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Anais XVI Encontro Nacional dos Geógrafos Crise, práxis e autonomia: espaços de resistência e de esperanças - Espaço de Socialização de Coletivos

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Academic year: 2021

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DO CHOQUE DE TERRITORIALIDADES À PRODUÇÃO DE

TRANSTERRITORIALIDADES: ENCONTROS/DESENCONTROS IDENTITÁRIOS ENTRE LATIFUNDIÁRIOS E INDÍGENAS NO MATO GROSSO DO SUL

Jones Dari Goettert Universidade Federal da Grande Dourados Dourados – Mato Grosso do Sul jonesdari@ufgd.edu.br Marcos Leandro Mondardo Universidade Federal da Bahia Barreiras – Bahia marcosmondardo@yahoo.com.br Juliana Grasiéli Bueno Mota Universidade Federal da Grande Dourados Dourados – Mato Grosso do Sul jugeo@ymail.com

Introdução

No Brasil contemporâneo vão sendo produzidos, construídos e inventados identidades, territórios e territorialidades em processos que articulam mobilidades do capital e da força de trabalho, amalgamando-se também em movimentos de identificação/diferenciação que, mesclados aos primeiros, têm definido relações de poder, de mando, hierárquicas, de exploração e de dominação, de fazer crer e de fazer obedecer (Cf. GOETTERT, 2008). Arranjos identitários territoriais, classistas ou não, participam ativamente dos movimentos de gentes pelo interior do Brasil, redefinindo inclusive as próprias identidades – elas mesmas processos organicamente ligados às lógicas de mobilidade do capital e da força de trabalho.

Neste contexto, a mobilidade do capital e da força de trabalho tem possibilitado o encontro e o desencontro de diferentes sujeitos, grupos ou classes sociais pelo interior do Brasil, o que possibilita também os choques e conflitos entre diferentes objetivos e sentidos do viver (HAESBAERT, 1997). Muitos sujeitos se colocam e/ou são colocados em movimento mudando de lugares, de contextos, de histórias e geografias encontrando na travessia e na chegada ao novo lugar, novas gentes, novas históricas e geografias o que possibilita na contemporaneidade as

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trocas culturais e, por extensão, as trocas entre territórios e territorialidades. Trocas estão que nunca são neutras, mas na maioria das vezes, dotadas de relações de poder, dotadas de intencionalidades.

No Mato Grosso do Sul, por exemplo, os povos indígenas têm suas condições materiais extremamente precarizadas e sua “expressão simbólica-cultural” completamente negada por pessoas, grupos, classes e instituições hegemônicas “não-indígenas”, formadas, histórica e geograficamente, “de fora”. Isso não significa que os povos indígenas vivam exclusivamente suas territorialidades; ao contrário, mesmo subalternamente, vêem-se obrigados ao trânsito contínuo entre as suas e as territorialidades do Outro, hegemônicas, em movimento intenso de tensões e conflitos. Mas também as pessoas, grupos, classes e instituições dominantes oriundas da mobilidade do capital ou da força do trabalho participam de condições de transterritorialidade, pois, material ou simbolicamente, constantemente acionam a territorialidade do Outro (subalterno) como contraposição a sua territorialidade “superiora”.

Essa condição pode ser verificada em Dourados que, desde meados de 2009, é relativamente comum ver em faixas em frente a casas de setores nobres da cidade ou em adesivos em camionetas, inscrições do tipo “Demarcação Não, Produção Sim”, em clara manifestação de oposição, pelos médios e grandes proprietários rurais e urbanos, aos processos de identificação e demarcação de terras indígenas na região. Por isso, essa problemática emerge como muita força demonstrando as disputas entre territórios e territorialidades que possibilitam pensarmos nas relações de poder que expressam disputas territoriais.

Por isso, marcadas por relações de poder, as transterritorialidades, quando negadoras da territorialidade do Outro, manifestam-se como “fechadas”, e quando passíveis de incorporação pelo menos parcial da territorialidade “estranha”, do Outro, apresentam-se como “abertas”. Assim, pensamos a idéia de transterritorialidade como o “choque de territorialidades” manifestadas por conflitos, tensões que possibilitam e potencializam cruzamentos culturais e territoriais que podem produzir novas territorialidades, portanto, mais múltiplas e diversas (Cf. GOETTERT & MONDARDO, 2009). Sobretudo, o que pretendemos discutir é que na condição de transterritorialidade, as relações entre territorialidades são sempre permeadas por tensões, conflitos, oposições, antagonismos, contradições, mediações ou negociações, em que

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predominam relações de poder a partir de imposições, restrições, constrangimentos, preconceitos, vergonhas, discriminações, hierarquias e violências, para as “transterritorialidades fechadas”, e relações de mediação e de negociação, para as “transterritorialidades abertas”. São as tramas e principalmente os dramas que fundam as transterritorialidades: as aproximações e os distanciamentos sempre em trânsito, em transitividade, suspensas por vezes, acionadas em outras...

Objetivos

Analisamos as transformações espaciais recentes em Dourados, no Mato Grosso do Sul, a partir da década de 1970, com a migração sulista de trabalhadores e do capital, através da expansão sócio-territorial da fronteira agrícola que criou e territorializou redes de uma “modernização agrícola” de conexões globais vinculadas principalmente ao complexo agroindustrial da soja. Essa nova produção espacial comandada pelo agronegócio e por migrantes sulistas (especialmente, os da classe média e alta) diverge com os territórios/territorialidades de sul-mato-grossenses, indígenas e paraguaios (especialmente, os trabalhadores) que já estavam em Dourados, criando, com isso, conflitos e tensões através de encontros e desencontros simbólicos e materiais entre esses diferentes sujeitos. Por isso, apontamos que através do debate identitário, ocorrem trânsitos de diferentes identidades territoriais que possibilitam a construção de novas territorialidades muito mais múltiplas e complexas em suas várias dimensões apresentando um caráter liminar e (trans)fronteiriço, que caracterizam ou potencializam a construção de transterritorialidades.

Essas seriam produzidas pelo cruzamento das territorialidades distintas como, por exemplo, entre latifundiários sulistas e indígenas através de tensões, disputas e lutas que caracterizam os processos de hibridização e transterritorialidade (HAESBAERT, 2009), em que a migração tem papel relevante nos dias de hoje pelas aproximações/distanciamentos identitários provocando-nos a pensar, por exemplo, as relações de poder presentes e imbricadas entre distintos territórios/territorialidades de fazendeiros sulistas e de indígenas em Dourados. Por isso, o objetivo dessa comunicação é compreender e discutir os choques entre territórios e

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territorialidades divergentes de migrantes sulistas, especialmente, aqueles que personificam a condição de fazendeiros (produtores rurais e urbanos classe média e alta) atuando no território do latifúndio, da grande produção, do moderno e do novo, com os territórios e territorialidades indígenas, cuja identidade está alocada na tradição de uma cultura ligada a terra (o tekoha) e na luta pelo retorno ao território de seus antepassados. Tentaremos, através do olhar geográfico, identificar a construção de territorialidades fechadas e abertas que configuram o campo de ação e de poder para a produção de novas territorialidades, o que chamamos de transterritorialidades.

Metodologia

Através da utilização da idéia de multiterritorialidade de Rogério Haesbaert (2006), iremos analisar o choque entre territorialidades divergentes no Mato Grosso do Sul, especialmente entre latifundiários e indígenas para a produção de transterritorialidades. Utilizaremos à exibição do Filme Terra Vermelha, do diretor Marco Bechis, gravado em Dourados, no Mato Grosso do Sul, para demonstrar cenários da problemática da demarcação das terras indígenas e dos conflitos entre distintas territorialidades que ocorrem constantemente nesse território em disputa e, também, o documentário Sementes dos Sonhos, mostrando a realidade dos acampamentos e a organização dos Guarani e Kaiowá nas retomadas das terras tradicionalmente ocupadas. O documentário é parte da Campanha Povo Guarani, Grande Povo!. Após a exibição do filme e do documentário, serão desencadeados debates e possíveis interpretações, sobre o olhar da geografia, que buscaram demonstrar e problematizar o choque de territorialidades e as construções daquilo que estamos denominando de transterritorialidades. Essa condição definida como um momento de tensão e de conflito entre territórios e territorialidades que potencializam o cruzamento, ou não, cultural, econômico e político de comportamentos, de sentidos e objetivos de determinada identidade.

Utilizando de um recurso fílmico tentaremos construir uma problematização no sentido de buscar apreender os encontros e desencontros entre identidades divergentes que possibilitam a construção de territorialidades-entre, territorialidades divergentes que expressam relações de poder material (conforme acepção de FOUCAULT [1985]) e relações de poder em seu sentido

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simbólico (conforme acepção de BOURDIEU [1998]). Através da análise de falas, de cenas, de gestos que são exibidos no filme, serão desenvolvidas interpretações de como hoje se reproduzem no Brasil encontros de múltiplas identidades e territorialidades que nos provocam a pensar na produção de mesclas, de hibridizações (CANCLINI, 2003) de transculturações (ORTIZ, 1983) de territorialidades.

Da migração sulista aos trânsitos e choques de territorialidades: a produção transterritorialidades

A partir da década de 1970, com a mobilidade sulista de trabalhadores e do capital (ou daqueles atores que personificam o capital e a força de trabalho), o Mato Grosso do Sul passa por transformações espaciais que criou uma nova dinâmica sócio-espacial, especialmente, criando e territorializando redes de uma “modernização agrícola” de conexões globais vinculadas principalmente ao complexo agroindustrial da soja e difundida, em grande medida, por migrantes sulistas que conjugaram tentativas de controle político e econômico e de um redesenhar de territórios que não apenas corroboram para essa nova dinâmica territorial da agricultura moderna, mas também envolvem a tentativa de legitimar o domínio e até mesmo a criação de (novas) unidades político-administrativas no estado. É importante lembrar que toda essa dinâmica envolve o processo de mobilidade de sulistas e do capital que deslocaram cooperativas agrícolas dos estados do Sul do Brasil (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e, a partir da década de 1970, impulsionados pelo Estado e pela grande “oferta” de terras, “invadem” o interior do Brasil e, portanto, o estado Mato Grosso do Sul e o município de Dourados, para a expansão da fronteira agrícola (OLIVEIRA, 1996), da fronteira demográfica (TAVARES DOS SANTOS, 1993; GOETTERT, 2008) e da frente pioneira (MARTINS, 1997).

Com todo esse processo de modernização implantado, tanto no campo quanto na cidade, se inscreveram e se inscrevem no espaço, com essa nova organização e produção espacial, novas

territorialidades, especialmente, aquelas vinculadas ao agronegócio ou, em outras palavras, à

mobilidade do capital e do trabalho. Por isso, a cidade de Dourados passou a ser o espaço de

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que implantaram lojas no comércio ligadas à agricultura moderna e/ou científica, e as territorialidades dos trabalhadores atraídos do Sul para essa atividade. Aliado a isso, foram modificadas e estão em constante processo de transformação, as territorialidades, já existentes, como a dos indígenas e a dos migrantes paraguaios que ocupam/freqüentam/transitam por inúmeros e variados lugares da cidade.

Assim, essa modernização no campo teve rebatimentos na produção da cidade de Dourados através do processo de expropriação rural gerando, a expulsão e a migração de agricultores familiares do campo para a cidade que, consequentemente, trouxe novas relações sociais e territoriais. Também, as populações indígenas das etnias Guarani e Kaiowá da aldeia indígena de Dourados que se encontram, cada vez mais, em situação de “confinamento” e/ou “reclusão territorial” pela precarização das suas condições de vida, transitam pela cidade em busca de trabalho, comida e também, para reivindicar suas lutas, sobretudo, aquelas vinculadas à re-conquista da terra e de condições mais dignas e humanas de sobrevivência simbólica e material.

Segundo Mota (2009), hoje a aldeia de Dourados conta com uma área de aproximadamente 3.475 hectares de terras, onde vivem aproximadamente 11.000 pessoas, divididas por três grupos étnicos, sendo eles: os Terena, os Kaiowá e os Guarani (Ñandeva). A aldeia foi criada com incentivo de políticas indígenistas do Marechal Cândido Rondon que teve como objetivo garantir aos índios a posse das terras para sobreviver e seus direitos como pessoa e tribo. No entanto, essa área territorial e as condições físicas e simbólicas atualmente não possibilitam – se é que algum dia possibilitaram – uma vida digna para essa população indígena. A situação de precariedade extrema e o confinamento fazem com que muitos procurem emprego, no campo e na cidade, ou, até mesmo, procurem comida em latas de lixo ou, ainda, peçam “pão velho” de porta em porta nas casas. Por isso, muitos indígenas transitam pela urbe em Dourados, sobretudo, com carroças – sendo em torno de 2.000 – buscando “espaço” e visibilidade em meio à “sociedade” douradense que é levada pelos atores do capital a buscar e a difundir o moderno, o novo, o agronegócio, e a inferiorizar, e até mesmo, em alguns casos, a não aceitar, outros modos de pensar e de ser como o dos indígenas.

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Por isso, com as precariedades sócio-territoriais e com as péssimas condições de reprodução de vida, os indígenas tiveram nesse processo grande influência da cultura urbana oriunda, dentre outros, da cidade de Dourados – diga-se de passagem tendo seu espaço urbano bem próximo da aldeia – que alterou radicalmente a geografia dos espaços reduzidos e dos tempos de longa duração desses antigos habitantes indígenas de Mato Grosso do Sul. Esse novo cenário e essa nova paisagem foram desencadeadas pelo movimento desterrritorializador da modernização da agricultura com a “territorialização” dos complexos agroindustriais da soja (e, mais recentemente da cana-de-açúcar) que impuseram o tempo breve, veloz da técnica e do lucro arrasador e a escala macro das grandes corporações/explorações capitalistas, além, do capital globalizado que “reticulariza” o espaço através das redes seletivas de conexões do mercado financeiro e produtivo.

Com a migração sulista do capital e do trabalho houve, desse modo, a ocupação e apropriação privada de amplas parcelas de terras, que se acelera na década de 1970 e que se consolida na década de 2000, com a ampliação do fluxo de migrantes sulistas (como verificado na tabela 1) e de empresas do agronegócio (em sua grande maioria, de mesma origem geográfica) para Dourados e Mato Grosso do Sul. O resultado desse processo de ocupação e de apropriação privada da terra foram os conflitos desencadeados com os indígenas e com as populações locais, notadamente, os migrantes paraguaios, que viram suas terras (parte ou grande parte delas) transformadas em mercadorias e atualmente supervalorizadas pela monocultura da soja e por um mercado imobiliário extremamente especulador do qual, também, participam muitos latifundiários sulistas reproduzindo um forte controle territorial sobre a produção do espaço agrícola e urbano em Dourados e Mato Grosso do Sul.

Com a entrada avassaladora da monocultura da soja e do agronegócio em Dourados, as manifestações de mudanças operaram-se tanto sobre o espaço agrícola que se alterou com o novo aparato técnico e tecnológico se tornando homogêneo e geométrico, e sobre o espaço da cidade que ganha novas formas e funcionalidades, sobretudo aquelas ligadas ao agronegócio, a cultura da soja e ao capital internacional. Por isso, tanto o município de Dourados bem como grande parte do estado de Mato Grosso do Sul, especialmente, a sua porção sul, revelam processos contraditórios da recente modernização implementada, pois transformaram-se simultaneamente

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em espaços de produção de riqueza e espaços de produção de pobreza manifestando conflitos e crises, como, por exemplo, entre latifundiários e indígenas. Esse conflito atualmente ganha novos contornos e maior tensão com a proposta do Governo Federal juntamente com a FUNAI, para a demarcação das terras indígenas no estado que estão acarretando discussões, protestos e mobilizações de ambos os lados envolvidos na questão, desembocando tensões no interior do município de Dourados e em vários outros municípios de Mato Grosso do Sul, por exemplo, entre médios e grandes proprietários rurais e urbanos (muitos destes “gaúchos”) e indígenas.

Desse modo, em Dourados as tensões e disputas entre divergentes territorialidades são possíveis pela diversidade cultural e territorial que o município e, em sentido mais estrito, a cidade comporta pela “coexistência espacial” (MASSEY, 2008) de “múltiplas territorialidades” (HAESBAERT, 2006) que transitam por distintos territórios, desde o território do lar ao território do comércio, da rua, da escola, da fazenda, do supermercado dentre outros, nos quais os encontros e desencontros entre distintas identidades acabam potencializando relações transterritoriais que se expressam por territorialidades que se configuram como mais “fechadas” – como a dos fazendeiros sulistas que na maioria das vezes tentam impor seus objetivos, suas visões de mundo, seu modo de trabalhar sobre os indígenas e paraguaios – e as “territorialidades abertas” – aquelas dos migrantes paraguaios e indígenas que na maioria das vezes precisam se “adaptar” ao novo meio geográfico e a condição de subalternidade que se inserem nas relações, mesmo que, expressando resistências às práticas de dominação simbólicas e materiais –. Essas relações possibilitam a esses distintos sujeitos e grupos sociais, inúmeros trânsitos muitos, inclusive, efetivos, da mobilidade entre territórios e territorialidades múltiplos e complexos que, em algumas vezes, possibilitam o “jogar” e o acionar de identidades e de territorialidades dependendo da relação e dos objetivos que estão situados no campo de ação.

Nesse complexo e múltiplo processo de entrecruzar de territórios e de culturas em Dourados, muitos “gaúchos”, empresários rurais e urbanos acabam mantendo uma “territorialidade fechada” no sentido de tentar “preservar” sua cultura e, sobretudo, para atingir seus objetivos enquanto grupo ou “classe” agrícola difusores do novo através da modernização da agricultura. Já, os migrantes paraguaios e os indígenas – embora, esses sujeitos distintos também em muitos aspectos – se inserem nas relações com os migrantes gaúchos personificadores do

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capital, na condição de subalternidade tendo, na maioria das vezes, sua “territorialidade aberta”, pois precisam se “adaptar” às regras e normas do capital. Por isso, indígenas e paraguaios acabam transitando por alguns territórios da cidade de Dourados, absorvendo aspectos da cultura urbana e mudando suas identidades e territorialidades pela mobilidade entre diferentes “contextos” culturais e políticos da urbe. Nesse processo, muitos sulistas assumem uma condição mais radical de difusores do moderno assentados numa espécie de “fundamentalismo do novo” onde opera a força do capital e de um “projeto de modernidade”: o novo sempre como “superior” e “melhor” que o “velho”, que o “tradicional” (GIDDENS, 1997).

Os processos de transterritorialização, nesse sentido, nos parecem ser produzidos por intensas formas de convivência e tensão social. Neles (nos processos) se redefinem as inter-relações de sujeitos, grupos ou classes sociais envolvidas ao mesmo tempo em que se configuram novos referentes de identificação imaginária, nos quais o território material e simbólico adquire outras formas de expressão e de re-significação cultural e política. O que, em nosso entender, deve ser levado em conta é a centralidade das relações mediadas sempre pelo espaço (mesmo no movimento contínuo) pois, o que interessa, fundamentalmente, é a relação de entrecruzamento cultural e, por extensão, política através da relação de conflito, estranhamento e alteridade com o

outro território em que o migrante transita. Assim, entendemos que ocorrem em Dourados

hibridizações de territorialidades e de identidades entre sulistas, indígenas e paraguaios que, tendo suas territorialidades “abertas” ou “fechadas”, acabam “assimilando” mais ou menos os comportamentos e os sentidos de vivência do outro através das relações de entrecruzamento, relações que são de necessidade, do trabalho ou do capital, relações de amizade e de vizinhança, relações familiares – nos casamentos e nos namoros –, relações de convivência e de coexistência espacial entre esses sujeitos em Dourados nos mais variados encontros onde os confrontos acabam aparecendo, acabam emergindo.

Algumas considerações

As modernizações no território sul-mato-grossense ao mesmo que se anunciam como formas inovadoras que aceleram o ritmo da produção aumentando a produtividade e tendo maior

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circulação das mercadorias sob a liderança de empresas globais, evidenciam cada vez mais a expropriação de pequenos proprietários e a precarização das condições de vida de indígenas que, “enclausurados” em reservas – como o caso exemplar da aldeia indígena de Dourados –, tem como possibilidades vender sua força de trabalho nas lavouras modernas de grãos e/ou no corte da cana-de-açúcar ou, ainda, pedindo “pão velho” de porta em porta. Assim, a modernização implementada pelo complexo agroindustrial da soja em Dourados e em Mato Grosso do Sul se caracteriza por realizar descompassos e contradições sócio-territoriais, pois, ao mesmo tempo em que produz riqueza para alguns, reproduz pobreza e precarização sócio-territorial de muitos, afetando drasticamente as condições de vida dessas populações locais, sendo os indígenas os sujeitos exemplares desse processo de precarização e “exclusão” sócio-territorial.

Em Dourados, por isso, o trânsito des-contínuo e a mudança permanente de território, de contexto cultural, de certezas, condicionam as territorialidades de sulistas, indígenas e paraguaios que se vêem obrigados a assumir posições – criar territórios de posicionamento – diferentes de acordo com os territórios em que chegam, que passam, que se relacionam, que constroem. Esses sujeitos precisam questionar o outro, precisam usar de cautela ao conhecer a diferença, precisam “aceitar” a fragmentação negociando e traduzindo o outro “sujeito” e o outro “geográfico”. Por isso, esses sujeitos em movimentos de trânsito pela diversidade “territorial” e “cultural” estabelecem uma relação ambígua com os distintos territórios: esses parecem ser distantes física e simbolicamente, mas, ao mesmo tempo, são próximos física e simbolicamente pelas relações de amizade, do trabalho, do namoro dentre outros que tornam esses territórios “flutuantes” e incertos, porque as mudanças, os trânsitos e os conflitos, os modificam, os reconstroem, reconstruindo também suas identidades e territorialidades num processo cada vez mais múltiplo e de hibridização que, dentre outros aspectos, possibilitam a construção de transterritorialidades.

Bibliografia

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CANCLINI, N. G. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4 ed. São Paulo: EdUSP, 2003.

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GIDDENS, A. A vida em uma sociedade pós-tradicional. In: BECK, Ulrich. GIDDENS, A. LASH, Scott (Org.). Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social

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de quem partiu e de quem ficou. Dourados, MS: Editora da UFGD, 2008.

HAESBAERT, R. Des-territorialização e identidade: a rede “gaúcha” no Nordeste. Niterói: EDUFF, 1997.

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Referências Fílmicas

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