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Uma análise do negacionismo espanhol em Pedro Varela

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Academic year: 2021

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Uma análise do negacionismo espanhol em Pedro Varela

Daniela Ferreira Felix∗ Resumo: A negação do genocídio de judeus durante a Segunda Guerra Mundial tem adquirido na Espanha importância devido à cobertura feita pela grande imprensa ao caso de Pedro Varela. O presente artigo pretende analisar este caso particular de negação do Holocausto, ocorrido na Espanha, por meio do negacionista Pedro Varela, dono da Livraria Europa, de cunho racista, localizada em Barcelona. Varela pretende mostrar que seus escritos de negação do Holocausto são resultados de pesquisa histórica. Natural de Barcelona, Pedro Varela durante sua juventude engajou-se em grupos de extrema-direita e tinha simpatia pelo movimento franquista. Esteve à frente do grupo Cedade, um movimento de extrema-direita surgido na década de 1960 com inclinação racista. Varela transformou o grupo num centro que elaborava trabalhos de caráter negacionista. O nome de Varela é hoje conhecido e discutido na sociedade espanhola por ter se tornado um negacionista condenado pela justiça por crimes de apologia ao genocídio e difusão de ideias racistas – sendo estas veiculadas por sua livraria.

Palavras chave: Holocausto - negação - Espanha

Abstract: The denial of the genocide of Jews during the Second World War in Spain has acquired importance because of the great press coverage of the case of Pedro Varela. This article intends to analyze this particular case of Holocaust denial, which occurred in Spain, through the Holocaust denier Pedro Varela, who owns the bookstore Europe, racist, located in Barcelona. Varela wants to show that his writings of Holocaust denial are the results of historical research. Born in Barcelona, Pedro Varela during his youth engaged in far-right groups and had sympathy for Franco movement. Headed the group Cedade, an extreme right movement emerged in the 1960s to inclination racist. Varela convert the group in a center that prepared work that character denier. Varela's name is known and discussed in Spanish society by becoming a Holocaust denier sentenced to justice for crimes of incitement to genocide and dissemination of racist ideas - and these are carried by your local bookstore.

Mestranda do Programa de Pós Graduação em Historia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

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Keywords: Holocaust - denial - Spain

Atualmente, o número dos que negam a morte de milhões de judeus e outras minorias nos campos de concentração e extermínio nazistas tem crescido consideravelmente, utilizando como um de seus meios de propagação de ideias a internet. Eles nos apresentam, em seus escritos, um discurso cada vez mais comprometido com objetivos políticos, tendo por interesse estabelecer uma nova memória coletiva relativa aos acontecimentos ocorridos no período do regime nazista. Falar desses crimes perpetrados na década de 1930 e 1940 é tratar de um momento que está hoje conhecendo suas últimas testemunhas. É tratar de um tempo passado ainda fortemente presente na memória não só dos que vivenciaram de perto as perseguições e os maus tratos de um campo nazista, como também dos que conhecem a história e as motivações em busca de uma pureza racial que norteou as ações que culminaram com os planos de extermínio levados a cabo pelo regime de Hitler. Existe uma história e uma memória compartilhada socialmente acerca dos regimes fascistas que, para os negadores do Holocausto, faz-se necessário que sejam desconstruídas. E na busca desse objetivo detectamos o quanto estas declarações são afinadas ideologicamente com os discursos políticos de direita. O que pretendem é negar a ocorrência de crimes contra judeus e outras minorias durante a Guerra, numa clara tentativa estabelecer uma nova memória social acerca do que havia se passado nos campos de extermínio. Nesse processo passaram a divulgar outra imagem do que teria se passado nos campos nazistas, tendo por objetivo mostrar que os campos seriam espaços de confinamento em que maus-tratos, fome e aniquilamento não existiram. A Europa concentra em si a maior parte dessas vozes dos negadores do Holocausto, aqui considerados por nós como negacionistas. Brevemente, faço aqui uma observação quanto ao termo que por nós é utilizado para referir-se a esse grupo. Quando falamos em “revisionistas” estamos colocando-os num patamar tal que permite um espaço de diálogo com os historiadores. E isso pela seguinte questão: o grupo de que estamos falando se intitula como “revisionistas da história”. Falar que o que fazem é uma revisão da historia significaria admitir o diálogo e reconhecê-los como legítimo para falar de um tempo passado. Logo, se usássemos tal termo estaríamos compartilhando a imagem que atribuem a si mesmo. E, no sentido em que o historiador Luis Edmundo Moraes nos apresenta, “proponho que tomar as afirmações dos negacionistas como resultado de trabalho historiográfico, como “interpretações” possíveis é,

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de uma forma indireta, cair em sua própria rede”. (MORAES, 2011: 03) O que os negacionistas pretendem é reforçar a ideia de que produzem trabalhos com efeito de historiografia e a partir daí divulgar tais propostas como portadoras de uma nova versão dos fatos.

O caso que aqui quero chamar a atenção diz respeito a essas declarações negacionistas na Espanha, a partir do caso do editor Pedro Varela. Varela nasceu em 1957 em Barcelona e tem seu nome ligado à extrema-direita espanhola. Na década de 1970 passa a presidir o grupo CEDADE (Círculo Espanhol de Amigos da Europa) – organização de direita que também passa a produzir material de negação do genocídio de judeus. Varela dedica-se ao grupo até 1993 quando, então, volta-se para a produção/comercialização de obras racistas e negacionistas através da Livraria Europa, localizada em Barcelona. A livraria, de propriedade de Varela, tem atualmente seu site no ar e comercializa livros de natureza negacionista, além de material relacionado a II Guerra Mundial, judeus, SS e Hitler. Foi por conta de suas publicações que Varela respondeu a alguns processos na Justiça e foi condenado em março de 2010. Este artigo tem como objetivo propor que o nome de Varela está inserido no movimento negacionista, na medida em que pretende divulgar materiais que tem conteúdo próprio desse grupo, trazendo em si objetivos políticos afinados aos discursos próprios dessa extrema-direita.

Negacionismo na Espanha

A Espanha conta hoje com sites próprios para divulgação de material negacionista. Trata-se do AAARGH SOLVAYA1 que é a sigla de Asociación de Antiguos Aficionados a los Relatos de Guerras y Holocaustos / Sociedad Ofrecida a los Amantes de Verdades Antiholocáusticas Y Apuñalantes. No site encontramos textos negacionistas, bem como os escritos dos espanhóis Pedro Varela, Enrique Aynat e Joaquin Bochaca. O site convida ainda outros leitores a publicar trabalhos desta mesma natureza. Além do AARGH, a rede virtual na Espanha conta com outros sítios que amparam a produção negacionista e ainda colocam a venda títulos de obras confeccionadas por autores hispânicos. Os autores negacionistas de língua espanhola

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começaram na década de 1950, através do jornalista mexicano Salvador Borrego e do espanhol Joaquin Bochaca. Além disso há que se destacar a figura do espanhol Enrique Aynat, colaborador do Institute for Historical Review2 (IHR) e seus trabalhos estão diretamente ligados à questão do Holocausto.

A livraria de Pedro Varela constitui um dos meios destinados à comercialização de material negacionista. As obras são afinadas a um conteúdo racista e pela livraria pode-se identificar um conjunto de livros articulados ao movimento negacionista de outros países, através de edições de autores franceses, ingleses e norte-americanos que ocupam lugar de destaque quando falamos de nomes de peso na história do movimento negacionista.3 Outras obras que são possíveis de serem encontradas na livraria evidenciam o tipo de tratamento racista dado ao tema dos judeus. Mídias como cd’s e dvd’s de reuniões realizadas internamente entre negacionistas, classificadas por eles como conferências, são também comercializadas. Estes indicativos fornecem elementos que nos permitem identificar a carga política que envolve a divulgação de materiais dessa natureza. Ao fazer essa comercialização, Varela se coloca como uma voz a favor da divulgação da “verdade” que estaria “oculta” nas páginas da História pelos vencedores da guerra. A intenção é desqualificar toda produção historiográfica relativa a historia de perseguição e extermínio de judeus – sendo isso necessário a Varela a fim de que consiga afirmar socialmente seus escritos.

Pedro Varela é reconhecido na Espanha como um nome de destaque na produção e divulgação de obras de natureza negacionista. O editor espanhol em março de 2012 saiu da prisão de Lledoners, localizada em Barcelona, após ter sido preso por quase dois anos. Varela foi acusado em março de 2010 pela Justiça espanhola de publicar material negacionista, com conteúdo racista e antissemita, e de fazer apologia ao genocídio de judeus. As obras e os

2Criado em 1978, o Institute for Historical Review se constitui num importante núcleo articulador dos negacionistas no mundo e está localizado na Califórnia. O Institute for Historical Review se relaciona com as figuras de destaque entre os negacionistas e os autores hispânicos. O trabalho monográfico de Fernanda Teixeira Moreira traz uma análise desse instituto e das obras do negacionista Robert Faurisson. Segundo a autora “o principal motivo da criação deste instituto foi a necessidade de fornecer autoridade institucional aos autores negacionistas, numa tentativa de apresentar o negacionismo como um movimento sério e comprometido com a cientificidade.” MOREIRA, Fernanda Teixeira. Robert Faurisson e a negação da História. Seropédica, 2008. 62 pgs. Monografia em Língua Portuguesa.

3 Aqui estamos nos referindo a autores como Robert Faurisson, Maurice Bardèche, Paul Rassinier e Richard Harwood.

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objetos que estavam na livraria foram apreendidos pela Justiça. Lá foram encontrados um busto de Hitler e uma suástica de ferro juntamente com os livros de conteúdo político ligado ao negacionismo e outros que comportam-se de maneira preconceituosa com relação aos judeus, tratando-os como aqueles que são responsáveis por uma conspiração mundial. Após ser condenado pela Justiça, Varela recorreu frequentemente ao argumento da liberdade de expressão a fim de se defender das acusações e legitimar seu espaço de se expressar da maneira que lhe interessasse. As propostas de Varela, porém,esbarraram no acionamento de leis que criminalizam a negação da morte de judeus na Segunda Guerra. Após sua condenação, transformou-se em figura de destaque na sociedade espanhola podendo ser pensado de uma maneira mais ampla como representativo entre os negacionistas na busca pela construção de uma nova memória acerca dos episódios que retratam a Segunda Guerra. O caso de Varela já é acompanhado pela imprensa espanhola desde a década de 1990. Foi possível encontrarmos em dois importantes periódicos, El Pais e El Mundo, as acusações a Varela, os casos em que a Livraria Europa sofreu ataques em sua sede e a forma como a Justiça tem conduzido o caso. Em muitos países da União Européia são consideradas crimes as declarações que tentam negar a morte de judeus nos campos nazistas. Assim como Pedro Varela respondeu na justiça e foi condenado, existem outros casos de produtores e divulgadores dessas ideias que acabam conhecendo a mesma situação. E o que nos chama a atenção dentro das argumentações negacionistas, de maneira geral, é o quanto estão impregnadas de teor político, na medida em que pretendem aliviar a imagem compartilhada socialmente do que representou o regime de Hitler. Através de uma análise do material que Varela quer divulgar, podemos conferir que a intenção é em se colocar como o portador de uma versão dos fatos que não é a compartilhada pela história.

Procedimentos de defesa

Após ser preso em março de 2010, Pedro Varela teve por objetivo prosseguir com a divulgação de suas ideias. E, nesse sentido, desenvolveu aquilo que se tornou seu principal instrumento de comunicação, sendo feito com frequência, com linguagem simples e que eram divulgados a partir de seu blog e outros sites de apoio a sua causa: tratam-se de escritos

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intitulados como cartas e publicados tanto em seu blog oficial de apoio4, Libertad Pedro Varela, quanto em outros sítios virtuais simpáticos a causa. São escritos elaborados desde a década de 1990 e feitos até os dias atuais. Estas cartas constituíram-se num importante meio encontrado por Varela a fim de se afirmar e apresentar argumentos para sua defesa. Até o presente momento Varela já publicou 57 cartase a maior parte delas foi redigida entre março de 2010 e fevereiro de 2012. Nesse processo de escrita das cartas, Varela foi identificado como um grande reprodutor de outras ideias negacionistas. Esses escritos enviados a partir da prisão tinham por objetivo discutir os motivos que o levaram a condenação, bem como também foi uma tentativa de buscar se afirmar socialmente. As cartas se transformaram no principal meio de comunicação de Varela, encontrando possibilidade de divulgação em sites simpáticos a extrema direita e ao caso dos negacionistas.

O que podemos perceber é que Varela sempre apresenta como defesa para divulgação de suas ideias o fato de que ele pode gozar de uma liberdade de expressão. Além disso, outros argumentos são utilizados por ele tendo como intenção se defender. Com frequência coloca-se como vítima das perseguições e das manipulações políticas levadas a cabo pelos que ocupam cargos elevados dentro da sociedade, que estariam interessados em calar a voz dos negacionistas a fim de manter seus planos de dominação e de ocultamento da verdade. É dessa forma que Varela se posiciona, como se sofresse uma perseguição ideológica disfarçada de perseguição criminal. E ainda desenvolve uma forma para se proteger e acusar a todos que não partilham de seus ideais como “intolerantes”, semelhantes aos Inquisidores. Destaco uma breve passagem de uma carta de Varela em que fala de sua condenação: La juez Doña Estela, erigida en nueva inquisidora, afirma que las obras que este editor tiene a la venta “son unidireccionales en cuanto a su contenido, con una absoluta falta de pluralidad” y “dirigidas hacia una única línea de pensamiento” (VARELA, carta nº 25) E o argumento da liberdade de expressão,

recorrente nas cartas de Varela e nos sites negacionistas, está ainda presente em propagandas negacionistas. A perseguição e extermínio de judeus são tratados por Varela como algo não comprovável e toda história hoje compartilhada estaria comprometida com os vencedores da guerra, mascarando o que de fato se passou nos campos nazistas. Varela se coloca como

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amparado em estudos que lhe garantem que a história de extermínio de judeus seria uma mentira, forjada pelos vencedores da guerra que ora pretendem calar sua voz. Ou seja, ele pretende construir uma imagem de que o que fazem é resultado de trabalho científico, amparado nossos procedimentos próprios da História – o que lhe garantiria autoridade para falar de um tempo passado. O que ainda está acompanhado em algumas cartas é o tom de inconformismo pela prisão, como se estivesse sofrendo injustiça. E aí, uma vez mais, o argumento da liberdade de expressão ganha espaço nos escritos do editor espanhol. Não por acaso, detectamos em algumas propagandas a reprodução do artigo nº 19 da Declaração dos Direitos Humanos, que garante ao homem exatamente o direito a se expressar. Mas Varela, ao desenvolver esse tipo de escrita e de argumentação, pretende desconstruir a imagem compartilhada socialmente acerca do que representou o regime de Hitler. E, nesse sentido, ele quer retirar o peso que recai sobre o significado do regime nazista e as consequências que essa política trouxe para o mundo e se legitime uma nova versão dos fatos, em que a política de morte em massa em favor de uma pureza racial seja banida da memória coletiva – e uma nova memória permita espaço para que antigas propostas políticas sejam novamente possíveis.

Referências Bibliográficas

BLOCH, Marc. Apologia da História ou ofício do historiador. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001

CYTRYNOWICZ, Roney. “As formas de lembrar e o estudo do Holocausto”. In: Milman, Luis e Vizentini, Paulo Fagundes (Orgs) Neonazismo, Negacionismo e Extremismo Político. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2000.

HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela Memória: arquitetura, monumentos, mídia. Tradução de Sergio Alcides. Seleção de Heloisa Buarque de Hollanda. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.

JESUS, Carlos Gustavo Nóbrega de. Anti-semitismo e nacionalismo, negacionismo e memória. Revisão Editora e as estratégias da intolerância.(1987-2003) São Paulo; Editora Unesp, 2006

MORAES, Luis Edmundo de Souza. “Revisionismo negacionista”. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Enciclopédia de Guerras e Revoluções do Século XX. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2004.

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_____________________________. “Lembrar o Holocausto hoje”. In: Revista NIEJ, 2009. Disponível em: http://www.niej.org.br/wp-content/uploads/2009/06/_edicao1-final_capa7.pdf.

_____________________________. “O Negacionismo e as Disputas de Memória: Reflexões sobre intelectuais de extrema-direita e a negação do holocausto”. In: Anais do XIII Encontro Nacional da ANPUH-Rio. Seropédica, 2008.

MOREIRA, Fernanda Teixeira. Robert Faurisson e a negação da História. Seropédica, 2008. 62 pgs. Monografia em Língua Portuguesa.

VIDAL-NAQUET P. Os Assassinos da Memória. Campinas: Papirus, 1988. Fontes:

Cartas de Pedro Varela:

Disponíveis em www.libertadpedrovarela.org

Blog Libertad Pedro Varela.

Disponível em www.libertadpedrovarela.org

Site do AAARGH Solavaya.

Referências

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