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REFLEXÃO E AÇÃO COMO ATITUDE DE CONSCIENTIZAÇÃO

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Academic year: 2021

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REFLEXÃO E AÇÃO COMO ATITUDE DE CONSCIENTIZAÇÃO

FREITAS, André Luis Castro de1 - FURG FREITAS, Luciane Albernaz de Araujo2 - IF SUL-RIO-GRANDENSE Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo

As relações dialógicas, na pedagogia freiriana, proporcionam como foco a reflexão sobre a realidade, a qual não é entendida como abstrata e estática, mas sim como uma realidade concreta e processual da qual o sujeito faz parte e desenvolve autoria. Nesse sentido, a autoria qualifica o sujeito, tornando-o agente de suas ações, de seus interesses, permitindo autorizar-se como aquele que reflete sobre os conhecimentos trabalhados nessa realidade. No momento que o sujeito exerce a autoria percebe que está, diretamente, rompendo com a transmissão de conhecimentos. Compreende-se, dessa forma, um movimento de reflexão e ação dos sujeitos sobre o mundo para transformá-lo. O presente texto possui por objetivo (re) descobrir categorias freirianas pela análise de práticas educativas que exercitam o movimento entre reflexão e ação como atitude de conscientização. A partir de um estudo descritivo crítico tem-se por objetivo compreender nessas práticas movimentos que venham a promover a constituição de um sujeito autônomo. Problematiza-se no texto a necessidade de refletir sobre uma perspectiva pedagógica que aponte para a ideia de não apenas acolher o sujeito diferente, mas com ele organizar encontros de diferentes em busca de uma unidade mínima para atuar a transformação. Acredita-se que essa transformação permite ao sujeito a capacidade de assistir aos movimentos, poder intervir e, ainda, tirar proveito das situações. Por fim, as ideias aqui apresentadas têm por finalidade provocar a articulação do pensamento na busca da compreensão de encaminhamentos adotados nas relações educativas, vislumbrando alternativas que possam esclarecer sobre a produção de subjetividades dentro desses espaços, principalmente no que se refere à tomada de consciência.

Palavras-chave: Tomada de consciência. Conscientização. Relações dialógicas. Considerações iniciais

Compreende-se que a educação, como Freire à via, inicialmente, era parte de um projeto de transformação radical da sociedade, onde se evidencia o ponto central de seu

1 Doutor em Ciência da Computação pela UFRGS. Doutoramento em Educação pela UFPEL. Professor

Associado da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). E-mail: dmtalcf@furg.br.

2 Doutoramento em Educação Ambiental pela FURG. Mestre em Desenvolvimento Social pela UCPEL.

Professora de Ensino Médio e Tecnológico do Instituto Federal Sul-Rio-Grandense (IF Sul-Rio-Grandense). E-mail: lucianealbernaz@pelotas.ifsul.edu.br.

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pensamento pela conquista da liberdade. Na obra do autor se poderia argumentar a existência de uma radicalidade pela ética a favor do humano, intencionalidade essa a qual Freire não abre mão.

Nesse sentido, a necessidade de entendimento entre os homens é compreendida por Freire (2004) por meio do exercício da humildade, em detrimento da autonomia. Para o autor não existe diálogo se não há humildade. “A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante” (FREIRE, 2004, p. 46). Enfatiza que o diálogo se rompe, se seus pólos perdem a humildade, afirmando, ainda, que a auto-suficiência não é compatível com o diálogo.

Existe, no diálogo, a necessidade de ouvir o Outro, deixando tomar-se pelas suas razões, antes de elaborar a contraposição de ideias, ou seja, o deixar algo em si que foi dito pelo Outro.

Compreende-se que o exercício de alteridade constitui o repensar de todos proporcionando um diálogo onde o pensar só existe a partir das relações com o Outro. “A intersubjetividade, em que as consciências se enfrentam, dialetizam-se, promovem-se, é a tessitura última do processo histórico da humanização” (FREIRE, 2004, p. 09).

Considerando essas condições, Freire aponta para a educação problematizadora como forma de ação onde se proporciona uma relação de troca horizontal entre professor e estudante oportunizando a atitude de transformação da realidade conhecida. A educação problematizadora se constitui como processo de humanização, conquistada pela práxis3, a qual implica a reflexão e a ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo.

Supondo esse tipo de relação percebe-se possível ao professor pensar as atividades a serem desenvolvidas, inserindo o estudante em movimentos de incertezas. Reflexão e ação representam o ponto instigador da aprendizagem, pois a dúvida é posta pelo questionamento elaborado abrindo caminho para a interação entre os sujeitos envolvidos.

Nesse sentido, a intencionalidade do texto é promover a discussão de categorias e sua relação com o processo de (re) transformação dos sujeitos envolvidos nas relações educativas

3 A práxis estabelece uma ação transformadora consciente e crítica da realidade, superando a dicotomia teoria e

prática. “É na práxis que o ser humano tem de provar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensar” (MARX; ENGELS, 2010, p. 27). Para Sánches Vásques (2007): “A relação entre teoria e práxis é para Marx teórica e prática; prática, na medida em que a teoria, como guia da ação, molda a atividade do homem, particularmente a atividade revolucionária; teórica, na medida em que essa relação é consciente” (SÁNCHES VÁSQUES, 2007, p. 109).

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considerando o diálogo com: os camponeses chilenos descrito na obra freiriana Pedagogia da Esperança.

O texto se constitui nas seguintes temáticas: a problematização – o diálogo socrático trata enfatizar a importância de reconhecer nos outros o direito de dizer a sua palavra; conceitos imbricados – da autonomia ao inacabamento objetivam discutir a relação circular entre essas duas categorias, ainda, na análise e discussão – do diálogo socrático à dialética freiriana abordam-se problematizações sobre as relações educativas dialógicas. Após apresenta-se uma reflexão do estudo onde se organizam as considerações finais.

Problematização – o diálogo socrático

Problematiza-se que o homem é um sujeito inacabado e possui consciência de seu inacabamento, compondo movimentos que irão constituir a sua existência. “O corpo humano vira corpo consciente [...]” (FREIRE, 2002, p. 21) quando o suporte4 passa a ganhar sentido no mundo, e a vida torna-se existência.

A ideia é enfatizar o quão importante é essa transformação que, a partir de um dado momento, estabelece ao sujeito a capacidade de assistir aos movimentos, poder intervir e, ainda, tirar proveito dessas situações.

Ao iniciar o diálogo com o grupo de camponeses, mesmo que de modo geral Freire evitasse fazê-lo por causa da língua, o autor solicita licença ao educador que coordenava a discussão do grupo, perguntando a esse se aceitava uma conversa. “Depois da aceitação, começamos um diálogo vivo, com perguntas e respostas de mim e deles a que, porém, se seguiu, rápido, um silêncio desconcertante” (FREIRE, 1992, p. 23).

Percebe-se pela colocação do autor, o quão produtivo tornou-se essa atividade preliminar no que trata a ação de aproximar e conhecer os sujeitos, criando uma atmosfera de intimidade entre esses. O sujeito se constitui como o Outro, com identidade, e não como um desconhecido.

Na sequência surge o questionamento de um camponês: “’Desculpe, senhor’, disse um deles, ‘que estivéssemos falando. O senhor é que podia falar porque o senhor é o que sabe. Nós, não’" (FREIRE, 1992, p. 23).

Freire percebe a exigência de seu interlocutor, mas nega a preleção com o intuito de

4 Gonçalves (2008), inicialmente, define suporte como o ambiente o qual garante as necessidades básicas do ser:

abrigo, alimentação e reprodução. Para o autor é nesse suporte que a vida consegue absorver um imenso salto qualitativo. É, portanto, nesse salto que o homem passa a nomear seus movimentos e formas de agir.

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reforçar uma ideologia já explicitada. Pelo contrário, propõe a compreensão, a partir da aceitação de algo argumentado no discurso do camponês, problematizando-os e trazendo-os ao diálogo.

“Muito bem”, disse em resposta à intervenção do camponês. “Aceito que eu sei e vocês não sabem. De qualquer forma, gostaria de lhes propor um jogo que, para funcionar bem, exige de nós absoluta lealdade. Vou dividir o quadro-negro em dois pedaços, em que irei registrando, do meu lado e do lado de vocês, os gols que faremos eu, em vocês; vocês, em mim. O jogo consiste em cada um perguntar algo ao outro. Se o perguntado não sabe responder, é gol do perguntador. Começarei o jogo fazendo uma primeira pergunta a vocês” (FREIRE, 1992, p. 24).

Para Freire (1992) ensinar e aprender representam momentos de um processo maior, ou seja, o de conhecer, o qual implica reconhecer, pois “[...] o educando se torna realmente educando quando e na medida em que conhece, ou vai conhecendo os conteúdos, os objetos cognoscíveis, e não na medida em que o educador vai depositando nele a descrição dos objetos, ou dos conteúdos” (FREIRE, 1992, p. 24).

Na sequência, Freire assume o jogo com o grupo iniciando os questionamentos: “Que significa a maiêutica socrática? Gargalhada geral e eu registrei o meu primeiro gol.- Agora cabe a vocês fazer a pergunta a mim - disse. Houve uns cochichos e um deles lançou a questão: - Que é curva de nível? Não soube responder. Registrei um a um” (FREIRE, 1992, p. 24). Dessa forma o autor segue o diálogo:

– Qual a importância de Hegel no pensamento de Marx? Dois a um. – Para que serve a calagem do solo? Dois a dois. – Que é um verbo intransitivo? Três a dois. – Que relação há entre curva de nível e erosão? Três a três. – Que significa epistemologia? Quatro a três. – O que é adubação verde? Quatro a quatro. Assim, sucessivamente, até chegarmos a dez a dez (FREIRE, 1992, p. 24).

O autor sugere aos camponeses a reflexão sobre o acontecido: inicialmente a discussão, segue-se o silêncio e, finalmente, o jogo. A discussão pela novidade no círculo de cultura, ou seja, a aproximação dos sujeitos; o silêncio por apontar o autor como sábio a fazer uma preleção e, por fim, o jogo pela ironia do trabalhar o conhecimento.

Faz-se importante ressaltar a inversão de caminhos quando o autor propõe uma forma diferente de discussão ao que esperado pelos camponeses.

Assumindo como foco as relações educativas, Freire afirma que viver enquanto professor significa reconhecer nos outros o direito de dizer a sua palavra. Direito de alguém falar o qual corresponde de igual forma o dever da escuta.

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do mesmo processo de conhecer, e que o pressuposto diferencial é o ensinar como conhecer. Nesse sentido argumenta: “[...] você deve testemunhar aos estudantes como você estuda, como você se aproxima do objeto de seu conhecimento, o que significa para você a busca do conhecimento” (FREIRE, 1991, p.115).

Nesse sentido, o autor, considerando a educação popular, advoga que o ponto de partida é o quadro antropológico-cultural o qual está intimamente ligado a vida de quem participa da relação educativa, onde o universo temático, como mundo da cultura dos sujeitos envolvidos, permite a construção do universo vocabular.

As ideias aqui apresentadas têm por finalidade provocar a articulação do pensamento na busca de definir variações para os encaminhamentos adotados nas relações educativas, vislumbrando alternativas que possam esclarecer sobre a produção de subjetividades dentro desses espaços, principalmente no que se refere à tomada de consciência e movimento de transformação.

Conceitos imbricados – da autonomia ao inacabamento

Retomando o contexto inicial, ao refletir que as relações educativas se efetivam quando comprometidas e imbricadas com o processo de humanização compreende-se que os sujeitos envolvidos na relação são ambos cognoscentes, ou ainda, sujeitos aprendentes.

A consciência do inacabamento em Freire é uma dimensão “[...] indispensável ao processo de construção da autonomia e da produção da educação a serviço da transformação, pois tal dimensão permite ao humano inserir-se num processo de fazer e refazer a história” (GHIGGI, 2010, p. 117).

Destaca-se a categoria inacabamento associada a pressupostos como: partilha, heteronomia e humildade, no intuito de comporem um fazer pedagógico investigativo, um fazer que promova a autoria e com isso uma leitura de mundo diferenciada.

Comunga-se com o pressuposto do autor quando propõe a consciência do inacabamento, quando se percebe o surgimento do desafio permanente da reconstrução, do então construído, por meio da construção de novas práticas culturais, que demonstrem, justamente, a dimensão de inacabamento do humano.

A proposta pedagógica freiriana propicia voz aos sujeitos envolvidos permitindo a expressão de seus conhecimentos, em respeito à cultura de origem. Dessa proposta surgem situações: o espaço e o conhecer do Outro.

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Fazendo uma aproximação a área da educação, Gonçalves (2008) demonstra pessimismo quando aborda sobre os espaços educativos enfatizando que os estudantes não se percebem como corpos conscientes.

O autor problematiza que os espaços educativos ainda persistem em apresentar aos estudantes os resultados dos conteúdos e produções relevantes das conquistas culturais, científicas e técnicas, em detrimento a incorporar nos processos educacionais tudo àquilo que tenha constituído a humanidade a se diferenciar na ordem da vida.

Percebe-se que a tomada de consciência que encaminha o sujeito à conquista da autonomia perpassa continuamente pela reflexão crítica definindo o inacabamento como sinalizador para as necessidades de transformação.

Mesmo que se considerem as relações educativas dialógicas, envolvendo sujeitos aprendentes, faz-se necessário diferenciar os papéis dos participantes. A proposta freiriana não é ingênua ao definir papeis de professor e estudantes como iguais na relação afirmada.

Pelo contrário, quando aqui se resgata as relações cognoscentes, onde ambos os participantes, são aprendentes, faz-se oportuno enfatizar que o papel do professor “[...] é sempre diferente e não igual aos alunos” (SHOR; FREIRE, 2008, p. 120).

Para os autores o professor dialógico é: informado, experiente na análise crítica e, ainda, comprometido com a inserção política e transformação social. O professor além de ser um sujeito com formação é o líder do processo, o qual não ocorreria por si só.

Partindo desse pressuposto, considera-se que o exercício da autonomia desse professor esteja associado a uma educação responsável proporcionando relações de aprendizagem participativas e democráticas.

Nessa forma de movimento está em jogo uma disposição do professor quanto à flexibilidade da autoridade, pois a relação dialógica não tem por objetivo igualar os sujeitos, mas proporcionar condições para trocas entre esses.

Scocuglia (2010) compreende que se vive a época de incertezas paradigmáticas5, onde, fundamentalmente, as práticas pedagógicas estão associadas à vivência docente, a qual só é possível para quem a exerce. Nesse sentido, a partir de tantas teorias e, ainda, paradigmas

5 Kuhn (1998) define o termo paradigma como: “[...] aquilo que os membros de uma comunidade partilham e,

inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma” (KUHN, 1998, p. 219). Para o mesmo autor essa circularidade é uma fonte de dificuldades reais, pois as comunidades podem e devem ser isoladas aos paradigmas e esses podem ser descobertos por meio do escrutínio do comportamento dos membros de uma comunidade. Ainda nesse contexto os praticantes de uma especialidade científica são submetidos a uma iniciação profissional e educação similares. Nessas condições os limites de um objeto científico são demarcados por fronteiras de uma mesma literatura padrão.

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emergentes e em declínio, o autor afirma que a reflexão sobre a prática, com o intuito de melhorá-la, caracteriza o caminho prudente a ser trilhado.

Compreende que embora na teoria sejam estudadas ideias de cooperação, coletividade, equipes de trabalho, transdisciplinaridade e, ainda, formação compartilhada, na prática se apresenta o predomínio do individualismo o qual desmobiliza e enfraquece o trabalho docente.

Segundo mesmo autor, a identidade do sujeito é constituída de características individuais e coletivas as quais definem os homens e as mulheres como seres relacionais que estão no mundo e com o mundo. O conhecimento e a consciência crítica que um indivíduo tem de si mesmo e de sua relação com os outros é componente essencial das identidades.

Enfatiza a educação a partir da “[...] ação dialógica, na conquista da consciência crítica, na problematização do conhecimento e na pedagogia da esperança, da indignação e da autonomia, da ética e da justiça social” (SCOCUGLIA, 2010, p. 188). Acredita que dessa forma se possa vir a constituir um vigoroso contraponto à precarização do trabalho e à dilaceraçao da identidade docente.

Retornando ao início do texto enfatiza-se a necessidade de promoção do diálogo com os diferentes, onde seja possível definir que cada sujeito participante torne-se responsável pela própria formação.

Compreende-se que o exercício da heteronomia, humildade e partilha, na relação dialógica, seja o pressuposto incentivador não só para proporcionar uma transformação dos estudantes quanto ao conhecimento, mas represente um movimento para a tomada de consciência quanto à inserção desses sujeitos na realidade social, econômica, cultural e política.

A partir dessas considerações (re) afirma-se que existe uma circularidade entre autonomia e inacabamento diante do exercício de uma prática dialógica. Ao mesmo tempo em que se deseja um estudante que possa tomar consciência de sua própria aprendizagem na conquista permanente da autoria e autonomia, almeja-se um professor articulador aquele que venha a flexibilizar sua autonomia pelo exercício do inacabamento permitindo a constituição de uma relação onde todos os sujeitos envolvidos se tornem aprendentes.

Dessa forma, tão importante quanto à conquista da autonomia, de igual forma se faz presente a heteronomização da autonomia, quando pelo diálogo, a subjetividade se converte

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em subjetividade humana, estabelecendo a importância ao Outro, e não mais um diálogo fundamentado na razão pura.

Análise e discussão – do diálogo socrático a dialética freiriana

O diálogo freiriano proposto na problematização parte de uma reflexão socrática onde, por meio da dialética, a discussão se desenvolve pela ironia e pela maiêutica6. A ironia propõe elaborar a pergunta fingindo desconhecer o assunto no intuito de refutar a tese contrária preparando a tese verdadeira.

Para Calado (2001) há uma influência do pensamento socrático na filosofia freiriana, principalmente em relação ao autoconhecimento e aprofundamento introspectivo da condição humana.

A proposta socrática prevê a sistematização da dúvida, quando por análises e sínteses, o filósofo exercia provocações sobre as questões em cheque, no intuito de fazer surgir à verdade, promovendo a autoria ao aprendiz.

Acredita-se que para o professor esse seja um dos momentos mais ricos na relação educativa quando é possível conhecer os estudantes envolvidos e suas percepções de mundo.

Percebe-se, no diálogo freiriano, o exercício do inacabamento quando, o autor, propõe voz e vez aos sujeitos envolvidos. A discussão com os camponeses está ancorada sob o ponto de vista da Pedagogia do Oprimido na qual Freire propõe a tentativa de tornar esses sujeitos livres. Quando se argumenta sobre os sujeitos se faz referência ao coletivo, com intencionalidade de socialização.

Em Freire (2004) é permanente a defesa de uma ação libertadora da opressão social, quando o autor argumenta que humanizar é se tornar autônomo, consciente e sujeito da própria historia. “Falar, por exemplo, em democracia e silenciar o povo é uma farsa. Falar em humanização e negar os homens é uma mentira” (FREIRE, 2004, p. 46).

Faz-se oportuno reforçar a importância do Outro no contexto freiriano, pois “[...] já não se pode afirmar que alguém liberta alguém, ou que alguém se liberta sozinho, mas que os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 2004, p. 75).

6 A maiêutica propõe ao sujeito descobrir gradativamente o conhecimento sobre o objeto de discussão. Para

Japiassu (2001) a maiêutica consiste em um procedimento onde Sócrates, “[...] partindo das opiniões que seu interlocutor tem sobre algo, procura fazê-lo cair em contradição ao defender seus pontos de vista, vindo assim a reconhecer sua ignorância acerca daquilo que julgava saber” (JAPIASSU, 2001, p. 123). Desse modo a partir do reconhecimento da ignorância passa-se a descobrir, pela razão, a verdade.

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As relações dialógicas, portanto, promovem o encontro dos homens que pronunciam o mundo, com o intuito de (re) criar a história, onde o foco permanente é a reflexão sobre a realidade a qual não é entendida como abstrata e estática, mas sim como uma realidade concreta e processual da qual o sujeito faz parte e intervém.

Uma vez garantidas às condições inicias para a relação dialógica o método freiriano cria a problematização do tema gerador, como o universo mínimo temático. Esse universo mínimo é composto por temas os quais, em geral, se contradizem, e por vezes mantém estruturas já existentes. Aqui se estabelece uma relação de correspondência entre os temas geradores e o contexto histórico do qual os sujeitos fazem parte, possibilitando perceber a inserção dos envolvidos na temática.

Freire (2004) argumenta sobre a importância da investigação das dimensões significativas da realidade no sentido de propor aos sujeitos interação entre as partes. Dessa forma: “[...] as dimensões significativas, que por sua vez, estão constituídas de partes em interação, ao serem analisadas, devem ser percebidas pelos indivíduos como dimensões de totalidade” (FREIRE, 2004, p. 55).

Aponta-se a necessidade de captar a realidade como um todo, buscando na realidade social, não só a superação do conhecimento abstrato isolado das partes, mas, também, a superação do conhecimento dedutivo dessa mesma realidade. A investigação do tema gerador aproxima ao pensar dos sujeitos no que se refere à realidade, investigando de tal forma a atuação desses sobre a mesma. “Isto não significa a redução do concreto ao abstrato, mas tê-los como opostos que se dialetizam no ato de pensar” (FREIRE, 2004, p. 97). Percebe-se dessa forma, que o abstrato e o concreto formam um único método de conhecimento.

O processo teórico freiriano desloca-se do real ao abstrato e retorna ao real concebido pelo pensamento, caracterizando um movimento por entre abstrato e concreto onde se supera a abstração pela percepção crítica do concreto.

Depois de realizados os movimentos de busca e delimitação temáticas se contempla a codificação da realidade em estudo, para posterior decodificação junto aos sujeitos envolvidos na relação educativa. Acentua-se que durante a relação dialógica sobre os conteúdos programáticos propriamente ditos é que acontece a investigação dos sujeitos em relação à realidade.

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A codificação se constitui a partir de uma representação da situação existencial dada pela interação de seus elementos. Os sujeitos se reconhecem nessa interação ao mesmo tempo em que passam a ser seu objeto de reflexão.

Após a codificação onde é proposta a representação do tema, na decodificação faz-se o desvelamento do tema. Os processos de codificação e decodificação significam “[...] transcender as situações-limite, fazer com que o sujeito se reconheça no objeto” (FREIRE, 1979, p. 31).

Compreende-se que a decodificação significa trazer o objeto desconhecido até a realidade do sujeito promovendo uma ressignificação, passando a representação a uma situação concreta de aproximação do real, partindo a uma percepção crítica.

Acredita-se que nas relações educativas, apoiadas em trocas dialógicas, professor e estudantes constroem sua dialética de trabalho, alicerçados no contínuo movimento de tomada de consciência.

Por fim, reafirma-se a necessidade de conhecimento da realidade onde esse conhecer exige codificar as partes e decodificá-las na busca da retotalização. Conhecer significa: “[...] conscientização e necessita partir do todo (abstraindo as partes) e fazer o caminho de volta em direção ao todo, construindo a síntese (o concreto). E, enfim, desvelar a percepção da percepção antes percebida” (NÓBREGA et al, 2010, p. 88).

Considerações Finais

As ideias aqui apresentadas têm por finalidade provocar a articulação do pensamento na busca de definir variações para os encaminhamentos adotados nos espaços educacionais, com o intuito de propor movimentos de reflexão e ação com vistas a tomada de consciência.

Acredita-se oportuno elencar alguns pressupostos oriundos desse estudo, que tenham por objetivo promover relações educativas dialógicas, tomando por base as categorias elencadas: inacabamento, autonomia e relações dialógicas. Problematiza-se:

(a) a compreensão do inacabamento como forma de expressão de vida - o inacabamento como forma de operar a consciência, onde o sujeito esteja em contínua (re) construção;

(b) a reflexão crítica em novas realidades - a reflexão crítica como forma de tomada de consciência, o questionamento sistemático permanente nos novos espaços almejados;

(c) o exercício da partilha e humildade na relação dialógica: a heteronomização da autonomia como forma aproximação entre os sujeitos;

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(d) o ouvir o Outro com alteridade: o pensar a partir das relações com o Outro na tentativa de estabelecer um diálogo tanto entre iguais como diferentes e, por fim,

(e) o deixar algo em si que foi dito pelo Outro: o acolhimento da proposta do Outro;

(f) que a relação dialógica sobre os conteúdos programáticos propriamente ditos proporciona a investigação dos sujeitos em relação à realidade;

(g) que os sujeitos se reconhecem na interação ao mesmo tempo em que passam a ser seu objeto de reflexão e, por fim,

(h) sobre a necessidade de conhecimento da realidade onde esse conhecer exige codificar as partes e decodificá-las na busca da retotalização.

Considerando-se as análises aqui constituídas acredita-se ter fomentado ideias que venham a contribuir para uma prática dialógica tendo por pressupostos a teoria freiriana.

Não se possui como objetivo encerrar a discussão a partir desse trabalho, mas oportunizar que se abram novos indícios na promoção da investigação de conceitos e pressupostos que se compõem de forma imbricada no que concerne à qualificação das relações educativas.

REFERÊNCIAS

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FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.

FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. 25. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 38. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.

GHIGGI, Gomercindo. Paulo Freire e a revivificação da educação popular. Educação. Porto Alegre, v. 33, n. 2, p. 111-118, maio/ago., 2010.

GONÇALVES, Luiz Gonzaga. Da consciência do inacabamento à noção de corpo consciente na obra de Paulo Freire. In: CALADO, Alder Júlio Ferreira (org). Revisitando Paulo Freire: diálogo, prática e inspiração cristã-marxiana. João Pessoa: Ideia, 2008. p. 53-65.

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JAPIASSU, Hilton; Marcondes, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva. 1998.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da novíssima filosofia alemã em seus representantes Feuebach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas, 1845-1846. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

NÓBREGA, Michelle Rodrigues; SILVEIRA, Fabiane Tejada; GHIGGI, Gomercindo. Pensar e ser pesquisa: a contribuição da dialética freiriana à Filosofia da Educação. In: STRECK, Danilo; et al (orgs). Leituras de Paulo Freire: contribuições para o debate pedagógico contemporâneo. Brasília: Liber Livro, 2010. p. 75-91.

SANCHÉS VÁSQUES, Adolfo. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular, 2007. SCOCUGLIA, Afonso Celso. Globalização, trabalho e docência: constatações e

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