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Prisões cautelares: excessos e avessos à função da pena

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GRANDE DO SUL

DANIELA BELIBIO

PRISÕES CAUTELARES: EXCESSOS E AVESSOS À FUNÇÃO DA PENA

Ijuí (RS) 2016

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DANIELA BELIBIO

PRISÕES CAUTELARES: EXCESSOS E AVESSOS À FUNÇÃO DA PENA

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso – TCC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Dhieimy Quelem Waltrich

Ijuí (RS) 2016

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Dedico este trabalho à minha família, que sempre acreditou em mim. Vocês são minha razão de ser e exemplo de vida.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus queridos pais, pela oportunidade, carinho e paciência.

À minha orientadora, por clarear meu caminho.

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“[...] todos os atos de um homem sobre o outro, que não derivem de absoluta necessidade, são tirânicos.”

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Esta pesquisa monográfica realiza, inicialmente, uma analise dos princípios constitucionais, com especial enfoque na colisão entre eles e na forma de resolução de tais conflitos, notadamente quanto ao princípio da presunção da inocência, a fim de propiciar uma investigação em busca da compatibilidade deste com as prisões cautelares. No âmbito da prisão preventiva, aborda sua origem, desdobramento legal, hipóteses de cabimento e base principiológica, tecendo considerações quanto à decretação da segregação cautelar com base na garantia da ordem pública e da ordem econômica. Nesse passo, ainda quanto à compatibilidade do princípio da presunção de inocência com a prisão preventiva, traz a ponderação de valores como forma de solução do conflito e com o fim de evitar falácias argumentativas que justifiquem sua decretação, finalizando com estudo de julgados de tribunais superiores.

Palavras-Chave: Processo penal. Presunção de inocência. Prisão preventiva. Ponderação de Valores. Falácias argumentativas.

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This monographic research initially does an analysis on the constitutional principles, with special focus on the collision between them and on the way to resolve such conflicts, notably about the principle of presumption of innocence, in order to provide an investigation in search of compatibility with the precautionary arrests. About the preventional detention, the research discusses its origin, legal scrolling, chances of appropriateness and principled basis, with considerations regarding the enactment of protective segregation based on the guarantee of public and economic order. In this step, still about the compatibility of the principle of presumption of innocence with preventionaldetention, brings the weighting of values as a means of conflict resolution and in order to avoid argumentative fallacies to justify their decree, ending with study judged superior courts.

Keywords: Criminal proceedings. Presumption of innocence. Preventional Detention. Weighting of Vallues. Argumentative Fallacies.

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INTRODUÇÃO ... 8

1 A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ... 10

1.1 Direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988 ... 10

1.2 Colisão entre princípios constitucionais ... 13

1.3 A resolução dos conflitos entre princípios constitucionais... 17

1.4 A presunção de inocência e seus desdobramentos legais ... 18

2 PRISÃO ... 23

2.1 Histórico da prisão ... 23

2.2 Hipóteses de prisões cautelares ... 27

2.3Descumprimento das medidas cautelares ... 30

2.4 Princípios aplicáveis as referidas prisões ... 31

2.5 A garantia da ordem pública e da ordem econômica ... 38

3 PRISÃO CAUTELAR E PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E OS EFETIVOS DANOS CAUSADOS PELA ANTECIPAÇÃO DA REPRIMENDA ... 48

3.1 A presunção de inocência e a prisão cautelar ... 48

3.2 Os efeitos trazidos pela Lei nº 12.403/2011 ... 51

3.3 Aplicação da ponderação de valores ... 54

3..4 Etudo de caso: absolvição posterior em caso de aplicabilidade de cautelar ... 58

CONCLUSÃO ... 65

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como escopo traçar um breve panorama acerca dos direitos fundamentais e sua positivação na Constituição Federal, a fim de efetuar uma investigação em busca das formas de solução dos conflitos entre direitos fundamentais positivados constitucionalmente, notadamente da decretação da prisão preventiva com fundamentações genéricas para garantir a ordem pública ou econômica à luz do princípio constitucional da presunção de inocência, corolário do processo penal.

Para atingir o objetivo principal, o presente trabalho será desenvolvido através de pesquisa bibliográfica e por meio eletrônico, analisando-se a legislação vigente, bem como os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários acerca do tema proposto. Isto com o propósito de interpretar a legislação em vigor e verificar como estes casos vêm sendo decididos, tendo em vista que a prisão é medida extrema, e deve, para sua legalidade, atender a uma série de pressupostos, fundamentos e estando presente uma das hipóteses de admissibilidade, tudo isso com a finalidade de assegurar o direito à liberdade garantido constitucionalmente.

Inicialmente, no primeiro capítulo, será feita uma abordagem dos direitos fundamentais, trazendo sua positivação na Constituição Federal, com definição e características. Segue uma análise das limitações e restrições a esses direitos fundamentais, limitações que decorrem da própria Carta Política, da colisão entre estes direitos que possuem mesma hierarquia e a não aplicação a eles das mesmas fórmulas de resolução de conflitos utilizadas para as regras. Também são analisados alguns métodos de solução destes conflitos, com especial enfoque para a ponderação de valores, através da qual um dos direitos conflitante deve prevalecer no caso concreto, sacrificando o outro para que haja uma solução útil e menos danosa. Ainda, traça-se uma breve análise sobre o princípio da presunção da inocência, que nada mais é do que a proibição de tratamento do acusado de forma análoga ao

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culpado e de que a obtenção da pena, como fim do processo, não justifica meios que firam garantias processuais.

No segundo capítulo, não olvidando a garantia constitucional à liberdade, a qual não se mostra como absoluta, será apreciada a prisão como restrição jurídica da liberdade por parte do Estado, detentor do monopólio da justiça. A privação de liberdade como uma das espécies de pena, de regra, aplica-se após o devido processo penal. No entanto, é autorizada pelo ordenamento jurídico pátrio a restrição de liberdade de forma cautelar, frente a riscos iminentes e efetivos, com o objetivo de garantir o natural andamento do processo e a aplicação da lei. Situa-se essa prisão processual como medida excepcional, pois no curso do processo a regra é a liberdade e o estado de inocência do acusado. Sobre esta espécie de medida cautelar de natureza pessoal será feito um estudo doutrinário acerca das hipóteses de cabimento e base principiológica, notadamente do pressuposto do fumus comissi delicti, que evidencia a justa causa para o decreto das medidas cautelares, e do fundamento do periculum libertatis, consistente na decretação da prisão preventiva para garantia da ordem pública ou econômica, para segurança da instrução criminal e para garantia da aplicação da lei penal.

A finalizar, será feita uma abordagem acerca da excepcionalidade da prisão preventiva diante das medidas cautelares diversas da prisão, principalmente com o advento da Lei nº 12.403/2011, que teve como objetivo diminuir a aplicação das prisões cautelares ante ao grande número de segregados que aguardam uma sentença. Nessa perspectiva, visa analisar em que hipóteses a intervenção estatal na liberdade do sujeito, em caráter preventivo, não afronta o princípio da presunção de inocência, demonstrando os fundamentos que devem ser usados para decretação da medida, visando garantir sua excepcionalidade, para não ser entendida como forma de antecipação de pena numa revisão inclusive jurisprudencial, para que se possa verificar como os tribunais vêm se manifestando acerca da temática.

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1 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal de 1988 deixou transparecer a intenção do constituinte em dar aos princípios fundamentais a qualidade de normas que embasam e informam toda a ordem constitucional, eles são a base estrutural do Estado, tendo em vista que estabelecem, ao menos no âmbito do processo penal, os limites à intervenção estatal e legitimam todas as fases do processo penal, sendo fundantes de um modelo processual democrático. Com a Constituição de 1988 houve o advento do princípio da presunção da inocência ou da não culpabilidade de forma expressa em nosso texto constitucional, em razão dessa garantia processual penal o acusado somente poderá ser considerado culpado após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Contudo, havendo previsão da possibilidade de privação da liberdade do imputado antes do término do processo, a saber, mesmo não o declarando culpado, surge então, ao menos aparentemente, um conflito de normas constitucionais.

1.1 Direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988

A limitação de poderes estatais e o constitucionalismo estão ligados ao surgimento dos direitos fundamentais positivados. Dessa forma, como a Constituição traz um sistema assegurador de liberdades, espera-se que proclame direitos fundamentais.

Na formação dos estados constitucionais modernos o direito positivo incorporou o conteúdo de justiça elaborado pelo jusnaturalismo racionalista e iluminista. Destarte, os direitos naturais foram consagrados nas constituições modernas como princípios normativos fundamentais, contendo imperativos negativos ou positivos, sendo função do Estado garantir os direitos fundamentais anulando atos que os contrariem. Após a Declaração de Direito de 1789 a positivação dos direitos naturais vem acontecendo em todos os textos constitucionais, incorporando grande parte dos princípios de justiça expressados pelas doutrinas do direito natural (FERRAJOLI, 2002).

O atual direito constitucional é resultado, em grande parte, da afirmação dos direitos fundamentais com núcleo na proteção da dignidade da pessoa e por sua positivação na Constituição. Esta positivação dos valores mais importantes à existência dependeu de maturação história e sedimentação dos direitos fundamentais como normas obrigatórias, tanto

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que assumem posição de destaque quando invertida a relação entre Estado e indivíduo e reconhecido “[...] que o indivíduo tem, primeiro direitos, e, depois, deveres perante o Estado, e que os direitos que o Estado tem em relação ao indivíduo se ordenam ao objetivo de melhor cuidar das necessidades dos cidadãos.” (BRANCO, 2012b, p. 205).

As normas constitucionais possuem parte orgânica e dogmática. A primeira normatiza aspectos da estrutura estatal, competência dos órgãos, formas de aquisição e exercício do poder. Já a parte dogmática proclama direitos fundamentais, norteando a ação do Estado e definindo valores indispensáveis para a comunidade (BRANCO, 2012a).

Conceituando Constituição em seu sentido substancial, Branco (2012a) refere ser a norma que, em benefício da autodeterminação dos indivíduos e grupos, limita a ação dos órgãos estatais, garantindo às pessoas uma posição fundamental ante o poder público, posição esta garantida através dos direitos fundamentais.

Ferrajoli (2002, p. 728-729) define direitos fundamentais como

[...] aqueles direitos cuja garantia é necessária a satisfazer o valor das pessoas e a realizar-lhes a igualdade [...] não são negociáveis e dizem respeito a “todos” em igual medida, como condição de identidade de cada um como pessoa e/ou como cidadão. [...] são tais enquanto constitutivos de igualdade.

Já Dimoulis e Martins (2012) conceituam direitos fundamentais como sendo direitos público-subjetivos de pessoas, física ou jurídica, que estão contidos em dispositivos constitucionais, possuindo o mais elevado caráter normativo dentro do Estado, e que tem como finalidade garantir a liberdade individual pela limitação do poder estatal.

Definindo direitos fundamentais em seu sentido material, Branco (2012b, p. 210) aduz serem “[...] pretensões que, em cada momento histórico, se descobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade humana.” Contudo, persiste o problema de discernir que pretensões podem ser capituladas como direitos fundamentais em cada um desses momentos históricos.

Para Ferrajoli (2002, p. 733), os direitos fundamentais se dividem entre “[...] direitos de liberdade (ou „direitos de‟) e direitos sociais (ou „direitos a‟): os primeiros correspondentes à vedações legais e prestações negativas; os segundos, a obrigações e prestações positivas do

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Estado.” Não sendo possível determinar o conteúdo dos direitos de liberdade e as diversas formas de seu exercício, mas somente os limites ou as condições que legitimam as limitações. Continua afirmando que os direitos fundamentais corresponderiam a valores e carências essenciais da pessoa, determinados historicamente e culturalmente, e que por “[...] sua qualidade, quantidade e grau de garantia que pode ser definida a qualidade de uma democracia e pode ser mensurado o progresso.”

Em relação às características dos direitos fundamentais, é possível apontar as que lhe são associadas com mais freqüência, pois dependem de fatores históricos e culturais de cada povo e Estado a que estão vinculados. Dentre elas está a universalidade, pela qual todas as pessoas são titulares de direitos fundamentais. Há, ainda, alguns direitos que pertencem a determinas pessoas, não interessando a todos os indivíduos, como os direitos dos trabalhadores. Uma característica muitas vezes atribuída aos direitos fundamentais é de seu caráter absoluto, situado em patamar máximo de hierarquia e não tolerando restrições, gozando de prioridade irrestrita até mesmo sobre o interesse coletivo. No entanto, essa característica não vigora, pois não há que se falar em direitos absolutos, tendo em vista que podem os direitos fundamentais sofrer limitações quando em conflito com outros direitos ou valores constitucionais também fundamentais. Outra característica é a historicidade, onde os direitos fundamentais só possuem sentido em um determinado contexto histórico, já que são proclamados em determinada época e desaparecem ou são modificados em outra, revelando sua índole evolutiva. A inalienabilidade significa que o titular de um direito não pode tornar impossível o seu exercício para si mesmo, não se justificando a preterição de um direito fundamental pelo consentimento de seu titular. Apenas possuem tal característica os direitos fundamentais que visam resguardar diretamente a vida, saúde e liberdade. Quanto à característica da constitucionalização, se refere ao fato dos direitos fundamentais serem introduzidos na ordem jurídica através de preceitos positivos, revelando o princípio da vinculação dos poderes públicos. Por fim, o princípio da aplicabilidade imediata garante que os direitos fundamentais não quedem como letra morta, tendo aplicação direta e imediata, independe da atuação do legislador para produzir efeitos (BRANCO, 2012b).

Dividindo os direitos fundamentais em dimensão subjetiva e objetiva, pela primeira os direitos fundamentais se referem à exigência de ação negativa ou positiva, especialmente de respeito à liberdade do indivíduo. Já a dimensão objetiva deriva do próprio significado dos direitos fundamentais como princípios basilares da ordem constitucional, servindo como

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limite ao poder e diretriz para ação. Tal perspectiva objetiva, pelo que anota Branco (2012b, p. 243), “[...] legitima até restrições aos direitos subjetivos individuais, limitando o conteúdo e o alcance dos direitos fundamentais em favor dos seus próprios titulares ou de outros bens constitucionalmente valiosos.”

Nesse sentido, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais requer a adoção de providências para resguardar os bens protegidos, podendo exigir a elaboração de medias restritivas de liberdade de ordem penal.

1.2 Colisão entre princípios constitucionais

Estando a Constituição repleta de termos vagos, diversas perspectivas e fórmulas surgem, sendo que a atribuição de sentido a preceitos constitucionais traz diversos efeitos à ordem jurídica e sobre o cotidiano dos indivíduos. Diante disso, Branco (2012a) ensina que é típico das constituições atuais a incorporação de valores morais, absorvendo noções de conteúdo axiológico, trazendo para a realidade do aplicador debates políticos e morais, não podendo ser descartada a compreensão do intérprete sobre esses temas. Contudo, adverte Branco (2012a, p. 123) que o exercício da interpretação não pode levar à dissolução da Constituição pelo voluntarismo ou opiniões do julgador, pois “A interpretação casuística da Constituição é esterilizante, como é também insensata a interpretação que queira compelir o novo, submetendo a sociedade a algo que ela própria, por seus processos democráticos, não decidiu.” Assim, a interpretação do Texto Constitucional esta propensa a controvérsias, que vão das técnicas aos limites a que se deve ater. Nesse sentido:

A interpretação orientada à aplicação não se torna completa se o intérprete se bastar com a análise sintática do Texto. Como as normas têm por vocação própria ordenar a vida social, os fatos que compõem a realidade e lhe desenham feição específica não podem ser relegados no trabalho do jurista. Para se definir a extensão e intensidade dos bens, circunstâncias e interesses atingidos pela norma, não se prescinde da consideração de elementos da realidade mesma a ser dirigida. (BRANCO, 2012a, p. 125).

Analisando os direitos fundamentais, certo é que podem sofrer limitações ou restrições, como afirma Sarlet (2006, p. 118) que “[...] inexiste direito absoluto, no sentido de uma total imunidade a qualquer espécie de restrição.” Contudo, tais restrições são limitadas, chamando-se de limites dos limites. Estes balizam a ação do legislador ao estabelecer

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restrições a direitos fundamentais, e decorrem da própria Constituição e da necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito individual frente à restrição imposta (MENDES, 2012a). Nesse mesmo sentido, Sarlet (2006, p. 118) define limites dos limites como “[...] restrições à atividade limitadora no âmbito dos direitos fundamentais, justamente com o objetivo de coibir eventual abuso que pudesse levar ao seu esvaziamento ou até mesmo à sua supressão.”

Na ordem constitucional brasileira, embora não haja contemplação expressa de proteção ao núcleo fundamental, tal ideia decorre do próprio modelo adotado pelo constituinte, com a imposição de limite do limite no artigo 60, § 4, IV, da Constituição (BRASIL, 2016a). Não podendo nenhuma restrição a direito fundamental afetar o núcleo essencial do direito que esta sendo objeto de restrição (MENDES, 2012a).

Visando atingir fins constitucionais, pode haver a restrição de alguns direitos fundamentais quando seus titulares se encontram em uma posição singular diante do Poder Público, para tanto, é necessário que exista concordância prática e ponderação de valores contrapostos em cada caso, além da necessidade da existência do devido respaldo constitucional. Por exemplo, “[...] os presos não vão poder cobrar o direito de livre circulação e a amplitude dos direitos políticos, mas não se justifica que se lhe recuse o direito à incolumidade física, a liberdade de crença religiosa ou mesmo o direito de petição.” (BRANCO, 2012b, p. 271).

Com o questionamento do que ocorre após duas posições protegidas como direitos fundamentais litigarem numa mesma situação jurídica, Branco (2012b) classifica as normas jurídicas em dois grupos: dos princípios e das regras. As regras correspondem às normas que exigem, proíbem ou permitem algo em termos categóricos diante de um fato. Na existência de conflitos entre regras, uma dispondo contrariamente a outra, a questão será resolvida em termos de validade, com critérios preestabelecidos e positivados, sendo eles: anterioridade, hierarquia e especialidade. No que tange aos princípios, são mandados de otimização, determinações para satisfação e proteção de um bem jurídico na sua máxima possibilidade. Desse modo, conforme o caso concreto, um princípio pode ser aplicado em graus diferenciados. A solução para eventual conflito entre princípios aplicáveis a cada situação não será aquela consagrada para o conflito entre as regras, mas sim é preciso buscar a conciliação entre eles, a aplicando cada um em extensões variadas, levando em conta a relevância para o

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caso concreto, não sendo, por essa aplicação, um dos princípios excluído do ordenamento jurídico pela contrariedade ao outro, como aconteceria no caso das regras.

O exercício de direitos fundamentais pode ensejar conflitos com outros direitos protegidos constitucionalmente. Por esse motivo, mostra-se necessário, antes de analisar as restrições de direitos, definir seu âmbito de proteção.

[...] o âmbito de proteção de um direito fundamental abrange os diferentes pressupostos fáticos e jurídicos contemplados na norma jurídica (v. g. reunir-se sob determinadas condições) e a conreunir-sequência comum, a proteção fundamental. Descrevem-se os bens ou objetos protegidos ou garantidos pelos direitos fundamentais. (MENDES, 2012a, p. 288).

Não há possibilidade de definição do âmbito de proteção de um direito fundamental com regras gerais. Para cada direito há um procedimento. De tal modo, a definição do âmbito de proteção de um direito depende de interpretação sistemática, abrangendo outros direitos e disposições constitucionais, sempre identificando o bem jurídico protegido e a amplitude da proteção, bem como, verificando as possíveis restrições constitucionais.

Existe colisão entre direitos fundamentais quando se verifica conflito do exercício de direitos individuais por titulares diferentes. Nesses casos, quando considerados abstratamente ambos os direitos são vistos como fundamentais, contudo, no caso concreto, a incidência de ambos leva a contradições (BRANCO, 2012b).

Pelo que leciona Branco (2012b), o conflito de direitos fundamentais pode ser contornado a partir da negação de sua ocorrência real, pela não abrangência ao caso concreto da norma jusfundamental. Nesse caso, a pretensão do indivíduo envolvido no conflito não está amparada pelo âmbito de proteção do direito evocado. Esse âmbito de proteção é a parcela que o legislador entendeu por definir como objeto da proteção do direito. O esclarecimento da situação material de direito fundamental, do bem jurídico objeto de proteção e dos limites desses direitos fundamentais contribui para firmar o âmbito de proteção do direito. É preciso enquadrar determinada conduta no sistema dos direitos fundamentais para aprontar sua proteção constitucional, já que situações semanticamente incluídas na norma de direito fundamental, não estão por ela protegidas. O direito não existe.

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fundamental – assunto que, muitas vezes, congrega correntes doutrinárias rivais. Retesa-se, pois, a sensibilidade do operador jurídico, dele se exigindo, ao cabo, que se mantenha fiel aos valores predominantes na sua sociedade, na busca de soluções justas, técnicas e com respaldo social. (BRANCO, 2012b, p. 269).

Nesse sentido, Mendes (2012a, p. 342) alude que “[...] nem tudo que se pratica no suposto exercício de determinado direito encontra abrigo no seu âmbito de proteção.” configurando conflito aparente, já que há um desdobramento do âmbito de proteção do direito fundamental. Existe a colisão autêntica apenas quando um direito individual afeta o âmbito de proteção de outro direito, devendo, em se tratando de direitos submetidos a reserva legal, o legislador estabelecer limites adequados a fim de assegurar a exercício pacífico dos direitos conflitantes.

A colisão entre direitos fundamentais, segundo Mendes (2012a), é dividida entre colisão em sentido amplo e colisão em sentido estrito. A primeira se refere à colisão entre direitos fundamentais e princípios e valores que visam a proteção da comunidade. A segunda se refere a conflitos apenas entre direitos fundamentais. A colisão em sentido estrito pode se referir a direitos fundamentais idênticos ou a direitos fundamentais diversos. Em relação à colisão entre direitos fundamentais idênticos pode ser dividida em quatro tipos, sendo eles: a) colisão de direito fundamental enquanto direito liberal de defesa; b) colisão de direito de defesa de caráter liberal e o direito de proteção; c) colisão de caráter negativo de um direito com o caráter positivo desse mesmo direito; d) colisão entre aspecto jurídico de um direito fundamental e o seu aspecto fático. No que se refere à colisão em sentido amplo pode haver relação conflitante entre liberdades individuais e a segurança interna como valor constitucional.

Para Branco (2012b) na falta de lei que estipule sobre a liberdade de direitos fundamentais, há de se recorrer aos princípios de concordância e de ponderação entre os direitos atingidos e os valores constitucionais que norteiam a relação fática.

Assim, não obstante serem direitos fundamentais, não se mostram como absolutos, podendo ocorrer em determinados casos concretos a colisão autêntica de direitos fundamentais, isto é, quando no exercício de direitos fundamentais por titulares distintos o âmbito de proteção de um se choca com o âmbito de proteção de outro direito igualmente fundamental, não podendo o exercício de ambos ocorrer na mesma situação fática. Dessa

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forma, a solução para tal conflito de direitos não será a mesma utilizada para o conflito das regras, devendo haver conciliação em seu exercício.

1.3 A resolução dos conflitos entre princípios constitucionais

Diante da colisão entre direitos fundamentais e a busca de qual bem ou direito deve prevalecer, o estabelecimento de uma fórmula rígida geraria hierarquia entre direitos individuais, acabando por desfigurar não apenas os direitos envolvidos, como o complexo normativo da Constituição Federal. Mendes (2012a, p. 345) anota que “Uma violação hierárquica diferenciada de direitos individuais somente é admissível em casos especialíssimos.” não podendo a pretensa colisão ser utilizada como pretexto para limitação de direitos fundamentais, que são, em princípio, insuscetíveis de restrição, nem mesmo por esforço hermenêutico pode ser permitida a redução, de forma drástica, do âmbito de proteção do direito. Não obstante, há direitos individuais que sofrem expressa restrição legal, restrição esta que não causa desvalor ao direito, significando apenas que a limitação é necessária para compatibilização com outros direitos ou valores constitucionais.

Dessa forma, objetivando-se a solução do conflito, as circunstâncias do caso concreto precisam ser consideradas “[...] pesando-se os interesses em conflitos, no intuito de estabelecer que princípio há de prevalecer, naquelas condições específicas, segundo um critério de justiça prática.” (BRANCO, 2012b, p. 262). Este juízo de ponderação entre princípios conflitantes pode ser feito tanto pelo juiz ao resolver uma lide, como pelo legislador ao determinar a prevalência de um direito sobre outro em dadas situações fáticas. Nesse sentido,

O juízo de ponderação a ser exercido liga-se ao princípio da proporcionalidade, que exige que o sacrifício de um direito seja útil para a solução do problema, que não haja meios menos danosos para atingir o resultado desejado e que seja proporcional em sentido estrito, isto é, que o ônus imposto ao sacrificado não sobreleve o benefício que se pretende obter com a solução. Devem-se comprimir no menor grau possível os direitos em causa, preservando-se a sua essência, o seu núcleo essencial [...] (BRANCO, 2012b, p. 263).

O exercício da ponderação deve levar em conta o grau de interferência da escolha de um direito sobre o outro e a ponderação “[...] deve ter presente a própria confiabilidade das premissas empíricas em que se escoram os argumentos sobre o significado da solução

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proposta para os direitos em colisão.” (BRANCO, 2012b, p. 264).

Para solução dos conflitos, deve-se atentar ao juízo de ponderação, dando azo as circunstâncias práticas de cada caso. Mendes (2012a) leciona que a jurisprudência tem tentado orientar a ponderação dos bens conforme cada caso concreto, levando em conta todas as circunstâncias envolvidas, dando especial guarida ao princípio da dignidade da pessoa humana. Ainda, para Mendes (2012a, p. 337) a aplicação do princípio da proporcionalidade levaria a uma solução mais justa, porque “[...] qualquer medida concreta que afete direitos fundamentais há de mostrar-se compatível com o princípio da proporcionalidade.” não sendo suficiente a solução por uma fórmula legislativa, pois não abrangeria a todos os casos e suas circunstâncias.

Para Sarlet (2006, p. 78) a proteção dos direitos fundamentais se dá pela observância da dignidade da pessoa humana, a qual a Constituição Federal erigiu “[...] à condição de fundamento de nosso Estado democrático de Direito [...]” tendo em vista que ela atua simultaneamente como limite dos direitos e limite dos limites, sendo barreira contra a atividade restritiva dos direitos fundamentais. Além disso,

É justamente neste contexto que o princípio da dignidade da pessoa humana passa a ocupar lugar de destaque, notadamente pelo fato de que, ao menos para alguns, o conteúdo em dignidade da pessoa humana acaba por ser identificado como constituindo o núcleo essencial dos direitos fundamentais, ou pela circunstância de – mesmo não aceita tal identificação – se considerar que pelo menos (e sempre) o conteúdo em dignidade da pessoa humana em cada direito fundamental encontra-se imune a restrições. (SARLET, 2006, p. 119).

Assim, os princípios constitucionais podem ter pesos abstratos diversos, embora as normas tenham o mesmo status hierárquico, devendo-se levar em conta, no exercício da ponderação, o grau de interferência que cada escolha pode ocasionar, não existindo um critério de solução válido em termos abstratos, devendo ser determinada a prevalência de um direito sobre outro pelas peculiaridades da situação fática.

1.4 A presunção de inocência e seus desdobramentos legais

Uma das discussões no âmbito de proteção da presunção de inocência é da sua (in)compatibilidade com a prisão cautelar. Consagrado de forma expressa no direito positivo

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constitucional, no artigo 5º, LVII, da Carta Constitucional, o princípio da presunção da inocência ou da não culpabilidade preceitua que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

De início, a expressão presunção de inocência, que se trata de uma formulação positiva, e presunção de não culpabilidade, uma formulação negativa, são equivalentes. Giacomolli (2013, p. 21, grifo do autor) leciona que “Distinguir é reduzir o alcance da regra humanitária do status libertatis [...] em suma, diferenciá-las é afastar a presunção da inocência, embora se trate de presunção iuris tantum.”

A adoção do princípio da presunção da inocência ou da presunção da não culpabilidade mostra a opção constitucional de modelo de processo penal, assim, “A presunção de inocência é um princípio de elevado potencial político e jurídico, indicativo de um modelo basilar e ideológico de processo penal, interferindo, substancialmente, na limitação do direito de liberdade do cidadão.” (GIACOMOLLI, 2013, p. 22). A estruturação, interpretação e aplicação desse princípio deve seguir a lógica da dignidade e dos direitos essenciais da pessoa, afastando-se dos modelos inquisitoriais, que partiam do pressuposto da presunção de culpabilidade.

A presunção da inocência é uma projeção dos princípios do devido processo legal, do Estado Democrático de Direito, do contraditório, da ampla defesa, do favor libertatis, do in dubio pro reo e da nula poena sine culpa (BULOS, 2014).

Nesse mesmo sentido, Mendes (2012b, p. 741) aduz que a garantia de presunção de não culpabilidade é entendida “[...] como princípio que impede a outorga de consequências jurídicas sobre o investigado ou denunciado antes do trânsito em julgado da sentença criminal.”

Lopes Jr. (2014) divide a presunção da inocência em duas dimensões: interior e exterior ao processo. A dimensão interna refere-se a um dever imposto ao juiz, para que determine que o ônus probatório seja inteiramente da acusação, pois o réu, sendo inocente, nada precisa provar, ainda, em caso de haver dúvida esta levará à absolvição. Além disso, a dimensão interna restringe o uso das prisões cautelares. Na dimensão externa ao processo, a presunção de inocência cobra uma proteção contra a publicização e estigmatização do réu.

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Desdobrando o princípio da presunção da inocência em três aspectos, Capez (2012) estabelece que ele será verificado: a) no momento da instrução processual, com a inversão do ônus da prova; b) no momento da avaliação da prova, em caso de haver dúvida a prova será valorada a favor do réu (in dubio pro reo); c) no curso do processo penal, como modelo ao tratamento do imputado, notadamente na análise da necessidade da prisão cautelar.

Ferrajoli (2002, p. 441) relaciona o princípio da presunção da inocência com o da submissão à jurisdição, na medida em que

Se a jurisdição é a atividade necessária para obter a prova de que um sujeito cometeu um crime, desde que tal prova não tenha sido encontrada mediante um juízo regular, nenhum delito pode ser considerado cometido e nenhum sujeito pode ser reputado culpado nem submetido à pena.

O princípio da submissão à jurisdição, em um sentido lato significa que não há culpa sem juízo, e em sentido estrito que não há juízo sem que a acusação se sujeite à prova e à refutação. Dessa forma, o princípio da submissão à jurisdição exige que a presunção da inocência do imputado seja respeitada até a sentença condenatória definitiva. Assim, “A culpa, e não a inocência, deve ser demonstrada, e é a prova da culpa – ao invés da inocência, presumida desde o início – que forma o objeto do juízo.” (FERRAJOLI, 2002, p. 441).

A presunção de inocência se trata de princípio fundamental de civilidade, pelo qual se tutela a imunidade dos inocentes, ainda que com a impunidade de algum culpado. Decorre disso, em virtude das ameaças aos cidadãos não só pelos delitos, mas também pelas penas arbitrárias, que a presunção da inocência além de ser uma garantia de liberdade e de verdade, é também uma garantia de segurança ou de defesa social, “[...] da específica „segurança‟ fornecida pelo Estado de direito e expressa pela confiança dos cidadãos na justiça, daquela específica „defesa‟ destes contra o arbítrio punitivo.” (FERRAJOLI, 2002, p. 441).

A origem do princípio da presunção da inocência remonta ao direito romano, perpassando pela Baixa Idade Média onde foi ofuscado pelas práticas inquisitórias, tanto que no processo penal medieval a suspeita ou dúvida, mesmo com insuficiência probatória, equivalia a semiprova, comportando um juízo de semiculpabilidade, levando a uma semicondenação a uma pena mais leve. Só no início da idade moderna o princípio da

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submissão à jurisdição e da presunção da inocência voltaram a ser respeitados, sendo adotados no artigo 8º da Constituição da Virgínia e nos artigos 7º e 9º da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1789 (FERRAJOLI, 2002).

Na transição dos modelos de processo penal, do inquisitivo ao acusatório, a importância da presunção da inocência se fez presente principalmente no que se refere à liberdade do imputado e à prova, havendo uma modificação estrutural. A presunção da inocência passou a ganhar forma na Europa a partir das críticas de pensadores iluministas acerca dos sistemas penais, principalmente com as discussões sobre a liberdade individual como direito natural e inviolável, criando-se, com isso, um novo paradigma processual com a concretização da presunção da inocência a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (GIACOMOLLI, 2013).

Os diplomas internacionais que trouxeram a tona os direitos humanos colaboraram para que o legislador constitucional de inúmeros países inserisse em suas Cartas Políticas o princípio da presunção da inocência. No Brasil, as Constituições anteriores a de 1988 não traziam expressamente a garantia da presunção de não culpabilidade, embora tivessem capítulo específico aos direitos e garantias individuais (GIACOMOLLI, 2013).

Através dos tratados e legislações internacionais, dentre eles a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (artigo 9º), Declaração Universal de Direitos Humanos (artigo 11.1), Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (artigo 6.2), Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (artigo 14.2), Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 8º, §2º), Lima (2014, p. 49) cita que existem três significados para o princípio da não culpabilidade

[...] 1) tem por finalidade estabelecer garantias para o acusado diante do poder do Estado de punir [...]; 2) visa proteger o acusado durante o processo penal, pois, se é presumido inocente, não deve sofrer medidas restritivas de direito no decorrer deste [...]; 3) trata-se de regra dirigida diretamente ao juízo de fato da sentença penal, o qual deve analisar se a acusação provou os fatos imputados ao acusado, sendo que, em caso negativo, a absolvição é de rigor.

Relacionando o tratamento que os textos internacionais e a Constituição Federal de 1988 deram ao princípio da presunção da inocência, Lima (2014) afirma que o tratamento

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pátrio se mostra mais amplo, superando os diplomas internacionais, já que garante a presunção de não culpabilidade com marco temporal final superior, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, e, por ser mais favorável, deve prevalecer.

De tal modo, sem ser necessário grande esforço para compreensão, o princípio da presunção da inocência preceitua que não se deve tratar o acusado, que é presumidamente inocente, de forma igual ou análoga a como se culpado fosse, já que tal status somente pode ser retirado através de uma sentença penal condenatória, além de tudo, transitada em julgado. Antes disso, deve ser equiparado a quem sequer foi investigado ou processado.

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2 PRISÃO

Criminalidade é um fenômeno social normal que ocorre em todas as sociedades de que o ser humano faz parte e que contribui para transformações necessárias. No momento em que infrações a direitos e interesses assumem determinadas proporções e os demais mecanismos de controle social apresentam-se como insuficientes “surge o Direito Penal com sua natureza peculiar de meio de controle social formalizado, procurando resolver conflitos e saturando eventuais rupturas produzidas pela desinteligência dos homens.” (BITENCOURT, 2012, p. 19, grifo do autor).

Como aduz Bitencourt (2012, p. 19), “Falar de Direito Penal é falar, de alguma forma, de violência [...]” e as penas sempre se mostram como uma espécie de violência que se desenvolvem ou modificam ao mesmo passo que o Estado, relacionando-se com os efeitos que devem produzir na sociedade e no próprio indivíduo. Ao longo da história castigaram o corpo, a liberdade, a honra e o patrimônio do acusado. Neste capítulo será abordada a prisão preventiva, que se trata, precipuamente, de privação de liberdade do agente como instrumento para o bom andamento do processo e de toda persecução penal, sua origem, princípios informadores, fundamentos e requisitos,e que a custódia cautelar vem sendo utilizada com função destoada de sua natureza jurídica, servindo não como cautelar do processo, mas como forma de antecipação de pena e controle social.

2.1 Histórico da prisão

O Estado utiliza-se do direito penal e da pena para facilitar a convivência dos homens em sociedade, mesmo havendo outras formas de controle social, com o fim de proteger de eventuais lesões a determinados bens jurídicos definidos conforme a organização socioeconômica. Como refere Bitencourt (2012, p. 54, grifo do autor), “Para melhor compreensão da sanção penal, deve-se analisá-la levando-se em consideração o modelo socioeconômico e a forma de Estado em que se desenvolve esse sistema sancionador.”

Na antiguidade a privação de liberdade não possuía qualquer caráter de pena, servindo somente como contenção e guarda de réus com o fim de preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados ou executados. As espécies de pena recorrentes eram a de morte, as penas corporais e as infamantes, por esse motivo a privação de liberdade era necessária até

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a execução da verdadeira pena, já que o corpo era o objeto de castigo. Nesse sentido, “[...] durante vários séculos, a prisão serviu de depósito – contenção e custódia – da pessoa física do réu, que esperava, geralmente em condições sub-humanas, a celebração de sua execução.” (BITENCOURT, 1993, p. 14).

Nas civilizações antigas, como no Egito, Pérsia, Babilônia e Grécia, a finalidade da prisão era a mesma: um lugar de custódia e tortura, nas quais a privação de liberdade como pena era desconhecida. Na sociedade grega houve alguns casos de prisão como meio de reter os devedores a mercê do credor, como seu escravo, até o pagamento da dívida. Ainda, Platão chegou a apontar a ideia de privação de liberdade com duas finalidades: como pena e como custódia. No entanto, apenas esta última forma foi efetivamente utilizada naquele período, já que “A finalidade da prisão, portanto, restringia-se à custódia dos réus até a execução das condenações referidas.” (BITENCOURT, 1993, p. 17).

Já na Idade Média a lei penal tinha como verdadeiro fim provocar o medo coletivo. Sendo assim, durante todo este período a ideia de pena privativa de liberdade não apareceu, continuando a privação de liberdade a ter finalidade de custódia, através da qual delinquentes de toda ordem esperavam o suplício e a morte, eis que a pena era usada como espetáculo, com mutilações e mortes públicas (BITENCOURT, 1993).

Com o tempo, a pena de prisão passou a ser utilizada em casos excepcionais que não apresentavam gravidade suficiente para sofrer condenação por morte ou mutilação. Surgiram então, nesta época, as chamadas prisões de Estado e prisões Eclesiásticas. Na primeira, somente poderiam ser recolhidos os inimigos do poder que tivessem cometido crimes de traição ou então adversários políticos do governante. Esta prisão de Estado se dividia em prisão custódia na qual se esperava a punição pela verdadeira pena, e prisão como detenção temporal ou perpétua. Já a prisão eclesiástica destinava-se aos Clérigos rebeldes, através da qual, pela penitência e meditação, objetivava-se o arrependimento do infrator. Nesse sentido, aduzindo que o pensamento cristão proporcionou fundamentos para a privação de liberdade como pena, Bitencourt (1993, p. 21), acrescenta que

De toda Idade Média, caracterizada por um sistema punitivo desumano e ineficaz, só poderia destacar-se a influência penitencial canônica, que deixou como sequela positiva o isolamento celular, o arrependimento e a correção do delinquente, assim como outras ideias voltadas à procura da reabilitação

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do recluso. Ainda que estas noções não tenham sido incorporadas ao direito secular, constituem um antecedente indiscutível da prisão moderna.

Nos século XVI e XVII a Europa foi abatida por uma onda de pobreza e criminalidade, motivada pelos distúrbios religiosos, as longas guerras, as expedições militares, extensão dos núcleos urbanos, crise feudal, somados ao endividamento do Estado, subsistindo, boa parte da população, de esmolas, roubos e assassinatos. Em decorrência disso, várias foram as formas de reação dos detentores do poder, como a forca, o trabalho forçado, as expulsões, açoitamento em praça pública. Contudo, tais delinquentes, “[...] como em algum lugar tinham que estar, iam de uma cidade a outra. Eram demasiados para serem todos enforcados, e a sua miséria, como todos sabiam, era maior que a sua má vontade.” (BITENCOURT, 1993, p. 23-24).

Destarte, na segunda metade do século XVI um movimento de desenvolvimento das penas privativas de liberdade iniciou-se, com a criação e construção de prisões que visavam à correção dos apenados. Na Inglaterra,visando fazer frente ao fenômeno sócio-criminal, algumas minorias se dispuseram a promover sua própria defesa, criando instituições de correção, nas quais eram recolhidos os vagabundos, ociosos, ladrões e autores de delitos menores. Tais instituições tinham como suposta finalidade a reforma dos delinqüentes pelo trabalho e disciplina. Além disso, as instituições tinham objetivos relacionados à prevenção geral, com o fim de desestimular outros da vadiagem e ociosidade, bem como objetivavam vantagem econômica e autofinanciamento com o trabalho dos segregados.

Com o tempo, surgiram diversas houses of correction ou work house na Inglaterra, as quais buscavam educar o delinquente através do trabalho constante e ininterrupto, do castigo corporal e da catequização religiosa. Estas casas eram utilizadas para correção das pequenas delinqüências, de tal modo, Bitencourt (1993, p. 25) menciona que,

Para o controle do crime, sob ponto de vista global, os códigos penais ainda confiavam, principalmente, na penas pecuniárias e corporais e em penas capitais. Contudo, não se pode negar que as casas de trabalho ou de correção, embora destinadas a uma pequena delinqüência, já assinalam o surgimento da pena privativa de liberdade moderna.

A mutação da privação de liberdade de custódia para pena, com surgimento nas casas de trabalho inglesas e holandesas, teve sua forma mais desenvolvida no período de origem do

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capitalismo, sendo que a segregação punitiva respondia a uma exigência relacionada ao desenvolvimento da sociedade. Dessa forma, percebe-se que o modelo punitivo se diversificou, não por propósitos idealistas, humanitários e de melhora das condições da prisão, “[...] mas com o fim de evitar que se desperdice a mão de obra e ao mesmo tempo para poder controlá-la, regulando a sua utilização de acordo com as necessidades de valoração do capital.” (BITENCOURT, 1993, p. 29).

O objetivo desta pena de prisão nas casas de trabalho, no que se refere à prevenção geral, se dá pela intimidação, através da qual o trabalhador livre prefere aceitar as condições de trabalho impostas a terminar em uma casa de trabalho. Sendo ela, não apenas um reflexo do modo de produção capitalista, mas uma forma de dominação econômica e ideológica de uma classe. Para Bitencourt (1993, p. 33),

[...] seria ingênuo pensar que a pena privativa de liberdade surge só porque a pena de morte estava em crise ou porque se queria criar uma pena que se ajustasse melhor a um processo geral de humanização ou, ainda, que pudesse conseguir a recuperação do criminoso.

Quatro causas são trazidas por Bitencourt (1993) para explicar o surgimento da pena de prisão. A primeira refere-se ao fato de que a partir do século XVI a liberdade começou a ser mais valorizada e se impôs progressivamente o racionalismo. A segunda vem da preocupação da substituição da publicidade de alguns castigos, até mesmo porque a prisão se presta para ocultá-los e esquecer as pessoas a que se impôs a sanção, ainda, queria-se evitar a disseminação do mal causado pelo delito. A terceira diz respeito às mudanças sócio-econômicas da Idade Média para Idade Moderna, com número expressivo de pessoas na extrema pobreza e que se dedicavam a mendicância ou a atos delituosos, bem como ao desprestígio que a pena de morte havia tomado, não correspondendo mais aos anseios de justiça, necessitando de novas formas de reação penal. A pena privativa de liberdade foi a invenção social que intimidaria, corrigiria e faria retroceder o delito, ou, ao menos, cercá-lo-ia em muros, como eficaz meio de controle social. Por fim, a quarta causa é o fator econômico, eis que antes mesmo de a privação de liberdade possuir o sentido medicinal que lhe foi atribuído ou que se queira atribuir, o confinamento foi um imperativo de trabalho a ociosidade ante as crises econômicas da época, recolhendo os desempregados e apagando seus efeitos sociais mais visíveis, dissimulando a miséria, ainda mais por ser um número demasiado para o

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enforcamento. Fora das crises econômicas, o confinamento passou a tornar os encarcerados úteis à prosperidade geral, como mão de obra barata.

Assim sendo, no que se refere à prisão preventiva, enquanto em Roma, com várias experiências alternadas, chegou-se a proibi-la por completo, na Idade Média ela se tornou o pressuposto da instrução processual com o procedimento inquisitório, objetivando a confissão do imputado. Apenas voltou a ser estigmatizada com o Iluminismo, e a volta do processo acusatório.

2.2 Hipóteses de prisões cautelares

Estando presentes os pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal poderá ser decretada a prisão preventiva nas hipóteses do artigo 313 do mesmo diploma.

A primeira hipótese diz respeito aos crimes dolosos com pena máxima superior a quatro anos, excluída a possibilidade de decretação da cautelar em caso de crimes culposos. Isto é justificado pelo fato de que, ao final do processo, uma eventual sentença condenatória para crimes com tal pena prevista abstratamente não conduzir a uma pena privativa de liberdade.

O quantum estabelecido no artigo justifica-se no fato que nos crimes com pena inferior a quatro anos há a possibilidade de substituição de eventual pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (artigo 44 do CP) ou o sursis da pena (artigo 77 do CP), ou então, do regime inicial de cumprimento da pena sequer ser o fechado (artigo 33, §2º, “c”, do CP). Assim, mesmo havendo motivação fática capaz de ensejar um recolhimento preventivo, o julgador emite um juízo de proporcionalidade, devendo levar em conta que o legislador entendeu por ser inadequada e desnecessária a constrição de liberdade pessoal nas infrações em que a pena máxima não atinja este patamar. Nesse sentido, “Ser processado preso e ser posto em liberdade após uma condenação é uma situação incongruente.” (GIACOMOLLI, 2013, p. 69).

Lima (2014, p. 907), neste mesmo sentido, aduz que, em razão ao princípio da proporcionalidade, “[...] o dispositivo visa evitar que o mal causado durante o processo seja

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desproporcional àquele que, possivelmente, poderá ser infligido ao acusado quando de seu término.”

Quanto à cominação de pena de multa, em caso de ser a única prevista ao tipo, resta descabido o recolhimento preventivo ao cárcere. Já nos delitos que prevêem pena de multa de forma alternativa a pena de prisão, o artigo 283, § 1º, do CPP prevê a possibilidade de ser decretada qualquer medida cautelar, inclusive a prisão preventiva, em casos que haja cominação de pena privativa de liberdade. Sendo assim, estaria autorizada a aplicação de prisão preventiva. Contudo, pelo que defende Giacomolli (2013, p. 71) “[...] uma perspectiva constitucional e sistemática das cautelares exige uma interpretação diversa, isto é, pela falta de adequação da prisão preventiva nesses casos.”

Em havendo de concurso de crimes, o resultado do somatório das penas ou de sua majoração deve ser levado em consideração. Do mesmo modo, as qualificadoras e causas de aumento e diminuição de pena também devem ser levadas em consideração no momento de verificação de cabimento da prisão preventiva.

Ao mesmo passo, será admitida a decretação da prisão cautelar quando o imputado for reincidente em crime doloso, conforme artigo 313, II, do CPP, independente de o crime ser punido com detenção ou reclusão, ou mesmo da quantidade de pena cominada ao delito (LIMA, 2014).

Para Lopes Jr. (2014), este inciso mostra a opção do legislador pela estigmatização do reincidente e, que a prisão preventiva, neste caso, apenas pode ser decretada quando presentes o fumus comissi delicti e o periculum lebertatis, estando eles ausentes, a decretação fundada apenas na reincidência violaria o princípio da proporcionalidade.

O inciso III do artigo 313, do CPP preceitua que em caso de crime que envolva violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, é cabível a prisão preventiva a fim de garantir a execução de medidas protetivas de urgência.

Lima (2014) refere que o crime, nesta hipótese, necessariamente deve ser praticado dolosamente, com intenção de violar as medidas protetivas de urgência, não importando a

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quantidade de pena prevista ao delito, devendo a prisão preventiva ser adotada no sentido de compelir o imputado à observância de uma das medidas protetivas listada no artigo 22 da Lei nº 11.340/06, objetivando evitar reiteração de violência doméstica e familiar. Lembrando que o descumprimento das medidas protetivas, por si só, não deve levar a decretação de prisão preventiva, precisando ser demonstrada a necessidade de sua imposição, com a presença dos requisitos do artigo 312 do CPP. Ainda,

[...] se o descumprimento de uma medida protetiva de urgência estiver relacionado à prática de determinado delito (v.g., lesão corporal, tentativa de homicídio), será possível a decretação da preventiva. Todavia, se ao agente for atribuído tão somente o descumprimento da medida protética de urgência (v.g., inobservância da determinação de afastamento do lar), não será possível a decretação do carater ad custodiam, sob pena de se instalar uma nova e inconstitucional modalidade de prisão civil. (LIMA, 2014, p. 911, grifo do autor).

Alerta Lopes Jr. (2014), que com este inciso o legislador não criou um novo periculum lebertatis, devendo ele, certamente, estar presente em caso de decretação da prisão preventiva nesta hipótese. Aliás, para decretação da cautelar seria necessária a presença de crime doloso punido com pena superior a quatro anos, em adequação sistêmica com o inciso I do mesmo artigo, servindo o inciso III como reforço ao pedido de decretação da prisão processual.

O parágrafo único do artigo 313, do CPP, a fim de garantir a persecução penal, traz o cabimento da prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil do pessoa ou quando ela não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la. Nestes casos, poderá ser decretada a custódia cautelar objetivando assegurar a aplicação da lei penal ou a conveniência da instrução criminal, tendo dupla função: “[...] acusar pessoa certa e evitar a imputação à pessoa diversa da que cometeu o delito.” (GIACOMOLLI, 2013, p. 87).

A prisão preventiva poderá ser decretada tanto para crimes dolosos como para culposos, pouco importando a quantidade de pena prevista (LIMA, 2014). Contudo, o referido parágrafo único deve ser interpretado no sentido de que a identificação do imputado poderá se dar por meio de identificação criminal. Logo,

[...] mesmo diante da dúvida sobre a identidade civil da pessoa, da recusa do indiciado em fornecer ou indicar elementos para esclarecer sua identidade, caso a identificação criminal efetuada por meio de processo datiloscópico e fotográfico seja capaz de sanar a dúvida quanto a sua verdadeira identidade,

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não se faz necessária a decretação de sua prisão preventiva. (LIMA, 2014, p. 911-912).

Deste modo, uma omissão de identidade suprimida por identificação criminal não justifica a decretação de prisão preventiva, devendo o julgador, aplicando o princípio da proporcionalidade, escolher a medida menos gravosa para atingir o fim almejado (LIMA, 2014). Também, Lopes Jr. (2014) menciona que este parágrafo único deve ser lido com ressalvas para não se ter a falsa ideia de estar autorizada a prisão para averiguação.

Por fim, ainda referente à custódia cautelar para identificação, assim que identificado, o imputado deve ser imediatamente posto em liberdade, a não ser que a manutenção da prisão seja justificada por outra hipótese.

2.3 Descumprimento das medidas cautelares diversas a prisão

Pelo disposto no artigo 282, § 4 do Código de Processo Penal, o descumprimento de medida alternativa ao recolhimento ao cárcere autoriza o juiz a decretar a prisão preventiva. Contudo, pelo que leciona Giacomolli (2013, p. 86), antes da decretação, é necessária a ultrapassagem de três filtros, “[...] a) a falta de justificação do descumprimento (intimação para tal finalidade); b) possibilidade de substituição da medida descumprida por outra; e c) cumulação de outra medida alternativa à descumprida.” Superados estes filtros, estará o juiz autorizado a decretar a prisão preventiva.

Verificando o descumprimento injustificado das medidas cautelares diversas da prisão, pode o julgador substituí-las, impondo outra em cumulação ou decretando a prisão preventiva, cabendo a ele analisar a mais adequada para a situação fática, isso porque “De nada adianta a imposição de determinada medida cautelar se a ela não se emprestar força coercitiva. É nesse sentido que se destaca a importância dos artigos 282, §4º, e 312, parágrafo único, ambos do CPP.” (LIMA, 2014, p. 796). Para isso, deve ser assegurado o direito ao contraditório prévio, conforme artigo 282, § 3º do CPP.

Contudo, para Avena (2014), o contraditório prévio é desnecessário, tendo em vista que o imputado já se encontra com sua liberdade em certo grau restrita, admoestado quando da imposição da medida das consequências do descumprimento do comando judicial.

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Na doutrina, acirrada disputa é travada no que tange à possibilidade de decretação da prisão preventiva quando de descumprimento injustificado das cautelares diversas da prisão em caso da infração penal não preencher as hipóteses do artigo 313 do CPP.

Lima (2014, p. 797), reformulando sua opinião pretérita, aduz que

[...] por mais que se deva respeitar a homogeneidade das medidas cautelares, não se pode negar ao juiz a possibilidade de decretar a prisão preventiva no caso de descumprimento das cautelares diversas da prisão, ainda que ausente qualquer hipótese do art. 313 do CPP, sob pena de se negar qualquer coercibilidade a tais medidas.

Em sendo necessário o preenchimento do artigo 313 do CPP para decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento das cautelares diversas da prisão, o artigo 319 do CPP seria letra morta, já que seu descumprindo jamais daria ensejo a conversão em preventiva, retirando a força coercitiva destas medidas cautelares, concluindo Lima (2014), que a prisão preventiva pode ser decretada nos casos dos artigos 283, §4º e 312, parágrafo único, independente da observância do artigo 313 do CPP.

A prisão preventiva aplicada na hipótese em comento, segundo Lima (2014), não desrespeita a homogeneidade, já que em havendo descumprimento injustificado das cautelares diversas a prisão, provavelmente o acusado não fará jus aos institutos despenalizadores (v.g. suspensão condicional do processo, transação penal, suspensão condicional da pena) tendo em vista que suas circunstâncias serão desfavoráveis. Quanto à possibilidade de tal decretação, Avena (2014) segue o mesmo posicionamento de Lima (2014).

Para Lopes Jr. (2014), mesmo havendo descumprimento de condição de medida cautelar diversa, deve o juiz observar o princípio da proporcionalidade quando da modificação/revogação, já que a situação poder ser igualmente tutelada sem que se apele à prisão preventiva, preferindo por cumulação de medidas diversas ou adoção de uma mais grave, conservando a prisão preventiva como última hipótese.

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A base pricipiológica é o que estrutura e fundamenta qualquer instituto jurídico, e, tratando-se de prisões cautelares, são eles que permitem a coexistência de prisão sem uma sentença penal condenatória transitada em julgado com a garantia da presunção de inocência, já que pelo artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, a privação de liberdade apenas poderia ser aplicada posteriormente ao devido processo legal.

A prisão cautelar seria inadmissível ante aos princípios da jurisdicionalidade e presunção da inocência,

Contudo, o pensamento liberal clássico buscou sempre justificar a prisão cautelar (e a violação de diversas garantias) a partir da “cruel necessidade”. Assim, quando ela cumpre sua função instrumental-cautelar, seria tolerada, em nome da necessidade e da proporcionalidade. (LOPES JR., 2012, p. 577).

De início, decorrendo dos princípios da jurisdicionalidade e motivação, toda decretação de prisão cautelar necessita de uma ordem judicial fundamentada conforme os artigos 315 do Código de Processo Penal, artigos 5º, LXI e 93, IX, da Constituição Federal Brasileira.

Todas as decisões do Poder Judiciário devem ser motivadas, sob pena de nulidade (artigos 5º, LXI e 93, IX, da CF), não diferente ocorre com a prisão preventiva, isso porque “As expressões padronizadas, desvinculadas do caso e do substrato fático, constantes nos autos, não oferecem uma base fática legítima (convencional, constitucional e legal) à prisão.” (GIACOMOLLI, 2013, p. 14).

Pela fundamentação é possível o controle interno e externo da decisão através dos remédios jurídicos cabíveis e pela possibilidade de fiscalização pelos cidadãos. A mera transcrição de dispositivo de lei, parecer do Ministério Público ou relatório da Autoridade Policial não se mostra apta a motivar nem a fundamentar a decisão. Nesse sentido, Giacomolli (2013, p. 15, grifo do autor) conceitua que:

Fundamentar uma decisão é explicar e justificar, racionalmente, a motivação fática e jurídica do convencimento, em determinado sentido [...] Não é suficiente uma mera declaração de conhecimento acerca do conteúdo dos autos, e nem uma simples emissão volitiva, mas a determinação argumentativa (ratio dicendi) dos pressupostos fáticos e jurídicos da prisão.

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O fumus commissi delicti e o periculum libertatis necessitam estar apoiados em motivos de fato, atuais e concretos, adequados a atender aos requisitos. Simplórias possibilidades afastam tais requisitos.

O processo possui estrutura eminentemente dialética e para sua existência necessariamente deve haver contraditório, sendo este o segundo princípio apontado como aplicável as prisões processuais. No caso das cautelares, não se enquadrariam na compreensão estrita de processo, ante a impossibilidade de contraditório pleno. Entretanto, isso não exclui a possibilidade de contraditório até mesmo nestas medidas (GACOMOLLI, 2013).

Lopes Jr. (2012) aduz que há alguns anos, falar em contraditório em sede de medida cautelar era motivo de crítica. Todavia, quando possível e compatível com a medida, ele é perfeitamente aplicável. Continua o doutrinador afirmando que sempre sugeriu que o detido fosse conduzido ao juiz desde logo, para que este tome seu depoimento e decida sobre a prisão cautelar. Ato simples, que respeitaria o contraditório e evitaria prisões desnecessárias e injustas.

Medida que, aliás, é garantida pelo artigo 8º.1 da CADH, através da qual é assegurado o direito de audiência, de ser ouvido, possibilitando ao sujeito expor suas razões defensivas, e ao juiz a melhor avaliação da necessidade da prisão com eventual concessão de liberdade provisória ou substituição da prisão preventiva (GIACOMOLLI, 2013).

A tímida garantia ao princípio do contraditório é percebida no artigo 282, § 3º, do CPP, o qual estabelece que o juiz, após receber o pedido de medida cautelar, intimará o imputado, ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida. Em relação a tal artigo, Lopes Jr. (2012) questiona para prática de qual ato o imputado deve ser intimado, já que o dispositivo não expõe, interpretando no sentido de que o ideal seria a intimação para uma audiência preliminar, através da qual se efetivaria o princípio do contraditório e o direito de defesa. Evidentemente, sob pena de ineficácia da medida, tal intimação não se aplicaria em caso de prisão preventiva fundada em risco de fuga, mas caberia a realização de audiência logo após a decretação e efetivação da prisão preventiva, já que “[...] nada impede que o juiz decrete a medida e faça o contraditório posterior [...]” (LOPES JR., 2012, p. 578).

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No mesmo sentido, Giacomolli (2013) refere que em certos casos o contraditório prévio impossibilitaria ou reduziria a eficácia da decisão, sendo tomada inaudita altera parte, podendo haver um contraditório diferido ou postergado. Ainda, a dispensa do contraditório apenas é possível em casos excepcionais, quando incompatível com a cautelaridade da medida.

Nos casos em que a prisão preventiva tem por fundamente o risco de perecimento de provas por conduta inadequada do imputado, nada impede que o juiz oportunize o contraditório e, posteriormente, decida. Pode ser percebido que o maior espaço para exercício do contraditório seria nos casos de pedido de substituição, cumulação ou revogação da prisão preventiva. Assim, “É necessário agora, e perfeitamente possível, que o imputado possa contradizer eventual imputação de descumprimento das condições impostas antes que lhe seja decretada, por exemplo, uma grave prisão preventiva.” (LOPES JR., 2012, p. 578). A não observância deste princípio garantido constitucionalmente pelo artigo 5º, inciso LV, acarretaria a nulidade da substituição, cumulação ou revogação.

Tendo e vista que as prisões cautelares tutelam situações fáticas, portanto, situacionais, quando desaparece o suporte fático, desaparece com ele a legitimidade da medida, sendo este o terceiro princípio, a provisionalidade. O fumus commissi delicti e periculum libertatis, são, respectivamente, requisito e fundamento para a decretação e manutenção das prisões cautelares, não se verificando a existência destes no curso da medida cautelar, a imediata soltura do imputado se impõe (LOPES JR., 2012), já que ela perde sua funcionalidade na dinâmica processual, devendo retornar ao status quo ante por se apresentar excessiva (GIACOMOLLI, 2013).

Nesse mesmo sentido, Lopes Jr. (2012, p. 579) aduz que o desprezo ao princípio da provisionalidade leva a uma prisão ilegal com “[...] indevida apropriação do tempo do imputado.”

A pluralidade de medidas cautelares trazidas pelo Código de Processo Penal permite uma maior fluidez ao juiz no trato destas, estando autorizada a substituição de medidas por outras mais brandas ou mais graves, conforme a situação fática, estando consagrado no artigo 282, §§ 4º e 5º do CP.

Referências

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