• Nenhum resultado encontrado

O Brasil precisa de você: o discurso anticomunista nos documentários do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O Brasil precisa de você: o discurso anticomunista nos documentários do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais"

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

O Brasil precisa de você: o discurso anticomunista nos documentários do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais

Lucas Braga Rangel Villela1

Resumo: A seguinte pesquisa realiza uma reflexão acerca da atuação direta de grupos civis de direita como agentes do Golpe militar brasileiro, questionando a exclusividade de participação dos militares na cúpula decisiva no ano de 1964, especificando-se na importância da produção cinematográfica do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais – IPÊS. O IPÊS foi fundado em 1961 pela convergência entre os fundadores de um posicionamento anticomunista e a ambição de reformar e remodelar o Estado brasileiro. Dessa forma, percebe-se um amplo diálogo entre a força ideológica das imagens e o discurso político de uma parcela da sociedade, dita de Direita, diálogo esse fundamentalmente reforçado por diversos meios midiáticos como os jornais associados às lideranças do IPÊS, as emissoras de rádio e televisão, também parceiras desse grupo civil, entre outras associações, empresas e sindicatos. A partir dessa análise da cinematografia do Instituto, busco mostrar o quanto o cinema como veiculador de imagens políticas e simbólicas foi importante para permitir com que este grupo pudesse ser capaz de constituir-se dentro do campo da direita brasileira e, com isso, dialogar com o projeto de orientar a sociedade contra o avanço comunista e na luta da preservação dos valores morais e pelos bons costumes familiares que o avanço comunista ameaçava. O trabalho terá como fundamento básico a análise de três filmes manifestos do grupo: O que é o IPÊS, O IPÊS é o seguinte e O Brasil precisa de você.

Palavras-chave: IPÊS, Ditadura Civil Militar, Cinema de Propaganda.

Cada vez mais estudos históricos são realizados sobre as motivações, projetos e visões divergentes do Golpe de 1964 no Brasil. Versões que apontam o Golpe como uma coligação entre civis e militares, um ato arquitetado exclusivamente pelos militares e até mesmo o golpe como um movimento contra-revolucionário, popularmente chamado de “Revolução de 1964”. Dentro deste debate, que envolve os relatos jornalísticos, memorialísticos e historiográficos, é que me proponho a pesquisar a atuação do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPÊS2) como um forte membro ativo da arquitetura do Golpe civil-militar brasileiro e, especificamente, a importância dada à produção audiovisual deste Instituto pela direção do cineasta e fotógrafo Jean Manzon, contando com a produção de Carlos Niemeyer. Dessa

1

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina, Linha de Pesquisa Política, Escrita, Imagem e Memória. Bolsista do Programa REUNI, vinculado como Coordenador-Adjunto do Grupo de Estudos de História e Cinema (GEHCINE) e do Núcleo de Estudos de História e Cinema (NEHCINE). E-mail: lucas_rangelvillela@hotmail.com

2 Utilizo como abreviatura a sigla IPÊS, com acento, ao invés de IPES, sem acento, pois era essa nomenclatura

que o grupo havia preferência de uso segundo seus produtos de propaganda, e segundo um discurso nacionalista de utilizar o nome IPÊS em alusão a árvore Ipês, um dos grandes símbolos nacionais.

(2)

forma, este trabalho encontra-se no debate em torno dos projetos políticos de Brasil no início da década de 1960 e inserido na discussão historiográfica sobre as versões acerca do Golpe de 1964. Faz-se importante localizar dentro destas disputas os interesses e a versão do Golpe e do modelo político brasileiro perpetuado e discursado pelos membros deste Instituto, principalmente aquele presente no discurso audiovisual de seus 15 documentários, que servem tanto como fonte, como de objeto de pesquisa para minha dissertação. Tenho como problemática principal mostrar como a produção cinematográfica do IPÊS foi importante para a legitimação de um discurso liberal na formação de uma consciência social coletiva de anticomunismo. Este discurso visava à preservação da nação diante da necessidade de construção de uma nova identidade nacional, a partir de concepções discutidas dentro das elites tecnocratas dos empresários das multinacionais e seguindo a logística capitalista embasada pela Aliança do Progresso para a América Latina.

Sobre as diversas versões do Golpe de 1964, uma obra de grande importância é Além do Golpe: Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar (2004) do historiador Carlos Fico. Fico nos apresenta o Golpe como um movimento dependente de dois fatores: a desestabilização e a conspiração. Nesse caso, o autor aponta a importância da campanha de desestabilização contra o governo de João Goulart, financiada por diversos empresários de companhias nacionais e internacionais, apoiada por outros setores da sociedade civil e militar através de atividades de propaganda política capitaneadas pelo IPÊS e pelo IBADE (Instituto Brasileiro de Ação Democrática). Esta propaganda de desestabilização foi essencial para fortalecer as atividades conspiratórias, envolvendo militares de alta patente, governadores, parlamentares e empresários. O historiador nos aponta que os embates de projetos da esquerda capitaneados pelo PCB, pelo PTB e por diversos grupos que visavam às reformas de base no Brasil, e os projetos do empresariado liberal, da ideologia da Escola Superior de Guerra e dos grupos civis como o IPÊS e o IBADE, foram fundamentais para o enfraquecimento da política de conciliação proposta por João Goulart ao implementar inicialmente o Plano Trienal elaborado por Celso Furtado, e as Reformas de Base no início do ano de 1964. Com a falta de segurança no poder executivo, com a ameaça constante de uma “comunização” brasileira por parte dos militares, civis e religiosos, pelos altos índices de inflação e déficit financeiro, pela falta de controle sobre o corpo militar, pela tensão devido a existência de tropas estadunidenses no porto de Santos - que João Goulart sofreu o golpe e não reagiu. Porém, esta é uma das versões apontadas pelo historiador. Alguns outros pontos de vista são importantes de serem salientados se pensarmos na relação entre um projeto de Brasil liberal, apoiado na

(3)

ideologia de Segurança Nacional da Escola Superior de Guerra e aos interesses da classe burguesa em promover o desenvolvimentismo e o crescimento industrial apoiado pelos interesses estadunidenses.

O caráter moderador apresentado como uma das versões do golpe é discutida pelos estudiosos do exército brasileiro, como o cientista político Alfred Stepan, pelo sociólogo João Roberto Martins Filho e pelo cientista político Nilson Borges. Para a importância das Forças Militares na política governamental foi essencial a presença da Escola Superior de Guerra (ESG), fundada em 20 de agosto de 1949 e comandada pelo general Oswaldo Cordeiro de Farias, no qual fazia parte um dos mais proeminentes ideólogos do IPÊS – Golbery do Couto e Silva. O surgimento da ESG, para Stepan, comprova a ineficiência do poder militar em assumir o governo, já para Martins Filho a criação da Escola Superior de Guerra nos aponta a vontade que os oficiais militares tinham de estreitar os laços políticos com os civis contra a ameaça de invasão comunista em território nacional. Para Martins Filho, desde o início “ficava claro que a ESG surgia como uma escola de altos estudos sociais, políticos e econômicos do que uma escola de guerra.” (MARTINS FILHO, 2010, p.108). Um dos pontos chaves dessa visão política dos militares foi a apropriação do conceito estadunidense e francês de “Segurança Nacional”. Este conceito originara-se da necessidade de uma mobilização total da sociedade como precondição na vitória da guerra ideológica existente no período de Guerra Fria. Em 1952, o então coronel Golbery do Couto e Silva definiu que a única segurança em relação à “bipolarização rígida do poder no campo internacional” dependia do fortalecimento do poder nacional, somente possível com um executivo autoritário e militar. Para ele, deveríamos nos aliar ao Ocidente na constante guerra contra o Oriente comunista.

O cientista político Nilson Borges nos apresenta outros pontos de vista sobre a Doutrina de Segurança Nacional em seu artigo A Doutrina de Segurança Nacional e os governos militares. Borges identifica a importância de uma política de desestabilização por parte de empresas nacionais e internacionais, do governo americano e setores das Forças Armadas ligadas a Escola Superior de Guerra, para a tomada de poder em 1964. O golpe, baseado na Doutrina de Segurança Nacional estabeleceu um novo papel para as Forças Armadas, desempenhar o papel de dirigente.

Seguindo à risca os preceitos da Doutrina de Segurança Nacional, na qualidade de força dirigente, as Forças Armadas assumiram a função de partido da burguesia, manobrando a sociedade civil, através da censura, da repressão e do terrorismo estatal, para promover os interesses da elite dominante, assegurando-lhe condições de supremacia em face do social (BORGES, 2012, p.21).

(4)

Objetivamente o conceito de Segurança Nacional condiz na manifestação de uma ideologia de guerra permanente e total entre os países ocidentais capitaneados pelos Estados Unidos e o comunismo, tanto externamente quanto internamente.

Um dos mais prolíficos estudiosos sobre o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais foi Rene Armand Dreifuss, e a sua obra clássica 1964: A Conquista do Estado. Dreifuss foi um dos grandes estudiosos da influência do IPÊS sobre o processo de desestabilização e controle de hegemonia no período pré-golpe de 1964. Foi o primeiro a ter acesso à documentação sobre o IPÊS e sobre o IBADE presentes no Arquivo Nacional. Para o autor, o Instituto funcionou como um estruturado complexo político da burguesia que agiu de forma planejada para conduzir o imaginário social para a aceitação do Golpe. Dreifuss acreditava que fosse possível através do complexo IPÊS/IBADE uma desestabilização do governo João Goulart em escala nacional, esvaziando o apoio ao governo federal e determinando que o golpe pudesse ser desferido contra o executivo brasileiro. Porém, essa ação ideológica não seria suficiente se não contasse com o apoio dentro das Forças Armadas, o que possibilita entendermos a presença de altos oficiais nos cargos importantes do IPÊS e do IBADE. Para ele, o que ocorreu em 1964 foi um levante civil-militar contra o governo de João Goulart e que, com o regime instaurado, diversos membros da sociedade industrial e financeira de interesses multinacionais assumiram cargos importantes no governo. O grande equívoco do trabalho de Dreifuss foi não dar atenção ao processo de mediação e recepção da campanha propagandística do IPÊS.

Além de Dreifuss, a jornalista Denise Assis faz um belo trabalho sobre a importância da propaganda ipesiana através dos audiovisuais em sua obra Propaganda e Cinema a serviço do Golpe. A autora levanta a afirmativa que o grupo foi responsável pela desestabilização e pelo movimento conspiratório, principalmente através do uso da propaganda anticomunista vinculada aos diversos meios de comunicação, dando ênfase a uma visão historiográfica que dialoga os aspectos culturais e sociais da conjuntura dos anos 1960.

O IPÊS foi fundado em agosto de 1961 a partir da fusão dos princípios da Encíclica Mater et Magistra, do Papa João XXIII, sobre a recente evolução da questão social à luz da Doutrina Cristã, e da Aliança para o Progresso. Em resposta ao avanço comunista na América, em 1961, o presidente John F. Kennedy formulou o programa Aliança para o Progresso com a promessa de ajudar econômica e socialmente os países da América Latina. Esta ajuda continha implícito o projeto estadunidense de contenção comunista e de expansão imperialista, pressionando os governos latino-americanos a adotarem uma postura contrária à

(5)

intervenção do Estado na economia. Na primeira metade da década de 1960, foi intensa a aproximação do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais a setores empresariais e anticomunistas dos Estados Unidos. O governo estadunidense e a classe empresarial, contrários ao intervencionismo e à ameaça comunista, financiaram com altas somas em capital as atividades anticomunistas, além de oferecer apoio intelectual para conter a presença da esquerda no Estado brasileiro.

Fundado por membros do empresariado de São Paulo e Rio de Janeiro, o IPÊS, pouco após a sua fundação, em 29 de novembro de 1961, passou a ser dirigido pelo general Golbery do Couto Silva. A fundação e manutenção do grupo, contou com grandes empresas entre seus maiores financiadores: Refinaria União, Light, Cruzeiro do Sul, Icomi, Listas Telefônicas Brasileiras, além de outras trezentas empresas de pequeno porte e de diversas entidades de classe. Contou também com o apoio de parte da Igreja Católica, da oficialidade militar brasileira, dos políticos do partido UDN (União Democrática Nacional) e de setores do PSD (Partido Social Democrático). A cúpula ipesiana era formada por membros de grandes corporações e/ou representantes de associações comerciais, tanto nacionais quanto internacionais (o Conselho das Classes Produtoras, CONCLAP, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro e São Paulo, o Business Group for Latin América – BGLA, sob liderança de David Rockfeller) e profissionais liberais (DREIFUSS, 1987, p.169-171).

Segundo René Armand Dreifuss, o IPÊS possuía diversos escritórios regionais, sendo os principais os da Guanabara (Rio de Janeiro) e São Paulo. Seu surgimento foi aplaudido por grande parte da grande imprensa, tais como o Jornal do Brasil, O Globo, Correio da Manhã, Última Hora, Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e o Jornal da Tarde, além das felicitações de figuras eclesiásticas, políticas e intelectuais. Dreifuss, em sua obra 1964: A conquista do Estado, explica que se poderia considerar como a real ação e intenção do IPÊS, as seguintes ideias: obter o controle da mídia audiovisual e da imprensa de todo o país, criar um partido da burguesia e seu estado-maior para a ação ideológica, política e militar, além de influenciar as classes dominantes e objetivar a resistência contra o governo Goulart, assim que chegou-se ao consenso da urgência quanto a sua derrubada, utilizando, para isso, o apoio militar.

Os ideais do IPÊS foram divulgados de diversas formas possíveis através dos meios de comunicação: publicavam boletins mensais sobre suas ações, efetuavam programas semanais na televisão de São Paulo, assim como promoviam entrevistas de seus dirigentes e publicações na imprensa de seus estudos. Editavam livros e publicações sobre suas ideologias

(6)

e realizavam filmes documentários sobre os principais problemas brasileiros. Para colaborar com a proliferação de ideias forjaram parcerias com Universidades (como a Pontifícia Universidade Católica - PUC), editoras, colégios, gráficas, instituições educacionais e sindicatos.

O Grupo de Publicação e Editorial (GPE) do IPÊS era responsável por traduzir e distribuir materiais de caráter anticomunista, e dele faziam parte proprietários e diretores de companhias editoriais como Gilbert Hubert Jr, da Editora Agir, o diretor da Reader’s Digest Publications do Brasil, Tito Leite, e o proprietário da Editora Nacional, Otales Ferreira, entre outros. Do mesmo modo que o GPE, o Grupo de Opinião Pública (GPO) era subordinado nacionalmente à coordenação de Golbery do Couto e Silva. Os 15 filmes documentários abordados por essa pesquisa, realizados entre os anos de 1962 e 1963, foram elaborados em conjunto pelos GOP e GPE. O cinema foi um grande aliado na propaganda política produzida pelos IPÊS, sendo que o Brasil já possuía a experiência com os telejornais e o uso das emissoras com programas educativos e emissão de livros de propaganda.

O que destacava a produção dos filmes do IPÊS era a participação, em sua grande maioria, na direção de Jean Manzon. O diretor francês era um talentoso fotógrafo que dava aos filmes que dirigia um ar de modernidade e sofisticação, inspirados nos grandes diretores europeus das décadas de 1930 e 1950, que no Brasil transparecia algo inédito em suas produções cinematográficas. A própria Jean Manzon Films era a responsável pela distribuição dos documentários produzidos pelo IPÊS, devido a parceria com grandes redes de salas de cinema. Esta parceria era representada pela relação com a rede Luiz Severiano Ribeiro Jr., U.C.B. e Atlântida, atingindo até 15 milhões de espectadores, através de 19 cópias em 35 mm. Os aspectos e discursos presentes na produção cinematográfica do IPÊS em relação aos seus interesses como propagandistas vão ser observados na discussão sobre os filmes: O Brasil precisa de você; O que é o IPES?; e O IPES é o seguinte3.

a) O Brasil precisa de você:

Esse documentário possui uma peculiaridade em relação aos outros documentários produzidos pelo IPÊS, pois não possui em suas sequencias créditos de produção, dificilmente mapeando seu diretor e ano de produção. Sigo as indicações levantadas pela jornalista Denise Assis de datá-lo em 1962, porém sem assumir uma paternidade específica. O filme apresenta

3

Outros filmes produzidos por esse grupo foram: Nordeste problema nº1, História de um Maquinista, A Vida Marítima,

Dependem de mim, A Boa Empresa, Uma Economia Estrangulada, Portos Paralíticos, Criando Homens Livres, Deixem o Estudante Estudar, O que é Democracia?, Conceito de Empresa e Asas da Liberdade.

(7)

o discurso mais enfático sobre o anticomunismo e a crítica às políticas públicas e econômicas do governo João Goulart, tudo sob a voz característica de Cid Moreira.

O documentário é composto de uma edição de fotografias, em movimento centrípeto através de recursos de câmera, como o close. Dividido em sete sequencias bem definidas, o filme apresenta de forma objetiva um discurso em dicotomia entre democracia e autoritarismo (nas palavras do narrador denominados de regimes totalitários ou ditaduras), passividade democrática e democracia participativa. A primeira sequencia apresenta o IPÊS como um órgão fundado com o objetivo de encontrar os meios necessários para solucionar os problemas do país, personificados pelo regime de João Goulart.

Através de uma fotomontagem descontextualizada, anacronicamente editadas, oferecem o ponto de vista do grupo: equalizar como ditaduras e inimigos da democracia os regimes fascista, nazista, stalinista, os apresentar como opressores, violentos, totalitários e antidemocráticos. Principais responsáveis pela ascensão do regime socialista na China e em Cuba e porque não poderiam influenciar a ditadura socialista no Brasil? Notável pensarmos o quanto a Revolução Cubana em 1959 representa uma verdadeira ameaça à política brasileira, segundo a ideologia ipesiana. Para mantermos o crescimento econômico do país, a industrialização iniciada no governo JK, o país deve manter-se parceiro do regime capitalista estadunidense e em hipótese nenhuma se alinhar com qualquer interesse comunista. Esse alinhamento ao capitalismo e a negação aos valores comunistas, principalmente representados por Cuba, era o principal interesse do plano político do presidente estadunidense Kennedy: a Aliança para o Progresso.

Para evitarmos essa ameaça comunista e manter o país na linha do progresso, devemos evitar a omissão popular, a passividade democrática. “Em um momento de necessidade, os regimes extremistas tanto de direita e de esquerda dominaram a política diante da passividade da classe civil”4

. Para promover uma maior participação da população na política nacional o IPÊS pretende em seu projeto: uma democracia plena, participativa; a superação do subdesenvolvimento; a valorização da moeda; elevação do nível de vida da nação; redistribuição da renda nacional.

Para alcançarmos a modernidade nacional, devemos primeiramente manter a democracia, e este conceito de democracia deve ser levado aos mais diversos setores da sociedade: estudantes, sindicatos, homens do campo. O IPÊS critica a omissão do governo federal e pede a colaboração da classe popular, aquela sofrida, faminta, do campo. A omissão do governo

4

(8)

federal facilita a inflação, proporcionando a agitação social, a falta de controle da nação, as manifestações populares. Esta agitação são motivações para a entrada do comunismo no Brasil. O resultado dessas crises é a desordem e o caos, e com isto damos margem para a implantação de um governo ditatorial tomar o poder. O IPÊS convoca o povo a agir rápido em relação a esse problema político e social.

Com sobriedade e com um discurso positivo, o documentário nos faz questionar a nossa participação na política, nos problemas sociais. Dessa forma, o filme nos orienta a entregamos nossas esperanças no projeto de Brasil capitaneado pelo IPÊS, órgão civil preocupado em resolver nossos problemas. Neste projeto cinematográfico está explícito o projeto de desestabilização ao governo João Goulart, tendo como peça principal a participação popular.

b) O IPÊS é o seguinte

O filme lançado no ano de 1962, produzido pela Jean Manzon Films, com direção do próprio Jean Manzon, distribuição da Companhia Atlântida, segue o padrão dos filmes realizados pelo cineasta francês para o IPÊS, tendo em sua abertura as páginas folheadas da Encíclica Mater et Magistra.

Este filme reforça o discurso presente nas mais diversas produções propagandísticas do Instituto, de apontar o Brasil como um país livre, democrático, cristão, um país em desenvolvimento, e para ajudarmos nesse crescimento determinante e na manutenção da democracia é que o IPÊS foi fundado. Diferentemente de seu antecessor, este filme é composto de imagens cinematográficas e não utiliza-se do recurso de fotomontagem da obra O Brasil precisa de você. O filme nos apresenta os principais objetivos do Instituto: aumento da arrecadação nacional; uma Reforma Fiscal; discurso contrário à inflação; um Plano de Obras públicas; Mecanização do Trabalho tanto nas indústrias como no campo; atualizar o conceito de empresa para o empresário nacional; e finalmente determinar um novo conceito de cultura – como articulação social e direito básico de toda a nação.

Neste documentário panfletário sobre as intenções do IPÊS, Jean Manzon, utilizando de um tom bem mais brando que a obra O Brasil precisa de você, não critica necessariamente o comunismo como ameaça e se posiciona de forma imparcial, “O IPÊS prioriza o equilíbrio entre a esquerda e a direita”5

. No filme, o discurso é voltado para a utilização da educação e da cultura como esclarecimento do povo, e através deste esclarecimento que conseguiremos a modernização e desenvolvimento do país. Para tanto é necessário elaborarmos projetos

5

(9)

políticos, com apoio dos empresários do capital nacional e internacional, de ampliação das bibliotecas no país, assim como a multiplicação dos números de escolas e universidades. Pois somente através das mesmas o cidadão seria capaz de ver a realidade, julgá-la e enfim, agir. O filme trabalha com as dicotomias narrativas de esclarecimento e não-esclarecimento, desenvolvido e subdesenvolvido, consciência e alienação. Sempre associando a educação ao progresso da nação.6 O analfabetismo deve ser combatido a qualquer custo.

Em referência a modernização da educação, o filme nos apresenta a importância do ensino técnico para a melhoria do país. Somente um país no qual há o aprimoramento constante da técnica e dos métodos de trabalho, com formação qualificada, a modernização e o crescimento econômico, e consequentemente social, seriam possíveis.

O filme propõe um diferente projeto de Brasil, mais liberal, anticomunista e a favor da intervenção da economia estrangeira e alinhamento com os Estados Unidos. Um dos fatores chaves desse novo Brasil moderno almejado pelos ipesianos são as questões de higiene, saneamento e habitação populacional. A saúde pública deve ser pensada como essencial para a constituição de um país desenvolvido, assim como a presença da religião é necessária para a manutenção de uma moral e uma prática de bons costumes na nação. A Encíclica Mater et Magistra é citada como princípio para o auxílio mútuo entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, proposta expressa pela Aliança para o Progresso, e valorizam um novo conceito de empresa, aquela que busca alcançar o desenvolvimento com uma harmonia entre o patrão e os seus funcionários nas fábricas. Para manter esta harmonia, é necessário uma justa remuneração, a liberdade, a segurança e o divertimento do trabalhador.

c) O que é o IPÊS?

O terceiro filme manifesto do Instituto também não possui créditos sobre seu ano de produção e sua autoria, porém pela estrutura narrativa, a estética do filme e a narração de Luiz Jatobá podemos pressupor tratar-se de um filme de Jean Manzon, mas de produção posterior a filme O IPÊS é o seguinte pelo discurso mais radical apresentado. Discurso este mais aproximado do filme O Brasil precisa de você.

O filme tem como abertura um corte entre uma paisagem perene do Rio de Janeiro para um céu nebuloso e uma fotomontagem que vincula como representantes da desordem o

6

Este tema será tratado no documentário Deixem o estudante estudar, filme sobre a Universidade e a interferência da UNE na vida do estudante universitário.

(10)

Partido Nazista, a URSS e a Cuba de Fidel Castro. Esta introdução nos apresenta o tom do filme, marcado pelos eixos paz e caos, democracia e totalitarismo.

A narração nos apresenta o grande fator para a decadência do regime comunista na URSS: a inexistência de uma classe média para equilibrar a balança comercial do país. Já o que possibilitou a ascensão dos regimes nazi-fascistas foi a omissão da classe dirigente. O Brasil com uma classe média enfraquecida e uma classe dirigente omissa está se encaminhando para onde? Para o nazismo ou para o comunismo? Contra a omissão popular, a ação do IPÊS. As diversas matérias de jornais apresentadas na tela dão crédito a crítica aberta a omissão do governo e a falta de competência do regime político de João Goulart. O governo de Jango é chamado de um governo demagogo, que permite que cada vez mais as agitações populares ganhem força e se tornem mais agressivas. Da crise ao caos pela ineficiência de Goulart, pode-se levar o país ao comunismo, ainda mais com a presença ameaçadora de Cuba na América Latina. Os intelectuais, a classe dirigente, os empresários são convocados para a luta, para agirem contra a comunização do país. Este discurso mais inflamado nos permite localizar este filme em 1963, parte das manifestações mais abertas, escancaradas, realizadas pelo Instituto. O IPÊS tem como base fundamental evitar a ameaça à democracia e às bases morais ligadas a religião cristã. Em seu discurso, devemos nos unir contra o totalitarismo, e devemos, portanto criar um organismo novo, com uma mensagem nova daquela apresentada pelo governo federal. Novamente, o filme introduz os objetivos do IPÊS: fortalecimento das instituições democráticas; superação do subdesenvolvimento; estabilização da moeda; moralização e eficiência da estrutura governamental. É preciso criar uma nova democracia, é preciso agir!

Para tanto, o IPÊS deve contar com o apoio de um excelente corpo de técnicos nas mais diversas áreas. Devem propagar seus ideais através dos mais diversos meios midiáticos, alcançar o grande público a qualquer custo. A utilização dos jornais, dos congressos, da televisão e do cinema, são essenciais. Este filme nos permite entendermos a complexidade de circulação dos ideais do IPÊS e suas intenções para com o Governo Federal. Este filme além de incitar a desestabilização, nos propõe a ação – nos propõe a conspiração das classes dirigentes contra a omissão e demagogia do governo Goulart. Nos propõe o Golpe de Estado.

O que podemos perceber na relação interfílmica desses três documentários é que todos se propõem a serem filmes manifestos dos ideais do IPÊS, cada qual com sua estrutura e estética, seus diferentes tons narrativos e de posicionamento em relação ao governo federal e aos problemas do país. Porém, o importante é ressaltarmos que estes filmes, diante de todo

(11)

seu processo de circulação nas salas de cinema, sindicatos, universidades e instituições de bairros, nos permitem refletirmos sobre a importância desses audiovisuais para o campanha de desestabilização e de conspiração, apontados por Fico, sobre o governo de Goulart, e como elementos chaves para que o Golpe de 1964 fosse aceito pela opinião pública.

Bibliografia:

Fundo IPÊS. Código QL. Arquivo Nacional. (Documentação da Regional Guanabara dos anos de 1961 a 1972)

ASSIS, Denise. Propaganda e Cinema a serviço do Golpe (1962/1964). Rio de Janeiro: Mauad, FAPERJ, 2001

BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os governos militares. IN.: FERREIRA, Jorge. DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano. O tempo da ditadura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012

DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do estado: Ação política, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Vozes, 1987.

FICO, Carlos. Além do Golpe: Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de Janeiro/São Paulo: Editoria Record, 2004

MARTINS FILHO, João Roberto. Forças Armadas e política, 1945-1964: a antessala do golpe. IN.: FERREIRA, Jorge. DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano. O tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010

Referências

Documentos relacionados

Refletir sobre como esses jovens e adultos pensam e aprendem envolve, portanto, transitar pelo menos por três campos que contribuem para a definição de seu lugar social:

Aos 7, 14 e 21 dias após a emergência (DAE), foi determinado o índice SPAD no folíolo terminal da quarta folha completamente expandida devido ser esta folha recomendada para verificar

(grifos nossos). b) Em observância ao princípio da impessoalidade, a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, vez que é

É primeiramente no plano clínico que a noção de inconscien- te começa a se impor, antes que as dificuldades conceituais envolvi- das na sua formulação comecem a ser

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

devidamente assinadas, não sendo aceito, em hipótese alguma, inscrições após o Congresso Técnico; b) os atestados médicos dos alunos participantes; c) uma lista geral

Em síntese, no presente estudo, verificou-se que o período de 72 horas de EA é o período mais ad- equado para o envelhecimento acelerado de sementes de ipê-roxo

No quinto capítulo são apresentados os resultados obtidos após aplicação da manipulação com o Sistema de Informação Geográfica e do método de controle estatístico com