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Palavras-chave: alfabetização; mediação; dialogia; significação da linguagem escrita.

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Cleide dos Santos Pereira SOPELSA*

(FURB)

Resumo

Esta pesquisa, de caráter qualitativo, tem a alfabetização como tema e, como objeto de estudo, a ‘mediação pedagógica no processo de apropriação da linguagem escrita’. A investigação foi desenvolvida no contexto de duas salas de aula de alfabetização e elegeu como sujeitos as duas professoras e as crianças pertencentes às duas turmas. A análise dos dados, coletados através da observação e de entrevistas, possibilitou compreender as noções de sujeito, aprendizagem e linguagem escrita que perpassam as enunciações das professoras e, realizar algumas inferências a respeito dos elementos que constituem o processo de mediação pedagógica para a apropriação da linguagem escrita na alfabetização.

Palavras-chave: alfabetização; mediação; dialogia; significação da linguagem escrita.

1. Pontos de partida e acordos

“Aos olhos da filosofia dialética, nada é estabelecido por todos os tempos, nada é absoluto ou sagrado“

(Engels, apud Vigotski, 1934/1998).

O reconhecimento do inacabamento como condição humana, assim como de todas as suas manifestações, incluindo o conhecimento científico, possibilita ao pesquisador lançar novos olhares sobre o que já parecia conhecido, permitindo avanços na compreensão da realidade. Pesquisar, dessa forma, pressupõe, além de um processo de elaboração do

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No VII CBLA, este artigo foi submetido com o seguinte título: “A mediação no processo de construção da linguagem escrita no contexto da sala de aula de alfabetização”.

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Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Regional de Blumenau – FURB.

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conhecimento, o diálogo com a realidade. Entre as múltiplas possibilidades de diálogo com a realidade educacional, optei, ao desenvolver minha primeira atividade de pesquisa, por investigar o tema alfabetização, elegendo como objeto de estudo a apropriação da linguagem

escrita. Realizei-a, no entanto, ciente de que o ato de conhecer não se dá na dicotomia entre objetividade e subjetividade, ação e reflexão, teoria e prática (Freire, 1976).

Além dessa compreensão, foi fundamental, também, o entendimento de que a “incompletude é a condição da linguagem: nem os sujeitos, nem os sentidos, logo, nem o discurso já estão prontos e acabados. Eles estão sempre se fazendo, havendo um trabalho contínuo, um movimento constante do simbólico e da história” (Orlandi, 2002: 37). Permanece sendo, meu dizer não pode ser interpretado como se veiculasse uma interpretação unívoca, pois, assim como as palavras mudam de sentido de acordo com aqueles que as empregam, também mudam de acordo com as posições daqueles que as recebem, portanto, não podem ser controladas.

Com relação à linguagem, faz-se necessário esclarecer, ainda, que na formalização deste texto dissertativo, opto por empregar a primeira pessoa do singular (e, por vezes, o impessoal). Esta individualização das idéias, no entanto, não significa desconsiderar que os sentidos de meu dizer se constituem a partir de outros dizeres, que a minha palavra está sempre povoada pela palavra do outro (orientador, colegas do grupo de pesquisa, autores), portanto, não pode ser compreendida como se somente a mim pertencesse (Orlandi, 2002).

Acordados tais posicionamentos, considero pertinente, primeiramente, esclarecer que a alfabetização é um tema que esteve sempre no centro de minhas preocupações, como profissional da educação. Por um lado, como professora, buscando compreender o processo pelo qual as crianças aprendem a escrever e ler. E, por outro, no trabalho com formação de professoras, interagindo com educadoras que comigo compartilham dúvidas, conflitos e angústias relacionadas ao processo de alfabetização. Foram principalmente essas experiências e as observações realizadas no seu decorrer que suscitaram, em mim, o desejo de investigar a alfabetização, no contexto da sala de aula, tendo como objeto de estudo a mediação

pedagógica para apropriação da linguagem escrita.

No que diz respeito à alfabetização, sabe-se que, até a década de 1970, a preocupação de pesquisadores e professores vinculava-se, exclusivamente, ao melhor método para alfabetizar e com o modo como ensinar (Soares, 1989). A partir de 1980, e especialmente em decorrência da divulgação, no Brasil, dos estudos de Ferreiro e Teberosky (1985/1999) a respeito da psicogênese da língua escrita, as discussões em torno da alfabetização foram submetidas ao que é considerado, por muitos autores, uma verdadeira

revolução conceitual, que colocou como centro das preocupações compreender como a criança aprende a ler e escrever. Com a divulgação desse estudo, a expectativa era resolver o

problema, denominado pelas próprias autoras, de seleção social e expulsão encoberta, gerado pela distribuição de oportunidades educacionais desiguais. No entanto, apesar da importante contribuição teórica advinda desta pesquisa, passados mais de vinte anos, estas expectativas não se concretizaram e muitas crianças que freqüentam o ensino fundamental continuam sem aprender a ler e a escrever.

Mais recentemente, diversos estudos têm apontado a importância de se considerar a origem social do conhecimento, compreendendo-o como um processo mediado pelo outro e pelo signo, destacando, dessa forma, a necessidade de professores e professoras assumirem o

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papel de mediadores/as no processo de aprendizagem da criança (Smolka, 1988/1999; Fontana, 1997; Smolka e Góes, 1997,1998; Mortimer e Macedo, 2000; Goulart, 2000, 2001).

Entretanto, convém questionar se, no contexto da sala de alfabetização, a linguagem escrita tem sido concebida pelas professoras como uma função que se realiza, culturalmente, por mediação sendo, portanto, dependente das situações de ensino. Estaria a ação pedagógica, nesse espaço, se constituindo mediadora no processo de apropriação da linguagem escrita?

Ciente de que os conhecimentos resultantes de importantes pesquisas por vezes permanecem distantes da escola e acabam não sendo incluídos na prática pedagógica, elaborei um projeto de pesquisa que tinha como propósito investigar a mediação pedagógica para a

apropriação da linguagem escrita no contexto da sala de aula de alfabetização, procurando,

desse modo, aproximar-me da escola concreta, construída, diariamente, por professores/as e alunos/as.

2. Assumindo os primeiros posicionamentos

Definido o tema e delimitado o objeto de estudo, passei a assumir os primeiros posicionamentos e a definir os passos da pesquisa. Desse modo, estabeleci como objetivo central deste trabalho investigar a mediação pedagógica no processo de construção da

linguagem escrita, no contexto da sala de aula de alfabetização. Detalhando em objetivos

específicos, pretendia:

• desvelar as noções de sujeito, aprendizagem e linguagem escrita que perpassam as enunciações das professoras no contexto da sala de aula de alfabetização;

• interpretar os sentidos atribuídos pelos sujeitos (professoras e crianças) às experiências vividas no decorrer do processo de apropriação da linguagem escrita; • apontar elementos que podem ser considerados constitutivos da mediação

pedagógica no processo de apropriação da linguagem escrita na alfabetização.

Os seguintes pressupostos teóricos deram sustentação a investigação:

• a concepção de que o sujeito sócio-histórico e cultural se constitui nas e pelas interações sociais, consistindo o aprender na apropriação, pelo indivíduo, das funções e conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade, através de processos, necessariamente, mediados pelo outro e pela linguagem (Vigotski1, 1934/1998; Vigotski, 1934/1999);

• a noção de linguagem como fenômeno profundamente social, histórico e ideológico, sendo a dialogia seu princípio constitutivo e condição do sentido do discurso (Bakhtin, 1929/1995);

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A escritura do nome desse autor é empregada de modos diversos nas obras consultadas, por este motivo não se encontra uniformizada neste texto.

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• o entendimento de que a linguagem escrita é uma atividade cultural, e de que sua apropriação consiste na reconstrução interna, pelo indivíduo, de um complexo sistema de representação simbólica da realidade (Vigotski, 1934/1998/1999; Luria, 1929/1988).

No que diz respeito à relevância de um estudo desta natureza, sabe-se que a história da alfabetização no Brasil é marcada pela disputa em torno do acesso ao saber escrito veiculado pela escola. E, que, apesar de se tratar de um bem cultural produzido pela humanidade, a possibilidade de uso da linguagem escrita esteve sempre vinculada ao acesso aos bens econômicos e sociais mais amplos, permanecendo, dessa forma, centralizada nas mãos de alguns poucos privilegiados (Moll, 1996). Este problema, é dificultado ainda mais pelo fato de que ao longo do tempo, “a escola tem se mostrado incompetente para a educação das camadas populares, e essa incompetência gerando o fracasso escolar tem tido o grave efeito não só de acentuar desigualdades sociais, mas, sobretudo de legitimá-las” (Soares, 1991: 6).

Sabe-se também que, apesar dos recentes avanços com relação à ampliação do acesso das crianças à escola de Ensino Fundamental, os números relacionados à alfabetização em nosso país ainda são alarmantes. De acordo com Ferraro (2002: 38), em artigo que discute o tema “Alfabetização e Letramento nos censos”, há no Brasil, entre a população de 10 anos ou mais, “quase 17,6 milhões de analfabetos computados por meio do critério ler e escrever um bilhete simples no Censo 2000”.

Diante dos dados apresentados acerca do contexto histórico que marca a alfabetização no Brasil, percebe-se que se trata de um tema que continua a exigir a atenção das pessoas envolvidas no processo educativo, reafirmando-se, dessa forma, a importância da realização de investigações que contribuam para a alteração desse quadro.

Preocupada com o fracasso que tem acompanhado a alfabetização ao longo do tempo, no Brasil, e ciente de que os saberes profissionais das professoras se constituem diferentemente de acordo com a singularidade cultural da escola em que atuam, resolvi realizar o estudo em um contexto escolar que apresentasse histórico de insucesso na alfabetização. Assim sendo, a opção recaiu sobre a Escola Esperança2, por eu já conhecê-la anteriormente e, por já possuir informações a respeito das principais dificuldades encontradas pelas professoras para intervir no processo de apropriação da linguagem escrita.

Circunscrevi o estudo às turmas de sete anos do Primeiro Ciclo de Formação por considerar que o processo de alfabetização acontece de modo mais intenso nessa fase. A princípio, havia planejado, desenvolver a investigação em apenas uma sala de aula, por julgar que desse modo obteria informações suficientes para realizar a análise desejada. No entanto, no decorrer da investigação, percebi que seria importante incluir no estudo mais uma turma para que fosse possível perceber possíveis semelhanças e diferenças com relação ao modo como acontece a mediação pedagógica em salas de aulas distintas, porém, pertencentes ao mesmo contexto escolar. Após apresentação do propósito da pesquisa e da metodologia a ser usada, assim como esclarecimento acerca dos procedimentos éticos a serem adotados na apresentação dos dados à coordenação pedagógica e à direção da escola, as professoras concordaram em contribuir com o estudo. Assim, os sujeitos da investigação passaram a ser

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as duas professoras e os dois grupos de crianças (denominados Grupo A e Grupo B) pertencentes às turmas de 7 anos do Primeiro Ciclo de Formação: Infância, do período vespertino desta escola.

O caminho metodológico escolhido para desenvolver esta pesquisa é de caráter qualitativo. Para tanto, fez-se necessário estabelecer procedimentos e estratégias que permitissem considerar as experiências do ponto de vista do sujeito informador. Assim, tendo em mente as questões suscitadas pelos autores que fundamentam teoricamente a pesquisa qualitativa (Bogdan e Bicklen, 1991; Ezpeleta e Rockwell, 1989; Demo, 1992,1996; André, 2000), estabeleci os seguintes instrumentos e procedimentos para a coleta de dados: o Diário de Campo, a Análise de Documentos, as Observações em sala de aula (acompanhadas de filmagens) e as Entrevistas, realizadas com as professoras e com as crianças partícipes do estudo.

As informações obtidas produziram uma volumosa quantidade de dados a ser organizados e analisados. Estes, foram interpretados com base nas contribuições teóricas de Vigostski (1934/1999); Vigotski (1934/1998); Bakhtin (1929/1995); Luria (1985/1988); Freire (1987); Ferreiro e Teberosky (1985/1999); Smolka (1988/1999); Soares (1998); entre outros.

3. Buscando informações a respeito do cenário e dos atores

Ciente de que a situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam as interações sociais que se estabelecem no espaço escolar, busquei, inicialmente, obter informações a respeito do contexto sócio econômico e cultural que caracterizava o cenário em que a pesquisa seria realizada. Desse modo, com o objetivo de apreender as condições concretas (reais) de vida e trabalho dos sujeitos investigados, analisei documentos que apresentavam dados acerca da Proposta Educacional da Rede Municipal de Ensino e o Projeto Político Pedagógico da Escola Esperança.

Os dados provenientes da análise de documentos apontaram, com relação ao ensino na Rede Municipal de Blumenau – SC, que este se organiza, na maioria das escolas deste município, em Ciclos de Formação Humana3.

No que diz respeito à Escola Esperança, esta é uma escola de Ensino Fundamental, que atende cerca de 1100 alunos/as. Grande parte das famílias que residem na comunidade é proveniente de outras cidades e está na cidade em busca de trabalho. As casas onde residem, na maior parte dos casos, construções simples de madeira, se localizam nos morros em áreas (provavelmente) de risco e não contam com tratamento de água e esgoto. Em cada lar há, geralmente, mais de cinco pessoas, e muitas crianças moram com parentes ou responsáveis.

Grande porcentagem dos adultos não concluiu o Ensino Fundamental e, em muitas famílias, apenas uma pessoa trabalha (geralmente a mulher); devido à baixa renda salarial, são

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Neste sistema, o Ensino Fundamental é composto por nove anos distribuídos em três ciclos correspondentes às seguintes temporalidades humanas: 1º Ciclo de Formação: Infância, composto por crianças de seis, sete e oito anos; 2º Ciclo de Formação: Pré- Adolescência, composto por pré-adolescentes de nove, dez e onze anos; 3º Ciclo de formação: Adolescência, composto por adolescentes de doze, treze e quatorze anos, ou mais.

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atendidas por programas assistenciais. Para a maioria dos pais e mães, os filhos e filhas estão na escola para aprender e, conseqüentemente, poder trabalhar. Acreditam que “dando estudo” estão “preparando seus filhos/as para o futuro.” A alfabetização consta do PPP (Projeto Político Pedagógico) como um dos principais problemas enfrentados pela Escola Esperança. De acordo com o documento, o processo de construção da leitura e da escrita “é mais demorado” nesta escola, gerando o fracasso escolar.

4. Interpretando os dados obtidos

Partindo do pressuposto de que pesquisar significa mergulhar na complexidade do mundo real, do caso concreto no qual se produz o fenômeno educativo, realizei a investigação principalmente no contexto das salas de aula de alfabetização, optando pela observação como principal meio para a coleta de dados. Dessa forma, pude me inserir na multiplicidade e na complexidade desse espaço, na condição de quem busca compreender o fenômeno educativo na realidade em que se produz. Com o propósito de documentar detalhadamente o desenrolar dos eventos cotidianos e interpretar os significados a eles atribuídos pelos participantes do processo, assegurando a possibilidade de retomar as situações para a análise posteriormente, usei a filmadora como recurso. O conteúdo das filmagens foi transcrito e os excertos resultantes desses registros passaram a constituir o corpus da pesquisa, sendo intitulados “Cenas de Sala de Aula”4.

A análise das cenas apresentadas revelou que as salas de aula do Grupo A e do Grupo B, apesar de pertencerem à mesma escola, representam espaços de aprendizagem singulares. Confirmando, desse modo, o que diz Erickson (2001) a respeito de que a similaridade das salas de aula, à primeira vista, especialmente nas escolas públicas, esconde o fato de que salas de aula particulares5 são lócus de cenas cotidianas particulares, sendo que as atividades observadas, neste espaço, podem ser consideradas cotidianas apenas em relação a esses sujeitos (Erickson, 2001). Restringem-se a “pequenos mundos”, cujos horizontes se definem diferentemente de acordo com a experiência direta e a história de vida de cada um (Ezpeleta e Rockwell, 1989). Portanto, as realidades concretas vividas e identificadas como escola são múltiplas e podem ser objetivamente distintas, dependendo dos lugares em que são vivenciadas.

Fundamental, nesta distinção entre as salas de aula, é o modo como a linguagem se faz presente em cada uma delas. De acordo com a concepção bakhtiniana, o dialogismo é a condição do sentido do discurso e a sala de aula é um espaço social e ideologicamente constituído pelo conflito de vozes e valores advindos dos sujeitos, sendo a enunciação um fenômeno de natureza social, determinada pela concepção que se tem do interlocutor. No caso das salas de aula do Grupo A e do Grupo B, percebe-se que o sentido das palavras dirigidas pelas professoras às crianças é fortemente influenciado pelas concepções de sujeito, aprendizagem e linguagem escrita que atravessam suas enunciações e ações. Desse modo, pode-se inferir que estas noções são determinantes da constituição, ou não, da ação pedagógica como mediadora no processo de apropriação da linguagem escrita pelos sujeitos.

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Inspirado em Cenas de Sala de Aula de ASSIS-PETERSON & COX, 2001.

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Com base nestas informações, realizei entrevistas com as duas professoras partícipes do estudo, a fim de investigar as noções de sujeito, aprendizagem e de linguagem escrita presentes em suas vozes. Realizei também entrevistas com as crianças com o propósito de saber delas os sentidos que atribuem às experiências que vivenciam durante o processo de apropriação da linguagem escrita no contexto da sala de aula de alfabetização, e das práticas sociais de uso da escrita a que têm acesso em seu ambiente familiar.

Por meio dos dados obtidos através das entrevistas realizadas com as professoras, ficou bastante claro no que diz respeito à professora do Grupo A que: a ausência de informações substanciais acerca do processo de apropriação da linguagem escrita pelas crianças e a noção de linguagem escrita como objeto escolarizado que atravessa suas ações, representam sérios empecilhos para que ela assuma o papel de mediadora no processo de aprendizagem das mesmas. De posse de tais informações, certamente seus posicionamentos seriam outros.

Com relação à professora do Grupo B, pude observar que, apesar da concepção de linguagem escrita representar ainda um desafio para ela (no que diz respeito à compreensão desta como enunciação, interação e produção de sentidos), esta possui importantes conhecimentos acerca do processo de apropriação da linguagem escrita pela criança. Conhecimentos estes que, socializados com a professora do Grupo A, poderiam contribuir para a re-significação de suas ações.

Permanece que as duas professoras apresentam concepções bastante contrastantes no que diz respeito à aprendizagem e à linguagem escrita (apesar da necessidade de maior clareza por parte da professora do Grupo B no que diz respeito a este aspecto). Entretanto, a diferença fundamental na natureza da mediação realizada por cada uma delas parece vincular-se ao modo como concebem os sujeitos (crianças). Emerge dos dados analisados a percepção de que enquanto a professora do Grupo A se refere às crianças como “carentes” o que denota que as vê como deficientes6, a professora do Grupo B as vê como “diferentes”, reconhecendo que as dificuldades enfrentadas pelas mesmas resultam das condições sociais e econômicas características do grupo social no qual se inserem, decorrentes de uma sociedade dividida em classes, e de uma escola que serve a essa sociedade (Soares, 1991).

A partir da análise dessas informações é possível afirmar que as professoras, assim como as crianças, precisam ser concebidas como sujeitos históricos e culturais, constituídos

nas e pelas interações sociais, através de processos mediados pelo outro e pela linguagem.

Portanto, também as professoras precisam ter, em seus processos de aprendizagem como educadoras, mediações (dos/as colegas de trabalho, da coordenação pedagógica da escola, de materiais para estudo, e, principalmente através da formação em trabalho) que potencializem seus conhecimentos a respeito da alfabetização, possibilitando-lhes assumir o papel de mediar pedagogicamente o processo de apropriação da linguagem escrita.

No que diz respeito às entrevistas realizadas com as crianças, a interpretação dos sentidos que estas atribuem às experiências vividas no contexto da sala de aula de

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O termo deficiente é empregado, neste texto, no sentido de deficiência cultural, privação cultural, carência cultural, que significam, basicamente, falta ou ausência de cultura, empregado por Soares (1991), De acordo com a autora, “Negar a existência de cultura em determinado grupo é negar a existência do próprio grupo.” (p. 14).

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alfabetização, apontou importantes questões a serem consideradas no processo de mediação pedagógica para a apropriação da linguagem escrita. Entre elas, destacam-se: a) a importância de reflexão sobre o quê se propõe que a criança escreva, rompendo com a naturalização de determinadas atividades de escrita durante o processo de alfabetização; b) a necessidade de compreensão acerca de para quê se propõe que a criança escreva o que ela escreve, atribuindo sentido ao ato de escrever; c) a importância da criança ter para quem dizer o que ela tem a dizer através da linguagem escrita; d) a necessidade de se conceber a alfabetização como prática social, aproximando o modo como a linguagem escrita se faz presente no contexto da sala de aula de seu uso nas práticas sociais. Ou seja, pude confirmar a necessidade de significação social da linguagem escrita no contexto das salas de aula de alfabetização.

Estes dados também apontaram que as crianças que estudam no Grupo A e no Grupo B da Escola Esperança, são provenientes, na sua maioria, de ambientes familiares onde seu acesso a práticas sociais de uso da linguagem escrita é bastante reduzido, ou praticamente inexistente. Denotando, o modo desigual com que o letramento, considerado, pelo menos nas modernas sociedades industrializadas, “um direito humano absoluto, independente das condições econômicas e sociais em que um dado grupo humano esteja inserido” (Soares, 2001: 120), está distribuído entre a população, e foi efetivamente alcançado por grupos sociais pertencentes a comunidades como a que se situa a escola investigada.

Em decorrência desse quadro, reafirma-se a idéia de que a escola é, para grande parte dessas crianças, um dos poucos, senão o único espaço que possibilita a interação destas com a linguagem escrita, haja vista que apenas o contato visual com portadores de textos (em casa ou na rua), não garante a aquisição dessa importante forma de linguagem. Entretanto, paralela e simultaneamente à distribuição desigual do direito ao acesso ao letramento presente nessa comunidade, pode-se perceber que persiste na escola, uma concepção restrita de linguagem escrita, que a transforma em uma atividade exclusivamente escolar, destituindo-a de seu valor sócio-cultural.

Dessa forma, ao mesmo tempo em que afasta a escrita de seu uso nas práticas sociais, desconsidera, também, o fato de que a alfabetização é um processo fundamentalmente discursivo. Ao proceder desse modo, “a escola tem ensinado as crianças a escrever, mas não a dizer – e sim, repetir – palavras e frases pela escritura” (Smolka, 1999: 112). Assim, homogeiniza os grupos e ignora as diferenças sócio-culturais, privando as crianças de dizerem, através da escrita, a sua palavra, pois “não convém que elas digam o que pensam, que elas escrevam o que dizem, que elas escrevam como dizem (porque o ‘como dizem’ revela as diferenças)” (Smolka, 1988/1999: 112).

Por fim, a interpretação dos dados coletados permitiu realizar algumas inferências acerca dos elementos que podem ser considerados constitutivos da mediação pedagógica para a apropriação da linguagem escrita. São eles:

a) a assunção de posicionamento político-ideológico, por parte da professora, que a possibilite compreender os sujeitos como sócio-históricos e culturais, e assumir compromisso em favor de transformações sociais que favoreçam a construção de uma sociedade mais justa; b) instauração da dialogia no contexto da sala de aula de alfabetização, possibilitando a explicitação da multiplicidade de vozes que constituem os sujeitos e a

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diversidade de modos de ser, possibilitando a réplica, a contra-palavra, e, desse modo, permitindo aflorar a heterogeneidade como característica inerente a todos os grupos humanos;

b) a compreensão, por parte da professora, do modo como a criança se apropria da linguagem escrita como um sistema de signos e símbolos de segunda ordem, concebendo-a como uma função que se realiza culturalmente, por mediação;

c) a concepção de linguagem escrita como objeto cultural, aproximando o modo como esta se faz presente no contexto da sala de aula de alfabetização de seu uso nas práticas sociais, possibilitando, dessa forma, à criança apreender sua significação social.

5. Considerações finais

Ao concluir esta pesquisa, constituída fundamentalmente pelo constante movimento de reflexão-ação-reflexão a respeito da mediação pedagógica no processo de apropriação da

linguagem escrita, no contexto da sala de aula de alfabetização, considero necessário tecer

algumas considerações a respeito da mesma.

Inicialmente, com o propósito de aproximar-me da complexidade na qual se produz o fenômeno educativo, realizei observações no contexto de duas salas de aula de alfabetização (denominadas Grupo A e Grupo B), pertencentes ao mesmo contexto escolar. Os dados obtidos através desse procedimento apontaram que a constituição da mediação pedagógica no processo de apropriação da linguagem escrita, parece estar intrinsecamente vinculada às concepções de sujeito, aprendizagem e linguagem escrita que perpassam as enunciações das professoras.

Objetivando investigar como os três elementos acima citados são concebidos pelas professoras, realizei entrevistas com ambas e pude compreender que cada uma delas atribui sentidos bastante contrastantes aos sujeitos, à aprendizagem e à linguagem escrita. Pude compreender, também, a necessidade de que as professoras, assim como as crianças, sejam concebidas como sujeitos históricos e culturais, constituídos nas e pelas interações sociais, através de processos mediados pelo outro e pela linguagem. Dessa forma, também as professoras precisam ter, em seus processos de aprendizagem como educadoras, intervenções mediadoras.

Com a intenção de incluir também as vozes das crianças no estudo, realizei entrevistas com as mesmas e pude perceber o envolvimento restrito destas em práticas sociais de uso da linguagem escrita no ambiente familiar, assim como a concepção escolarizada de escrita, presente em seus lares. Estas informações reforçaram a idéia de que, nesse contexto, a escola continua a ser uma das principais agências de letramento, o que confere importância ainda maior à mediação pedagógica realizada na sala de aula de alfabetização.

Apesar da consciência de que não foram esgotadas todas as possibilidades de análise que as observações (incluindo as filmagens), os registros no diário de campo e as entrevistas com as professoras e com as crianças permitiam realizar, este estudo, desenvolvido a partir do constante diálogo entre as idéias dos autores que dão sustentação teórica a esta pesquisa e a prática investigativa, permitiu realizar algumas inferências acerca dos elementos que podem

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ser considerados constitutivos da mediação pedagógica para a apropriação da linguagem escrita.

Este trabalho possibilitou compreender, fundamentalmente, que a constituição da professora como mediadora no processo de apropriação da linguagem escrita implica, necessariamente, por parte desta, o “movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”, apontado por Freire (1999: 43). Rompendo, desse modo, com a função de meramente transmitir conteúdos pré-estabelecidos, tornando-se agente da própria ação.

Desse modo, apesar deste estudo não trazer revelações novas sobre a mediação

pedagógica na apropriação da linguagem escrita na alfabetização, mas sim retomar aspectos

já conhecidos desta questão, penso serem estas considerações um convite à reflexão a respeito de como este processo tem sido conduzido no contexto das salas de aula de alfabetização.

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Referências

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