• Nenhum resultado encontrado

O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador, c c. 1830

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador, c c. 1830"

Copied!
149
0
0

Texto

(1)

O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador,

c. 1680 – c. 1830

Alexandre Vieira Ribeiro

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino

Rio de Janeiro Março de 2005

(2)

O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador,

c. 1680 – c. 1830

Alexandre Vieira Ribeiro

Orientador: Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre em História Social.

Aprovado por:

___________________________________________ Manolo Garcia Florentino– Orientador

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) _______________________________________ Prof. Dr. João Luís Ribeiro Fragoso

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) _______________________________________ Prof. Dr. José Roberto Goés

Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) _______________________________________ Prof. Dr. Antônio Carlos Jucá de Sampaio (Suplente) Universidade Federal do Rio de Janeiro

_______________________________________ Prof. Dr. Marcos Morel

Universidade Estadual do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro Março de 2005

(3)

Ficha Catalográfica

RIBEIRO, Alexandre Vieira.

O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador (c. 1678 – c. 1830) / Alexandre Vieira Ribeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, PPGHIS, 2005.

xiii, 149f.: il; 31 cm.

Orientador: Manolo Garcia Florentino

Dissertação (Mestrado) – UFRJ/IFCS/ Programa de Pós-Graduação em História Social, 2005.

Referências Bibliográficas: ff. 135-44.

1 – Brasil. 2 – África. 3 – Sistema Atlântico. 4 – Comércio negreiro. 5 – Escravidão. I –Ribeiro, Alexandre Vieira. II – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de

Pós-Graduação em História Social. III – Título: O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador (c. 1678 – c. 1830)

(4)

Resumo

A presente dissertação oferece uma história econômica e social do tráfico de escravos entre a Costa da Mina, na África Ocidental, e o porto de Salvador no período de c.1680 a 1830, quando oficialmente acaba o tráfico de africanos para o Brasil. Além do aspecto transatlântico, ela oferece também uma abordagem da distribuição de escravos de Salvador para os demais mercados da América portuguesa. Para tanto, montou-se a mais longa série de viagens negreiras da historiografia brasileira e se estabeleceu os padrões dessa atividade mercantil em Salvador. Dessa forma, esta dissertação busca fornecer novos elementos para a melhor compreensão das conjunturas que envolveram o comércio de africanos entre a Costa da Mina e Salvador, destacando a importância da ligação comercial que unia essas duas áreas do Atlântico.

(5)

Abstract

This dissertation offers an economic and social history of the slave trade between Costa da Mina, in Western Africa, and the port of Salvador between c.1680 and 1830, when the slave trade to Brazil officially ended. Besides the transatlantic aspect, it also offers a study on the distribution of slaves from Salvador to other markets of the Portuguese America. In order to accomplish its purpose, a long-run graph of slave voyages was generated, becoming the longest one present in the Brazilian historiography; and patterns of Salvador’s slave commerce were drawn. Through this way, this dissertation intends to bring new elements to better understand the context that involved the African slave trade between Costa da Mina and Salvador, emphasizing the importance of the commercial ties that linked these two regions of the Atlantic.

(6)

Agradecimentos

Ao CNPq que financiou o primeiro ano de pesquisa e a FAPERJ por ter me agraciado com a bolsa nota 10 no meu último ano de mestrado, essenciais para a conclusão do trabalho.

Ao professor Manolo Florentino pela presença constante, paciente e sempre generosa de sua orientação, contribuíndo com sugestões e críticas pertinentes ao trabalho, fundamentais no desenvolvimento e no término da dissertação.

Ao professor João Fragoso pela contribuição de valiosas e proveitosas críticas e sugestões não só emitidas quando da qualificação deste trabalho, mas sempre que solicitado por mim.

Ao professor Antônio Carlos Jucá, por ter participado da qualificação deste trabalho com sugestões pertinentes e por ter me ajudado, na reta final, na leitura da documentação referente ao capítulo 4.

Ao professor José Roberto Góes por ter aceito participar da defesa deste trabalho. Ao colega de ofício Carlos Kelmer Mathias, ajuda fundamental para a formatação da dissertação.

Ao professor e também companheiro de laboratório Carlos Ziller pela ajuda indispensável na impressão da dissertação e pelos excelentes papos no LIPHIS.

Aos meus colegas de ofício do LIPHIS e do IFCS, que sempre me incentivaram, muitas vezes contribuíndo com dicas sobre a minha pesquisa.

Ao meu amigo Daniel Barros Domingues da Silva, fiel escudeiro, que desde o início deste trabalho me auxiliou no levantamento de fonte primária, ajuda indispensável; por ter semanalmente debatido comigo a historiografia africanista; e sempre, mesmo a distância, se fazer presente, lendo e fazendo comentários proveitosos para cada capítulo desta dissertação. Dani, muito obrigado!

A Juliana Beatriz, por estar ao meu lado, pelo apoio nas horas certas e incertas, por me proporcionar momentos de descontração e diversão nestes últimos tempos.

Por fim, aos meus pais César A. da Fonseca Ribeiro e Eliana Vieira Ribeiro ao carinho e amor incondicionais, fundamentais nesta minha trajetória.

(7)

Abreviaturas

AHU Arquivo Histórico Ultramarino

AHMS Arquivo Histórico Municipal de Salvador ANRJ Arquivo Nacional, Rio de Janeiro

APEB Arquivo Público do Estado da Bahia BNRJ Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro

MHB Museu Histórico das Bandeiras, Cidade de Goiás, GO

(8)

Lista de Gráficos, tabelas e mapas

Gráficos

Gráfico 1: Médias qüinqüenais de saídas de navios negreiros da Bahia para a África

(1678-1815) , produção de ouro (1700-1800) e da exportação de caixas de açúcar (1678-1767)...22

Gráfico 2: Médias Qüinqüenais de Entradas Estimadas de Escravos Africanos nos Portos

de Salvador (1678-1830) e Rio de Janeiro (1700-1830) ...27

Gráfico 3: Flutuações (%) da participação das áreas de procedência dos negreiros

aportados em Salvador, 1776-1824...56

Gráfico 3.1: Flutuações (%) da participação das áreas de procedência dos negreiros

aportados em Salvador vindos da África Ocidental, 1776 – 1824...57

Gráfico 3.2: Flutuações (%) da participação das áreas de procedência dos negreiros

aportados em Salvador vindos da África Central Atlântica, 1776 – 1824...59

Gráfico 4: Remessas anuais de escravos novos da Praça de Salvador diante das estimativas

do tráfico atlântico de escravos (1760-70)...102

Tabelas

Tabela 1: Estimativa da importação de escravos para o Brasil por região de origem

(1701-1810)...30

Tabela 2: Saídas de navios negreiros da Bahia para a África, de acordo à região africana

de destino, por grandes conjunturas (1678-1775)...54

Tabela 3: Concentração das empresas negreiras que atuavam em Salvador

(1788-1819)...75

Tabela 4: Taxas (%) de mortalidade nos navios negreiros provenientes da África que

atracaram nos portos do Rio de Janeiro e Salvador entre 1795 e 1830...88

Tabela 5: Duração média (em dias) da travessia entre a África e os portos do Rio de

Janeiro e Salvador, por região africana de embarque, 1803-1830...91

Tabela 6: Remessas anuais de escravos africanos (novos e ladinos) e crioulos de Salvador

(9)

Tabela 7: Remessas anuais de escravos africanos (novos e ladinos) e crioulos de Salvador

(1760-70)...101

Tabela 8: Flutuações na importação de escravos na capitania de Minas Gerais saídos da

Bahia e Rio de Janeiro (1739-1759)...106

Tabela 9: Remessas anuais de escravos africanos e crioulos por Províncias (1760-70)...108 Tabela 9.1: Remessas anuais de escravos novos por Províncias frente ao tráfico atlântico

(1760-70)...109

Tabela 10: Remessas de escravos africanos e crioulos por Províncias (1811-20)...115 Tabela 11: Flutuação sexual por ano dos escravos despachados (1811-20)...117 Tabela 11.1: Flutuação sexual por ano dos escravos despachados frente ao destino final

(1811-20)...118

Tabela 12

:

Concentração dos despachos e quantidade de escravos saídos de Salvador (1760-70 / 1811-20)...119

Mapas

Mapa 1: Costa do Ouro, Costa da Mina e Golfo de Biafra...52 Mapa 2 – Centro-Sul do Brasil, século XVIII...104

(10)

SUMÁRIO

Introdução...11

Capítulo 1. Conjunturas e flutuações do tráfico: sobre a demanda...19

O ouro impulsionando o tráfico (c. 1680 – c. 1720)...19

O declínio do tráfico e a estagnação da economia baiana (1718 – c. 1775)...23

A reorganização do tráfico e a expansão da economia açucareira...40

Capítulo 2. ... e a oferta...44

Debate historiográfico: o tráfico e a dinâmica na África...44

Costa da Mina: local privilegiado para o comércio baiano...49

A Bahia se fez presente na Costa da Mina...60

Capítulo 3. Os negócios negreiros na praça mercantil de Salvador...74

Concentração, especialização e sociedades...74

“Perdas em trânsito”...82

Capítulo 4. A terceira perna do tráfico: redistribuição ...95

A redistribuição de escravos caudatária do tráfico atlântico...95

Demografia dos escravos despachados (sexo, naturalidade e idade)...116

Concentração dos negócios da redistribuição...118

Considerações Finais...122

Anexo...124

(11)

Introdução

O estudo da escravidão teve e tem um papel fundamental nos percursos da historiografia brasileira. Tema nobre, sobre o qual vários e importantes intelectuais – em diversos contextos - se dedicaram, como Gilberto Freyre, que despontou nos anos 30, com seus estudos sobre as culturas constitutivas da formação social brasileira.1 As análises freirianas ensejaram estudos comparados entre os sistemas escravistas das Américas, explicitando, segundo alguns, o caráter benevolente do caso brasileiro em função do escravismo católico aliado ao patriarcalismo próprio do mundo ibérico, contraposto ao modelo implacável da escravidão protestante e ao capitalismo do mundo anglo-saxão colonial.2

As idéias de Gilberto Freyre ganharam o mundo. Seus livros foram traduzidos para diversas línguas, mas, entre nós, suas teorias começaram a ser questionadas principalmente na década de 60 pela Escola Paulista. Florestan Fernandes, Otávio Ianni, e Fernando Henrique Cardoso eram os líderes desta corrente de historiadores e sociólogos.3 Novas perspectivas históricas procuravam desmistificar a idéia de democracia racial e da leniência escravocrata, atribuídas a Gilberto Freyre, demonstrando o quanto era cruel a escravidão e poderoso o preconceito racial sobre o negro, além do reflexo deste sobre as populações afro descendentes no Brasil contemporâneo.

Em todo este percurso historiográfico o tráfico de escravos constituiu um tema pouco visitado. O comércio de homens foi abordado por Caio Prado Jr., Celso Furtado e Fernando Novais4 como um fator característico para a explicação da economia e da sociedade escravista colonial. O comércio de africanos foi entendido como um mecanismo fundamental para a reprodução da mão-de-obra escrava na América portuguesa – logo, enquanto uma atividade central do cálculo econômico escravista. Os historiadores clássicos pensavam que em fases A

1 Dentre outros trabalhos cf. FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Record, 2001.

2 A respeito deste debate cf. TANNEBAUM, Frank. Slave and citizen: the negro in the Americas. S/l, 1949; ELKINS, Stanley. Slavery: a problem in American institucional and intellectual life. Chicago: The University Chicago Press, 1968.

3 FERNANDES, Florestan. A organização social dos tupinambás. Brasília: Ed. UnB, 1989; IANNI, Octávio. As

metamorfoses do escravo. São Paulo: HUCITEC, 1998; CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

4 PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1977; FURTADO, Celso.

(12)

(de expansão) da empresa colonial ocorreria um crescimento do desembarque de africanos no Brasil, mas não conseguiram perceber que nas fases B (de retração) do mercado internacional os empresários coloniais poderiam aumentar o volume de importações com o objetivo de manter as margens de lucro (ganho por unidade exportada). Deste modo, o comércio atlântico de escravos era portador de grande potencial para enfrentar as conjunturas de baixa do mercado externo.5

A origem do tráfico direcionado à América portuguesa, para nossos clássicos, explica-se a partir da precedência da demanda em relação à oferta da mão-de-obra escrava no Brasil. A escassez de braços nativos para a produção colonial teria sido o fator determinante para que, ainda no século XVI, se iniciasse o fluxo de africanos para o continente americano. O único que destoa desta posição é Fernando Novais, para quem a alta lucratividade obtida com o tráfico justificaria a opção das empresas escravistas coloniais por adotar africanos nas lavouras.6

Caio Prado, Furtado e Novais entendiam também que a lógica mercantil tinha um caráter metropolitano, sendo o comércio negreiro um negócio estruturado e direcionado para os objetivos do capital comercial europeu. Nesta perspectiva, a própria reprodução do sistema econômico colonial seria exógena, uma vez que não só a mão-de-obra como também os recursos necessários para a montagem e funcionamento do empreendimento seriam exteriores à Colônia. O setor mercantil colonial se apresentaria totalmente atrofiado, com os plantadores no topo da hierarquia social.7

Sob hegemonia marxista ao longo dos anos 70, os estudos da escravidão passaram a se estruturar ao redor da noção de modo de produção escravista colonial, com destaque para os trabalhos de Ciro Flamarion Cardoso. Nessa linha, Jacob Gorender lançou seus primeiros estudos sobre escravidão, convertendo-se no maior crítico das teorias freirianas e da Escola Paulista.8 Para ele, o escravismo colonial nas Américas voltava-se para a produção comercial. Logo, eram as relações de produção que o definiam. Segundo ele, Freyre e os

pensamento brasileiro); NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: HUCITEC, 1983.

5 FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de

Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras,1997, p.25.

6 NOVAIS, op. cit., 1983, p. 105. 7 FLORENTINO, op. cit., 1997, pp. 26-7.

(13)

neopatriarcalistas enfocavam prioritariamente os escravos improdutivos, como os domésticos, negros de ganho, etc.

Em Gorender, as idéias defendidas pelos clássicos sobre o tráfico de escravos ainda prevaleciam. Contudo, a novidade nesse período foi uma pequena análise do papel desempenhado pelas sociedades africanas, ao longo de mais de três séculos, como fornecedoras de homens a baixos custos. Ciro Cardoso aborda, de modo sucinto, a heterogeneidade do continente negro e a violência como fator fundamental para a continuidade do comércio negreiro. 9 Gorender, por sua vez, destaca a atitude passiva de uma África heterogênea, portadora de uma oferta elástica de cativos, associada essa intrinsecamente à ânsia descontrolada dos europeus por braços escravos.10

No início dos anos 80, estudos como o de Kátia M. de Queiroz Mattoso e Stuart Schwartz11 vão propor uma nova abordagem sobre a escravidão brasileira. A preocupação desses pesquisadores vai recair sobre as experiências dos escravos no sistema escravista. A avalanche de críticas sofridas por Gilberto Freyre começa a ser relativizada. Um vasto campo de estudo se abriu. Para aqueles que tomavam o tema “escravidão” por esgotado, as décadas de 80 e 90 revelaram grandes surpresas. Novas pesquisas passaram a focalizar aspectos até então negligenciados pela historiografia, tais como a família, a escravidão urbana, religiosidade, festas, fugas e quilombos, o cotidiano da vida escrava no mundo luso-brasileiro - e o tráfico.

Deste período podemos citar os trabalhos sobre o comércio negreiro de Manolo

Florentino e Luís Felipe de Alencastro.12 O primeiro, a partir da imersão em fontes de natureza diversa, aborda questões inexploradas até então pela historiografia. Florentino percebe uma lógica inversa à elaborada por nossos clássicos. Em seus estudos acerca do Rio de Janeiro entre 1790-1830, demostra que os traficantes de escravos se localizavam no topo da hierarquia social da colônia, pois eram eles que comandavam dos portos brasileiros o comércio negreiro. Caracteriza a burguesia metropolitana como débil, incapaz de financiar atividades essenciais

9 CARDOSO, Ciro F. O modo de produção escravista colonial nas Américas. In: SANTIAGO, Théo (org.).

América colonial (Ensaios). Rio de Janeiro: Pallas, 1975, pp. 89-143;

10 GORENDER, op. cit., 1978, pp. 133-137.

11 MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988; SCHWARTZ, Stuart B.

Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.

12 FLORENTINO, op. cit., 1997; ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no

(14)

para sua reprodução parasitária, e que se voltava quase que exclusivamente para a alienação do produto final da economia colonial. Desta forma, a colonização lusitana prescindia de uma forte burguesia metropolitana, o que forjou a autonomia relativa da estrutura econômica colonial, possibilitando o surgimento de uma elite na colônia. Não foi à toa que os traficantes, que detinham a liquidez num sistema econômico de tipo arcaico (frágil divisão do trabalho; baixa circulação monetária; escassez de créditos), constituíam a verdadeira elite colonial.13

Florentino avança na questão, atentando para a face africana do tráfico, fato incomum na historiografia brasileira. Ele percebe o tráfico de cativos como um negócio afro-americano, que só pode ser compreendido se levarmos em consideração sua dinâmica desde o apresamento do escravo no interior africano até sua venda nos mercados da América portuguesa.14 Desta forma, Florentino ressalta que o tráfico, além de exercer um papel estrutural no Brasil, como agente reprodutor da dupla diferenciação social na colônia (senhor x escravo; livre x livre), desempenhava também função estrutural no continente africano a partir do fortalecimento político e econômico de grupos dominantes nativos; aumento e consolidação da diferenciação social entre indivíduos de um mesmo Estado e/ou entre etnias diferentes; além da expansão das relações escravistas nas próprias comunidades africanas, transformando o cativeiro tradicionalmente doméstico em mercantil.15

Já Alencastro realiza uma revisão bibliográfica do assunto, além de buscar uma perspectiva de especialização territorial para explicar o comércio entre as praças do Rio de Janeiro e Angola. Neste sentido, o projeto colonizador da metrópole portuguesa no atlântico sul visava criar economias complementares e não concorrenciais. Angola forneceria escravos como mão-de-obra para as plantations da América portuguesa, enquanto esta se encarregaria de suprir Portugal com produtos tropicais. O tráfico de escravos entre a África e a colônia americana seria um mecanismo de acumulação de capital por parte da comunidade mercantil metropolitana.16 Trata-se de uma posição contrária à de Florentino, para quem a comunidade

13 FRAGOSO, João & FLORENTINO, Manolo O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária

e elite mercantil no Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998, pp. 27-29.

14 FLORENTINO, op. cit., 1997, p. 209. 15 Idem, pp.101-2.

(15)

mercantil que se favorece com o comércio de africanos no atlântico sul estava estabelecida nas praças coloniais.17

Claro, para além dos trabalhos de Florentino e Alencastro podemos citar contribuições valiosas para a historiografia do tráfico, como os trabalhos pioneiros de Taunay, Luís Viana Filho e Verger.18 São estudos de grande fôlego, caracterizados pela compilação de documentos dos mais variados tipos, que se tornaram fontes inesgotáveis para os historiadores atuais. Contudo, tratam-se de obras carentes de uma análise mais profunda do papel desempenhado pelo comércio negreiro nas sociedades coloniais lusitanas na América e na África. No caso particular, a obra de Verger nos sugere diversas questões sobre o tráfico atlântico realizado na praça mercantil de Salvador, as quais essa dissertação procurou elucidar.

O Brasil foi a região da América que mais recebeu cativos enquanto perdurou o comércio negreiro. Duas cidade despontaram como principais sorvedouros de africanos: Rio de Janeiro e Salvador. Juntas chegaram a absorver 1/3 dos cativos importados no continente americano. Era preciso, pois, tentar apreender este volume de escravos conjugado as conjunturas destas duas sociedades.

Na colônia luso-brasileira, o comércio de cativos tornou-se a principal atividade mercantil, representando o instrumento essencial de reprodução física dos escravos e, por meio deles, da própria estrutura produtiva. O tráfico, pensado como um negócio, tornou-se um empreendimento importante na acumulação endógena de capital. Tratava-se de um negócio com estruturação e dinâmica empresariais próprias, associadas aos cálculos pré-industriais. Podemos supor que os traficantes de homens tornaram-se a própria elite colonial, uma vez que eles detinham a liquidez do sistema econômico.19

Do mesmo modo que o tráfico atlântico era influenciado pela demanda americana, a esfera da oferta, a partir de uma dinâmica interna ao continente africano, atuava nas taxas de flutuações desse comércio. A inserção de agentes externos à África pouco mudou o panorama da África pré-colonial. A escravidão estava enraizada em estruturas legais e institucionais das sociedades africanas, tal como o próprio comércio de cativos. A propriedade corporativa de

17 FLORENTINO, op. cit., 1997, pp. 9-10.

18 TAUNAY, Afonso de E. Subsídios para a história do tráfico africano no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1941; VIANA FILHO, Luís. O negro na Bahia: um ensaio clássico sobre a escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988; VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987.

(16)

terras na África levou a escravidão a ser uma instituição tão arraigada no continente africano, quanto a propriedade de terra o era na Europa. O escravo era a única forma de propriedade privada produtora de rendimentos reconhecida pelas leis africanas, única forma de se enriquecer, logo, a maneira pela qual se processava a diferenciação social no continente. Este sistema foi capaz de produzir diferenças não só entre os indivíduos como também entre nações e Estados africanos.20

As fontes utilizadas neste trabalho são na sua maioria documentação manuscrita, de caráter serial, praticamente invariável no tempo, que nos possibilita uma análise demográfica e econômico-social. Três tipos de documentos se destacam: os Alvarás para navegar em direção ao continente africano localizados no Códice 141 no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e em diversos volumes do Arquivo Público do Estado da Bahia; as listagens da chegada de navios negreiros no porto de Salvador que se encontram nos Códices 178.1, 182.1, 56.3 no Arquivo Histórico Municipal de Salvador e no jornal A Idade d’Ouro do Brasil, localizado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; os registros de despachos de escravos de Salvador para os diversos mercados regionais da América portuguesa que se encontram nos Códices 249 e 252 no Arquivo Público do Estado da Bahia. Toda essa documentação cobre um período que vai de 1678 a 1824. Para além da documentação quantitativa, foram levantadas fontes de base qualitativa, como correspondências administrativas; cartas comerciais; portaria e alvarás régios. A análise foi complementada pelo uso de uma vasta bibliografia constituída de fontes primárias impressa e trabalhos que discutiam assuntos afins. Esses foram extremamente importantes para a análise das sociedades africanas e para a comparação da atividade do tráfico em Salvador com outras praças mercantis.

As informações contidas nos alvarás para navegar e nas listagens de chegadas de navios vindos da África no porto de Salvador, nos possibilitou traçar o perfil de concentração dos negócios relacionados ao tráfico. Foi possível também estabelecer as principais rotas e fontes abastecedoras do mercado baiano. Do mesmo modo, conseguimos aferir as taxas de mortalidade a bordo e a duração das viagens, questões fundamentais para se apreender a lógica mercantil. Já os dados levantados nos livros de despachos da escravaria possibilitou apontar as

19 FLORENTINO, op. cit., 1997, pp.7-16.

20 Sobre a importância da escravidão nas sociedades africanas pré-coloniais cf. THORNTON, John. A África e os

(17)

rotas e as principais praças receptoras. Além disso, estabelecemos o padrão demográfico dos cativos despachados, aferindo o peso do tráfico atlântico nesse contigente, ou seja, a taxa de africanidade, bem como a proporção sexual.

Esse trabalho inicia-se com a análise das flutuações do comércio negreiro na praça mercantil de Salvador. Percebemos uma relação intrínseca do volume de escravos desembarcados no porto de Salvador com a economia colonial, principalmente no que tange a indústria açucareira baiana e a extração de metais preciosos na região de Minas Gerais. A partir de comparações feitas entre os movimentos comerciais escravistas no Rio de Janeiro e em Salvador transparece a concorrência nas quais a praça carioca e abaiana estavam inseridas na busca por mercados consumidores, ao longo do século XVIII.

No Capítulo 2 procuro analisar o grande vínculo desenvolvido entre os negociantes da Bahia e os africanos da Costa da Mina. Esta relação foi construída ao longo de muitos anos, mediante um fluxo mercantil intenso na forma de trocas de produtos baianos por escravos; relações pessoais desenvolvidas pelos traficantes baianos em território africano; presença institucional portuguesa sob organização dos homens de negócio e governo de Salvador. Ao longo da análise tentei mostrar o grau de dependência da sociedade baiana com o comércio desenvolvido na Costa da Mina. Outro ponto abordado neste texto foram as conjuntura da política na Costa da Mina. Procuro relacionar os movimentos de instabilidade e lutas armadas que ocorriam nos Estados africanos com o tráfico de cativos. Ora percebendo tais conflitos como fatores do aumento do número de escravos exportados, ora como desestabilizadores de tal comércio em portos da Costa da Mina.21

O terceiro capítulo analiso o tráfico enquanto um negócio colonial, traçando os perfis de investimento e concentração desta atividade. Estabeleci, mais uma vez, uma comparação com o comércio escravista carioca. Uma segunda parte deste capítulo é representado pelo estudo dos riscos das expedições como a mortalidade nos navios negreiros; o roubo; a pirataria, aquilo que viemos chamar de “perdas em trânsito”, numa perspectiva paralela entre a Bahia e o Rio de Janeiro. As comparações entre as duas principais praças mercantis do litoral

(18)

da América portuguesa estão focadas entre os anos de 1796 a 1830 devido às limitações das fontes disponíveis.22

O quarto capítulo se constitui daquilo que denominamos de “terceira perna do tráfico atlântico”. Trata-se da redistribuição de cativos a partir de Salvador para os mercados regionais da América portuguesa. Talvez esse capítulo seja o que mais se ressinta de uma discussão historiográfica. A idéia foi apenas a de apontar algumas questões a partir de fontes até então pouco utilizadas pelos historiadores. A análise aborda os negócios envolvidos na redistribuição de escravos em duas décadas (1760-70; 1811-1820) tentando observar os padrões, comparando-os com os detectados no comércio escravista atlântico. Observamos as concentração, rotas de atuação e praças consumidoras dos cativos tentando conjugar com as conjunturas econômicas locais. Sugerimos que os despachos possam apontar os padrões do comércio interno de cativos na América portuguesa. Um trabalho mais intenso sobre este tema fica prometido para um futuro próximo.

22 Parte da reflexão deste capítulo aparece em FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre Vieira; SILVA, Daniel Domingues da. “Aspectos comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (séculos XVIII e XIX)”. In: Afro-Ásia, n.º 31, Salvador: UFBA, 2004, pp. 83-126

(19)

Capítulo 1 - O Tráfico e a Conjuntura: sobre a demanda

O ouro impulsionando o tráfico (1690-1717)

O açúcar foi o principal produto na pauta de exportação da América portuguesa durante todo o período colonial. Despontavam como pólos de produção desta mercadoria as Capitanias de Pernambuco e, principalmente, a da Bahia. A estrutura econômica baiana, desde o início da colonização, estava baseada na produção e venda de açúcar para o mercado externo. A economia baiana, mesmo tendo problemas como a política fiscal e comercial portuguesa, teve um desempenho relativamente bom durante o século XVII, com os preços do açúcar altos o bastante para permitir que os lucros dos senhores de engenho pudessem compensar os custos com a compra de escravos da África, tarefa da qual o Estado português se eximia de qualquer responsabilidade, e que era item primordial nas despesas dos produtores de açúcar.23

Na década de 1680, ocorreu uma drástica baixa no preço do açúcar brasileiro, enquanto os custos se elevavam. Tal fato estava relacionado ao surgimento de colônias produtoras de açúcar localizadas nas Antilhas ocupadas por franceses, ingleses e, principalmente, holandeses. Destes locais os europeus passaram a suprir seu mercado interno, reduzindo a participação do açúcar brasileiro em suas praças comerciais.24 Se na década de 1630, cerca de 80% do açúcar comerciado em Londres era de origem brasileira, por volta de 1670, essa participação caiu para 40%, chegando no ano de 1690 a apenas 10%.25 Com o fomento da fabricação açucareira em escala mundial, os produtores brasileiros foram perdendo a sua capacidade de lidar com a queda do preço deste produto no mercado internacional. A concorrência da indústria de açúcar das Índias Ocidentais prejudicou seriamente a economia colonial do nordeste da América portuguesa.26 Uma grande parte do setor açucareiro pernambucano foi destruído, levando muito tempo para se recuperar. Mesmo a Bahia, que

23 SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial1550-1835. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p.147.

24 idem, ibidem. 25 idem, p. 162.

(20)

continuou a crescer, não vivia mais a era dourada de outros tempos, em conseqüência da queda do preço do açúcar e da redução dos mercados exportadores.27

Muito provavelmente, nos momentos de baixa no mercado internacional (fase B do Kondratieff europeu), os produtores brasileiros devem ter procurado aumentar a produção e o volume de açúcar, em números absolutos, na tentativa de manter a margem de lucro que obtinham nos momentos de alta do preço (fase A do Kondratieff europeu).28 Esta estratégia contra crise de preços só se manteria ao longo do tempo enquanto a remuneração cobrisse os gastos com a produção. No caso específico da economia escravista brasileira, o limite seria o valor de compra do escravo, o principal agente na reprodução econômica.29 Neste ponto

começava o drama baiano.

Com o crescimento da produção de açúcar nas Antilhas, aumentou-se nesta região a demanda por mão-de-obra escrava. Com efeito, o novo mercado para o braço africano tendeu a elevar o preço do cativo tanto no continente africano quanto no Brasil, espremendo ainda mais os lucros dos plantadores. O valor do escravo, que já era alto devido a procura das ilhas caribenhas, tornou-se exorbitante em decorrência da necessidade de braços nas recém descobertas zonas mineradoras brasileiras.

A descoberta do ouro por grupos de paulistas, no interior da América portuguesa, região hoje conhecida como Minas Gerais, ocorrida em algum momento entre os anos de 1693-1695,30 gerou um aumento na demanda por escravos no Brasil, propiciando um incremento na partida de negreiros a partir do porto de Salvador (cf. gráfico 1). Logo a Bahia tornou-se o centro abastecedor de mão-de-obra da região aurífera. O gráfico 1 mostra a curva de saídas de negreiros da Bahia acompanhando o aumento da produção mineradora até o lustro de 1713-17.

Os negociantes da Bahia, desde o início da mineração, perceberam a oportunidade de grandes lucros, uma vez que nas regiões mineradoras o preço de venda do cativo era bem superior ao de Salvador e à área do Recôncavo baiano. Além disso, recebiam em ouro pela venda dos escravos, enquanto os senhores de engenho da Bahia pagavam a esses traficantes

27 idem, ibidem.

28 ARRUDA, José Jobson de. A. O Brasil no comércio colonial. São Paulo: Ática, 1980, pp. 102-15.

29 FLORENTINO, Manolo, Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de

Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, pp. 77-78.

(21)

com açúcar, muitas vezes comprometendo a safra seguinte.31 Os senhores de engenho passaram a queixar-se da falta de mão-de-obra. A Coroa resolveu intervir delimitando o número de escravos que podiam ser remetidos para as áreas mineradoras com o alvará de 1701.32 Logo esta legislação mostrou-se ineficiente. Muitos baianos, principalmente os comerciantes negreiros, argumentavam que alguns escravos não serviam para trabalhar na lavoura e deveriam ser disponíveis para a venda às minas. Mais forte que o temor da lei era a ganância dos comerciantes baianos em lucrar com as lavras de ouro.

Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 61. 31 SCHWARTZ, S., op. cit., 1999, p. 166.

32 APEB, col. ms., Ordens Régias de 20-1-1701. Este alvará estipulou que os paulistas só podiam adquirir duzentos cativos de Angola por ano comprados no porto do Rio de Janeiro.

(22)

Gráfico 1: Médias qüinqüenais de saídas de navios negreiros da Bahia para a África (1678-1815) , produção de ouro (1700-1800) e da exportação de caixas de açúcar (1678-1767) 33

0 5 10 15 20 25 30 35 1678-1682 1688-1692 1698-1702 1708-1712 1718-1722 1728-1732 1738-1742 1748-1752 1758-1762 1768-1772 1778-1782 1788-1792 1798-1802 1808-1812

Número de Viagens de Negreiros e Número de caixa

s de açucar (mil) 0 5 10 15 20 25

Produção de ouro (ton.)

Negreiros Produção Aurífera Caixas de açúcar

Fontes: Anexo 1; SCHWARTZ, Stuart, Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade

colonial, 1550-1835. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, apêndice C, pp. 403-4; PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português: uma contribuição aos estudos da economia atlântica no século XVIII. São Paulo: Companhia Ed. Nacional, 1979, p. 114.

33

O gráfico 1 foi elaborado a partir dos Alvarás e Fianças para navegar partindo de Salvador, para montar as freqüências de viagens de navios negreiros; do livro de Schwartz, para montar a curva de exportação de açúcar; e de Virgílio Noya Pinto, para estabelecer a flutuação da procução de ouro. Este gráfico está fundado em médias qüinqüenais que cobrem um período de quase 140 anos. Obviamente, dada a disposição dos dados, o último intervalo (1813-15) está composto de apenas três anos. Os números relativos as caixas de açúcar e a produção aurífera seguiram a mesma periodização.

(23)

O valor de um escravo do sexo masculino de primeira qualidade girava em torno de quarenta a sessenta mil réis até a década de 1690. Nos primeiros anos da mineração o preço do cativo subiu até atingir a cotação de cem mil réis no ano de 1710, chegando ao ano de 1723 ao preço de duzentos mil réis!34 A necessidade de mão-de-obra nos campos auríferos inflacionou o preço do cativo no agro baiano.

Embora existisse terra em abundância tornava-se escasso o elemento reprodutor da empresa açucareira, o escravo. No ano de 1702 foram enviados para Portugal 507.609 arrobas de açúcar baiano sendo de 249 produtores diferentes dos quais calcula-se que 100 fossem lavradores não proprietários de moendas.35 A Bahia remeteu anualmente para o reino 507.500

arrobas de açúcar produzidos em 146 engenhos, segundo cálculos feitos por Antonil ao final do primeiro decênio do século XVIII.36 Em 1720 a produção caiu para cerca de 420.000 arrobas. Portanto, podemos sugerir que o tráfico baiano procurava desviar a oferta de escravos para as regiões mineradoras em expansão, em detrimento da empresa açucareira nordestina.

O declínio do tráfico e a estagnação da economia baiana (1718-1787)

O comércio de africanos para Salvador começou a apresentar sérias dificuldades no final da segunda década do século XVIII. Com o preço dos escravos no Brasil bastante alto, devido à demanda na região mineradora, um grande número de comerciantes baianos passou a se dedicar a tal empreendimento, gerando uma enorme concorrência e inflacionando o preço dos escravos nos portos de venda na África. Em 1714, o diretor do forte francês de Saint-Louis de Grégoy, e o diretor do forte inglês William, ambos em Ajudá, reclamavam que o grande número de navios vindos do Brasil estava arruinando o comércio de escravos nesta região africana.37 Ademais, outro fator que contribuiu para a elevação do preço do cativo nos mercados africanos foi a necessidade de mão-de-obra sentida também nas áreas de produção de açúcar do Caribe, já reestruturadas após as guerras européias (Guerra do rei Guilherme – 1689/97 e Guerra de Sucessão Espanhola – 1701/13).

34 SCHWARTZ, S., op. cit., 1995, p. 167. 35 Idem, p. 149.

36 ANTONIL, André João, Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1976., p.140. Segundo Antonil foram exportados para Portugal 14.000 caixas de açúcar.

37 Carta do diretor do forte francês Saint-Louis de Grégoy (em Uidá), Du Coulombier, em 22 de março de 1714, a seus chefes da Companhia das Índias em Paris, apud, VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo: do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, p. 129.

(24)

De alguma forma, esses problemas podiam ser minorados pelos traficantes baianos com a venda dos escravos nas zonas mineradoras a um preço bem alto. O valor exorbitante e a forma com que os mineiros pagavam (em ouro) era a garantia de obtenção de lucro por parte dos negociantes da Bahia, por mais difícil que estivesse o comércio entre Salvador e a Costa da Mina. Contudo, a primazia dos baianos no fornecimento de mão-de-obra para os campos auríferos sofreu um impacto negativo quando da inserção dos comerciantes cariocas nesta atividade, facilitada pela abertura do “caminho novo”, encurtando o tempo de viagem entre o porto carioca e os veios auríferos.38 Com o incremento da mineração, o eixo econômico da América portuguesa se deslocou para a região sudeste. Os comerciantes cariocas passaram a desempenhar um papel estratégico na condução dos negócios mineiros, devido às relações privilegiadas com a região.39 Para além do comércio de escravos, o Rio se fortaleceu e sobrepujou a Bahia, por ter se tornado o pólo abastecedor de um crescente mercado consumidor. Antônio Carlos Jucá Sampaio, estudando o desenvolvimento da economia fluminense na primeira metade do século XVIII, apontou que nos contratos dos caminhos40 do Rio de Janeiro para as minas, no ano de 1727, o valor atingido foi de 25 arrobas enquanto o caminho da Bahia foi arrematado em 20,5 arrobas.41 A importância do porto carioca para a economia portuguesa é atestada quando corsos franceses atacam a cidade nos anos de 1711-12. O Rio deixava de exercer um papel secundário e tornava-se a principal cidade da América portuguesa.

Além das fortes concorrências, tanto das Antilhas nos portos de venda de africanos, quanto do Rio de Janeiro no mercado consumidor mineiro, incidentes entre a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais e os negociantes baianos estavam prejudicando as relações comerciais entre Bahia e Costa da Mina. Muitos navios brasileiros estavam sendo apreendidos e saqueados por galeras holandesas próximo ao litoral africano. As expedições tornavam-se

38 Partindo do Rio de Janeiro podia se iniciar o caminho novo por via marítima indo até o porto de Nossa Senhora do Pilar (futuro porto da Estrela) e de lá subindo o rio Morobaí que levava ao pé da serra que liga o Rio de Janeiro à Minas Gerais ou por via terretre via Irajá, chegando também ao pé da serra. Sobre o roteiro do “caminho novo” para as minas ver mais em ANTONIL, André João, op. cit., 1976, pp.184-6.

39 SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá. “Os homens de negócio do Rio de Janeiro e sua atuação nos quadros do Império português (1701-1750)”. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 75.

40 Esses contrato referiam-se a taxas pagas pelas mercadorias que iam para as regiões mineradoras, cobradas em registros existentes ao longo do trajeto, semelhantes a uma alfândega.

(25)

cada vez mais arriscadas, gerando uma expectativa menor de sucesso para as empresas envolvidas. Ao iniciar a década de vinte inverteu-se a tendência de crescimento das saídas de negreiros de Salvador observadas nas primeiras décadas do século. Entre os anos de 1708-1712 o número médio era de aproximadamente 25 expedições realizadas por ano, total que subiu para uma média anual de 30 no lustro de 1713-1717. No qüinqüênio seguinte (1718-1722) essa média caiu para 20 chegando a apenas 10 partidas anuais no período de 1733-1737 (cf. Gráfico 1).

Com os códices encontrados no Arquivo Histórico Municipal de Salvador (AHMS), que registram as visitas de equipes de saúde em embarcações vindas da África,42 pude levantar

o total de africanos desembarcados em cada aportagem para os períodos de 1776 - 1780/81 – 1789/98 - 1803/10 – 1822/24. As estimativas para os anos de 1782 a 1787, não contemplados na documentação foram obtidas a partir da média dos anos de 1781 e 1788. Já para os anos de 1799 a 1802, também ausentes nos registros, as estimativas foram conseguidas a partir da média dos anos de 1798 e 1803. Para o período de 1812 e 1830 utilizei as estimativas anuais de Goes Calmon.43 Estabeleci uma estimativa para o ano de 1811 cruzando os dados de 1810 e 1812. Baseado nestes dados estabeleci a média de desembarque por tipo de navio, informação presente em quase todos os registro de entradas de negreiros em Salvador.44 Utilizei as médias obtidas neste período para os anos anteriores, para os quais só encontrei as partidas de Salvador - por exemplo, estimei em 229 o número de escravos desembarcados para cada sumaca ou patacho saídos antes de 1776. Com isso foi possível estabelecer em 807.295 o número de africanos recebidos pelo porto de Salvador para o período de 1678 a 1830.45 A quantidade de cativos originários da África aportados no Rio de Janeiro foram obtidos a partir das estimativas de Nireu Cavalvante e Manolo Florentino, chegando a um total de 1.262.242 para o período de 1700 a 1830.46 Segundo Philip Curtin, entre 1701 e 1830, o continente americano recebeu cerca de 6.951.800 africanos. Deste total, 2.483.200 (35,7%)

41 SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá, op. cit., 2001, p. 76. 42 AHMS, Códices 178.1 (1780-1798) e 182.1 (1803-1810).

43 CALMON, F. M. Goes. Ensaios sobre o fabrico do açúcar. Rio de Janeiro, 1834.

44 As médias para cada tipo de navio foram: balandra = 94; bergantim = 282; brigue = 334; brigue-escuna = 245; chalupa = 101; charrua = 207; curveta = 339; escuna = 297; galera = 424; lancha = 29; navio = 333; paquete = 202; patacho = 229; sumaca = 229

45 Cf. Anexo 2. 46 idem

(26)

desembarcaram na América portuguesa - 1.262.242 via Rio de Janeiro (50,8%) e 755.087 (30,4%) pelo porto de Salvador.47 Juntos, os portos baiano e carioca foram responsáveis por quase 1/3 (2.017.329) dos desembarques de africanos na América entre 1700 e 1830.

Observando o gráfico 2 podemos perceber que o movimento de escravos africanos no porto de Salvador reflete a queda das partidas de negreiros a partir do final da segunda década do século XVIII enquanto que no Rio de Janeiro notamos uma oscilação contrária com tendência de alta que perdurou até os últimos dias da legalidade do tráfico. Rio e Salvador disputavam o mesmo mercado consumidor de mão-de-obra na primeira metade do século XVIII, representado majoritariamente pela região das Gerais. Entre os períodos de 1718 a 1748 as quedas no tráfico carioca representavam contrariamente um aumento do tráfico baiano, e vice-versa, tal qual um espelho invertido. A partir da metade do século XVIII, os movimentos de entradas nos dois portos seguiram tendências parecidas, apenas o porto carioca apresentando um volume maior.

47 Anexo 2; CURTIN, Philip D. The atlantic slave trade: a census. Madison: Wisconsin University Press, 1969, pp. 216 e 235.

(27)

Gráfico 2: Médias Qüinqüenais de Entradas Estimadas de Escravos Africanos nos Portos de Salvador (1678-1830) e Rio de Janeiro (1700-1830)

1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 1678-1682 1683-1687 1688-1692 1693-1697 1698-1702 1703-1707 1708-1712 1713-1717 1718-1722 1723-1727 1728-1732 1733-1737 1738-1742 1743-1747 1748-1752 1753-1757 1758-1762 1763-1767 1768-1772 1773-1777 1778-1782 1783-1787 1788-1792 1793-1797 1798-1802 1803-1807 1808-1812 1813-1817 1818-1822 1823-1827 1828-1830 Desembarques de escravos

Salvador Rio de Janeiro

(28)

A diminuição dos dias de viagem entre o porto do Rio de Janeiro e os veios auríferos possibilitou uma redução nos custos das empresas traficantes cariocas responsáveis pela redistribuição dos cativos no interior do Brasil. Fazia-se com ¼ de tempo do caminho antigo o novo percurso possibilitando um incremento no número de viagens dos vendedores de cativos e a diminuição de mortes de escravos ao longo do trajeto. A rotação do capital se dava de forma mais rápida aumentando a lucratividade dos comerciantes cariocas. Estes homens de negócio voltavam ao porto do Rio de Janeiro vorazes por mais braços africanos frente a alta rentabilidade obtida com as venda de cativos no interior. Este aumento da demanda proporcionou um incremento no tráfico atlântico e, conseqüentemente, do volume de escravos importados pelo porto do Rio de Janeiro. A partir do gráfico 2 notamos que enquanto a média anual de escravos desembarcados no lustro de 1718-1722 foi de 4.200 para o período de 1733-1737 esta média atingiu 8.400. As entradas de africanos na praça mercantil carioca dobraram em vinte anos. Já o tráfico baiano seguiu uma tendência inversa no mesmo período. Se entre os anos de 1718-1722 o número de cativos desembarcados em Salvador era de 6.000 por ano, no qüinqüênio de 1733-1737 caiu para 2.900. Em vinte anos a Bahia viu seu volume de importação de escravos cair pela metade, além de perder para o Rio de Janeiro a primazia do tráfico atlântico. Nunca mais a Bahia conseguirá recuperar o posto de principal praça abastecedora de mão-de-obra para a América portuguesa.

A partir da tabela 1 notamos que o movimento de entrada de escravos no Brasil vindos da região da Costa da Mina, principal parceira da Bahia na África, foi suplantado definitivamente na década de 30 pela região de Angola, principal parceira do porto do Rio de Janeiro.48 Se nas três primeiras décadas do século o comércio com a zona ocidental da África representou cerca de 60% de todos os escravos exportados para o Brasil, no decorrer do século esse percentual vai ser reduzido continuamente chegando na década de 80 à marca de apenas 14%! É significativo notar que é justamente nos últimos anos desta década que se iniciou a recuperação do tráfico entre o porto de Salvador e a Costa da Mina. Os números referentes ao último decênio do Setecentos (24%) e ao primeiro do Oitocentos (27%) nos mostram a recuperação da importação de escravos da África Ocidental para a América portuguesa.

48 Das 21 fianças concedidas a comerciantes fluminenses para resgatarem escravos na África, 33 eram direcionadas para Angola e apenas 2 para a Costa da Mina. ANRJ, Códice 157, vols. 1 a 3.

(29)

Em contrapartida, a participação da região Congo-Angola no abastecimento de braços para o Brasil seguiu um movimento inverso ao da zona ocidental africana. Se nos primeiros trinta anos a quantidade de escravos da região desembarcados na colônia representava cerca de 40%, esse percentual na década dos anos 30, salta para 66%, continuando em ascendência, chegando no decênio seguinte a marca de 70%. Tal escalada no número de cativos vindos da região centro-ocidental africana se deveu a sua relação comercial com a praça do Rio de Janeiro que a partir da segunda década do século XVIII começou a abastecer as regiões mineradoras no Brasil, tomando um lugar que antes era ocupado pela Bahia. Com o aumento da demanda mineira, aumentou também o número de navios que partiam para Angola na busca de africanos.

Como podemos observar na tabela 1, após a década de 30, o número de escravos desembarcados no Brasil com origem na região Congo-Angola nunca será inferior ao da Costa da Mina. Dos cerca de 1.891.400 cativos exportados para a América portuguesa, 1.285.900 (68%) vieram da primeira região, enquanto 605.500 (32%), eram da parte ocidental do continente africano. A África centro-ocidental no século XVIII se consolidou como principal fonte abastecedora do Brasil, via Rio de Janeiro.

Contudo é importante apontar que, embora estivesse em declínio, o tráfico baiano não deixou de existir. As levas de negreiros continuavam a aportar em Salvador de onde se remetiam os escravos para as minas cada vez mais àvidas por mão-de-obra. Embora não fosse mais o mercado preferencial e estratégico da reposição de cativos, atividade que o Rio de Janeiro passou a desempenhar, a Bahia exercia um papel complementar da demanda mineira. Era preciso sempre e mais africanos. Os angolas eram insuficiente para abastecer um mercado insaciável.

(30)

Tabela 1 - Estimativa da importação de escravos para o Brasil por região de origem (1701-1810)

Década Da Costa da Mina % De Angola % Total

1701-10 83.700 55 70.000 45 153.700 1711-20 83.700 60 55.300 40 139.000 1721-30 79.200 54 67.100 46 146.300 1731-40 56.800 34 109.300 66 166.100 1741-50 55.000 30 130.100 70 185.100 1751-60 45.900 27 123.500 73 169.400 1761-70 38.700 23 125.900 77 164.600 1771-80 29.800 18 131.500 82 161.300 1781-90 24.200 14 153.900 86 178.100 1791-1800 53.600 24 168.000 76 221.600 1801-10 54.900 27 151.300 73 206.200 Total 605.500 32% 1.285.900 68% 1.891.400

Fonte: CURTIN, Philip D. The atlantic slave trade: a census. Madison: Wisconsin University Press, 1969, p. 207.

(31)

Atento a crise que se desenhava com o desaquecimento do tráfico na Bahia, o vice-rei do Brasil, Conde de Vimieyro, em 1718, chegou a enviar para a corte de Lisboa uma proposta para impedir, durante um ano, que navios brasileiros fossem fazer comércio com os africanos da Costa da Mina, a fim de provocar um desentendimento desses com os holandeses, pela falta de tabaco baiano. Isto resultaria numa reaproximação dos negros da dita Costa com os portugueses, e na expulsão dos holandeses. A proposta não foi aceita pelo rei, entendendo que a ausência de navios portugueses na Costa da Mina iria ocasionar uma maior aproximação entre os africanos desta região com os holandeses. Além disso, tal proposta não era de interesse dos negociantes baianos, pois eles defendiam que os escravos da Costa da Mina eram mais procurados para trabalhar nas minas e nos engenhos do que os de Angola, que mais facilmente morriam e suicidavam-se.49 Finalmente, essa idéia foi descartada com a posse do novo vice-rei do Brasil, Vasco Fernandes César de Meneses (futuro conde de Sabugosa), em 1720.

As conturbações políticas pelas quais passavam os portos na Costa da Mina, bem como a subjugação do comércio português em relação aos batavos fizeram com que a coroa lusa tomasse algumas providências. Em Lisboa, no ano de 1731, o Conselho Ultramarino ressuscitou o plano sugerido pelo conde de Vimieyro, proibindo a navegação comercial saindo de Salvador em direitura à Costa da Mina e instruindo para que fossem fazer o resgate de escravos em portos portugueses na África. Além disso, a proposta consistia também na idéia da criação de uma Companhia de Comércio. O vice-rei respondeu a Lisboa, baseado numa requisição dos próprios comerciantes baianos que se opunham a qualquer modificação no tráfico de escravos.50 Eles apontavam que antes de partir para fazer comércio com outros portos na África era preciso conhecer a oferta desses lugares, pois afirmavam que a soma de escravos que vinham da Costa da Mina anualmente (cerca de 11 mil) com os trazidos de Angola (aproximadamente 7 mil que eram divididos entre Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco), perfazia um número ainda insuficiente de braços para atender a demanda baiana. Além dos bantos de Angola serem considerados inferiores aos africanos sudaneses, não havia possibilidade imediata de se aumentar a oferta de escravos na região angolana, pois

49 Carta do vice-rei, Dom Sancho Faro, conde de Vimieyro, enviada para Lisboa, em 27 de novembro de 1718,

apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p.63.

(32)

para isso fazia-se necessário explorar melhor a região de Loango. Contudo, neste local, sem defesa alguma, os navios ficavam expostos às ações de piratas e navios estrangeiros, principalmente de embarcações holandesas. Lembravam também que duas expedições, iniciadas em Salvador e no Rio de Janeiro em direção a Madagascar e Moçambique, fracassaram, causando prejuízos vultosos para os sócios da empreitada. Expunham ainda que as praças de Cachéu e de Cabo Verde possuíam baixa oferta de escravos, motivo pelo qual não se direcionava para esta área, há mais de 15 anos, nenhum navio da Bahia. Eles ainda argumentavam que se todos esses problemas fossem de alguma forma minimizados, possibilitando uma maior entrada de escravos na Bahia, restaria uma última questão de difícil equalização: o que fazer com a produção de tabaco de terceira qualidade cujo mercado consumidor era a Costa da Mina? Sem o comércio com esta região, os lavradores de fumo seriam arruinados e nenhum outro agricultor se aventuraria no cultivo de tal produto para aproveitar apenas o tabaco de primeira e segunda qualidades. Perderiam os plantadores, os comerciantes e até mesmo a fazenda real, pois esta deixaria de recolher os direitos de produção e comercialização deste gênero.51

Além disso, os comerciantes de Salvador não queriam a criação de uma companhia de comércio que ficasse sob o controle do reino, pois todas as classes da Bahia participavam de alguma forma, direta ou indiretamente, do comércio de escravos, evidenciando que a transferência das relações comerciais para uma companhia monopolista de Lisboa iria levar à ruína a sociedade de Salvador.52 O que estava em jogo nesta disputa entre a Coroa e a Bahia era a dissolução de laços políticos-econômicos desenvolvidos entre os comerciantes baianos e os da Costa da Mina. O panorama previsto pelos negociantes baianos, endossado pelo vice-rei do Brasil, com o fim do comércio entre a Bahia e a Costa da Mina, era de um grande prejuízo para a colônia, focalizando, assim, certa dependência da economia brasileira em relação ao mercado de escravos da Costa da Mina.

Apesar da intervenção do vice-rei, em 1731, foi votada uma lei em Portugal no qual ficava proibido que embarcações portuguesas mantivessem relações comerciais com os holandeses no Castelo de São Jorge da Mina ou em qualquer outra parte do continente

cit., 1987, pp. 73-4.

51 Carta do vice-rei para Lisboa em 3 de março de 1731., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 74, nota 63. 52 Relatório de Antônio Cardoso da Silva, na qualidade de procurador dos negociantes baianos , em 7 de janeiro

(33)

africano, aconselhando que os navios se dirigissem aos portos portugueses na África.53 As relações luso-holandesas estavam completamente deterioradas. Não surtiram efeito as negociações diplomáticas conduzidas pelo embaixador português, D. Luís da Cunha, que fora enviado para Haia para tentar resolver os litígios em mares africanos entre lusos e holandeses.

Alguns comerciantes baianos, contrariando as determinações vindas do reino, continuaram a se dirigir regularmente aos portos africanos na área de influência da Holanda. Ficavam desta forma à mercê de represálias holandesas, como o roubo aos navios que ousavam fazer o percurso Bahia/Costa da Mina/Bahia, sem pagar o tributo de 10% no Castelo de São Jorge da Mina. Os armadores João Ferreira de Souza e André Marques sentiram na pele o poderio batavo, pois suas embarcações foram atacadas por uma galera holandesa no porto de Jaquim, durante a tomada deste pelas tropas de Agaja, em 1732. Os navios ficaram retidos no porto durante alguns dias, tendo sua carga de tabaco roubada.54 O resultado dessas medidas era percebido no número cada vez menor de navios que retornavam da Costa da Mina. As poucas embarcações que de lá conseguiram voltar, não chegavam a ter a metade do carregamento de negros para o qual tinham sido arqueadas. Apenas duas teriam retornado para a Bahia no ano de 1732.55

Num parecer enviado para Lisboa no ano de 1736, o desembargador Wesceslau Pereira da Silva faz uma análise à corte portuguesa que fatores internos e externos estavam gerando o empobrecimento da sociedade baiana.56 Os primeiros estariam relacionados à ostentação da população baiana. Dizia que se gastava muito com luxos desnecessários. Para isso pedia que se aumentasse o preço dos produtos estrangeiros em toda colônia. Já as razões externas eram as mais graves. Apontava como causa da ruína dos fazendeiros e engenhos a queda do consumo dos três referidos produtos (açúcar, tabaco e couro), principalmente o açúcar, que teve sua venda prejudicada pelo aumento da produção dos estrangeiros em suas colônias. Os preços dos escravos também continuavam altos. Não só o valor do escravo aumentara, mas

de 1731, apud, VERGER, Pierre, op. cit.,1987, p.74.

53 Carta do secretário de Estado, Diogo de Mendonça Corte Real, enviada ao vice-rei do Brasil, em 25 de maio de 1731, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 73.

54 Carta de João Basílio, diretor do forte português em Ajudá, enviada ao vice-rei do Brasil, em 1731., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 155.

55 APEB, col. ms., Ordens Régias, carta de 12-1-1733.

56 Parecer do desembargador Wenceslau Pereira da Silva de 1736., apud, VERGER,Pierre, op. cit., 1987, pp.91-94.

(34)

também o do cavalo e dos bois pelo consumo e saída que tinham para as regiões das minas. Desta forma as lavouras, fábricas e engenhos baianos ficam ressentidos de força motriz para continuar a produzir. O comércio com a Costa da Mina era também motivo de preocupação, uma vez que o número de navios que vai por esta carreira já não chega a metade do que era anteriormente. Além disso, este passava por uma desordem tão grande que as poucas embarcações que para lá se aventuravam, iam muitas vezes “umas sobre as outras”, não permitindo um mínimo intervalo para o consumo da carga, fazendo com que todos os comerciantes envolvidos no tráfico perdessem no negócio, sendo apenas lucrativo para os negociantes africanos que, devido à alta oferta de fumo, elevaram o preço do escravo a patamares exorbitantes. Para solucionar tal problema, o desembargador propõe algo já tentado alguns anos antes: a criação de uma Companhia de Comércio portuguesa controlada pelo Estado, como a que foi criada em 1649, com a intenção de revitalizar a entrada de escravos na Bahia. Mais uma vez, tal proposta foi rechaçada pela comunidade mercantil de Salvador. Sem dúvida, a diminuição do fluxo comercial no eixo Bahia/Costa da Mina representou um enfraquecimento da economia baiana, acarretando o desmantelamento de várias empresas envolvidas no tráfico de africanos entre Salvador e a Costa da Mina, resultando numa queda da importação de mão-de-obra, mantendo em alta o valor do braço escravo no mercado baiano.

Contava-se 146 engenhos na região da Bahia-Sergipe no ano de 1710. Em 1755, o número de engenho era de 172 e, em 1758, de 180. Embora tenha aumentado o número de unidades produtivas, a produção média global por engenho não seguiu tal tendência. A produção total caiu de 507.697 arrobas em 1702, atingindo 400.000 em 1758.57 A construção de pequenas unidades pode explicar o declínio da produção frente ao acréscimo do número de engenhos. De todo modo a ampliação do número de engenhos na capitania baiana entre 1710 e 1758 foi de menos de uma unidade por ano.58

Esta fase de declínio econômico pode ser percebida também pela quantidade de caixas de açúcar vendidos tanto para o mercado externo quanto para o mercado interno. Se no ano de 1734 foram exportadas para Portugal dez mil caixas de açúcar (c. 350.000 arrobas) referentes às safras de 1732-33, as vendas para o exterior no ano de 1739 referentes as colheitas dos

(35)

quatro anos anteriores (1735 a 1738) foi igualmente de dez mil caixas do produto.59 No ano de 1731 a venda de açúcar branco e mascavo corresponderam respectivamente a 8.628 e 4.309 caixas (c.302.000 e c.150.815 arrobas respectivamente). No final do decênio, em 1740, os valores respectivos caíram para 7.333 e 3.667 (c.257.000 e c.128.345 arrobas respectivamente). Houve uma queda de 15% tanto na produção de açúcar branco como na de mascavo.60 Numa época que o preço do açúcar esteve em queda no mercado internacional os baianos se viam impedidos de recuperar os lucros no momento de baixa, pois não tinham meios de aumentar a sua produção. Ademais, as regras de comércio do açúcar que Portugal impunha à colônia, como por exemplo o sistema de frotas, causavam a deterioração da mercadoria nas caixas enquanto ainda estava nos armazéns ou nas docas. O ápice desta crise ocorreu justamente no ano de 1739, quando os negociantes da Bahia estavam altamente endividados com as praças de Lisboa e do Porto. Os baianos já não tinham mais poder aquisitivo para reabastecer-se de “fôlegos vivos”,61 gerando um grande empobrecimento, até mesmo dos mais opulentos homens de negócio.62

O Conselho Ultramarino finalmente interveio junto aos comerciantes da Bahia objetivando o reajustamento do tráfico de escravo para a Costa da Mina. Em 1743, teve fim a liberdade para se ir à esta região africana buscar escravos. 63 Estabeleceu-se turnos para as saídas de navios não só da Bahia como também de Pernambuco, cuja economia passava por dificuldades muito maiores do que a baiana. Ficou determinado que os intervalos de saídas de uma embarcação não poderiam ser inferiores a três meses e que a ordem de partida estaria calcada em um sorteio. Aquelas que já tivessem sido sorteadas só poderiam fazer parte de um outro sorteio depois que todas as outras tivessem feito sua viagem à Costa da Mina. O número de navios baianos aptos a participar do tráfico no sistema de frotas era de vinte e quatro. Houve muitos protestos por parte dos traficantes de Salvador contra esta decisão de Lisboa, principalmente quanto ao total de navios que cada negociante poderia ter.

58 idem, p. 149.

59 GOULART, Maurício, Escravidão africana no Brasil: das origens à extinção do tráfico. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975, pp. 210-1.

60 SCHWARTZ, Stuart, op. cit., 1999, apêncice C, pp. 403-4. 61 GOULART, Maurício, op. cit., 1975, p. 166.

62 Carta de Dom Sancho Faro, conde de Vimieyro, enviada para Lisboa, em 27 de novembro de 1718., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 63.

63 Aviso de Lisboa enviado para o vice-rei do Brasil, em 8 de maio de 1743., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 94-6.

(36)

Em 1751, ficou constatado que, embora o número das embarcações na frota fosse de vinte e quatro, o número de senhorios era muito menor, pois alguns comerciantes de Salvador possuíam mais de um navio no sistema, conduta que havia sido proibida pelo Conselho Ultramarino. Na consulta, observou-se que quatro possuíam três navios: capitão Teodózio Rodrigues de Faria e associados, Manoel Alves de Carvalho e associados, capitão Jácome José de Seixas e associados e Joaquim Inácio da Cruz e associados; dois proprietários tinham dois: Manoel Fernandes dos Santos Maia e Dona Teresa de Jesus Maria, viúva de Manoel Fernandes da Costa; e oito outros possuíam um: Antônio Cardoso dos Santos, João Dias da Cunha, capitão Bento Fernandes Galiza, capitão João Lourenço Veloso, capitão Antônio da Cunha Pereira, André Marques, capitão Domingos Luís da Costa e o capitão João da Cruz de Moraes.64 Como cada casa comercial ou cabeça de sociedade só poderia ter um navio, essa situação era motivo de descontentamento na praça de Salvador devido às desigualdades das conveniências de que uns poucos desfrutavam, em detrimento daqueles que sequer podiam participar do tráfico. Foi feita uma nova divisão, em 1751, no número das embarcações pelo vice-rei Luís Pedro Peregrino de Carvalho Meneses de Ataíde, o conde de Atouguia. Aos comerciantes que tinham três navios foram tomados dois, e aos que tinham dois foi tirado um, sendo estes navios redistribuídos aos primeiros pretendentes que ofereceram donativos à Fazenda Real. A exceção se fez ao comerciante capitão Teodózio Rodrigues de Faria que, tendo três navios só um lhe foi retirado, pois um deles foi comprado à própria Fazenda Real por um preço excessivo, muito acima do valor de mercado. Este navio havia pertencido a Domingos Ferreira Pacheco que o deixou de herança, no ano de 1747, devido a dívidas para com a dita fazenda.65 Desta forma, o vice-rei evitava prejudicar aquele que contribuiu com vultosas quantias à caixa do Governo. Suspeitava-se na época que o vice-rei estva associado a alguns negreiros, entre eles estaria Teodózio Rodrigues de Faria. O capitão Faria era um homem proeminente na sociedade soteropolitana. Em 1745, mandou construir por devoção a capela dedicada ao Senhor do Bonfim, inaugurada em 1754, na colina Sagrada em Salvador.

64 Consulta feita pelo vice-rei do Brasil sobre a esquadra do tráfico, em 26 de fevereiro de 1751., apud, VERGER, Pierre, op. cit., 1987, pp. 96-7.

65 AHU, Col. Castro e Almeida, Ofício do vice-rei, conde de Atouguia, para Diogo de Mendonça Corte Real,

(37)

De Setúbal (Portugal) trouxe a imagem do Senhor Crucificado, colocando-a no altar da igreja que viria a se tornar a mais popular da Bahia.66

A nova lista, elaborada pelo vice-rei em 30 de junho de 1751, era constituída pelos seguintes proprietários: capitão Teodósio Rodrigues de Faria (2 navios), Joaquim Inácio da Cruz, Dona Teresa de Jesus Maria, Manoel Ferreira dos Santos Maia, capitão Jácome José de Seixas, Luís Coelho Ferreira, João Dias da Cunha, capitão João Lourenço Veloso, João Cardoso de Miranda, Manoel Alves de Carvalho, Silvestre Gonçalves de Moraes, capitão Antônio da Cunha Pereira, José Antunes de Carvalho, João Lopes Fiúza, Manoel Rodrigues, Manoel Fernandes da Costa, Maurício de Carvalho, Bernardo da Silva Barros, Simão Pinto de Queirós, Félix de Araújo Aranha, José de Souza Reis, Davi Lopes de Oliveira e João da Silva Guimarães.67 Como podemos perceber, alguns nomes que compunham a antiga lista não mais aparecem na nova, seja por motivo de falecimento, seja por abandono do negócio, seja por fusões de empresas. O fato é que procurou-se estabelecer a ordem, dando a vinte e três empresas o direito de traficar escravos para a Bahia. Quer dizer, a vinte e duas, pois o nome de Manoel Fernandes da Costa aparece na nova listagem juntamente com o de sua mulher. A família de Manoel Fernandes da Costa, desta forma, teve permissão para possuir dois navios na frota. O curioso é que D. Teresa de Jesus Maria era viúva há pelo menos seis anos e responsável pela empresa de seu falecido marido desde 1745.

Em virtude do estabelecimento do sistema de frotas, os produtores de tabaco da Bahia passaram a ter dificuldades para fazer o escoamento de sua produção para o exterior, principalmente para o continente africano. Tomando ciência do problema, o governo, de tempo em tempo, permitia que negociantes com pequenas embarcações saíssem de Salvador em direção à África, carregadas de tabaco, para trocar por escravos, remediando desta forma, a não participação destes homens no sistema de esquadra. Era também uma forma de se evitar a perda da mercadoria que ficava estocada em Salvador e manter a um bom preço o produto, evitando prejuízos aos lavradores e comerciante deste gênero.68 Exemplo dessa medida foram

66 VERGER, Pierre, op. cit., 1987, p. 117, nota 13.

67 AHU, Col. Castro e Almeida, Ofício do vice-rei, conde de Atouguia, para Diogo de Mendonça Corte Real,

datada de 30 de junho de 1751, cx 2, doc. 124, s/d.

68 AHU, Col. Castro e Almeida, Ofício do vice-rei, conde de Atouguia, para Diogo de Mendonça Corte Real,

Referências

Documentos relacionados

Sendo assim, o presente estudo visa quantificar a atividade das proteases alcalinas totais do trato digestório do neon gobi Elacatinus figaro em diferentes idades e dietas que compõem

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá

O objetivo desse trabalho ´e a construc¸ ˜ao de um dispositivo embarcado que pode ser acoplado entre a fonte de alimentac¸ ˜ao e a carga de teste (monof ´asica) capaz de calcular

Na Tabela 16 estão apresentados os resultados do valor L* dos grãos de feijão carioca armazenados em diferentes condições de umidade e temperatura durante 240

Chora Peito Chora Joao Bosco e Vinicius 000 / 001.. Chão De Giz Camila e

3259 21 Animação e dinamização de actividades lúdico-expressivas - expressão musical 50 3260 22 Animação e dinamização de actividades lúdico-expressivas -

Realização de transferência de recursos entre contas na própria instituição em guichê de caixa ou mediante outras formas de atendimento pessoal, tais como atendimento telefônico

Segundo Johnston e Martin-Herz, em seu estudo sobre a recorrência de trauma em até três meses após o primeiro trauma sofrido por crianças e adolescentes de até 15 anos de idade, os