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Saxa scripta na Ciuitas de Viseu: algumas notas

Autor(es):

Vaz, João L. Inês

Publicado por:

Universidade Católica Portuguesa, Departamento de Letras

URL

persistente:

URI:http://hdl.handle.net/10316.2/23920

Accessed :

1-Jul-2021 18:08:43

digitalis.uc.pt impactum.uc.pt

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MÁTHESIS 4 1995 103-115

SAXA SCRIPTA NA CIVITAS DE VISEU:

ALGUMAS NOTAS

(*)

JOÃO L. INÊs VAZ

A Epigrafia é a ciência que estuda as inscrições sobre os materiais duros. A pedra, como material duro e quase indestrutível, é o suporte ideal para a preservação da identidade do homem e da sociedade. Por isso, desde sempre o homem procurou perpetuar a sua memória na pedra, gravando aí o seu nome ou as mensagens que queria transmitir aos vindouros.

Se o homem morre, coloca-se à sua cabeceira uma pedra com o nome e a data da sua morte ou os anos que viveu. É uma forma de o morto con-tinuar vivo entre os vivos pois que, como consideram ainda hoje algumas tribos africanas, enquanto alguém se lembrar do defunto, este não morre. A memória dos feitos do homem, as conquistas dos grandes generais foram muitas vezes gravadas na pedra, também aqui para que a sua memória se não perdesse. Lembremos os grandes obeliscos do Antigo Egipto, a coluna de Trajano em Roma ou as colunas honoríficas que ao longo dos séculos foram levantadas em honra dos heróis ou dos grandes acontecimentos das Nações.

A Epigrafia, estudando essas gravações sobre as pedras contribui precisamente para que se cumpra a função a que foram destinadas, a lembrança eterna dos citados.

No cumprimento dos seus objectivos - estudo da inscrição e reconsti-tuição da ambiência em que foi elaborada - a Epigrafia depara-se com muitas dificuldades, algumas próprias da História e outras específicas da própria ciência epigráfica.

A primeira relaciona-se com o próprio suporte, quer dizer, a dificul-dade do acto de escrever sobre a pedra. É fácil escrever sobre papel, mais difícil sobre o pergaminho, mas mais difícil ainda gravar traços perfeitos

• O presente texto, com leves alterações, foi apresentado como comunicação no X Congres Intemational d' Épigraphie Grecque et Latine, Nimes, 1992, sob o título "Les inscriptions rupestres de la civitas de Viseu (Portugal)".

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104 JOÃO L. ~s VAZ

sobre a pedra. Daqui vão resultar muitas vezes letras imperfeitas ou de difícil leitura, resultantes ainda de um deficiente manuseamento dos materiais ou da imperícia do próprio lapicida.

Outra dificuldade interna ao próprio acto de escrita relaciona-se com a abundância de tipos de alfabeto romano, com alguns deles a oferecerem grandes dificuldades de leitura, como acontece com o cursivo, quando gravado na pedra.

Como ciência dinâmica que é, que procura reconstituir e preservar a sociedade do passado, a Epigrafia subdivide-se em vários ramos, sendo um deles a Epigrafia Rupestre, ou seja, o estudo das inscrições sobre rochedos. Este tipo de inscrições apresenta problemas específicos que o estudo de outros monumenos epigráficos não tem. Por exemplo, enquanto uma lápide funerária se pode levar para casa ou transportar do lugar onde foi encontrada para outro, um rochedo não pode arrancar-se e levar-se para um museu, por exemplo. As condições de estudo num caso e no outro consti-tuem, desde logo, uma limitação enorme.

Outra dificuldade reside no acesso. As epígrafes rupestres situam-se normalmente em rochedos de difícil acesso, só se lá chegando a pé e depois de um percurso bem difícil, inacessível, por vezes mesmo a veículos todo o terreno. Por exemplo, uma das inscrições a que me vou referir adiante, a inscrição de Silvares, no concelho de Tondela, só se atinge ao fim de cerca de uma hora de caminho a pé e situa-se num rochedo a uma altitude de 911 metros.

A primeira questão que devemos colocar-nos a propósito das ins-crições rupestres é interrogar-nos sobre as razões que levaram o homem a procurar os rochedos naturais e as alturas para gravar a sua memória.

As alturas seduziram o homem desde o seu aparecimento à face da terra. Era lá que os deuses habitavam, era de lá que eles lançavam os seus ataques ou as suas bençãos sobre os homens. Era no silêncio das montanhas que os deuses desciam entre as nuvens para se encontrarem com os homens. Daí à sacralização das montanhas foi um pequeno passo, espalhando--se o culto aos montes e nos montes. Bastará pensar, por exemplo, na im-portância que na Bíblia é atribuída às alturas: é ao cimo do Monte Sinai que Moisés vai buscar as tábuas da Lei e encontrar-se com Iavé, é no cume de um monte que Abraão se prepara para sacrificar o seu único filho Isaac, é no cimo da montanha, retirado da vista dos homens, que se dá a Transfigu-ração e Cristo lança aos homens o seu código de conduta bem expresso no "sermão da Montanha".

Na Grécia, era no Monte Olimpo que os deuses se reuniam para deli-berar da sorte dos homens.

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SAXA SCRIPTA NA CIVITAS DE VISEU 105

Entre os celtas, eram muitos os deuses da montanha ou com ela rela-cionados, havendo mesmo um culto das montanhas, muitas delas con-sideradas como divindades (Bermejo Barrera, 2, p. 124): Andosus, Avera-mus, etc.

Na Gália, qualquer que fosse o nome dado à divindade que personifi-cava cada montanha, o culto às montanhas estava muito difundido.

No noroeste peninsular temos conhecimento de várias divindades romanas que foram associadas às montanhas. Marte e Júpiter são os casos mais conhecidos. Júpiter, por ex., aparece adorado como 10M Anderon e como IOVI Candamio.

Na mesma região, havia as próprias montanhas divinizadas como foi o caso do Larouco, sacralizado em Laraucus.

Na civitas de Viseu não temos, por enquanto, conhecimento da personificação do culto das montanhas, mas existiu o culto às forças da natureza. Bastará recordar o epíteto do Mercúrio usado nas Termas de La-fões, Mercurio Augustorum Aquaeco relativo às águas sulfurosas que ali brotam ou o epíteto de Coseis Vacoaicus, relacionado com o rio Vouga, o Vacua romano.

Se o culto às montanhas está ausente, já o culto praticado nos montes, com gravações em rochedos é uma evidência, o que mostra a sedução que também aqui a Natureza exerceu sobre o homem que encontrou nos roche-dos a melhor forma de perpetuar a sua memória.

As inscrições rupestres da civitas de Viseu englobam-se em dois gru-pos fundamentais: as votivas e os marcos divisórios. Há ainda uma outra inscrição que hesitamos como catalogar: votiva, funerária, marco divisório? As inscrições votivas são já conhecidas da bibliografia existente e situam-se no Castro dos Três Rios, concelho de Viseu e em Lamas de Moledo, concelho de Castro Daire (=CIL II 416).

No Castro dos Três Rios encontram-se gravados dois penedos. Num deles está uma inscrição dedicada às divindades Peinticis e no outro uma inscrição que certamente se relacionará com esta, mas cuja leitura per-manece incompleta.

Deixando a inscrição propriamente dita, já exaustivamente debatida e estudada, e pensando em termos da sua integração nos vestígios arqueoló-gicos vizinhos, temos que considerar que estas inscrições se localizam num povoado fortificado que, por sua vez, se situa numa zona de confluência de linhas de água, a uma altitude de 291 m. À sua volta, há dois outros povoa-dos que se situam a uma altitude superior. Um deles, o Castelo povoa-dos Mouros, mesmo em frente a este, está a 404 metros e é já conhecido da bibliografia existente (Coelho, 1941, p. 391-392).

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106 JOÃO L INÊS VAZ

Um outro povoado foi por mim descoberto e situa-se no alto de uma quinta, a Quinta da Catainça, pelo que se passou a designar este povoado por "Povoado da Castainça" e está a 314 m., mais alto, portanto, que o dos Três Rios.

Em nenhum destes povoados há vestígios de romanização. Assim

sendo, ocorre perguntar: porque se manteve o povoamento apenas no Castro dos Três Rios, quando seria muito mais lógico que se mantivesse num povoado melhor defensável e melhor localizado como era o caso de qualquer um dos outros? Apenas nos parece haver uma explicação: os Três Rios eram o centro religioso dos clãs que habitavam aquela zona. Isto explica também a razão pela qual o cidadão Lucius Manlius, inscrito numa tribo atribuída a cidades do oriente, chegou aqui e venerou as divindades chamadas Peinticis: eram a divindade protectora do clã que se distribuía por aqueles povoados. um dos mais importantes da região ou mesmo o mais importante e ele pretendeu desde logo tornar propícios os seus deuses e, por

intermédio dos deuses, os homens.

Uma inscrição do castro dos Três Rios (Tondela-Viseu)

Outro aspecto importante a considerar é o ambiente envolvente dos penedos, dentro do próprio povoado. Os penedos estão virados sensi vel-mente a sudeste, sobre o ponto de encontro das três linhas de água que deram origem ao topónimo, no extremo oriental do povoado. Significará esta disposição alguma relação entre a di vindade e as linhas de água que passam no fundo? É provável que assim seja.

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SAXA SCRIPTA NA CNITAS DE VISEU 107

Mais curioso e mais importante são os degraus esboçados num penedo situado mesmo abaixo deste, num rochedo em que se encontram também implantadas duas pias. Parece-me que mais não poderá ser do que um rudimentar santuário ao ar livre. Depois da descoberta feita, há alguns anos, das estruturas de um templo no Castro da Mogueira, em S. Martinho de Mouros (Mantas, 1984), semelhante a Panóias, temos que pensar que os penedos com incrições votivas teriam estruturas mais ou menos monumen-tais onde se praticaria o culto. Nem todas as áreas sagradas seriam tão mo-numentais como as citadas, mas existiriam umas mais simples e outras mais complexas e é desta forma que devem ser encarados os rochedos votivos. Mesmo na região de Viseu haveria outros lugares com estruturas semelhantes. No chamado "Castro da Ucha", no concelho de S. Pedro do Sul, há num penedo que foi aplanado, vendo-se várias cavidades que poderiam ter a função de pias de sacrifício. O mato e os pinheiros que cobrem todo o povoado não permitem ver mais nada, mas é muito provável que algo mais exista.

Este povoado tem ainda outras semelhanças com o dos Três Rios: situa-se num zona interior em que outros montes dominam completamente este castro. Assim, também aqui apenas razões religiosas poderão explicar a manutenção deste povoado após a chegada dos romanos.

Deveremos, pois, concluir que a existência de um recinto sagrado junto dos penedos votivos parece ser uma evidência cada mais concreta.

No castro dos Três Rios existe ainda, pouco desviado do penedo das pias, um outro rochedo em que foram gravados vários sulcos com mais de 1cm. de profundidade que se entrecruzam formando uma curiosa rede. Estarão também eles relacionados com o culto a Peinticis ? Não podemos dar uma resposta concreta neste momento, nem sabemos se algum dia ela será possíveP.

Em relação à inscrição dos Três Rios, teremos ainda que ter em conta a cronologia a atribuir-lhe. Cremos que a inscrição datará dos inícios do séc. I d. C. podendo eventualmente estar relacionada com a fundação da civitas com capital em Viseu.

Esperemos que os trabalhos de arqueologia que proximamente ali se vão realizar tragam esclarecimentos para todas as questões que ainda se colocam. O penedo escrito de Lamas de Moledo, por seu turno, está isolado no meio de outros rochedos e de terrenos agrícolas. A epígrafe está colocada de lado, parecendo que o penedo foi rolado depois de ter sido escrito.

1 Aproveitamos para agradecer ao Dr. Luís Simões, geólogo e assitente na

Universidade de Coimbra, as valiosas elucidações que nos prestou a propósito destas gravações, confmnando-nos que não se pode tratar de riscos naturais mas que são artificiais.

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108 JOÃO L. INÊs VAZ

Depois da últimas interpretações (Vaz, 1984; Vaz, 1988, p. 353; Alarcão, 1989, p. 308; Curado, 1989, p. 352) e, sobretudo, depois da descoberta de outras dedicatórias a Crouga, não se pode duvidar de que trata de uma inscrição votiva.

Aqui, as divindades são Crouga Magareaicoi e Iovea Caielobricoi, às quais são feitas ofertas que desconhecemos por dois povos chamados Veaminicori e Petranioi ou Petravioi.

Se pensarmos em Iovea como uma variante local do Iupiter romano, restam-nos, recordadas nas inscrições rupestres da área da civitas, duas divindades: Peinticis e Crouga.

CrQuga conhece-se de outras epígrafes (Vaz, 1984, Curado, 1989, p. 370), mas Peinticis aparece apenas no Castro dos Três Rios.

Analisando etimologicamente os nomes, verificamos que o teónimo Peinticis ostenta o sufixo -icus, também presente no nome de quase todas as divindades da área, Crouga Nila-ico-s, Crouga Magarea-ico-s, Banda Oiliena-icu-s, Albucella-in-cus e Cosei Vaco-aicus assim como na maioria dos nomes de gentilidades ou centúrias da Península Ibérica (Albertos Firmat, 1975, p. 21).

É notável assinalar a sua presença nos epítetos e não no nome principal da divindade, o que nos leva a considerar estes epítetos como tópicos. Na área em estudo, apenas em Albucelaincus surge no nome da divindade. A existência deste sufixo provará, assim, a ligação da divindade a uma comunidade, mais ou menos vasta. No caso de Peinticis, cremos que o nome terá a ver com o nome da comunidade residente no castro dos Três Rios, só assim se compreendendo que sejam gravadas, num penedo situado dentro de muralhas, duas dedicatórias2

No caso da epígrafe de Lamas de Moledo, trata-se de divindades protectoras dos Magareaicoi e dos Caielobricoi, que se situavam em povoados fortificados próximos de Lamas de Moled03

2 Untennann, (1965, p. 12) considera a hipótese de o teónimo ser originário de um

nome pessoal, *Peintius, sendo o Castro dos Três Rios o «centro religioso (e, talvez, também, político) de uma família ou um clã».

Se tivennos em conta os muitos nomes de gentilidades e divindades originados a partir de antropónimos é perfeitamente plausível e mais do que provável aquela hipótese. Citemos, na Lusitânia, por exemplo, Arantio Tanginiciaeco (Encarnação, 1975, p. 74) ou Tritiaecio (Albertos Finnat , 1975, p. 59). Assim, parece de aceitar a hipótese de Untennann de que este castro poderia representar um centro religioso ou político de um clã.

3 Desenvolvemos abundantemente este tema em trabalho que apresentámos em

Santiago de Compostela, Algumas inscrições rupestres da Civitas de Viseu, comunicação ao Colóquio Saxa Scripta -III Colóquio Ibérico Itálico sobre Epigrafia Rupestre, a sair nas respectivas Actas (= Vaz, 1992).

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SAXA SCRIPTA NA C/V/TAS DE VISEU /09 Se a gravação dos Três Rios pode ser explicada por razões particulares, já em Lamas de Moledo serão razões de ordem colectiva que levaram à elaboração do monumento.

Certamente que tal se prende com um pacto firmado entre os dois

povos intervenientes e de que a inscrição representará a consagração e

sacralização. Isso poderá explicar também a presença de dois oficiantes, (Alarcão, 1989, p. 162-164) ou confirmantes (Vaz, 1988), provavelmente em representação da autoridade administrativa romana: o sancionamento e

aceitação do pacto por parte desta entidade. Por outro lado, este penedo situar-se-ia na fronteira entre eles e por isso se faz o sacrifício aos deuses naquele lugar4

. Será, assim, simultaneamente, uma sacralização das

fron-teiras e uma dedicatória aos deuses.

Há uma outra inscrição que tem sido considerada como votiva. Trata--se da inscrição "dedicada" a Paisicaicoeo. No entanto, as últimas revisões põem em dúvida O seu carácter votivo, sobretudo se pensarmos nas outras

inscrições localizadas nos arredores '.

lnscrição das Corgas Roçadas (Carvalhal de Vermilhas, Vouzela).

Perto desta inscrição localizada no sítio de Corgas Roçadas de Carvalhal de Vermilhas, existem outras três que são seguramente marcos divisórios.

4EmJulhode 1992, fizemos um estudada localização destes povos na comunicação

apresentada ao Colóquio referido na nota anterior, pelo que não vamos repetir aqui aque ali dissemos.

(10)

110 JOÃO L. INÊS VAZ

Localizam-se na serra do Caramulo, nas freguesias de Carvalhal de Vermilhas e Silvares. Foram todas publicadas por Amorim Girão (Girão, 1921, p.23-24), Rogério de Azevedo e Moreira de Figueiredo (Azevedo, 1955), e Encarnação (1975, p. 256-257). Recentemente, eu próprio pub-liquei mais uma inscrição e fiz a revisão da "dedicada" a Paisicaicoeo. (Vaz, 1992).

Epígrafe de Paisicaicoeo.

Temos, pois, quatro textos gravados em rochedos graníticos e próxi-mos.uns dos outros e na mesma região geográfica, vertente norte da serra do Caramulo.

Assim, penso que todos se devem poder classificar no mesmo tipo: delimitação de propriedades mineiras, individuais ou colectivas e divisão de águas e de povos.

(11)

SAXA SCRlPTA NA C/VITAS DE VISEU II]

Vista geral do penedo escrito de Silvares (Tondela).

A inscrição que se costuma designar como "Inscrição de Silvares",

localiza-se na divisão natural das redes hidrográficas. Na inscrição aí gravada pode ler-se AQV AE DIVERTIO. Trata-se do registo de um

acordo que três povos estabeleceram entre eles sobre a divisão das águas e a gravação de uma inscrição no local onde as águas se originavam, para que

não subsistissem dúvidas sobre o direito das águas.

Uma das faces gravadas do penedo de Silvares.

o

texto deveria assinalar ao mesmo tempo lima divisão dos próprios povos. Com efeito, de um lado vemos a cidade de Viseu e todo o seu

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112 JOÃO L. INts VAZ

território, caput civitatis et territorium, e do outro a vista estende-se sobre os terras até ao litoral. Esta localização e o tipo de divisão tripartida ali recordada explica também porque é que a inscrição foi gravada em três faces de um penedo e na parte superior do mesmo. As faces correspondem aos territórios de cada povo e a cada uma das bacias hidrográficas que ali se originam. A palavra TRI inscrita na parte superior aplanada do penedo corresponde a TRIFINNM.

As outras inscrições rupestres da Serra do Caramulo são marcos de propriedade mineira, sendo ponto assente que os romanos exploraram intensivamente a vertente norte da Serra do Caramulo. Esta região de Vermilhas e Carvalhal de Vermilhas ainda hoje aparece no cadastro das minas de Portugal como sendo uma região produtora de estanho. Ora, creio que isto já aconteceria na época romana.

Perto desta zona, encontram-se os vestígios de uma pequena represa de água a que não se pode atribuir seguramente qualquer época mas que poderia muito bem ser o que resta de uma construção romana. Com efeito, situa-se numa zona a que as pessoas dão o nome de "Casas" e perto da Lapa da Merugem, uma das antas mais monumentais do distrito de Viseu, ainda em óptimo estado de conservação. As pessoas de Carvalhal de Vermilhas e de Vermilhas dizem mesmo que neste sítio apareciam muitos fragmentos de cerâmica grossa. Ora, estes "cacos grossos" costumam ser as tegulae e imbrices com que se construíam os telhados romanos. No entanto, as ervas e mato rasteiro muito compacto que cobrem completamente os terrenos, não permitem que nada seja encontrado. Assim, a interpretação destas inscrições como marcos mineiros, parece-me a mais correcta.

Se o estudo da antiguidade é difícil, muitas mais dificuldades surgem quando se trata de perscrutar os sentimentos das pessoas, quer sejam de carácter individual ou colectivo; é o caso da religião como sistema organi-zado das crenças de uma sociedade ou expressão de sentimentos íntimos do indivíduo. E se é difícil o estudo da religião dos homens, mais difícil ainda se torna entrar em aspectos específicos da religião, como as inscrições vo-tivas em penedos ou determinar o papel que tiveram as forças ou coisas da natureza nos cultos romanos e indígenas.

Numa coisa parece que teremos que estar de acordo: a Natureza revestiu um papel importante na religião dos povos indígenas (Mantas,

1984, p. 361 e Blasquez Martinez, 1962, p. 39-40).

Outro aspecto que todos temos de reconhecer é que apesar das fortes tentativas de romanização e do alto grau por ela atingido, os cultos

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indíge-SAXA SCRlPTA NA CIVrrAS DE VISEU 113

nas não só não foram abandonados, como continuaram a ser praticados com a mesma força que tinham antes da chegada dos romanos.

Na área da civitas de Viseu, as divindades indígenas continuaram a ser adoradas ao lado das divindades romanas, sendo os próprios romanos que intervinham no culto e o praticavam à maneira indígena, mesmo sobre os penedos.

Uma questão que sempre se levanta a propósito das inscrições votivas gravadas sobre penedos é a existência ou não de santuários rupestres. Apesar de nada se poder afirmar em definitivo, parece, no entanto, que este será um ponto sobre o qual menos polémica terá que se levantar no futuro, ficando, ao invés, grandes dúvidas sobre o papel desempenhado pelo penedo em que gravavam as inscrições : "altar" ou "centro" de uma área sagrada (Blasquez, 1983, p. 231)?

Estes santuários, bem documentados, até agora, no território portu-guês desde a margem sul do Douro até ao Minho, tanto poderiam ser um "templo" construído sobre os rochedos como uma simples área sagrada (Silva, 1986, p. 300-301 e Blasquez, 1983, p. 231).

No entanto, teremos que estender a área mencionada mais para sul, uma vez que na civitas de Viseu se podem encontrar mais algumas estruturas que parece pertencerem a santuários.

Das inscrições rupestres da civitas ressalta ainda a importância das fronteiras e limites de propriedades marcados sobre os rochedos.

Ao estudar as epígrafes rupestres, não deverá nunca perder-se de vista que muitas vezes as inscrições votivas podem ser simultaneamente delimi-tantes e, por sua vez, uma fronteira é sempre algo de sagrado para o romano. Por último, e nunca é demais lembrá-lo, uma inscrição rupestre não deve ser estudada a se, mas integrada na ambiência arqueológica que a rodeia.

BILIOGRAFIA

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(15)

SAXA SCRlPTA NA CNITAS DE VISEU 115

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