadas, abordando as relações entre a arte e o design, suas convergências e divergências, suas mútuas colaborações e distinções, o papel dos elementos integrantes do processo de criação, tanto em uma como em outra atividade e como cada uma delas se situa na constituição da cultura. Adotamos o desafio de apresentar os resultados desta pesquisa no formato audiovisual experimental, para o qual previmos a coleta de material imagético e a reunião de algumas tomadas em vídeo já realizadas anteriormente ao longo dos últimos 10 anos, assim como novas captações. Todavia a utilização do material de nosso acervo pessoal foi descartada devido à qualidade técnica das imagens. De todo modo estas nos serviram de fonte de pesquisa para a estruturação de um roteiro para o vídeo em questão. O processo de elaboração do vídeo será detalhado mais adiante. O audiovisual constitui um importante resultado desta pesquisa seja para a realização da reflexão, para construir uma aproximação com a obra do artista/designer assim como para a difusão de sua obra e dos resultados da pesquisa. Recomendamos assim, que o audiovisual seja observado como parte fundamental deste relatório. Para tanto é preciso acessar o link: https://vimeo.com/210535473 e

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41 inserir a senha: 8080. Entretanto é importante lembrar que se trata de documento ainda sigiloso pois pretendemos enviar este audiovisual para festivais de vídeo. Atualmente o acesso às tecnologias de produção audiovisual apresenta uma série de novas questões em diversos âmbitos. Com os novos softwares de tratamento das imagens os limites de atuação dos profissionais que lidam com imagens (cineastas, artistas, designers, antropólogos) ficam atenuados, tornando importante a colaboração interdisciplinar, no sentido de investigar e propor novos métodos e práticas de investigação e sua difusão (Ribeiro, 2004) O audiovisual engendra um documento capaz de agregar linguagens e expressões diversas, tornando o documento excepcionalmente rico em informações, seja do ponto de vista do fenômeno a ser observado, daquele que o observa, como se mostra potencialmente capaz de produzir experiências sensíveis. É importante considerar também que no processo da própria pesquisa, muitas vezes indagamos quais elementos, pontos de vista, abordagens, metodologias adotar, no sentido de lançar um olhar próprio sobre assuntos a ela relacionados. Considerando que toda pesquisa e documento audiovisual envolve um projeto era importante lembrarmos que projetar é lançar à frente, ao futuro. Assim, formulamos indagações acerca dos fenômenos e através da experimentação e da criação de métodos de pesquisa buscamos repostas, aproximações. Portanto, um projeto de pesquisa é algo que inicialmente não existe concretamente, somente enquanto ideia. É uma atividade, enfim, que se aproxima, muitas vezes, do fazer criador, que em si é investigativo. Roteiro em movimento De modo geral filmes de ficção se constituem a partir da elaboração de um roteiro. Entretanto este procedimento varia bastante sobretudo no que se refere à produção de vídeos artísticos e documentários. Vimos ao longo da história e ao longo do desenvolvimento das técnicas a adoção de diversos modos de construção de filmes sejam artísticos, de ficção, documentários ou filmes científicos, cada qual, ao seu modo, portadores de uma concepção de realidade.

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42 Sabemos que um roteiro, sobretudo na produção de vídeos experimentais e documentos, se constrói a cada etapa de sua elaboração, adquirindo diversas faces ao longo de todo o processo, da pesquisa à finalização. Eu monto quando escolho um tema (ao escolher um dentre os milhares de temas possíveis, eu monto quando faço observações para o meu tema (realizar a escolha útil dentre as mil observações sobre o tema), eu monto quando estabeleço a ordem de sucessão do material filmado sobre o tema (fixar-se, entre as mil associações de imagens possíveis, sobre a mais racional, levando em conta tanto as propriedades dos documentos filmados, quanto os imperativos do tema a tratar) (VERTOV, 1929, apud XAVIER 1983, p. 264). Em nossa experiência na produção de documentos audiovisuais experimentais vimos o roteiro, na produção de documentários, adquirir materialidades diversas a cada momento, sendo que o primeiro roteiro já se apresenta, de modo latente, na estrutura do próprio objeto de pesquisa. Assim, a partir de pesquisa prévia, envolvendo publicações, teses, artigos, registros da obra, a observação das obras apresentadas no site do artista, e de reuniões como grupo de pesquisa estabelecemos uma conceituação em forma de um mapa de palavras (Fig. 17) que nos auxiliou no início do processo. Fig. 17 – Fragmento do Mapa de Palavras.

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43 Deste modo optamos por realizar um documentário de natureza exploratória, partindo de dois princípios básicos da linguagem audiovisual, o plano e a montagem. Estes nos serviram de parâmetro, no sentido de indagar sobre alguns procedimentos, e opções metodológicas para a constituição de um roteiro final. Deleuze (2007), ao se referir sobre as distinções entre objetividade e subjetividade de uma câmera, observa que é justamente a impossibilidade de fazer estas distinções que a torna instigante, questionante, capaz de nos despertar tanto a emoção quanto nosso intelecto ou nossa psique. Esta capacidade do audiovisual, de revelar o indizível, permite expor por meio das relações entre as diversas linguagens, o vídeo, a palavra, os ruídos, a música, a animação, significados, agregando densidade aos fenômenos que se desenvolvem no entrecruzamento das várias linguagens que habitam o audiovisual. Na obra de Guto Lacaz podemos observar um trajeto que se desenvolve a partir do desenho e se expande para o espaço, muitas vezes em movimento. Considerando que muitas de suas instalações não podem ser remontadas para este documentário, entendemos que o recurso da animação poderia ser bastante eloquente para apresentar algumas delas. As animações também participam de modo importante, atribuindo movimento a alguns de seus trabalhos como os desenhos presentes em Desculpe a letra ( 2000, fig.18) e 80 desenhos de Guto Lacaz (2012, fig. 19) , que revelam uma qualidade narrativa, na busca de aproximação com a sua obra.

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44 Fig. 18 – Ilustração presente na publicação de desenhos: Desculpe a letra. Fig. 19 – ilustrações presentes na publicação 80 desenhos de Guto Lacaz, 2012. Numa análise sistemática, Aumont (1995) nos apresenta a noção de “montagem produtiva ou criativa” cuja função primordial é criar uma significação a partir da

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