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A Existência de Deus em Santo Anselmo

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Academic year: 2021

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Fábio Augusto Garcez de Paiva Britto

A Existência de Deus em Santo Anselmo

Monografia

Rio de Janeiro, Dezembro de 2008

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INSTITUTO DE FILOSOFIA JOÃO PAULO II

Curso de Filosofia

A Existência de Deus em Santo Anselmo

Fábio Augusto Garcez de Paiva Britto

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Salles

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Fábio Augusto Garcez de Paiva Britto

A Existência de Deus em Santo Anselmo

Monografia apresentada ao Instituto de Filosofia João Paulo II, conveniado à PUC-Rio, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Filosofia.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Salles

Rio de Janeiro, Dezembro 2008

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INSTITUTO DE FILOSOFIA JOÃO PAULO II

Fábio Augusto Garcez de Paiva Britto

A Existência de Deus em Santo Anselmo

Monografia apresentada ao Instituto de Filosofia João Paulo II, conveniado à PUC-Rio, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Filosofia. Avaliada pela Banca Examinadora, abaixo assinada.

Grau Obtido: __________

Prof. Dr. Sergio de Souza Salles Instituto de Filosofia João Paulo II

Prof. Pe. André Luiz de Oliveira Feitosa Instituto de Filosofia João Paulo II

Observações da Banca: ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ____________________________________________ Rio de Janeiro 1 de dezembro de 2008

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Para meu pai David (in memoriam), minha mãe Laura, Irmãos (Cláudio in memoriam), cunhada, Sobrinho (as) e grandes amigos, com amor.

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Agradecimentos

Agradeço a Deus, aquele que me deu o dom do entendimento e que me iluminou em todo este trabalho. Ao Seminário Arquidiocesano São José juntamente com seus benfeitores e formadores. A todo corpo docente desta instituição; aos amigos que fazem parte da turma do terceiro ano de filosofia do ano de 2008 com os quais compartilho as alegrias e os benefícios adquiridos durante este curso através do nosso dia-a-dia. A todos os amigos que se dedicaram a me ajudar com seu tempo, material e apoio para que esse projeto fosse realizado, a minha família que acreditou sempre nos meus sonhos e que em todos os momentos de minha vida nunca me deixou andar na escuridão longe de Deus.

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Resumo

A partir da reflexão entre fidei et intellectum, Santo Anselmo consegue elaborar provas da existência de Deus e chega a um único argumento sólido. Entretanto, após essa reflexão, muitos filósofos não admitiram necessariamente que a idéia de Deus que está em nosso pensamento possa existir realmente. Tendo esse itinerário de “fides

quaerens intellectum” como pressuposto, a nossa pesquisa tem por objetivo mostrar que

todas as críticas feitas ao nosso autor (principalmente a do Monge Gaunilon, seu discípulo) estão em nível acidental e não comprometem a integridade do mesmo argumento: “existe um ser do qual não se pode pensar nada maior”

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Resumen

A partir de la reflexión entre fidei et intellectum, Santo Anselmo consigue elaborar pruebas existencia de Dios y he ga a un único argumento sólodo. No obstante, después de esta reflexión, muchos filósofos no admiten que necesariamente que idea de Dios que está en nuestro pensamiento pueda existir realmente. Teniendo como itinerario el presupuesto “fides querens intellectum”, nuestra investigación tiene por objetivo mostrar que todas las criticas realizadas a nuestro autor (principalmente a del monje Gaunilon, su discípulo) se encuentran en nivel accidental y no comprometen la integridad del mismo argumento: “existe un ser del cual no se puede pensar nada mayor”.

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“Eia, vamos homem! Foge por um pouco às tuas ocupações, esconde-te dos teus

pensamentos tumultuados, afasta as tuas graves preocupações e deixa de lado as tuas trabalhosas inquietudes. Busca, por um momento, a Deus, e descansa um pouco nele. Entra no esconderijo da tua mente, aparta-te de tudo, exceto de Deus e daquilo que pode levar-te a ele, e, fechada a porta, procura-o. Abre a ele todo o teu coração e dize-lhe: “Quero teu rosto; busco com ardor teu rosto, ó Senhor.””

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Sumário

Introdução...

1. Fides Quarens intellectum... 1.1 – O que é “fides”?... 1.2 – O que é “intellectum”?... 1.3 – A síntese anselmiana...

2. As vias para a existência de Deus ... 2.1 – Existe um bem absoluto do qual deriva todas as coisas boas... 2.2 – Existe um ser que é causa primeira e absoluta de todas as coisas existentes... 2.3 – Existe um ser maior do que pode ser pensado...

3. Oposições ao Argumento Ontológico de Santo Anselmo... 3.1 – Objeções de Gaunilon... 3.2 – Refutações de Santo Anselmo...

Conclusão... Referências Bibliográficas ... 9 12 13 15 16 18 19 21 23 27 28 30 34 36

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Introdução

Encontramo-nos no século XI, período da história em que muitas coisas estão acontecendo, muitas transformações, seja na Igreja ou nas nações que compõem a Europa. Há começado a luta contra as investiduras eclesiásticas onde o príncipe, nobre ou rei escolhia e nomeava as autoridades religiosas, e aquelas já escolhidas, só tinham o dever de conferir o sacramento da ordem ao que fora escolhido pela nobreza.

Anselmo nasceu no território, que hoje é considerado a Itália, numa cidade chamada Aosta, viveu uma parte de sua vida na França, por causa dos seus estudos, lá conheceu seu professor Lanfranco, que teve grandes influências sobre seu pensamento. Saiu de sua casa após a morte de sua mãe, pois vivia um conflito com seu pai, cujo motivo talvez fosse de querer ir para o mosteiro.

Na França, ficou morando no mosteiro somente por causa dos estudos filosóficos e teológicos, não existia neste momento mais o desejo de ser monge. O convívio despertou nele o chamado que teve enquanto mais jovem, ingressando no mosteiro de Bec, na região da Normandia.

Anselmo destacou-se dentro do mosteiro pelas suas inúmeras qualidades em diversas áreas, por isso, acaba sendo prior e depois abade, sucedendo aquele que tinha sido seu professor Lanfranco, que fora nomeado bispo da Inglaterra. Depois da morte do bispo de Aosta o rei não queria mais ninguém da “Igreja” em seu território, mas quando ele se viu em morte e com medo do juízo divino, quis se aproximar da Igreja nomeando então Anselmo como Bispo de Aosta, esta substituição não se deu em seguida, pois Lanfranco era desfavorável as atitudes do Rei. Anselmo relutou muito com essa nomeação, pois não queria afastar-se do mosteiro e ir para esta cidade, pois sabia que iria opor-se ao rei. Com o passar do tempo, viu que essa nomeação poderia ser a vontade de Deus em sua vida, seu episcopado. Com a melhora do Rei, Anselmo se opôs por não querer submeter-se a ele, por isso foi exilado por três vezes.

No século de Anselmo, a filosofia escolástica se encontra num início lento; neste período a filosofia e teologia eram a mesma coisa, o método das duas era equiparado. A separação da filosofia e teologia se deu no século XIII com santo Tomás de Aquino que põe diferenças entre as duas ciências.

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Neste período, muitos filósofos queriam aplicar a lógica aristotélica na teologia, sendo que esta união se deu e maneira equívoca. Com isso, Anselmo resolve aplicar esta lógica de maneira correta, mostrando que é possível usar a lógica e a razão na teologia. Como Anselmo era um filósofo cristão, da Idade média, usava todo o seu embasamento da fé, que lhe foi dada, não excluindo o seu raciocínio filosófico.

Anselmo teve o seu pensamento filosófico inspirado em grande parte no de Agostinho, teólogo que buscava respostas da sua fé pela razão. Ele não foi um comentador, mas retomou muitos pontos de seu pensamento. Com essa busca ajudou a toda a filosofia cristã, a qual não utilizava somente a razão, mas a fé já estava subentendida (Credo ut intelligam).

Com este trabalho monográfico, pretendemos alcançar alguns objetivos, tendo como centro o pensamento anselmiano, no que diz respeito às provas da existência de Deus. Abordaremos apenas duas obras: Monologium e Proslogium de Santo Anselmo, dentre muitas, a saber: “Dialogus de Veritate” e “De Grammatico”.

Pode-se dizer que o Proslogium complementa o Monologium. Em nossa opinião o Proslogium não é uma nova prova e sim um único argumento que dá embasamento e um esclarecimento às provas já lançadas no Monologium.

Veremos no primeiro capítulo a união e a síntese que Anselmo faz entre fides et intelectum; a possibilidade de usar a fé na filosofia, não utilizando argumentos espirituais, mas sim argumentos lógicos e racionais que o intelecto aceita como verdade.

No segundo capítulo, percorreremos as duas obras, as quais iremos nos deter, fazendo uma abordagem das provas anselmianas que encontramos no Monologium e que podemos classificar em quatro, mas que podem ser reduzidas em duas: a primeira, existe um bem absoluto do qual deriva todas as coisas boas e a segunda, existe um ser que é causa primeira e absoluta de todas as coisas. Na segunda parte deste capítulo encontraremos a argumentação que Anselmo faz no Proslogium sobre a existência de Deus.

No capítulo conclusivo, encontraremos a objeção feita pelo seu discípulo, o monge Gaunilon, que quer refutar o Proslogium defendendo que não “existe um

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ser maior dentre todos os que se possam pensar” e que, com esse argumento, a prova torna-se insuficiente.

Não poderíamos terminar essa nossa pesquisa analisando somente a objeção feita a Anselmo, mas sim, do mesmo modo que nosso autor responder àquele se coloca no lugar do insensato. No Libre apologeticus (Livro apologético) que utilizaremos como embasamento em nosso trabalho chegamos a mesma resposta junto ao filósofo que estudaremos em toda esta dissertação monográfica.

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1

Fides Quaerens intellectum

Tendo a confiança de que se pode buscar a prova da existência de Deus somente pela razão e a partir daquilo que já aceitava como verdade, Anselmo introduziu um novo período na filosofia1 querendo provar a existência de Deus por conceitos que já possuía pela fé. Assim vai se utilizar da razão2 e comprovar por um argumento único que Deus existe.

Em todo o seu estudo, apresenta em primeiro lugar a fé que ele recebeu da tradição cristã, como um ânimo para se chegar a demonstrar a existência de Deus. É pela fé que se chega à razão “credo ut intelligam” 3, e foi nesse contexto que muitos outros filósofos levaram seus questionamentos em relação a Deus.

Como nem este opúsculo4 nem outro5 recordado acima pareceram-me dignos de serem chamados de livros, nem se me apresentavam tão importantes para propor-lhes o nome do autor, e, entretanto, fazia-se necessário atribuir-lhes um título que convidasse a lê-los todos aqueles em cujas mãos caíssem, dei a cada um deles uma denominação: chamei o primeiro de Exemplo de Meditação sobre o Fundamento Racional da Fé, e o segundo: A Fé Buscando Apoiar-se na Razão.6

É nesse mesmo caminho da fé que Anselmo retoma uma dicção que o0 profeta Isaías7 e depois Agostinho resumiram em suas buscas por Deus: “Nisi credideritis non intelelligetis” (Se não Crerdes, não compreendereis8). Essa citação do Profeta, retirada da tradução dos Setenta, é aquela que Bispo de Hipona não se enfada de retomá-la em suas obras. O Doutor Africano sabe muito bem dos seus limites humanos para compreender Deus. Para Agostinho, a fé possui um valor nessa busca, é uma luz que ilumina todo o percurso. Luz que nem sempre a razão possui. A fé é um início do conhecimento, pode se dizer que a fé busca a compreensão, o entendimento o encontra, em toda a sua filosofia ele tem como sustento a “alma” e “Deus”, estes são os caminhos pelos quais podemos conhecer Deus.

1

Período este que denominamos de Escolástica.

2

Cf. TOMATIS, Francesco. O Argumento Ontológico. São Paulo: Paulus, 2003. p. 11.

3

“Creio para compreender”.

4

Refere-se ao Proslogium.

5

Refere-se ao Monologium.

6

ANSELMO. Monologium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p. 98.

7

Is 7,9 “se não tivesse a fé, não podereis entender”.

8

Comprehensio, compreensão: Em sua ciência infinita, Deus “compreende” a infinidade dos números, escreve Agostinho, ele “ compreende todos os incompreensíveis por uma compreensão incompreensível”. O verbo comprehendere significa propriamente apreender um objeto em sua totalidade.

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13

Agostinho, em seus questionamentos, parte por dois caminhos, a noção de Deus e verdade estão interligadas de modo que, quando se diz que o homem alcançou a verdade, o mesmo chegou a Deus, aquele que é a verdade suprema. Logo, a verdade coincide com a declaração da existência de Deus.

Do mesmo modo para Anselmo, só podemos compreender Deus quando nós conhecemos e adentramos em nós mesmos, pois a partir de então conhecendo a si mesmo podemos conhecer à Deus. É na relação entre Deus e o homem que chegamos à existência de Deus; esta relação de homem-Deus que amamo-lo e nesta relação saberá quem Ele é; é no amor a Deus que compreendemos e cremos n’Ele, pois quem ama compreende toda a verdade9.

Anselmo, no Proslogium, vai abordar esse questionamento sobre a existência de Deus. Sendo assim, vai ao profundo de si10 para indagar-se e buscar, pela razão, uma prova de que Deus existe verdadeiramente. “Deus é o ser que não pode ser pensado nada maior”, partindo desse conceito é que Anselmo vai elaborar toda a sua filosofia da existência de Deus.

O nosso autor acredita que, por um conceito já formado em nosso intelecto sobre Deus, podemos partir para afirmações coesas de sua existência, como afirmou Santo Agostinho em uma de suas obras que se refere à idéia de Deus como um ens perfectissimum (ser perfeitíssimo).

Destarte, para se crer em Deus é preciso ter uma base formada pela fé, pois é a partir dela que Anselmo cria as bases de suas provas e seu argumento para demonstrar realmente a existência de Deus usando a razão do pensamento. É nesse processo que o Proslogium vai ser desenvolvido em todo o seu conteúdo argumentativo. Todo este percurso de colocar a fé em primeiro lugar, não exclui a inteligência nem a razão.

1.1.

O que é “fides”?

Este modo de filosofar pela fé teve seu apogeu em Agostinho, após a sua conversão, utiliza da fé em sua vida e em seus pensamentos torna-se algo

9

ANSELMO. Proslogium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p. 101.

10

ANSELMO. Proslogium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p.115.

“Ajuda-me, bom Deus! Ó Senhor, busquei o teu rosto; permite que o encontre, ó Senhor; não afaste de mim o teu rosto. Tira-me do abismo em que estou e eleva-me a ti.”

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essencial partindo para um novo horizonte, abrindo conseqüentemente à filosofia Cristã.

É de Agostinho que surge a grande questão “credo ut intellingam” e “intelligo ut credam”, (“creio para entender” e “entendo para crer”) fórmulas que provinham do profeta Isaías como fora mencionado anteriormente.

Grandes foram os questionamentos que fizeram a Santo Anselmo por ele ter buscado a compreensão de Deus partindo pelo ato da fé e não como fazem a maior parte dos filósofos que partem da razão, pois o que diria aquele que não acreditasse em Deus? Qual seria a concepção de um insensato diante das provas que santo Anselmo elaborou?

É no período da Idade média que Santo Anselmo se torna importante entre os filósofos com a expressão “intellectus fidei” (intelecto da fé). Ele não queria substituir a filosofia por argumentos baseados na revelação, mas usar a inteligência filosófica para compreender aquilo que fora revelado.

A fé, portanto, é para Anselmo um dom que ilumina a razão11. Primeiro é necessário a pessoa crer em algo para buscar entender o porquê que ela existe, para que então a partir dos seus atributos, que já são conhecidos, pela fé possam ir à origem de tudo aquilo que existe realmente. A fé, em Anselmo, é colocada como via para se buscar a prova da existência de Deus. Em sua primeira obra, Monologium, ele busca a razão da fé para poder crer em Deus e fazer com que aqueles que não crêem nele possam assim racionalmente crer e aceitar estas verdades que foram preditas pela fé. A fé, em Anselmo, não é um fideísmo, pois se ele se tornar fideísta poderia tornar-se irracional, a fé anselmiana não elimina a inteligência.

Assim sendo, a afirmação de Anselmo, no que diz respeito ao crer para compreender, foi na verdade um apelo feito pelos “seus irmãos de hábito”, no qual tinham uma necessidade que partia da fé, aquilo no qual a revelação não poderia comprovar pela razão, trata-se, portanto da “fides quaerens intellectum”.

Vê-se que no Proslogium fica bem nítido o percurso que Anselmo queria seguir, pois como ele mesmo mencionou “creio para poder te compreender”, ele usa a fé racional12; aquela que lhe foi dada pela Revelação e nem aquela que está contida nas sagradas letras, mas sim, a fé iluminada por um raciocínio lógico

11

ANSELMO. Proslogium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p. 104.

12

Entendemos aqui “fé racional” aquela que busca a compreensão com bases na razão, como fez Anselmo, e não uma fé somente no plano espiritual.

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para provar que Deus existe e com esses argumentos fortalecer aquilo que já acreditava pela fé. A razão não foi um anulamento do que Anselmo possuía, e sim, um novo ardor para crer cada vez mais intensamente e racionalmente.

É necessário ter fé para poder compreender Deus, pois é pela fé que se cria questionamentos e ao mesmo tempo uma base do que se busca. Não se pode buscar compreender algo do que não se acredita, pois esse caminho se anularia no mesmo instante e com a crença em Deus que se interroga e suscita respostas, pois “nisi credidero, non inteligam”13 ( se não crer, não entenderei).

É através dessa noção de Deus que Anselmo começa a escrever a sua próxima obra, baseado no que a fé lhe forneceu, procurando ascender a Deus.

1.2.

O que é “intellectum”?

Noâmbito das obras anselmianas, podemos enfatizar o que Anselmo diz sobre “Intellectum”, mais especificamente no Proslogium, o qual ele mesmo vai intitular como: “A fé Buscando apoiar-se na razão”. Desde o capítulo primeiro, Anselmo agradece a Deus por lhe ter concedido um entendimento para melhor compreender a sua existência. O filósofo ressalta:

“O insipiente há de convir igualmente que existe na sua inteligência ‘o ser do qual não se pode pensar nada maior’, porque ouve e compreende essa frase; e tudo aquilo que se compreende encontra-se na inteligência” 14.

Analisando esse seguimento da obra de Anselmo, entende-se que Deus é compreendido, portanto, na inteligência do indivíduo que argumenta para poder solidificá-lo pela razão. Com isso, o intelecto que é também iluminado por Deus, é um dom de Deus, é uma luz para a fé.

Assim sendo, aquele que diz ter compreendido o que Deus é não pode dizer que ele não existe, pois o conceito de Deus já está no seu intelecto e sua existência já é aceita pela razão como um ser que existe. Anselmo tinha como objetivo nesta segunda obra fazer compreender por argumentos racionais aquilo que já acreditava.

13

ANSELMO. Proslogium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p. 101.

14

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16

Outra expressão que ele também usa é de Deus como um ser perfeitíssimo, partindo da idéia de Deus como ser perfeitíssimo está implícito nessa própria idéia o atributo e a característica da prova de sua existência. Este argumento se chama a priori porque não parte das coisas criadas, mas do conceito de Deus que vem antes de todas as coisas criadas e que se encontra no sujeito, no eu do homem.

1.3.

A síntese anselmiana

Quando Anselmo diz: “fides quaerens intellectum”, entende-se que a fé age pela razão, da mesma forma como se uma buscasse a outra, uma é complemento para o sustento da outra. Anselmo não quer encontrar apenas a ratio fidei, mas quer que a fé na sua inquietude de procurar Deus aja pela razão, unindo-se ao intelecto, procurando uma luz e chegando a conclusão de que Deus existe verdadeiramente, esta união é mencionada no Proslogium.

Torna-se bem evidente dentro dos seus estudos, que a fé não pode caminhar sem a razão, para isso ele faz uma síntese entre fé e intelecto sem que uma perca seu valor para a outra, as duas podem caminhar lado a lado para poder buscar compreender a existência de Deus. Para Anselmo, a razão é um dom que Deus dá à pessoa humana, para que possa argumentar sobre aquilo que ela acredita, isto é, a sua fé.

Então, ó Senhor, tu que nos concedestes a razão em defesa da fé, faze com que eu conheça, até quanto me é possível, que tu existes assim como acreditamos, e que és aquilo que acreditamos. Cremos pois, com firmeza, que tu és um ser do qual não é possível pensar nada maior15.

É interessante observar que Anselmo quer compreender a existência de Deus, mas não pretendia ir além de suas capacidades humanas, aquelas que lhe foram dadas pelo próprio Deus. Conhecê-lo até onde nos é possível sem que limitemos a existência de Deus em nosso intelecto, pois sua existência não nos pode ser concebida, “Deus é um ser maior do que se possa pensar” é nesse raciocínio que podemos fazer a síntese anselmiana entre a fé e o intelecto (razão).

15

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Deste modo, já sabemos que a fé e a razão eram para Anselmo dois princípios básicos, não só para ele, mas para todos os filósofos medievais “quer que sejam cristãos, judeus ou árabes não se faz filosofia senão a partir da fé. Por isso, aqui queremos, de modo especial sublinhar a razão” 16. Todos querem chegar a compreensão de Deus, mas não pode ser somente pela fé, pois a fé não se fundamenta racionalmente. A fé é somente espiritual e para que se possa afirmar que Deus existe verdadeiramente não podemos partir de algo não concreto e lógico, mas também não podemos abandona-lá, pois Deus é um ser espiritual e para chegar a ele é necessário que se tenha o mínimo de fé:

Devemos crer com o fim de obter a compreensão da verdade suprema. Visto que as verdades da fé superam de longe as da razão, não nos compete o direito de fazermos depender a verdade e a certeza da fé de uma compreensão prévia do seu conteúdo. Seria esforço baldado, pois tentar chegar à fé a partir da compreensão. Mas é perfeitamente possível descer da segurança da fé para o plano da inteligência17.

Aquilo que se crê são pressupostos para a razão. É, necessário partir da fé para o intelecto, pelo ponto de vista de buscar compreender tudo que já se obtêm na fé, dizer que Deus existe sem fundamentos sólidos é não crer verdadeiramente, pois a inteligência ilumina a fé.

Assim, não podemos concluir sem analisar uma questão que para Anselmo é de fundamental importância na busca por Deus, o amor, que é uma condição da fé. “Não tento, ó Senhor, penetrar a tua profundidade: de maneira alguma a minha inteligência amola-se a ela, mas desejo, ao menos compreender a tua verdade, que meu coração crê e ama”18. Foi o amor a Deus que fez Anselmo buscar compreendê-lo e elaborar a sua prova da existência de Deus, seja a que é mencionada no Monologium ou no argumento da idéia de Deus no Proslogium.

16

STREFLING, Sérgio Ricardo. O Argumento Ontológico de Santo Anselmo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1993. p. 22.

17

PHILOTHEUS, Boehner; Etienne Gilson. História da filosofia Cristão, Desde as origens até Nicolau de

Cusa. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. p. 256.

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2

As vias para a existência de Deus

Neste capítulo vamos abordar as vias que Anselmo vai elaborar em duas de suas obras. A primeira que é um diálogo em que questiona a existência de Deus pela sua essência, que ele intitula como Monologium que foi escrito por volta do ano de 1076. Nessa obra, Anselmo esquematiza várias provas partindo das coisas criadas para chegar ao criador.

Alguns irmãos de hábito pediram-me muitas vezes e com insistência para transcrever, sob forma de meditação, umas idéias que lhes havia comunicado em conversação familiar, acerca da essência divina e outras questões conexas com este assunto19

Anselmo elabora essa obra com uma estrutura lógica sem precisar de auxílio da Sagrada Escritura, sem recorrer à fé ou a qualquer dado que seus “irmãos de hábito” já possuíam pela revelação, usando somente a razão como critério de verdade, não tendo o objetivo de trazer coisas novas sobre Deus. Acreditava que esse trabalho seria somente para os monásticos que estavam dentro do mosteiro, mas de uma forma rápida se disseminou. Vendo esta obra em várias mãos, fez uma revisão e notou que nada existiria que pudesse entrar em questão contra a Igreja e os Santos Padres, principalmente com o Doutor de Hipona o qual foi para Anselmo um mestre.

Anselmo se preocupava muito com a leitura que seria feita do Proslogium e se os leitores poderiam encontrar diversas conclusões diferentes do que foi seu objetivo inicial. Por isso, na introdução da obra pede que “leia primeiro o tratado De Trinitate, do citado Santo Agostinho, e, depois julgue o opúsculo segundo essa obra” 20 que seria a única fonte de pesquisa que o Santo de Aosta fez menção ao afirma não contradizer o Magistério da Igreja.

Quando o autor do Monologium cita o Bispo de Hipona como aquele que seria o apoio de seu pensamento, não quer dizer que Anselmo iria comentar ou reescrever o pensamento do seu mestre, mas seria Agostinho um caminho no qual pudesse fundar-se. O que nosso filósofo traz de novo é uma amarração, entre a fé e a razão e assim elabora as suas provas sobre a existência de Deus. Colhendo os frutos que o Bispo de Hipona deixou, o Prior de Bec, se

19

ANSELMO. Monologium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p. 5.

20

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19

manteve sempre fiel ao seu pensamento, sem que fosse infiel a si mesmo dentro da sua dialética.

Após a divulgação do Monologium ele fica inquieto com esse sua primeira obra, esta idéia o perseguia tirando até sua atenção nos ofícios divinos, percebendo esta inquietação pensou até que poderia ser uma tentação demoníaca, mas por mais que fugisse estava mais preso a esse questionamento. Não porque o conteúdo fosse contra a doutrina da Igreja ou que pudesse contradizer as sagradas escrituras, mas queria alguma coisa mais perfeita, então pensou: Deus é simples, Deus é uno, Deus é suficiente, por isso queria um argumento que tivesse essa característica, simples, uno e que provasse por ele mesmo sem precisar de outro argumento para justificar aquilo que defendia como argumento.

Portanto, a partir de um sonho que acreditava ser uma iluminação divina, isto é, um dom que tinha recebido e que se pode acreditar pela fé, toma coragem e escreve a sua segunda obra. Começa a escrever em tábuas com cera derretida como se fosse um rascunho, pois os pergaminhos que existiam eram de alto custo financeiro.

Na sua segunda obra, a qual não é propriamente uma obra que contenha as provas da existência de Deus, mas uma idéia de que Deus existe e que ele é maior que tudo, desenvolve, então, um argumento que defenda a essa idéia. Esta obra foi intitulada como Proslogium.

O Proslogium trás um único argumento que afirma que Deus existe: “existe um ser do qual não é possível pensar nada maior”. Com essa afirmação desenvolve toda a obra analisando o argumento por meios que somente a razão pode conduzir.

2.1.

Existe um bem absoluto do qual deriva todas as coisas boas

Ao iniciar o Monologium, Anselmo começa supondo que exista algo que não se conhece totalmente, mas que é bom por si mesmo e que não precisa de outra coisa para ser bom, isto é, existe um ser sumamente bom do qual deriva toda a bondade para as outras coisas, Deus.

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20

Podemos analisar a questão da bondade absoluta seguindo o caminho da teoria da participação. Aqui queremos argumentar esta teoria usando meios racionais, no qual a própria razão recebe dessa bondade absoluta elementos para compreendê-lo, é importante mencionar que o nosso filósofo faz uma comparação entre os seres humanos e procura algo em comum, mesmo que seja de proporção diferente, todos desejam a mesma coisa. Vejamos:

Para qualquer um que queira prestar atenção, é certo e evidente que todas as coisas, entre as quais haja uma relação de mais ou de menos ou de igualdade, são assim em virtude de “algo” que não é diferente, mas o mesmo em todas elas, não interessando se aquilo que se encontra nas coisas esteja em proporção igual ou desigual.21

Partindo da idéia de que entre as pessoas existe algo em comum, isto é, o desejo de ser bom, Anselmo afirma ter uma bondade absoluta que é causa primeira de todas as bondades, não existiria outra bondade superior a esta que estamos remetendo. Portanto, participamos de um bem que é causa primeira.

Mas, assim como vimos existir um ser soberanamente bom, pois todas as coisas são tais devido a um único, da mesma maneira devemos necessariamente induzir que há também um ser soberanamente grande (por grande podemos entender pela qualidade que ele possui e não por um lugar dentro do espaço onde é limitado), pois todas as coisas que são grandes devem-no a um ser que é grande por si. Ele é grande não no sentido espacial, como se diria dos corpos, mas no sentido em que quanto maior é, mais digno e melhor é, como acontece com a sabedoria. E, desde que não pode haver nada sumamente grande se não é sumamente bom, decorre que deve existir um ser que, igualmente, é o maior e melhor, isto é, sumamente superior a todas as coisas. 22

Anselmo vai comparar o termo bondade absoluta ao termo grandiosidade, pois entende-se que quanto maior for a sua grandiosidade maior será a bondade. Ao compreendermos um Deus Grande não podemos compreendê-lo pela nossa limitação humana, pois estaríamos limitando a ação de Deus sobre todas as coisas, a grandiosidade em Deus não esta limitada a um espaço ou ao tempo, Deus é o ser que não possui limitações.

Esta bondade é por si, logo se ela é uma bondade absoluta não pode existir maldade, diferente do que acontece com aqueles que dele foram criados que não é bondade absoluta, pois o nosso autor entende que se existe um animal que seja forte e veloz isso pode ser bem para o animal (bem em si), mas se encontrarmos um ladrão que tenha as mesmas características do animal, isto que

21

ANSELMO. Monologium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p. 8.

22

ANSELMO. Monologium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p. 9.

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21

é bom no animal já não será no ladrão, pois ele usará o que ele tem de bom para algo mal, para o animal a bondade é como uma qualidade e o ladrão usa estas qualidades em um sentido impróprio, fazendo algo mal.

Entendemos que “bem em si” e “bem por si” são coisas similares em Deus. O “bem em outro” é aquilo que o cavalo possui para um bem, esta bondade que o cavalo possui vem de outro. Portanto, existe, alguma coisa que é soberanamente grande, vale dizer, sumamente superior a todas as outras que existem. 23

Em todas as provas, seja nesta ou nas demais, Anselmo, tem um conceito platônico de participação, tudo aquilo é participante de uma coisa que é participado, sem este ser primeiro não poderia ter nada, pois nada gera nada.

2.2.

Existe um ser que é causa primeira e absoluta de todas as coisas existentes.

Queremos agora partir para a segunda prova na qual Anselmo vai provar a existência de Deus não mais pela bondade suprema, mas que Deus é causa de tudo, admitindo conceitos a posteriori 24, isto é, partindo das coisas criadas chegando a um ser que é criador de todas as coisas, sendo ele causa única de todas as coisas e que existe por si não necessita de outro. Tudo existe por algo, pois o nada não pode criar.

Ainda: não apenas tudo o que é bom e grande é assim em virtude de uma única e mesma coisa, mas parece também que tudo o que existe exista devido a uma única e mesma coisa. Com efeito, tudo o que existe ou provém de algo ou deriva do nada. Mas o nada não pode gerar nada e sequer é possível pensar que algo não seja gerado senão por algo. Portanto, tudo o que existe só pode existir por algo. 25

Essa prova da causalidade não caminha sozinha, ela uniu-se a prova de que existe um bem absoluto do qual deriva todas as coisas boas, pois quando provamos que somos gerados a partir de uma causa única admitimos que esse “causador” é maior que tudo que existe, pois o criador não pode criar algo maior

23

Cf. ANSELMO. Monologium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p.6.

24

Todo o pensamento de Santo Anselmo é dominado pela idéia de Deus. Essa é a questão que baseia e unifica as suas investigações. E, a propósito, eis uma primeira distinção: uma coisa é falar da existência de Deus, outra é falar de sua natureza. Trata-se de duas posições diferentes: uma coisa é perguntar-se se algo existe, outra é perguntar-se o que é esse algo. Essa distinção fica clara no Monologium, onde formula provas a posteriori (dos efeitos para a causa) da existência de Deus, sendo deixada de lado no Proslogium, onde ele formula o argumento ontológico. Com efeito, santo Anselmo demonstra a existência de Deus tanto a

posteriori como a priori. Cf. REALE, Giovanni. História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 1990. p. 495.

25

(24)

22

que si. Portanto, nós criaturas, somos inferiores, por isso não conseguimos compreendê-lo na sua totalidade.

Quando afirmamos que existe um ser que é causa de si e que não precisa de nenhum outro para a sua existência, queremos compreender esta formulação seguindo o caminho que Anselmo traça como meta em seu raciocínio lógico.

Baseando-se na participação do Ser e nos conceitos a posteriori, Anselmo, prova que temos uma causa única e esta não poderia ser mais que uma, pois remete-nos ao criador universal.

Disso decorre que todas as coisas que existem são aquilo que são por essa natureza suprema e que ela existe pro si mesma, enquanto as demais por algo diferente delas mesmas. E vice-versa: tudo o que existe, deriva de essa mesma natureza suprema, quando, ao contrário, as outras coisas decorrem de algo diferente delas; e ela, no entanto, procede de si mesma.26

Com base nesta citação percebemos a complexibilidade em traduzir o texto original da forma latina para a língua portuguesa, pois encontramos uma delicadeza nas proposições latinas que Anselmo utiliza e que não podem ser perdidas, tais como: “ex” e “per” (que podemos traduzir respctiviamente por “de” e “por”) usadas pelo o autor do Monologium. Entendemos a expressão “ex” com o sentido “de dentro para fora”, o “de” no português expressa quase sempre um sentido externo. Assim, o “per” pode ser entendido como “em favor de”, “por meio de”, “por causa de”. Por isso, frisamos que “o ser de si” e “por si” é próprio do ser único e que os demais tem origem nele.27

Como conclusão desta prova aceitamos que:

Mas, aquilo que é superior a todas as coisas, e que comunica o ser, a bondade e a grandeza a tudo o que é bom e grande, torna-se necessário que seja sumamente bom e grande e que esteja soberanamente acima de todas as coisas que existem.

Conclui-se, assim, que deve haver um ser perfeitamente bom e grande, superior as coisas, quer se denomine ele essência, substancia ou natureza.28

26

ANSELMO. Monologium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p. 13.

27

Cf. ANSELMO. Monologium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p.13.

28

ANSELMO. Monologium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p. 10.

(25)

23

2.3.

Existe um ser maior do que pode ser pensado.

Em um primeiro momento, seria de fundamental importância esclarecer o porquê do nome de “argumento” para essa obra. Pois nem mesmo Anselmo não queria dar nome, mas como lhe foi pedido intitulou-o de Proslogium o que não encontramos com uma tradução exata para a língua portuguesa, mas que podemos aproximar pela palavra meditação. Já no que se refere à palavra “Argumento” pode–se dizer que é um encadeamento de idéias racionais, isto é, aquilo que está representado mentalmente de uma coisa concreta ou abstrata, no Proslogium o argumento é “aquilo do qual nada maior pode ser pensado29”, Anselmo chama como argumento trazendo a noção de Boécio que entende argumento como qualquer idéia que possa servir como orientação para achar o caminho entre as alternativas contrastantes, ou seja, argumento é uma idéia chave que permite fazer uma crítica das possibilidades existentes.

Mal acabei de escrever um opúsculo, acendendo aos pedidos de alguns irmãos, o qual servisse como exemplo de meditação sobre os mistérios da fé para um homem que busca, em silencio, descobrir, através da razão o que ignora, e dei-me conta de que essa obra era difícil de ser entendida devido ao entrelaçamento das muitas argumentações. Então comecei a pensar comigo mesmo se não seria possível encontrar um único argumento que, válido em si e por si, sem nenhum outro, permitisse demonstrar que Deus existe verdadeiramente e que ele é o bem supremo, não necessitando de coisa alguma, quando, ao contrário, todos os outros seres precisam dele para existirem e serem bons. Um argumento suficiente, em suma, para fornecer provas adequadas sobre aquilo que cremos acerca da substância divina30.

Esta argumentação que Anselmo trata no Proslogium, outros filósofos como, por exemplo: Descartes, Spinoza e Hegel vão trazer posteriormente, pode-se pensar que são os mesmos argumentos, mas estes abordam numa outra perspectiva na qual não se assemelha à do nosso autor, mas utiliza das idéias centrais em comum.

Em relação à intitulação que é dada como “ontológico” que tem por significado deduzir a existência real a partir de um conceito. Deus não é um conceito, mas sim uma idéia. Em Anselmo, então a intitulação não pode ser caracterizada nessa obra, sabe-se que esta denominação não foi dada pelo

29

ANSELMO. Proslogium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p. 101.

30

ANSELMO. Monologium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p. 97.

(26)

24

próprio autor, mas erroneamente por Kant quando criticou Descartes que não tem relação com Anselmo.

Ao fazer a sua crítica a Descartes, Kant estava correto, pois esse filósofo parte do conceito de que: “cogito ergo sum” (se ele pensa logo existe), tudo entra no Cogito. Com esse caminho Descartes também tem um pensamento de Deus que é o perfeitíssimo, e isto é um conceito de Deus, portanto Descartes conclui que se Deus é perfeitíssimo, Ele tem que existir.

Partindo dessa idéia de Deus, parece ser a mesma coisa que Anselmo disse, mas não é, porque o perfeitíssimo em nosso intelecto pode ser algo menor do que é um Deus “sempre maior”. A noção de um ser perfeitíssimo é um conceito fechado e limitado diferente do que Deus é verdadeiramente, quando se diz que Deus é um ser sempre maior.

Descartes, com o conceito de “um ser perfeitíssimo”, partiu do conceito da existência e isso sim é um argumento ontológico, pois transporta do conceito para a existência real.

O Proslogium não parte de um conceito de Deus e sim da noção d’Ele a partir dos seus atributos. O argumento anselmiano lançado no Proslogium não é conceito, pois conceito é uma definição, algo que delimita. Mas ao contrário, o que Santo Anselmo afirma sobre Deus não o delimita, o nosso filósofo apresenta algo que abrange a noção de Deus.

Com esse Argumento, Anselmo, inova metodologicamente, dando um corpo a idéia que Agostinho já tinha de “Deus sempre maior31”. Este argumento anselmiano pode ser transformado em dois outros nomes que o Proslogium aborda em seus capítulos. O primeiro que entende Deus como “maior de todos” e o segundo como Deus “maior do que tudo pode ser pensado”, isto é uma outra forma de dizer a mesma coisa. Com esta análise podemos ver a diferença entre Deus e ídolo, a idéia de ídolo cabe em nosso intelecto (Deus do Sol, Deus da água, etc.) um deus que cabe dentro dos nossos conceitos diferente do que Anselmo pensa sobre Deus:

Portanto, ó Senhor, tu não és apenas aquilo de que não é possível pensar nada maior, mas és, também, tão grande que supera a nossa possibilidade de pensar-te.

Com efeito, supondo que fosse possível pensar que existe um ser dessa espécie, se tu não fosses esse ser, poder-se-ia pensar uma coisa maior que tu; o que é impossível.32

31

AGOSTINHO. A Trindade. São Paulo: Paulus, 1995. Livro I capítulo 7.

32

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25

No argumento do Proslogium o autor parte de um princípio de que “existe um ser do qual nada maior pode ser pensado”, quando o insensato diz em seu coração que Deus não existe ele já está se contradizendo, pois só ao pensar ele já entende que pode existir algo maior do que se pode ser pensado, por isso é capaz de reconhecer essa proposição e aquilo que ele reconhece está na sua inteligência; Mesmo que o insensato não aceite que essa coisa exista. Pois uma coisa é ter ela na inteligência e outra coisa é dizer que ela existe. Podemos pensar em muita coisa que não existe como, por exemplo: quando um artista vai esculpir a sua obra ele tem em seu pensamento o que vai fazer, mas não pode dizer que essa coisa existe, ao contrário, quando o artista já esculpiu a obra ele reconhece a existência dessa obra.

Cremos, pois, com firmeza, que tu és um ser do qual não é possível pensar nada maior. Ou será que um ser assim não existe porque “o insipiente disse em seu coração: Deus não existe”? Porém, o insipiente, quando eu digo: “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, ouve o que digo e compreende. Ora, aquilo que ele compreende se encontra em sua inteligência, ainda que possa não compreender que existe realmente. Na verdade, ter a idéia de um objeto qualquer na inteligência, e compreender que existe realmente, são coisas distintas33.

Portanto, mesmo quando aquele que nega a Deus, diz que alguma coisa maior do que se pode ser pensado existe, isso já está em sua inteligência e por isso, aquilo do qual nada maior pode ser pensado, não pode estar somente em sua inteligência, porque se ele está pelo menos na inteligência, aquilo que existe também na realidade vai ser maior do que ele.

Se essa idéia existe somente na inteligência torna-se menor do que existe na realidade, por isso, precisa existir na realidade também; senão é e não é ao mesmo tempo, aquilo no qual nada maior pode ser pensado. Logo entra numa contradição, pois uma coisa não poder ser e não ser ao mesmo tempo. Para essa idéia, de que existe um ser maior do que pode ser pensado não ser contraditória, tem que se formular uma existência real, porque se essa idéia só existe na cabeça não é maior do que pode ser pensado.

Então, Anselmo, não vai provar diretamente a existência de Deus com esse argumento, mas vai provar indiretamente que a inexistência de Deus é inadmissível, por que é contraditória. Contradição em lógica quer dizer que uma argumentação é verdadeira e a outra é falsa, uma exclui a outra. Pensar uma

33

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26

coisa que tem uma existência só mental é uma contradição, pois ela é e não é ao mesmo tempo.

Esse pensamento lógico era o que Santo Anselmo usava em sua prova da existência de Deus, não só ele, mas como os demais filósofos medievais. A lógica de Santo Anselmo era quase uma lógica matemática, não existe espaço para se encontrar outra possibilidade.

Com efeito, pode-se pensar na existência de um ser que não admite ser pensado, como não existente. Ora, aquilo que não pode ser pensado como não existente, sem dúvida, é maior que aquilo que pode ser pensado com não existente. Por isso, “o ser do qual não é possível pensar nada maior”, se admitisse ser pensado como não existente, ele mesmo, que é “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, não seria ‘o ser do qual não é possível pensar nada maior”, o que é ilógico.

Podemos concluir compreendendo que o objetivo de Anselmo era tentar no plano racional provar aquilo que ele já possuía no plano da fé, ele já crê alguma coisa sobra a essência divina e consegue então estruturar com a razão.

(29)

3.

Oposições ao Argumento Ontológico de Santo Anselmo

Existem inúmeros questionamentos contra Santo Anselmo a respeito de sua obra, não em relação a sua primeira obra, Monologium que fala das provas da existência de Deus, mas sim do Proslogium, a qual aborda um argumento único a partir da idéia de Deus afirmando comprovar a existência de Deus por uma idéia.

Dentre numerosos pensadores, que questionavam o argumento do nosso autor,podemos citar Gaunilon que foi um dos seus discípulos ‘o monge de Marmoutier’. Anselmo escreve no capítulo segundo de sua obra: “O insipiente disse em seu coração: Deus não existe”, esta citação podemos encontrar também no salmo 13,1.

Este monge escreve então um livro que intitula como “Quid ad haec respondeat quidam pro insipiente”.34 Basicamente, a sua crítica está em pensar em Deus e assim dizer que ele existe, então se pode pensar em qualquer coisa e dizer que existe. “Gaunilon objetava que não se pode basear na existência somente no pensamento para daí concluir a existência fora do pensamento”.35

Santo Anselmo se preocupa em responder essa crítica do monge e quer explicar que esse argumento é valido somente para Deus, pois qualquer coisa que pensarmos admite-se um ser maior ainda.

Em qualquer edição que o Proslogium for feito, Anselmo pede que inclua esta objeção do monge, para que todos possam acompanhar tanto o argumento dito e o que pode ser contradito.

Depois de Gaunilon não teve mais ninguém que viesse com argumentos contra este de Anselmo, somente após a sua morte que filósofos como Santo Tomás, Locke e outros vieram criticar os escritos do Arcebispo de Cantuária.

Um dos que mais rebateu foi Kant com sua critica onde intitulou a obra de Anselmo como “argumento ontológico” como bem mencionamos no capítulo anterior a este.

Santo Anselmo vê em sua obra um argumento sólido e forte por si mesmo sem que precise de outro para comprovar a existência de Deus, então com isso,

34

Livro em favor de um insensato.

35

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28

ele chega a seu objetivo36 e afirma que o argumento do Monge Gaunilon não tem consistência frente ao que o nosso escreveu em seu opúsculo, pois esse argumento é válido somente para Deus.

Para melhor esclarecer essa objeção a resposta de Anselmo a este questionamento, pensamos ser melhor trazer uma noção de Guilherme Fraile no que diz:

A argumentação de santo Anselmo é uma aplicação implacável da dialética, inspirada no realismo exagerado da existência das idéias na mente. Procede por soma de realidades, a mental e a extramental. Mas não creio que passa indevidamente da idéias para a realidade, porque me Deus se identificam a essência e a existência. Ao conceber a existência de Deus como tal como a expressa sua definição, concebemos ao mesmo tempo sua existência, pois está implícita nela necessariamente. Parte do suposto de que as idéias existentes no pensamento têm uma realidade, com a qual existem na mente. Mas, ademais, as coisas também têm outra realidade ainda maior fora do pensamento. (...) Portanto, se Deus é o maior que se possa pensar, temos que admitir que não existe somente no pensamento, senão também na realidade. De outra maneira esta definição não é exata. 37

3.1.

Objeção de Gaunilon

Após a elaboração do Proslogium, esta obra ficou muito conhecida por muitos filósofos, mas nem todos aceitaram como válido esse argumento em que Anselmo prova que Deus existe pela noção de que ele é “um ser do qual não se pode pensar nada maior”. O primeiro a por esse argumento em prova foi um de seus discípulos o monge Gaunilon, que após ler o Proslogium escreve um livro no qual crítica e afirma que tudo aquilo que Anselmo escreveu para provar Deus possui grandes falhas, onde se pode argumentar contra o filósofo.

Ao argumentar o autor do Proslogium, ele não escreve por si mesmo, mas toma a defesa do insipiente, o qual Anselmo compara com aquele que não tem a ciência das coisas.

Com esse pensamento abrem-se dois caminhos possíveis de ser contradito para o monge. O primeiro é que antes de dizer que “existe um ser maior do qual pode ser pensado” existe, é necessário provar que existe realmente não só pelo

36

Então comecei a pensar comigo mesmo se não seria possível encontrar um único argumento que, válido em si e por si, sem nenhum outro, permitisse demonstrar que Deus existe verdadeiramente e que ele é o bem supremo, não necessitando de coisa alguma quando, ao contrário, todos os outros seres precisam dele para existir e serem bons. ANSELMO. Monologium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p.97.

37

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29

pensamento, pois se não aceito que ele exista então como posso compreender e aceitar que sua existência é necessária, portanto, provar que existe esse ser maior:

Como será possível, portanto, demonstrar-me que esse ser existe de verdade pelo fato de ser a maior de todas as coisas, quando eu nego a sua existência, ou pelo menos duvido muito, e afirmo que não se encontra na minha inteligência nem no meu pensamento, nem se quer como todas as coisas duvidosas e incertas?

É, pois para mim necessário ter primeiramente a certeza, mediante elementos seguros, de que ele existe nalguma parte de realidade e, assim, ficará claro que subsiste, também em si mesmo, pelo fato de ser o maior de todos os seres38.

Gaunilon ainda questiona como se pode pensar em Deus e ele existir? Então, podemos pensar na melhor ilha e dizer que ela também existe. Portanto, ao tentar refutar Anselmo, o monge tenta comparar à grandiosidade e a perfeição de Deus a perfeição de uma ilha.

Alguns afirmam, por exemplo, que há uma ilha num ponto qualquer do oceano e que pela dificuldade, ou melhor, a impossibilidade de achá-la, pois não existe, denominam de Perdida. Contam-se dela mil maravilhas, mais do que se narra a respeito das ilhas afortunadas: que, devido e que, apesar de não haver lá nem proprietário nem habitantes, supera, em fartura de produtos, todas as terras habitadas pelos homens.

Venha qualquer pessoa dizer-me que tudo isso existe e eu compreenderei facilmente, pois as suas palavras não apresentam para mim nenhuma dificuldade. Mas se, ainda, essa pessoa quisesse acrescentar, como conseqüência: tu não poder duvidas mais que essa ilha, a melhor de todas que há na terra, exista de verdade nalguma parte, porque conseguiste formar uma idéia clara da mesma na tua inteligência; e, como é melhor que uma coisa exista na inteligência e na realidade do que apenas na inteligência, ela necessariamente existe, porque, se não existisse, qualquer outra terra existente na realidade seria melhor do que ela, e assim ela, que pensas a melhor de todas, não seria a mais a melhor. Se digo, essa pessoa presumisse, com semelhante raciocínio, que eu devesse admitir a existência real daquela ilha, acreditaria que estivesse brincando, ou não saberia distinguir qual de nós dois eu deveria julgar mais estulto: se a mim, que prestei fé nas suas palavras, ou se a ela, caso estivesse convencida de ter colocado sobre bases sólidas a existência da ilha sem primeiro constatar se essa superioridade é, verdadeiramente e sem sombra de dúvida, real, de modo que não suscite na minha inteligência um conceito falso ou incerto.39

Ao analisar o argumento que o nosso filósofo propõe de que “existe um ser do qual não se pode pensar nada maior”, ele entende de maneira equívoca e analisa a questão da seguinte forma: “existe um ser maior entre todos os que se possam pensar”, nesta afirmação do Monge ele põe em dúvida até mesmo a possibilidade de pensar em Deus, usando uma partícula no subjuntivo diferentemente de Anselmo que usa no indicativo, ele não da ênfase a negação

38

ANSELMO. Proslogium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p. 135.

39

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30

que Anselmo faz em seu argumento40. “Portanto, de nenhuma outra maneira, fora essa, pode certamente encontrar-se na minha inteligência esse ser, quando ouço e compreendo alguém que diz: ‘o ser maior entre todos os seres quase possam pensar’” 41.

3.2.

Refutação de Santo Anselmo

A resposta de Santo Anselmo ao seu discípulo, o monge Gaunilon, vem em outro livro que está vinculado com o Proslogium. O motivo de tanta oposição que vem intitulado como Libre apologeticus (Livro apologético) 42, neste opúsculo obtém-se a resposta sobre as questões argumentadas, as quais Anselmo define como lógicas e sem motivo de dúvidas.

(...) julgo que no opúsculo citado mostrei, não com provas fracas, mas com uma ‘ argumentação sólida e válida, que existe realmente “o ser do qual não se pode pensar nada maior”. E não há nenhuma objeção que possa debilitar a sua firmeza.

Ao contrário. É tão grande a força significativa que essa expressão carrega dentro de si que, logo ao ser pronunciada, compreende-se e pensa-se verdadeiramente “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, e deduz-se necessariamente a sua existência e obriga a crer que se trata de algo referente à natureza divina.43

A objeção de Gaunilon afirma que se torna impossível algo que esteja no intelecto tornar-se real, pois se assim fosse tudo que estivesse, mesmo que fosse algo falso deveríamos dizer que existe. A resposta de Anselmo vai ao ponto que devemos entender Deus como aquele ser que é perfeitíssimo e que é maior até mesmo que a melhor ilha que possa ser pensada. O argumento que o monge vai utilizar em seu questionamento torna-se inválido, pois qualquer que seja a ilha sempre existirá uma melhor e na melhor de todas, Deus é ainda maior. A objeção que é feita contra o Proslogium torna-se facilmente rejeitada, por esse motivo de que Deus é um ser perfeitíssimo, pois com essa idéia de perfeição tornamos Deus maior que tudo.

Mas tu dizes que esta minha maneira de argumentar equivale àquela de um homem que, depois de descrever uma ilha do oceano que supera em fertilidade todas as terras e, pela dificuldade, ou melhor, a impossibilidade de encontrá-la, pois não existe, é chamada ilha

40

Cf ANSELMO. Proslogium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p. 126.

41

ANSELMO. Proslogium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p.126. 42 Cf. TOMATIS, Francesco. O Argumento Ontológico. São Paulo: Paulus 2003. p. 19.

43 ANSELMO. Proslogium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p. 140.

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31

perdida, afirmasse que não é possível duvidar da sua existência real, porque quem ouve compreende facilmente a sua descrição pelas palavras.

Em tudo confiança respondo-te que se alguém consegue encontrar-me um ser – excetuando “aquele do qual não se pode pensar nada maior” – existente na realidade ou apenas no pensamento, ao qual seja possível aplicar congruentemente a minha argumentação, eu encontrarei com certeza a ilha perdida e a entregarei a esse pessoa, de modo que nunca mais há de perdê-la. Contudo, parece estar já claro que não é possível pensar como não existente “o ser do qual não é dado pensar nada maior”, porque a sua existência alicerça-se numa razão segura e verdadeira. Se assim não fosse, não existiria de maneira nenhuma.44

Anselmo ao escreve o Proslogium, partindo da noção da fé como bem abordamos no primeiro capítulo deste trabalho, é pela fé que ilumina a razão e entende a idéia de que “existe um ser do qual não se pode pensar nada maior”, ao dirigir sua palavra ao insensato no capítulo IV do Proslogium.

O nosso autor tem como princípio que o insensato pensa em Deus, mesmo que seja como não existente. Portanto, Anselmo afirma que a idéia de que se ele pensa em Deus, logo existe verdadeiramente. Esse é outro questionamento feito pelo monge que diz que é necessário provar que Deus exista, pois se nem tem a noção dele no seu pensamento como podemos aceitar que ele existe?

A resposta do Santo de Aosta vem levando um questionamento a origem de tudo, no qual se torna necessário pensar que exista algo que é maior que tudo, que gerou todas as coisas a partir de si, Anselmo remete esse algo a Deus, logo Deus é um ser necessário de ser pensado como existente.

A respeito do que tu opinas, que do fato de que se pode pensar algo acima do qual não é possível pensar nada maior não decorre que esse algo se encontre na inteligência; e que, pelo motivo de encontrar-se na inteligência, não é possível concluir que, necessariamente, exista na realidade, eu insisto em dizer, com toda a certeza, que, se é possível pensá-lo, é necessário que ele exista. Com efeito, “o ser do qual não se pode pensar nada maior” não admite ser pensado como existente a não ser em principio, quando, ao contrário, tudo aquilo que pensamos como existente porque teve início admite ser pensado como existente ou não. Conseqüentemente, “o ser do qual não se pode pensar nada maior” não pode ser pensado existente e não existente. Assim, se é possível pensá-lo como existente, é necessário que exista.45

Segundo Anselmo com a sua afirmação de que “existe um ser do qual não se pode pensar nada maior” sendo assim ele é um ser perfeitíssimo e necessário, até mesmo o insensato quando escuta que “existe um ser do qual não se pode pensar nada maior” vai entender, pois ele compreende o que se fala, pois isso é o

44

ANSELMO. Proslogium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p. 125.

45

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mínimo para se viver no mundo, mesmo que não tenha fé ele não é “um obtuso ou um deficiente” 46 que não consegue nem compreender o que se fala na própria língua. Queremos questionar nesse momento o que se pode ser entendido sobre inteligência e aquilo que se compreende, pois parece que para Gaunilon isso não ficou esclarecido quando ele tomou favor do insipiente, para isso diz Santo Anselmo:

Depois acrescentei que se ele compreende esse ser, este se encontra em sua inteligência. Ou será que não se encontra em nenhuma inteligência aquilo que foi demonstrado existir, necessariamente, na realidade?

Mas tu dizes que, não obstante se encontre na inteligência, não se encontre nela como conseqüência de ter sido compreendido. Olha, porém, que se é compreendido, encontra-se na inteligência. Com efeito, assim como aquilo que é pensado, é pensado pelo pensamento e, pelo fato de que é pensado, existe no pensamento assim, também, aquilo que é compreendido, é compreendido pela inteligência e, pelo fato de que é compreendido, existe na inteligência. Haverá coisa mais clara do que esta?

Afirmei, ainda, que se encontra só na inteligência, pode, também, ser pensado como existente na realidade; e que isto é coisa maior do que encontra-se só na inteligência. Depois conclui que, se existe apenas na inteligência, é, por isso, um ser acima do qual pode-se pensar algo maior. Haverá conseqüência mais lógica do que esta?47

Com esta citação, vemos que o insensato vai pensar em Deus com um ser não existente, mesmo que ele pense como não existente, ele já pensou em Deus, logo ele já existiu e é maior do que pode pensar. O insensato pode não ter a capacidade de raciocinar sobre a existência de que “existe um ser do qual não se pode pensar nada maior”, mas ele pode ao menos pensar que essa questão que o nosso autor quer alcançar no Proslogium e ele conclui que seu objetivo chegou ao final, não se pode pensar em alguém que tomo o lugar do insensato e queira raciocinar como ele.

Portanto, mais uma vez entendemos que “existe um ser do qual não se pode pensar nada maior” e que é Deus, diferente do que formula Gaunilo onde podemos encontrar a seguinte afirmação: “existe um ser maior entre todos os que se possam pensar”, para esse sentido equívoco necessariamente não consegue nem mesmo pensar que possa existir algo, Anselmo refuta-o com o seguinte:

De fato, se alguém afirmasse que existe um ser maior que todos os outros e acrescentasse que este admite, todavia, ser pensado como não existente, e que é possível pensar algo – ainda que inexistente – maior do que ele, acaso seria possível argumentar contra essa pessoa que, neste caso, não se trata do “ser maior que todas as

46

ANSELMO. Proslogium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p. 132.

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coisas existentes” com a mesma evidência e clareza com que se argumentaria para “o ser do qual não se pode pensar nada maior”? Como se vê, não basta argumentar na base do “ser maior que todas as coisas”; é necessário usar outro argumento. Mas para “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, a dedução é clara e suficiente por si. Portanto, se não é possível argumentar partindo do “ser maior que todas as coisas”, e, no entanto, é possível fazê-lo sem recorrer a outros elementos, quando se trata do “ser do qual não se pode pensar nada maior”, tu me redargüiste injustamente por ter dito aquilo que, realmente, não disse, já que as minhas palavras são bastante diferentes daquelas que me atribuíste.

Se, depois, fosse possível também argumentar na base do “ser maior que todas as coisas”, não devias ter-me censurado porque afirmei uma coisa que se pode demonstrar. E digo mais: quem conhece a força da argumentação contida no “ser do qual não se pode pensar nada maior” compreende facilmente que é possível também esta segunda argumentação. De fato, “o ser do qual não se pode pensar nada maior” só pode ser entendido como o único maior entre todas as coisas. Conseqüentemente, assim como “o ser do qual não se pode pensar nada maior” é compreendido por nós e se encontra em nossa inteligência e, portanto, a sua existência é real, assim “o ser maior que todas as coisas” é, igualmente, compreendido pela nossa inteligência, encontra-se nela e, necessariamente, existe pelo mesmo motivo.48

Concluímos, portanto, que em toda a sua obra, seja no Monologium ou no Proslogium, Anselmo, não deixa nenhuma abertura para que possa ser feito alguma indagação às suas provas ou ao argumento. Santo Anselmo afirma ser válido todo esse questionamento para que se possa realmente entender que Deus existe verdadeiramente. Ao concluir esse capítulo usamos a mesma conclusão do nosso autor ao término do livro apologético:

Agradeço-te, por fim, pela tua benignidade, tanto ao repreender como ao elogiar o meu opúsculo. E, como acolheste com tão grandes louvores as partes que te parecem dignas de consideração, é evidente que, ao criticar as que julgaste fracas, o fizeste com espírito benevolente e não com malevolência.49

48

ANSELMO. Proslogium. In Os Pensadores Santo Anselmo e Aberlado. São Paulo: Abril S. A., 1984. p.136.

49

(36)

Conclusão

Discorremos neste trabalho sobre duas obras de Santo Anselmo (Proslogium e Monologium) que foram elaboradas a partir de questionamentos feitos à fé as quais abordamos como objetivo central a existência de Deus. Em todo o nosso trabalho, procuramos esclarecer e provar junto com o nosso autor a existência de Deus sem que utilizemos como via para isto a fé, mas sim a razão que é iluminada pela fé.

Esse caminho que percorremos utilizou-se a fé como motivação para a nossa compreensão de Deus (credo ut intelligam), pois como foi nos dito pelo profeta Isaías “se não cremos não podemos compreender” aquilo que está sobre as nossas capacidades humanas, foi por isso que utilizamos exemplo daquele insensato que diz não compreender Deus.

É com a idéia de “fides quaerens intellectum” que encontramos junto com Santo Anselmo a reposta de nossos questionamentos principalmente quando abordamos o Proslogium que é essa união de “fides et ratio”. Razão esta, que nos vem do próprio Deus para que possamos conhecê-lo em sua magnitude pelos seus atributos, pois se sabemos que Deus é “um ser maior do que se possa pensar”, com essa idéia usamos não somente a razão, mas a fé em acreditar que ele possa existir. Foi com esses conceitos que construímos todo o primeiro capitulo deste trabalho.

Já quando adentramos no segundo capítulo, chegamos ao coração de nossa pesquisa, onde pudemos estudar a lógica anselmiana na sua busca em provar e buscar um argumento único para dizer que Deus existe verdadeiramente. Ao examinarmos o Monologium tiramos duas provas centrais de santo Anselmo a de que: existe um bem absoluto do qual deriva todas as coisas boas e que existe um ser que é causa primeira e absoluta de todas as coisas existentes. Uma prova está interligada a outra e as duas remetem a uma única resposta que até mesmo aquele que se diz não acreditar em Deus tem que acreditar na possível existência de um ser que criou tudo.

Na segunda parte deste capítulo exploramos o Proslogium que nos apresentou um único argumento que podemos dizer que é simples, único e auto-suficiente para provar a partir de uma idéia de Deus que ele existe, quebramos o

Referências

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