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O Orçamento como lei: contributo para o compreensão de algumas especificidades do Direito Orçamental Português

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Autor(es):

Xavier, António Lobo

Publicado por:

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

URL

persistente:

URI:http://hdl.handle.net/10316.2/26010

Accessed :

4-Jul-2021 15:42:55

digitalis.uc.pt impactum.uc.pt

(2)
(3)

Contributo para o com preensão

de algumas especificidades do Direito

Orçamental Português

*

10.

O. efeito. juridico. do orçamento

10.1. Já dissemos, mais,do que uma vez, que os pre-ceitos da Constituição portuguesa não nos fornecem uma ideia completa sobre o Orçamento do Estado. Para for-mar essa ideia será sempre necessário recorrer aos princípios constitucionais, procurando estabelecer aquilo a que se poderia chamar um sistema orçamental coerente e, ainda,

lan-çar mão da L. 40/83, de 13 de Dezembro - «Lei de Enqua-dramento do Orçamento do Estado. -, para onde o legis-lador constituinte preferiu remeter o tratamento de várias

questões necessárias à compreensão do ciclo orçamental português.

Ora esta lei 40/83 apresenta-nos um orçamento de conteúdo extremamente diversificado, que inclui o arti-culado da lei e os vários mapas orçamentais referidos no seu art. 12. o. A heterogeneidade do conteúdo orçamental

- que resulta, de resto, agravada, quando nele se inserem preceitos de natureza não imediatamente financeira-coloca algumas dificuldades à pretensão de deftnir a força jurídica do Orçamento - que o mesmo é dizer, a medida em que o Governo se encontra vinculado pela aprovação desta lei especial

(282).

(*) Continuação do número anterior.

(4)

Poder-se-ia, no entanto, julgar que a votação do

Orçamento tomaria estritamente preceptivas todas as

maté-rias que encerra. Tal conjectura corresponderia a uma sim-plificação inaceitável: não deverá pensar-se, na verdade, que

todas as rúbricas orçamentais constituem autênticas

nor-mas

(283),

nem deverá esquecer-se que, mesmo entre as rúbricas que possuem um verdadeiro carácter prescritivo,

haverá sempre que distinguir «densidadeS» diferentes. Quer

dizer: sendo, mUito embora, o Orçamento uma lei, o seu conteúdo não assume um significado normativo wúvoco, nem constitui todo de um conjunto de estritas vinculações para o Governo

(284).

A lei orçamental serve, com certeza, para disciplinar a Administração, o que não significa que lhe

assinale exaustivamente todos os fins e todos os meios da

actividade financeira, excluindo por completo um donúnio de liberdade. Depois, embora o Orçamento contenha, na

verdade, autênticas prescrições que linútam efectivamente aquela Administração, é necessário ter presente que ele

constitui também um quadro geral da actividade financeira - pelo que se não estranhará que contenha simples informa-ções, meras recomendações ou enumeração de objectivos.

O Orçamento, mais uma vez o dizemos, não é apenas um conjunto de prescrições normativas, e mesmo o seu conteúdo impositivo apresenta «densidades» diversas, o que

toma a análise do seu significado jurídico extremamente difícil e especialmente dependente da configuração de cada sistema concreto. Com efeito, as tentativas de definição,

em abstracto, dos efeitos jurídicos do orçamento estão hoje

absolutamente condenadas, e relevam de um modelo

dou-trinário apriorístico que não encontra já seguidores.

Aque-las tentativas, aliás, seriam sempre impraticáveis, perante (283) Vd. infra, pp. 190 e 5S.

(5)

os múltiplos cambiantes de cada sistema orçamental, que desaconselham claramente uma «teoria geral» do~ efeitos jurídicos do orçamento

(285).

10.2. A doutrina vem ensinando, seja como fôr, que em matéria de eficácia jurídica do orçamento, há conve-niência em separar as despesas das receitas públicas. Quanto às primeiras, tem-se dito que a sua inscrição orçamental possui a função de uma autorização, com um sentido

quali-tativo - s6 podem ser realizadas as despesas previstas no orçamento - , e a função de um limite, de natureza

quanti-tativa - não pode o Governo exceder as dotações orça-mentais

(286).

Este, é portanto, o significado vulgarmente assinalado ao princípio do cabimento orçamental ou da lega-lidade or~amental das despesas públicas.

Simplesmente, ao procurar-se uma formulação sufi-cientemente genérica para definir uma espécie de núcleo universal dos efeitos jurídicos do Orçamento, no que às

despesas diz respeito, é forçoso que se coloquem entre parêntesis os inúmeros particularismos de cada sistema. Teremos, pois, que analisar, a prop6sito desta questão, o nosso pr6prio direito orçamental, embora seja sempre útil confrontá-lc com as soluções acolhidas noutros ordena-mentos jurídicos.

Para n6s, a vinculatividade do Orçamento, em maté-ria de despesas, depende, em primeiro lugar, do grau de especificação que aquele documento apresenta, e do modo como sobre ele intervém o voto parlamentar. Não basta,

(285) Assim, também,

J

.

JUAN FBRREIRO LAPATZA, cito (n. 203),

concordando, por sua vez, com RODRIGUBS BBRBIJo: cO problema da natureza jurídica da lei orçamental é primordialmente de Jirtito positivo •. (286) efr., do autor, ob. cito (n. 44), p. 231. Vd. tb. TBIXEIRA R.lBBlRO, cito (n. 9), p. 101, e A. L. SOUSA FRANCO, cito (n. 9), pp. 384 e ss.

(6)

na verdade, conhecer-se a mmuaa com que as rúbricas orçamentais são alinhadas, para se deduzirem os efeitos jurí-dicos do orçamento: é preciso, ainda, conhecer o procedi-mento adoptado pelo Parlaprocedi-mento para realizar a sua vota-ção. Pode bem acontecer que um determinado orçamento seja pormenorizadamente especificado, mas verificar-se, simultaneamente, que o voto parlamentar incide apenas sobre um nível médio de especificação, quedando-se pos-teriormente os níveis inferiores na inteira disponibilidade do Executivo

(287).

Ora, já vimos qu~, entre n6s, a Constituição, ap6s a 1. a revisão constitucional, escusou-se a definir o grau de

especificação das despesas pública~, limitando-se a assina-lar dois critérios, segundo os quais aquela especificação deveria ser feita. Por outro lado, também lembrámos qUe o texto constitucional é omisso no que

diz

respeito à ques_ (281) & afi.rmaç&s que produzimos no texto podem ser justi-ficadas através de alguns exemplos.

Em França, durante muito tempo, os cr6ditos orçamentais eram especificados por capítulos, que constituíam uma subdivisão das dota-ções dos ministérios, e 3 votação parlamentar incidia sobre cada capítulo. Hoje, tal já não sucede: a repartição dos créditos, na doi de finances-, é feita por ministérios, sendo a sua ulterior distribuição por capítulos apresentada em anexos que acompanham aquela lei. No entanto, esta modificação teve apenas por objectivo diminuir a complexidade e morosidade da votação do orçamento, porquanto a discriminação por capítulos, apesar de figurar em anexo, é considerada como vinculante para o Governo (cfr. LALUMIInu!, cito (n. 38), pp. 79 a 82; FRANÇOIS DBRUBL, cito (n. 164), p. 66; INGROSSO, cito (n. 51), p. 50.

No Direito Orçamental Comunitário acontece exactamente a situação inversa. O Orçamento Geral apresenta-se especificado até ao nível do artigo, mas a verdadeira unidade de autorização da despesa é o capítulo: as alterações dos montantes de despesa previstos quanto a cada capitulo carece de um procedimento praticamente idêntico àquele que é seguido para a definição inicial do Orçamento, enquanto que as modificações que se situam ao nível dos artigos podem, regra geral, ser empreendidas pela Comissão (cfr. arts. 4. o e 21.0 do Regulamento Financeiro).

(7)

tão do modo de votação das rúbricas orçamentais. Mas, além do mais, ainda frisámos que, se o significado da revi-são constitucional operada pela

L.c.

1/82 era, nestes dollÚ-nios, o de aumentar os poderes do Parlamento, então o Orçamento do Estado haveria, pelo menos, de apresentar um grau de especificação superior ao que apresentava a (dei do orçamento», segundo a redacção originária do art. 108.0 da C.R.P.

(288).

O legislador ordinário, ao aprovar a L. 40/83, parece ter concordado com a conclusão atrás exposta, na medida em que, no texto do art. 12.0 daquele diploma, impõe

uma discriminação das despesas públicas razoavelmente mais pormenorizada do que aquela que a Constituição de 1976 prescrevia para a «lei do orçamento»: assim, agora, as despesas serão discriminadas por capítulos correspon-dentes aos departamentos do Estado - quando antes eram simplesmente distribuídos pelo~ Ministérios ou Secretarias de Estado -, por funções e sub-funções - enquanto no regime anterior não se exigia mais do que uma distribuição por funções - , e serão ainda separadas segundo um cri-tério económico, de modo a que se distingam as despesas correntes das despesas de capital (289).

Depois, repare-se que o art. 20. o daquela L. 40/83 prescreve a intervenção parlamentar para as alterações do Orçamento que signifiquem o aumento da despesa total e e ainda para aquelas que incidam - transferindo ou supri-mindo verbas -sobre os capítulos, funções e sub-funções.

(288) Vd. supra, pp. 85 e ss.

(289) TBIXEIRA RmmRo (na ob. cito (n. 160), p. 7 e (n. 7)) dá uma ideia importante sobre o alcance das modificações referidas no texto: ao votar a lei do orçamento para 1983, a Assembleia da República votou apenas 31 verbas de classificação orgânica e 20 verbas de classifi-cação funcional; se a lei do orçamento apresentasse as despesas dis-criminadas nos termos que hoje são exigidos para o Orçamento do Estado, o Parlomento teria votado 272 verbas de classificação orgânica.

(8)

o

que fica dito permite-no, agora, concluir que, para o legislador ordinário, o Parlamento deve controlar, mediante a aprovação do orçamento, os rúveis inferiores da e~peci.ficação - tanto a que obedece a um critério orgânico como a que segue um critério funcional - , de tal forma que a menor modificação dos mapas orçamentais da de~­ pesa s6 será possível mediante a sua intervenção. Claro que desta conclusão se deve excluir o mapa respeitante à clas-sificação econ6rnica das despesas, uma vez que esta, não sendo imposta pela Constituição, não se destina a vincular o Governo, devendo antefo assinalar-se-lhe uma função informativa

(

290).

Dir-se-ia, assim, que, se o Governo não pode, durante a execução do Orçamento, modificar os montantes vota-dos para cada capítulo e sub-função, um e outra consti-tuem, então, as unidades fundamentais da votação e exe-cução orçamentais, no que concerne à despesas públicas.

No entanto - repare-se -, esta afirmação s6 se toma possível, como vimos, se recorrermos ao apoio da L. 40/83. Cumpre, no entanto, perguntar se uma lei ordinária pode definir o modo como o Governo fica vinculado pela vota-ção do Orçamento. O n. o 2 do art. 113. o da Constituição

prescreve que a competência dos 6rgãos de soberania é a que resulta das normas constitucionais

(2

91

):

decerto, a L. 40/83 poderia atribuir determinadas funções ao Parla-mento ou ao Governo, em matéria orçamental, mas teriam sempre de tratar-se de funções secundárias em relação às COII1-petências definidas pela Constituição. Ora, não é com cer_ teza urna questão secundária aquela que consiste na deter_ (290) Foram e:.tas as conclusões a que chegámos aquando da daboração do nosso trabalho cito (n. 44) (cfr. pp. 246 e ss.).

(291) Sobre o relevo e alcance deste preceito constitucional, vd. GoMES CANOTU.HO e VITAL MOR1!IRA, tit. (n. 185), p. 48.

(9)

millação dos efeitos jurídicos do Orçamento: supomos mesmo que ela encerra o principal aspecto da distribuição

dos poderes orçamentais.

A C.R.P. não prevê, ao contrário de algumas das suas

congéneres, a figura das leis intermédias ou leis

paraconsti-tucionais, designações que pretendem identificar actos

legislativos que, sendo aprovados segundo regras

especí-ficas - que nomeadamente impõem maiorias qualificadas

para a sua adopção -, detêm uma posição hierarquicamente

superior à das leis ordinárias ou comuns

(292).

No entanto,

tem de reconhecer-se que a Lei de Enquadramento do

Orçamento do Estado é incumbida, pelo art. 108. o da

C.R.P.,

da

definição de uma série de aspectos decisivos do

ciclo orçamental: é com certeza uma lei sobre a produção

legislativa - na medida em que define o regime geral de

elaboração e organização da lei orçamenta] - , uma «lei

reforçada», ou, de qualquer modo, uma lei à qual a

Cons-tituição comete, expressamente uma missão materialmente

supralegislativa

(

293

).

Apesar disto, no entanto, a C.R.P. não estabeleceu, quanto a esta lei, garantias compatíveis com a sua função:

por um lado, parece permitir-lhe a definição do cerne da

distribuição dos poderes orçamentais entre dois órgãos de soberania; em contrapartida, porém, não tolera que a sua violação, levada a cabo por um Orçamento concreto,

sus-(292) No direito frances, como sabemos, admite-se a figura das leis org8nicas, ao grupo das quais pertence a ordonnance que contém as regras sobre a elaboração, discussão, votação e execução da .Ioi de financen anual (eh. Loic PHllIP, cito (n. 117), pp. 51 e 52).

Por seu turno, o sistema espanhol também apresenta uma lei de valor superior às leis ordinárias, destinada a regular os principais aspectos do ciclo orçamental-cLey General Presupuestariaa (cfr.

J

.

JUAN FBRRBIRO LAPATZA, cito (n. 203), pp. 78 e 79).

(293) Sobre o significado e implicações deste conceito de clei reforçadat, IId. GOMES CANOTUHO, cito (n. 182), pp. 470 e ss.

(10)

cite uma declaraçã de inconstitucionalidade com os efei-tos que lhe são típicos. Poderá, porventura, falar-se da

ilegalidade ou me mo de incMlstituciollalidade indirecta, mas

não se con eguirá por certo, que o Tribunal

Constitucio-nal aprecie este vicio - muito men s que os sanClOne

com a nulidade (294).

Não se julgue, no entanto, pelo que fica escrito, que a L. 40/83 não conserva uma função importante. Desde logo, com seu conteúdo é obj cto de reserva

relativa da Assembleia da República, Governo terá

sempre de respeitar as suas prescrições, devendo, pelo

menos, apresentar as propostas de Orçamento em obe-diência aos seu requi itos (cfr. aI.

p)

do art. 168. o da C.R.P.).

Depois, um decreto-lei que derrogue implicitamente, por

exemplo, as regras do art. 20. o daquela lei - transferindo

verbas ou aumentando as dotações dos capítulos ou sub--funções - enfermará, pelo menos, de inconstitucionali-dade orgânica, desde que não esteja apoiado numa auto-rização legislativa expressa. Agora o que já não será

pos-sível é declarar a inconstitucionalidade de um Orçamento s6 porque este desrespeita normas da L. 40/83, a menos que

essas normas desrespeitadas se limitem a reproduzir

princí-pios ou preceitos constitucionais.

Regressemos, então, ao problema que nos obrigou a esta digressão, e que não era outro senão o do valor da especificação orçamental fixada no art. 12. o da L. 40/83.

À face do que ficou dito, parece que s6 será seguro dizer-Se

(294) O acórdão n. o 46/87, do Tribunal Constitucional, relativo

ao proc.o n.O 176/87, considera que fé, no mínimo, altamente discutí-vel e problemático) que o referido Tribunal possa conhecer das infrac-ções à L. 40/83.

Por seu turno, TmxBIRA RIBEIRO (in ob. cito (n. 186), pp. 7 e 13) afirma expressamente que a violação da Lei de Enquadramento do

(11)

que, significando a 1. a reVlsao da C.R.P., no que diz

res-peito às questões orçamentais, um avanço em matéria de especificação do Orçamento, dada a nova redacção do art. 108. o, a L. 40/83 deveria ser vista como

inconstitu-cional se se limitasse a reproduzir o preceito constituinconstitu-cional

que, antes daquela revisão, estabelecia o grau de

discrimi-nação da lei de orçamento

(295).

Simplesmente, em

fun-ção do texto constitucional, não

é

viável deftnir

exacta-(295) Isto mesmo dissemos expressamente no nosso trabalho de 1984 (cEr. ob. do autor, cito (n. 44), p. 229).

Não é da nossa opinião TBIXBr:RA RmBIRO, conforme pode ver-se

na anotação do Acórdão n.O 206/87 (de 17/6) do

TribunalConstitucio-nal, que o referido Professor escreveu para a Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.O 3761, ano 120.° (Dezembro de 1987), pp. 258 e ss.

No entender do ilustre Mestre, «só haverá inconstitucionalidade se o

Orçamento não apresentar uma qualquer classificação orgânica (que

pode ser por departamentos ministeriais, e dentro deles, por capítulos,

como manda a Lei do Enquadramento, ou apenas por departamentos ministeriais) e uma qualquer classificação funcional (que pode ser por

funções e subfunções, como também manda a Lei do Enquadramento,

ou apenas por funções).. Assim, segundo esta opinião, a mudança de redacção do art. 108.° da C.R.P., operada pela

L.c.

1/82, não exige

uma maior especificação - como nós pretendemos - , podendo antes

pensar-se que o legislador constituinte resolveu deixar o problema do grau de discriminação das despesas orçamentais ao critério do legislador

ordinário. A esta luz, «o deslespeito da especificação orgânica por

capí-tulos c da especificação funcional por funções e subfunções viola, pois, a Lei do Enquadramento e não a Constituição •.

Salvo o devido respeito, o parecer de Tl!IXBIRA RIBEIRO não dá relevo ao facto de, como dissemos no texto, ser a concretização positiva da regra da especificação que, conjugada com o processo de votação do Orçamento, opera a distribuição dos poderes orçamentais entre o Exe-cutivo e o Parlamento. Esta distribuição, como procurámos mostrar, não pode ficar inteiramente ao arbítrio do legislador ordinário, pois a tanto parece opor-se o n.O 2 do art. 113.° da C.R.P. É certo que a Constituição, expressamente, nos revela muito pouco (ou nada, mesmo)

sobre o grau de especificação do Orçamento do Estado. Mas, se o

sen-tido da 1.' revisão da Constituição de 1976 foi o de aumentar o poder do Parlamento, em matéria orçamental, e se este poder depende do nível

de discriminação dos elementos do Orçamento, então este último

terá de sofrer uma especificação mais pormenorizada do que a que

(12)

mente o alcance desse avanço, sendo apenas lícito traçar um limiar de cO~lstitucio~lalidade, traduzido por aquela espe-cificação das rúbricas orçamentais que descesse um degrau, por pequeno que fosse.

A Constituição cometeu, portanto, à L. 40/83, uma tarefa não inteiramente livre: a especificação que esta lei consagrasse não poderia subverter o sentido da 1. 2

revi-são constitucional, neste dorrúnio, e muito menos o sentido da nova redacção do art. 108.0 da C.R.P .. Com efeito, a

modilicação traduzida no facto de a Assembleia da Repú-blica passar a votar o Orçamento e não simplesmente a lei do orçamento tem de possuir um núnimo de conteúdo significativo, e não vemos outro caminho para o conseguir senão aquele que conduz à pormenorização do documento orçamental.

O art. 12. o da L. 40/83 foi além daquele limiar de

constittldOtlalidade, de que falávamos, e, quanto a nós,

pode-ria mesmo ter ido mais longe. Dir-se-á, em contrário, que a L. 40/83 se deveria limitar a consagrar a especificação rigorosamente exigida pela Constituição, não podendo ficar aquém nem ultrapassar semelhante barreira, porque, fazendo-o, estaria sempre a interferir na distribuição das competências orçamentais - beneficiando o Governo ou o Parlamento - , o que parece estar vedado à lei ordinária, conforme se conclui do n.O 2 do art. 113.Ô da C.R.P .. Em nosso entender, porém, as alterações sofridas pelo art. 108. o da C.R.P. admitiam que a L. 40/83 estabelecesse para o Orçamento a mesma especificação que era exigida para o Orçamento Geral do Estado

(29

6

),

no regime

ante-(296) No texto, a.firrn.ámos que a Constituição toleraria que o

Orçamento do Estado fosse dotado, pda L. 40/83, de uma especifI-cação igual à que apresentava o cOrçamento Geral do Estado., no regime constitucional substitu1do pela L.c. 1/82. Repare-se, no entanto, que

(13)

rior: a Constituição deu ao legislador liberdade quanto à configuração das regras sobre a discriminação orçamental,

desde que est s respeitassem um mlnimo

constitucional-mente indisponível; ir além desse núnimo, no entanto, é uma solução absolutamente regular, que a nova redacção

do art. 108.° da C.R.P. acolhe sem grande esforço. Claro

que - é bom reparar - um Orçamento que viole as regras

sobre a especificação da L. 40/83 apenas na parte em que

essas regras constituem um plus em relação ao que a

Cons-tituição exige não poderia considerar-se como inconstitu-cional, mas, porventura, como simplesmente ilegal.

Parece, assim, ser de admitir que o Orçamento do Estado comporta um núcleo cuja deftnição é tarefa indele-gável da Assembleia da República - porque corresponde ao conteúdo da sua competência político-Iegislativa, neste domínio -, constituído pelo nível mínimo de especificação imposto pelos objectivos ou intenções que ditaram a

redac-ção actual do art. 108. o da C.R.P. (segundo a classificação

orgânica, este lÚVel núnimo de discriminação das despesas

corresponde às Secretarias de Estado). O art. 12.0 da

L. 40/83 foi mais longe, prescrevendo que as rúbricas têm de estar especificadas até ao nível dos capítulos - o que

corresponde, grosso modo, às Direcções-Gerais ou

equiva-lente -, segundo a mesma classificação orgânica

(29

7

).

Ora

isto significa que existe um «domínio orçamental» de que

o Parlamento pode dispor - formado pela discriminação

no Acórdão n.O 206/87 (de 17 de Junho) do Tribunal Constitucional, do pode ler-se que o cO.E., cuja aprovação cabe agora à A.R., terá, em princípio, de ser tão especificativo - seja ao nível das receitas seja ao nível das despesas - quanto o era o O.GE. anteriormente elaborado pelo Governo» (cfr. D.R., I Série, n.O 156, de 10/7/87, p.2725). Este parecer não ,.podemos, no entanto, acompanhar.

(297) E de notar que a classificação orgânica das despesas orça-mentais, prescrita pelo art. 12.

°

da 1. 40/83, coincide com a que pro-punha TBJXElRA RmBffiO, na ob. cito (n. 166), p. 7, (n. 7).

(14)

das despesas que ultrapassa aquele mínimo que a

Consti-tuição impõe. Na verdade se a L. 40/83 prescreve uma

especificação que, em certa medida, é exorbitante - no

sentido de que é mais pormenorizada do que o que a C.R.P.

exige, embora não o seja tanto que a mesma C.R.P. não o tolere - , teremos de admitir a possibilidade de a

Assem-bleia da República autorizar expressamente derrogações ao art. 12. o daquela lei, desde que essas derrogações não

abran-jam a zOIJa indelegável

(298) (299).

O que ficou dito, nas páginas anteriores, sugere a

ideia do que o art. 108. o da C.R.P., ao referir-se à especi-(298) Há pouco falámos no Acórdão n.O 206/87, do Tribunal Constitucional. Não foi, no entanto, o referido Acórdão o primeiro a pronunciar-se sobre o valor da especificação prescrita no art. 12.0 da L. 40/83: com efeito, a primeira decisão do Tribunal Constitucional que, directa ou indirectamente, versou sobre este tema foi a que consta do Acórdão n. o 144/85, de 4 de Setembro de 1985, a qual, em boa

medida, influenciou o Acórdão primeiramente referido.

A propósito da decisão vertida no Acórdão n.O 144/85, VITAL MORlllRA produziu uma declaração de voto (cfr. D.R., I, Série, n. o 203,

4/9/85, pp. 2878 e 5S.), i nsurgindo-se contra a ideia - alegadamente

contida naquela decisão - de que h~ matérias incluídas no Orçamento que «não constituem elemento da reserva parlamelltar do OrçamefltOt. Para aquele Juíz do Tribunal Constitucional, uma tal ideia suporia uma -delimitação material do conceito de orçamento que, para além de não estar explicitada no texto do Acórdãot, se lhe afigurava indevidamente restritiva.

A nossa opinião é, no entanto, a contrária, pelas razões expen-didas no texto.

(299) Já dissemos noutro ponto deste trabalho: a questão de

saber o que a Constituição exige em matéria de especificação

orça-mentai é o problema mais delicado do nosso Direito do Orçamento. Repare-st", por um lado, que a nossa opinião já não é rigorosa-mente a mesma que havíamos sustentado em trabalho anterior (cfr. a posição reproduzida no texto com aquela que ressalta da leitura das

pp. 231 e S5. da ob. cito (n. 44)). Por outro lado - sendo esta a prova mais importante - , a melhor doutrina não esÚ de acordo, entre si, a propósito deste tema (cfr. A. L. SOUSA, A Revisão da Constituição Ecolló-mica, na R.O.A., ano 42 (1982), p. 627, (n. 26), e nem sequer alinha com a opinião do Tribunal Constitucional. Aliás, a tese mais próxima da que tem sido assumida por este Tribunal p"Uece ser a nossa.

(15)

ficação das despesas públicas segundo a classificação orgâ-nica e funcional, quer significar que todos os créditos dis-criminados segundo estas classificações são créditos limita-tivos, isto é, prescrevem montantes de despesa inultrapas-sáveis pelo Governo.

Repare-se, no entanto, em que os n. os 3 e 5 do art. 20. o da L. 40/83 prevêem determinadas situações que excepcio-nam, de modo óbvio, o princípio de que o Governo não pode gastar mais do que os créditos orçamentais autorizam. Na verdade, o primeiro dos preceitos mencionados per-mite ao Governo a inscrição ou o reforço de verbas para despesas não previstas e inadiáveis, que terão contrapartida numa dotação provisional, a inscrever no «orçamento» do Ministro das Finanças. Por seu turno, o segundo preceito referido possibilita que os montantes de despesas relativos a

contas de ordem possam ser alterados automaticamente «até

à concorrência das cobranças efectivas de receita!.».

É bom de ver que ambas as normas concedem, na prá-tica, que o Governo modifique as rubricas orçamentais que o Parlamento votou: resta saber, agora, se semelhante con-cessão é tolerada pela Constituição.

Esta ideia, segundo a qual as rubricas orçamentais esta-belecem montantes máximos, dentro dos quais se haverão de conter os gastos da Administração, decorre de um con-ceito «universal» de orçamento público, como já vimos: seria, com certeza, inútil tentar encontrar na Constituição de qualquer Estado de direito uma referência expressa a esta função limitativa da lei orçamental

(300).

Contudo, depressa se verá que o orçamento não implica, obrigatoria-mente, nem que todas as suas rubricas constituam limites para o Executivo, nem sequer que os limites que verdade

i-(300) Sobre as funções do orçamento, vd. TIllX.EIRA RIBEIRO, cito (n. 9), pp. 50 e 55.

(16)

ramente estabelece não possam ser, em caso algum, ultra-passados. Poderia alvitrar-se que, sendo o orçamento uma lei, a sua modificação, por menor que fo se, deveria sempre carecer da intervenção parlamentar. Esta conjectura não tem nada de ab~olutamente necessári , se atentarmos na especificidade do conteúdo normativo do orçamento: este, com efeito, se, por um lado, deve exercer a função de dis-ciplinar a Administração, também, p r outro lado, deve tolerar um grau de manejabilidade adequado às caracterís-ticas da modema actividade financeira - que não se compa-dece com uma solicitação prévia do Parlamento a propósito de qualquer inflexão necessária do programa financeiro

(301).

Tanto é assim que, em todos os países a cujo direito orçamental tivemos acesso - e que foram, desde logo, todos os países da C.E.E. - , estão previstos variados meca-nismos destinados a suavizar a rigidez da execução do orça-mento, sem que isso implique o abandono do princípio de que os créditos orçamentais são limitativos. Esses mecanis-mos vão desde a permissão da realização de despesas não previstas, financiadas com adiantamenos do Tesouro e rati-tificadas ex post pelo Parlamento (J02) , ao simples cometi-mento, ao Ministro das Finanças, da competência para autorizar despesas superiore5 aos créditos orçados

(303),

passando ainda pela Egura dos «créditos não limitati"oslI (304) (301) Cu. AuCE M. R.IvLlN, The PoliticaI Econol/1y of Budget Choias: a view {rom Congress, in .Americ:m Economic Review-, Maio, 1982, pp. 352 e 55.

(302) Trata-se do sistema previsto no direito orçamental belga (cfr. ROBERT HULLEBROECK, cito (n. 181), pp. 150 e 55.

(303) Tal competência do Ministro das Finanças é estabelecida, por exemplo, no art. 112. o da Grundgesetz (cfr. CHARLES DEPOORT1!RE, auto prine., cito (n. 75), p. 98).

(3Q.4) Estamos a pensar na solução adoptada em França e Itália

(cfr. CHARLES DEPOORTERE, auto princ., cito (n. 75), pp. 98 e 55., e FRAN-ÇOIS DERtm, cito ( •. 164), p. 67).

(17)

- sendo que estes dois últimos exemplos implicam a

eXls-tência de um fundo orçamental de reserva.

O conceito de orçamento implica, pois, uma tensão entre dois valores que, no limite, são absolutamente anta-g6nicos: a necessidade de fixar a disciplina financeira da Administração, que reclama que aos créditos orçamentais seja atribuído um sentido limitativo, e a flexibilização

rei-vindicada pelas fmanças intervencionistas, a qual exige, pelo

menos, que se estabeleça uma margem de manobra para a

execução orçament:

1.

O que deverá

é

admitir-se que, se as

Constituições não definem expressamente o modo como

aqueles valores se hão-de compatibilizar, também a lei

não pode estabelecer regras que desprezem, em absoluto,

qualquer um deles.

Ora, na verdade, não é igualmente o art. 108. o da

C.R.P. que impõe que as rubricas orçamentais da despesa

constituam limites que o Governo não pode ultrapassar:

este princípio, para nós, encontra-se entre outros que, em

conjunto, formam um conceito de orçamento comum aos sistemas constitucionais assentes no princípio democrático e na representação electiva. Mas, o tipo de actividades finan-ceiras que a C.R.P. também acolhe, não corresponde aos moldes clássicos, como já dissemos, razão pela qual o nosso texto constitucional não deixa de permitir um adequado equilíbrio entre a disciplina administrativa e a

flexibiliza-ção dos instrumentos de formalização da Economia

Pública.

Estas considerações levam-nos a crer que os n. o I 3

e 5 do art. 20.0 da L. 40/83 não estabelecem um regime

inconstitucional: as regras que contêm, ao emprestarem

alguma flexibilidade à execução orçamental, em

circuns-tâncias claramente razoáveis, estão longe de produzir

(18)

Orça-mento como instrument de disciplina da Adminis-tração

(305).

O orçamento fixa p r tanto , nos moldes

descritos, os limites quantitativos e quaLitati 1I0S da actividade financeira:

é

esse o efeito combinad

da

especificação, segundo as clas-sificações orgârúca e funcional

(

306

),

om o voto

parlamen-tar. Na verdade, é comum dizer-se qu o orçamento cor-poriza uma autorização, concedida ao Governo, para a realização de despesas dentro de detcrminad limites.

No entanto,

é

preciso saber T, para além do

signifI-cado que tradicionalmente

é

atribuído ao orçamento público, a lei orçamental não produzirá, no que diz respeito às despesas, um outro efeito: as rubricas orçamentais, for-necendo uma autorização para gastar, não poderão envol-ver - em certos casos, ao menos - uma autêntica

obriga-ção de gastar?

É claro que estamos a pensar em efeitos absoluta-mente distintos: cada órgão da administração tem uma competência própria, definida pela lei, e o orçamento assi-nala os limites quantitativos da sua acção, de modo que se pode dizer que os actos administrativos que impliquem gasto que superem os limites orçamentalmente fixados serão ilegais

(

307).

Outra coisa será dizer que os créditos

(305) Não podemos deixar de salientar que esta conclusão diverge da opinião por nós sustentada na ob. cito (n. 44) (cfr. p. 247), embora não estivéssemos então preocupados com o problema de compatibili-dade com a Constituição dos n. Os 3 e 5 do art. 20.

°

da L. 40/83.

(306) Entre nós, com efeito, tem-se entendido que a especifI-cação das despesas segundo uma classificação funcional também vincula

o Governo (cfr., para além do que já dissemos no texto, o Acórdão 11.0 144/85, de 4/9/85, referido na (n. 27). No entanto, em todos os

sistemas que conhecemos, a discriminação das despesas segundo aquela classificação assume uma função meramente informativa.

(301) Cfr.

J.

M. SÉRVULO CORREIA, Legalidade e nl4tonomill cOlltra-!I~l tIOS cotltratos admi"istrativos, Coimbra, 1987, pp. 302 e s. O autor

(19)

fixados no orçamento constituem imposições de gastar, ou que certas obrigações do Estado podem ter como fonte as rubricas orçamentais.

É certo, porém, que podem configurar-se facilmente autênticas obrigações de gastar. O Governo tem de remune-rar os funcionários de acordo com a lei em vigor; o Governo tem de transferir para as Câmaras Municipais as verbas previstas no mapa VI do Orçamento do Estado, respeitan-tes ao F.E.F., que são calculadas com base em critérios legais, e em relação às quais as mesmas Câmaras têm um autêntico direito, que poderão exercer pelas vias normais. Simplesmente, em todos estes casos, não é o Orçamento recorda que o cabimento orçamental cé, antes de mais um requisito de legalidade negativa ou compatibilidade» para os actos administrativos susceptíveis da produção de encargos. Esta compatibilitlade é verificada pelo Tribunal de Contas, através do instituto do visto, cuja recusa tem por consequência a ineficácia dos diplomas ou despachos que determi-nam o desrespeito pela regra do cabimento orçamental (cfr., do mesmo autor e da mesma obra, (n. 512), p. 303, e os arts. 1.0 e 20.0 do D.L.

n.O 146-C/80, de 22 de Maio).

Para SOUSA FRANCO, in ob. cito (n. 9), pp. 413 e ss., a recusa do

visto do Tribunal de Contas determina a anulação dos actos, porque é .a anulação que decorre do próprio fundamento da natureza do Tribu-nal e da ceflcácia eminente» do orçamento e da legalidade respectiva (cabimento) •.

Outro problema é, porém, o de saber se a previsão orçamental de uma despesa pode constituir uma predeterminação legal suficiente para um acto administrativo. Já atrás respondemos aflCmativamente a esta questão, de resto como faz, também, SÉRVULO CORRBIA, com abundante justificação na obra há pouco referida, pp. 304 e 55 .•

Note-se que o ai t. 60. o da Lei General Pressupuestaria espanhola prt'screvt' a nulidade para os actos administrativos e disposições gerais de valor inferior à lei que impliquem gastos que ultrapassem os limites fIXados pelos créditos orçamentais, sem prejuízo de responsabilidade ulte

-rior. Para uma explicação detalhada do prt'ceito refel ido, v.

J. J

.

FIlRRBIRO LAPATZA, cito (n. 203), pp. 738 e 55.

Em França, a propósito deste tema, pode dizer-se qu(' as decisões do Conseil d' Etar apontanl no sentido de que a falta de um crédito orçamental não afecta o valor jurídico de um acto administrativo regular (cfr. FRANÇOIS DBRUBL, cito (n. 164), p. 69).

(20)

que constitui a fonte desta ohrigações de gastar, ma antes

as lei comum, preexistentes em relação lquele, e que

ganham eficácia quando as suas implicações financeiras estão previstas numa rubrica orçamental.

Outras vezes, também, a lei orçamental contém pre-ceitos que atribuem direito aos particulares, como é o caso de determinad s normas que estabelecem regras sobre a reforma dos funcionários; ou, ainda, sucede inscreverem-se naquela mesma lei preceitos que impedem a anulação de determinados créditos orçados

(30 ).

Mas o único aspecto q ue distingue estas si tuaç - es das anteriormente referidas reside no facto de as normas que determinam a obrigação de gastar estarem incluídas na lei orçamental: tal não

pro-duz nenhuma modificação apreciável - devendo

enten-der-se, do mesmo modo, que não são as rubricas or~amentajs que originam a referida obrigação de gastar.

(308) A este propósito veja-se, por exemplo, uma das normas da L. 49/86, de 31 de Dezembro - Orçamento de Esté\do para 1987-,

cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional apreciou (Acórdão n.O 461/87). Estamos a pensar, concretamente, no artigo 19.°, n.O 2, daquele diploma, onde se estabelecia que seriam mulas quaisquer dispo-sições administrativas visando a suspensão de tais transferências ou a compensação com créditos sobre as referidas empresas.. Tratava-se de wna disposição cujo objectivo confesso era o de constituir urna autêntica obrigação de gastar a favor das empresas públicas da comunicação social. Por ser assim, o pedido formulado ao Tribunal Constitucional pelo Pri-meiro Ministro considerava que a referida norma enfermava de incons-titucionalidade, porque violava o princípio segundo o qual os créditos orçamentais conferem apenas unu autorização, que não pode conhm-dir-se com uma imposição de gastar.

Ora, avisadamente, o Acórdão referido, sem apreciar o problema de saber se deriva da Constituição o princípio de que as rubricas orça-mentais representam unicamente wna autorização c unl limite, pro-nunciou-se pela absoluta conformidade com a C.R.P. do preceito objecto da controvérsia; é que, se bem repararmos, não é de um crédito orça-mental que se pretende extrair wna obrigação de gastar, mas antes de uma norma - o referido art. 19.° -inscrita no Orçamento.

(21)

Parece, pois, nã ser possível dizer- e que, em certas circwlstâncias, as despesas públicas se tornam obrigat6rias em fW1ção dos créditos orçamentais abertos. É claro que pode ocorrer que o Parlamento tenha um interesse espe-cial em que determinadas despesas sejam realizadas, e pode manifestar esse interesse através da inclusão, no Orça-mento, de normas que estabeleçam a obrigatoriedade do gasto

(309);

aceita-se mesmo que a lei orçamental contenha autênticas leis-medida

(310).

Simplesmente, seria confun-dir as coisas dizer que as obrigações de gastar são determi-nadas pela inscrição orçamental de rubricas de despesa, ainda que assinaladas por uma designação que evidencie o fim a que se destinam: s6 uma lei - incluída ou não no Orçamento - será susceptível de originar a obrigatorie-dade de gastar certas quantias.

Não se poderá esquecer, no entanto, que, em todos os sistemas, a anulação ou a redução dos créditos orçamen-tais implica um acto normativo, nomeadamente

da

compe-tência do Governo. É que, na verdade, semelhantes anula-ções ou reduanula-ções constituirão sempre uma certa forma de alteração

da

lei orçamental, ou, pelo menos, uma espécie de veto do Poder Executivo em relação a escolhas definidas pelo Poder Legislativo

(311).

Veja-se o que acontece, por

(309) Neste sentido, também R.BI:NHARD MUSSGNUG, cito (n. 5),

p. 316.

(310) Vd. MARCELO RlmELO DE SOUSA, cito (n. 177), p. 134 e Rm:NHARn MUSSGNUG, cito (n. 5), pp. 274 e 55., para quem a Einzelfallge-setz, contida no orçamento, estabelece urna confusão entre a definição da lei orçamental (Gesetzgeburlg) e a sua execução (Gesetzwollzug). (311) Com efeito, CHARLES DBPOORTBRB mostra-nos, no rela-t6rio citado na (n. 75), que o cOllgelamento dos créditos orçamentais é

sempre realizado por um acto normativo do Governo ou do Ministro das Finanças em todos os países da C.E.E.

Cfr., tb.,

J.

C. MARTINEZ, cito (n. 1), pp. 257 e 55., e FRANÇOIS

(22)

exemplo, com o art. 3. o do Dec.-Lei n. o 100-A /87, de 5

de Março: aí se estabdece (n. o 3) que, «visando a

conten-çao do défice orçamenta.l», o Mirústro das Finanças, com

a prévia anuência do Mirústro da tutela, poderá cati var

dotações orçamentais. Simplesmente, estes actos do Governo

destinados a «congelar» determinadas despesas não hão-de

ser vistos como alterações do orçamento, em sentido técnico,

devendo antes entender-se que eles têm uma finalidade

puramente irlterna.

Seja como fôr, admitindo-se, como se viu, que o

Governo ajuste as despesas às necessidades reais, podendo

travar determinados gastos em função da conjuntura

(312)

-

iO

Orçamento não impede o Governo de poupar»

(313)

-,

já se não deve aceitar que as opçõe~ fundamentais do

Orça-mento, adoptadas pelo ParlaOrça-mento, sejam postergadas por

completo. Sobretudo em sistemas como o nosso, em que

a Assembleia da República é integralmente co-responsável

(312) Haverá de reparar-se, no entanto, que se o que se afirma no texto encaixa no modelo genérico de separação dos poderes finan-ceiros que vigora na Europa - especialmente nos Estados Membros da CEE - , j~ não pode valer para o sistema constitucional dos Estados Unidos da América do Norte. Com efeito, até 1974, admitia-se que o Presidente bloqueasse os créditos orçamentais flXados pelo Congresso. Porém, o Budget al1d Impoulldmellt COlltro[ Act, de 1974, veio impedir

aquela prática - dita de impOfl/ldlllent - , o que veio a ser confirmado pelo Supreme COl/rt, através de uma Sentença de 18/2/85. (Cfr. J,-C. MARTINEZ, cito (n. 1), p. 256, e ANnRB MATIDOT, L'impoundement

aux Etats-U,'is, na colectânea cit. (n. 93), pp. 279 e ss.).

Admitindo, como hipótese, certas obrigações de gastar, em face

do Orçamento, vd. tb. SAINZ BUJANDA, cito (n. 40), p. 437.

(313) É a expressão usada por R.llrNHARD MUSSGNUG, cito (n. 5),

p. 316.

No fundo, trata-se aqui de estabelecer um equilíbrio entre o cpoder de gastao e o poder de zelar pela regular execução das leis: sendo ambos poderes do Executivo, não pode admitir-se que o primeiro

esvazie de sentido o segundo, em absoluto (cfr. L. FISHRR, Constitutional

conflicts betwun Congress and the President, ,Ptinceton University Presst , 1985, p. 236.

(23)

na definição das escolhas orçamentais, pode falar-se numa verdadeira obrigação política de realização de certas despe-sas: a não realização de uma acção prometida ou de um investimento planeado suscitará sempre uma questão de responsabilidade política do Governo

(314).

10.3. Teremos que proceder, de seguida, à averi-guação dos efeitos jurídicos do «orçamento das receitaSl>, tarefa que impõe, à partida, que se faça uma distinção entre

os vários tipos de receitas do Estado, que são agrupado~ no mapa I do Orçamento.

Repare-se, desde logo, em que as receitas patrimoniais dependem, em regra, de neg6cios jurídicos cuja realização, validade e efeitos são independentes do Orçamento. Deste modo, a inscrição orçamental de tais receitas assume rigo-rosamente o carácter de uma pura previsão, devendo

entender-se que estas figuram no documento orçamental porque ele é, além do mais, um quadro geral da actividade

financeira

(3

15

),

e porque a regra constitucional do

equilí-brio impõe que o quantitativo global das despesas previs-tas encontre ao menos a exacta correspondência do lado

da~ receitas - muito embora essa correspondência possa

ser meramente contabilística.

Depois, haveremos de notar que o art. 164.°, alo

h),

da C.R.P., comete à Assembleia da República a tarefa de

autorizar o Governo a contrair empréstimos, devendo tam-bém definir as respectivas condições gerai~. Ora, é normal-mente através do Orçamento que o Parlamento desempe-nha a referida tarefa, incluindo nele norm~ que, entre

outras condições, estabelecem o limite máximo do recurso

(314) cSie nehmen die Regierung politisch in Pflichtt, considera

tb. MUSSGNUG, cito (n. 5), p. 316.

(24)

ao crédito

(316).

É claro que a contracção dos empréstimos públicos também é operada por negócios jurídicos, pelo que destes dependerá a correspondência entre a previsão e a realidade. Só que, neste caso, os limites máximos fixados só poderão ser ultrapassados se se modiflcar a norma que

e tabelece a autorização e o próprio Orçamento - modifi-cação esta que carece de intervenção do Parlamento.

O caso das receitas tributárias é muito outro

(317).

Com efeito, a indicação dos impostos que, em cada

ano, os contribuintes terão de pagar

é

uma das funções do

Orçamento. Por seu intermédio, a Assembleia da Repú-blica concede uma autorização anual para a cobrança de impostos - expressão do princípio da anualidade: nenhum

imposto pode ser cobrado sem se encontrar previsto no

Orçamento

(318).

Este princípio não logrou expressa consagração nem

na versão actual nem na versão originária da Constituição.

Na verdade, desde 1976, a exigência da «legalidade orça-menta1~ dos impostos só se podia encontrar no art. 17. o da

L. 64/77, de 26 de Agosto, ou, hoje, no art. 17.0 da

L. 40/83, de 13 de Dezembro, que veio substituir o

diploma primeiramente referido. Pareceria, assim que, se a

Administração cobrasse um imposto não acolhido pelo Orça~ mento, apenas se poderia falar, porventura, de ilegalidade.

CARDOSO DA COSTA

(319),

porém, logo em 1977, alu-diu à consagração constitucional implícita do princípio da

(316) Veja-se, p. ex., os arts. 3.° e 4.° da L. 49/86, de 31 de Dezem-bro. Sobre o tema, efr., tb., GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, eit. (n. 185), p. 183.

(317) Cfr. G. JEz.a, cito (n. 10), pp. 48 e 55.

(318) Assim, tb., GOMES CANOTILHO, cito (n. 3), pp. 570 e 571.

(319) Vd., do autor citado, Notas de actualização à 2.' edição do

(25)

anualidade, lembrando, também, a arreigada tradição de que um tal princípio se rodeia. nos nossos Direito

Orça-mental e Direito Fiscal - tradição que, acrescentamos nós,

só foi quebrada durante um breve período de vigência da

Carta Constitucional. Por outro lado, TEIXEIRA RrBEffiO,

ap6s a aprovação da L.C. 1/82, foi o primeiro a assinalar que o princípio da anualidade resultava indirectamente da

combinação da alo

c)

do art. 93. ° com o art. 108.°, ambos

da C.R.P.

(320).

Aceitando-se, como se deve, a opinião dos referidos

autores, haverá que admitir que o Orçamento do Estado

não

é

a simples expression comptable das leis criadoras de

impostos, previamente aprovadas, mas antes uma verda-deira condição da legitimidade da Administração Fiscal para exigir impostos aos cidadãos. A simples existência de normas tributárias, ainda que regularmente aprovadas, não basta para que o Fisco obrigue os contribuintes a pagar impostos: se tais normas não forem acolhidas e assumidas

pelo Orçamento anual, a sua eficácia haverá de

conside-rar-se suspensa, e faltará legitimidade à Administração para

arrecadar impostos

(321).

(320) Cfr. TBIXEIRA RulBIRO, cito (n. 166), pp. 5 e 6.

(321) Por isso é que, nos termos da a!. a) do an. 176.0 do Código

do Processo das Contribuições e Impostos, é fundamento da oposição

à execução a falta de autorização para a cobrança do imposto em dívida

no respectivo ano.

Aliás, ainda recentemente, as empresas portuguesas tiveram o

ensejo de se opor às pretensões da Administração fiscal invocando o

princípio da anualidade, num caso que passaremos a descrever.

O D.L. n.O 119/83, de 28 de Fevereiro - diploma que punha

em execução o Orçamento Geral do Estado para 1983 - , introduziu

no nosso sistema fiscal um novo tributo: tratava-se do chamado .Imposto

Extraordinário sobre algumas despesas das empresas., cuja matéria

colectável era composta por certas despesas de empresas, dencadas nas

(26)

qualifi-cativo de _extraordinário. foi usado pelo legislador porque ie previa expressamente que a sua cobrança s6 teria lugar em 1983.

Tal imposto veio a ser regulamentado pelo D.R. n. O 67/83, de 14 de Julho; mais tarde no entanto, a sua vigência foi prolongada pelo Orçamento para 1984 (L. 42/83, de 31 de Dezembro), que o acolheu no rol das receita previstas para esse ano - como nos é confirmado pelo art. 30.0 do D.L. n. o 67/84, de 27 de Fevereiro - , tendo o D.R. n.O 35/84, de 18 de Abril, introduzido as adaptações necessárias para esse efeito.

proposta de Orçamento para 1985 deu entrada na Assembleia da República já no decurso do ano de 1985, ao arrepio do que pres-creve o art. 9. o da L. 40/83, de 13 de Dezembro (<<Lei de Enquadramento do Orçamento.). Tal ocorrência, segundo o art. 15.0 da mesma lei, desencadeia automaticamente um mecanismo destinado a evitar a para-gem da vida financeira da Administração: enquanto não entra em vigor o novo Orçamento, mantém-se em vigor o Orçamento do ano transacto, executado pelo sistema dos duo décimos, prolongando-se simultanea-mente a autorização para cobrar as receitas nele previstas.

Foi exactamente o que aconteceu no início de 1985: enquanto o Orçamento para esse ano não entrava em vigor, manteve-se a vigência do Orçamento para 1984, o que, no caso que nos interessa, implicava a continuação da vigência do cImposto Extraordinário sobre algumas des-pesas das empresaSt, não obstante a sua cobrança estar prevista apenas para o ano que findava. Ora, tendo isto em conta, o Secretário de Estado do Orçamento veio, através de despacho, exigir a liquidação do referido imposto, respeitante ao 1. o trimestre de 1985, muito embora, concomitantemente, tivesse alargado o prazo normal para se proceder

à referida operação. A questão que se nos colocava era, portanto, a questão da legalidade: sob este prisma, deveria ou não o contribuinte acatar esta decisão da Adnúnistração Fiscal?

O chamado cIm.posto Extraordinário sobre algumas despesas das empresaSt, que já não integrava o rol das receitas tributárias previsto no Orçamento para 1985 (L. ~B/85, de 28 de Fevereiro), s6 vigorou enquanto se manteve a vigência da L. 42/84 - .Orçamento do Estado para 1984.. Ora o Orçamento português é anual, como resulta impli-citamente do art. 93.0 , al. c), da Constituição, salvo nas circuflstt1náas txctpcionais previstas no art. 15.0 da L. 40/83, de 13 de Dezembro, já

descritas - caso em que pode prolongar-se a sua vigência até que um novo Orçamento seja aprovado. Não há, assim, entre n6s, hiatos, em

(27)

Com quanto dizemos, porém, como já noutro traba-lho salientámos

(322),

colocam-se alguns problemas de har-monização da linguagem. É que a doutrina costuma dis-tinguir o «orçamento das despesas» do orçamento das recei-tas» contrapondo a ideia de jixa~ão a ideia de previsão:

a inscrição orçamental d s receitas tem um carácter de

matéria orçamental, o que bem se compreende se tivermos em conta os

especiais interesses em jogo.

Acontece que foram exactamente as referidas circunstAncias

excepcio-nais que se verificaram relativamente ao Orçamento para 1984: este

acabou por ver prolongada a sua vigência, uma vez que o Orçamento para 1985 não foi aprovado a tempo de entrar em vigor no primeiro dia de 1985. Deste modo, parece, também o .imposto extraordinário.

que nos vem ocupando vigirou para além de 1984, podendo ser exigido

relativamente às despesas das empresas, previstas no n. o 1 do art. 32. o do D.L. n. o 119-A/83, de 28/2, ainda que estas tenham ocorrido em 1985.

Simplesmente, o Orçamento para 1984 (L. 42/83) s6 vigorou em

1985 enquanto não entrou em vigor o Orçamento para este último ano

(L. n. o 2-B /85) o qual, como dissemos, não acolhia o _Imposto Extraor-dinário sobre algumas despesas das empresas». De acordo com o

sen-tido que assinalámos ao princípio da anualidade, o referido imposto s6 poderia ser cobrado tendo por base as despesas imputáveis ao ano

de 1985 que tivessem tido lugar antes da entrada em vigor do Orçamento deste mesmo ano.

Ora o art. 67.0 da lei orçamental respeitante a 1985 indica-nos

que a sua entrada em vigor se verifiCOU no primeiro dia útil do mês seguinte ao da sua publicação. Tendo-se verificado esta em 28 de Feve-reiro, o Orçamento para 1985 iniciou a sua vigência em 1 de Março de 1985, data em que, simultaneamente, deixou de poder cobrar-se

o imposto objecto da controvérsia.

Não poderia, assim, considerar-se legal a exigência do imposto referido em relação ao 1.0 trimestre de 1985: a repartição trimestral da liquidação do dito imposto era apenas um processo técnico, que não pode ressalvar a inexistência da autorização para a cobrança que se

verificou a partir de 1 de Março daquele mesmo ano. Assim, se se afigura

admissível a exigência do imposto em causa relativamente às despesas de Janeiro e Fevereiro, já o mesmo se não poderá dizer a prop6sito das despesas imputáveis ao mês de Março: é que, no início deste mês, deixou de vigorar o Orçamento para 1984, desaparecendo por isso a autoriza-ção para a cobrança do clmposto Extraordinário sobre certas despesap.

(28)

previsão - indicam-se os montantes prováveis a que a cobrança dará lugar - , enquanto as rubricas da despesa

surgem conotadas com uma maior rigidez - «nunca os

serviços poderão fazel despesas de montante superior aos

créditos orçados».

Teremos, assim, que distinguir entre os tipos de recei-tas tributárias e os montantes que, quanto a cada um

des-ses tipos, se inscrevem no Orçamento. A definição dos

tipos não é, obviamente, uma mera previsão, se atentar-mos no sentido do principio da anualidade. Os montantes,

ao contrário, podem oscilar - e, por isso, constituem uma

autêntica previsão - , porque dependem da evolução das

matérias colectáveis - as quais, por seu turno, são

conse-quências de actos ou factos econónúcos não dominados

pela Administração Fiscal- e porque são também

influen-ciados pelo «zelo» com o que o Fisco executa as leis fiscai~,

que nos domínios onde está em causa simplesmente a sua eficiência, quer ainda naqueles onde avulta uma sua «acti-vidade subjectiva»

(323).

A propósito do Orçamento, portanto, utiliza-se a

ideia de prelJisão com um duplo sentido. Tanto o «

orça-mento das despesas» como o «orçaorça-mento das receitas»

cons-tituem uma previsão, na exacta medida em que o

Orça-mento se distingue da Conta. Mas, de um outro ponto

de

vista, o conceito de previsão só se aplica às receitas,

(323) Estamos a referir-nos à actividade do Fisco que interfere na determinação da matéria colectável dos impostos, muitas vezes auto-rizada por normas que lhe conferem autênticos poderes discricionários de duvidosa constitucionalidade. Sobre este assunto, ver DIOGO LBITE CAMPOS, cito (n. 52), pp. 662 e ss., sobretudo pp. 670 e 671; SALDANHA SANCHES, A segurança jurfdica no Estado Social de Direito - conceitos inde·

terminados, analogia e retrooctividade no Direifo Tributário, in .Cadernos de Ciência e Técnica Fiscat., n.O 140, 1985, pnssim; GUSTAVO INGROSSO, cito (n. 35), p. 65.

(29)

porque a correspondência entre a sua inscrição orçamenta'

e a realidade não é garantida. Agora, deve dizer-se que as rubricas da despesa não quadram com o conceito de previ-são: não pelo facto de todas as despesas orçadas terem de vir a ser fatalmente realizadas - como já vimos - , mas por-que os créditos orçamentais funcionam, em princípio, como um limite.

O princípio da anualidade tem recebido nos suces-sivos documentos orçamentais uma formulação que já se tomou clássica, e que se não tem afastado daquela que encontramos, por exemplo, no art. 8. o da L. 49/86, de 31

de Dezembro: «Durante o ano de 1987 o Governo é auto-rizado a cobrar as contribuições e impostos constantes

dos códigos e demais legislação tributária, com as subse-quentes modificações e diplomas complementares em

vigor e ainda de acordo com as alterações dos artigos seguintes».

Esta expressão do princípio da anualidade pretende traduzir a ideia de que o Orçamento fixa a le~lação fis-cal existente no momento em que é aprovado. Mas que-rerá isto significar que, ao longo da execução orçamental, o quadro dos impostos não pode ser alterado?

Já aqui aludimos ao problema das alterações orça-mentais. Simplesmente, o art. 20. o da L. 90/83 - que

jus-tamente tem por epígrafe «alterações orçamentais» - ape-nas alude, apertis verbis, às alterações no domínio da despesa

pública. É certo que daqui não se irá concluir pela

impos-sibilidade de introduzir alterações no «orçamento das recei-tas»: a admissibilidade das alterações do Orçamento, tanto e m matéria de despesas como em matéria de receitas públi-cas, decorre da própria «natureza das coisas», e a nos!.a Constituição, não lhe levantando obstáculos, per'mitea

(30)

-se bem que nas estritas condições a que já fizemos

referên-cia

(324).

Outro entendimento, quanto mais não fosse,

bri-garia com a modema concepção das funções do Orçamento,

que a C.R.P. não deixa de acolher: é que, para a sua

fun-cionalidade financeira, faltar-lhe-ia a indispensável

maneja-bilidade.

Deste modo, podemos afirmar, sem receio, que,

durante a execução orçamental, a criação de um novo

imposto implicará uma lei de alteração do Orçamento, desde que se pretenda que esse imposto seja cobrado no

ano financeiro que decorre.

Será preciso ir mais longe, no entanto, segundo nos

parece. Há pouco, dissemos que a aprovação do

Orça-mento fixa a legislação fiscal em vigor - rectius, a

legisla-ção fiscal que, pertencendo à zona abrangida pelo princípio

da legalidade, tem simultaneamente interferência directa

nos montantes cobráveis de cada tributo. Ora, sendo a~SIm, a elevação da taxa ou o alargamento da base tributável dos

impostos são modificações do sistema fiscal que devem ser equiparadas à criação de novos impostos, de forma que,

quando ocorrem a meio do exercício orçamental e se

des-tinam a produzir efeitos logo durante esse exercício, exi-gem igualmente uma lei de alteração do Orçamento.

Sendo assim, o princípio da anualidade pode ser

con-siderado como uma garantia dos contribuintes - dir-se-ia

mesmo uma garantia de valor prático superior à consti-tuída pelo princípio da legalidade. Este último, na

ver-dade, protege o contribuinte de exacções arbItrárias, con-figuradas

ad hoc

pela Administração. Aquele primeiro

(31)

cípio, porém, garante um valor fundamental para um sistema econ6núco de mercado:

a previsibilidade

(325).

É que - repare-se - as alterações orçamentais hão-de ter sempre um carácter excepcionaJ

(326),

pelo que, mediante a aprovação do Orçamento, os contribuintes conhecerão sempre, com o rigor pos~íveI, as obrigações fiscais a que estarão adstritos no período a que aquele respeita-podendo assim, em confornúdade, programar a sua vida econ6mica. AJiás, as exigências formais e os demais requi-sitos que concorrem na determinação das condições em que as alterações do Orçamento podem ter lugar são, em ~i mesmos, desincentivadores, e contribuem, ao mesmo tempo, para que, caso ocorram, apesar de tudo, a opinião pública seja devidamente alertada (327).

(325) Na época da fiscal policy. a necessida<k de garantir alguma

previsibilidade, no que diz respeito às modificações do sistema fiscal, impõe-se com especial acuidade. Com efeito, para além da certeza reclamada sempre pelo Direito, há que ter ainda em cont2 a certeza reivindicada pelos sistemas ditos de CeconODÚa de melcadot. Cfr., sobre este tema, ALBERTO XAVIER, Conceito e natureza do acto tributário,

Lisboa, 1972, pp. 60 e ss. e SALDANHA SANCHES, cito (n. 323), pp. 279 e ss. Já dissemos, também, que hoje se tem de considerar, ao lado das tradicionais garantias dos contribuintes, as exigências de justiça

financeira e de igualdade material. No entanto, em matéria de fiscalidade, esta igualdade e aquela justiça podem ser procuradas pela Administração - porque melhor colocada - , mas sempre através da aplicação da lei e não através do exercício de um poder discricionário. Mas não restam dúvidas de que a desejável previsibilidade resulta mais afectada pelas frequentes e dispersas modificações do sistema fiscal do quepela técnica de construção das normas que recorre ao emprega cláusulas-gerais ou conceitos indeterminados (assim, tb., SALDANHA SANCHES, cito (n. 323), p.315.

(326) É em virtude disso, por exemplo, que o n. o 2 do art. 2. o

do D.L. n.O 98/84, de 29 de Março - «Lei das Finanças Locais» -estabelece que os orçamentos das autarquias locais s6 poderão ser alte-rados duas vezes em cada ano.

(327) Na verdade, a prática que consiste em relacionar as altera-ções nas leis dos impostos com o Orçamento ou com as leis que lhe introduzem modificações pode ser i ustificada pela atenção pública que

(32)

Cabe aqui, também, aludir às autorizações legislativas que, versando sobre matéria fiscal, têm sido incluídas nos Orçamentos, no exercicio de uma prática recorrente desde

há muito. Já noutro pass , quando nos referimos aos

cha-mados «cavaliers budgétaires», defendemos semelhante

prá-tica em razão do seu contributo para a revelação da

ver-tente fiscal do programa financeiro de cada ano. Sucede,

porém, que a inclusão no orçament das referidas

autoriza-ções legisJativas apresenta, ainda, outra virtualidade: é que,

como estas têm de revelar o setltido, objecto c extensão das

intervenções normativas autorizadas, Governo não terá

de solicitar ao Parlamento a alteração do Orçamento

quando legislar sobre as matérias delegadas, se essa

legisla-ção se traduzir no aumento da taxa de um imposto ou no alargamento da sua base tributável. O princípio da anua-lidade e os interesses que ele protege bastam-se, deste modo,

com a inclusão no Orçamento das leis de autorização

legis-lativa, na medida em que o conteúdo destas, por força da

Constituição, é suficientemente explícito quanto ao signi-ficado

das

modificações do sistema fiscal que, ao seu abrigo. serão empreendidas

(32 ).

este documento SUSCIta, tornando-se, por isso, um veiculo ideal para a publicitação das transformações legislativas que exigem especiais cui-dados de previsibilidade. É por isso que a L. 11.0 2/79, de 3 de Janeiro,

relativa ao preço dos produtos do tabaco, estabelece que .a proposta

de Lei do Orçamento Geral do Estado inclui o conjunto de

auto-rizações legislativas que permitam ao Governo fixar por decreto-lei os preços que aumentem, directa ou indirectamente, o peso relativo dos encargos fiscais, quer as receitas revertam para o Estado, quer para

outras entidades públicas.. Também se deve notar que, em Inglaterra,

a administração fiscal s6 produz normas contra a evasão fiscal por altura

da publicação do orçamento (assim nos informa SALDANHA SANCHES,

cito (n. 323), p. 328).

(328)

err

.

o nosso trabalho, cito (n. 44), p. 241. Vd., tb., alguns

exemplos que reforçam a opinião vertida no texto, in SALDANHA

Referências

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