CFH
-CENTRO
DE
FILOSOFIA
E
CIÊNCIAS
HUMANAS
SUJEITOS
*SEM-TERRA
EM
MOVIMENTOz
SOCIALIZAÇÃO
E
INDIVIDUAÇÃO
1 '
ELZA
MARIA
FONSECA
F
ALKEMBACH
DOUTORADO
INTERDISCIPLINAR
EM
CIÊNCIAS
HUMANAS
j
Orientador:
Prof.
Dr. Selvino
J.Assmann
^
Co-Orientador:
Prof.
Dr.
Paulo
J.Krischke
FLORIANÓPOLIS
~
SUJEITOS
SEM-TERRA
EM
MOVIMENTO:
SOCIALIZAÇAO
E
INDIVIDUAÇAO
Tese
apresentada ao
Curso de
Pós-
Gradução
Interdisciplinarem
Ciências
Humanas como
requisitoà
obtenção
do
título
de
Doutor
em
Ciências
Humanas;
Orientador:
Prof.Dr.
Selvino
J.Assmann
Co-orientador:
Prof.Dr.
Paulo
J .Krischke
à‹›à›h'**'~z›¡Í›»ezzz;|i '-"`fll=rø:mrw" :.=s.;.,=z.z.__. .. 2 “_ ¬~ uu.z.:;.=:...=.z...;.f.zz;.... \,, vz ' z' .gv v. '-“'“` ef-:_ 1' ^-^ '-'^` '*fiw..., I _ Ê*¿*
iversidade Federal
de
Santa Catarina'
~ ' A
~
ntro
de
Filosofia e CiênciasHumanas
.›grama
de Pós-Graduação
Interdisciplinarem
CiênciasHumanaslDoutorado
“suJE|Tos
sEM¡rERRfAí|:M Mov|n¿|ENToz
soc|AL|zAçAo
E |ND|v|DuAçAo"
Por
.Elza
Maria
Fonseca Falkembach
J
Orientador Prof. Dr. Selvino
José
Assmann
Co-orientador Prof. Dr. Paulo Krischke
ta tese foi
submetida ao
processode
avaliação pelaBanca Examinadora
para obtençãodo
títulode
›utor
em
CiênciasHumanas/Sociedade
eMeio Ambiente
eaprovada
em
sua forma
finalno
dia 16de
zembro de
2002,atendendo
asnonnas da
legislação vigentedo
Programa de Pós-Graduação
erdisciplínar
em
CiênciasHumanas/Doutorado.
~-
p '
Prof. Dr. Héctor Ricardo Leis - Coordenador do Programa
Banca
Examinadora: . .4` › \ .Pf.
Í
Selvino Jos ann - P esi ente
_ , A - /.¡. - _ i,
6
Pro . Dr. Gaudêncio Frigotto
`
'
.
1G
Pbàfi
Prfa. r. Susan Molon
_
E
Profa. Dra. Célia Regina Vendramini
(L
mb
Prof. Dr. Héctor Ricardo Leis - .
K-U
, ; -
' '
- aos produtores e produtoras
do Assentamento
Nova
Ramada,
pelas aprendizagens,confiança
e amizade; .- aos
meus
orientadores - Selvino e Paulo - porme
propiciarem condições para viversem
ansiedade a provocação ao mais; _- ao Jorge, leitor mais próximo, por
me
incentivar a ousar; . ,- aos
meus
filhos - Ia eDôdo
- porme
ensinarem a reconhecer o agonismo, nas relações,e pela ajuda discreta,
sempre que
necessitei; \- à Soninha, pela retaguarda
que
possibilitou a realização deste trabalho;-
Ao
MST,
pela prestezacom
que
colocou àminha
disposição, publicações,documentos
internos e informações solicitadas; V
- ao
Doutorado
Interdisciplinarem
CiênciasHumanas,
seus funcionários e professores,pelo acolhimento e aprendizagens possibilitadas;
- à
UNIIUÍ,
em
especial às coordenaçõesdo
Departamento edo
Curso de Pedagogia,pelo apoio, incentivo e facilidades criadas para ap conciliação de
minhas
atividadesdocentes e realização
do
doutorado; '- ao
SPEP
-Programa
deEducação
Populardo
Departamento de Pedagogiada
UNIIUÍ,
Num
tempo
em
que
a vida social passa por profundas transfonnações, e lega aofuturo instabilidade, risco e incerteza, a questão
da
subjetividade converte'-seem
temática a
demandar
atenção privilegiadada
pesquisa social.É
desde tais constataçõesque
nospropomos,
atravésda
presente pesquisa, a contribuir para acompreensão do
fenômeno da
individuaçãohumana, acompanhando,
para tal,uma
intensa experiênciahumana
que
vem
se constituindono
Suldo
Brasil, a experiência deum
coletivodo
MST
-
Movimento
dos Trabalhadores RuraisSem
Terra. . 'A
discussãoque desenvolvemos
ocorre mediante o foco: atéque
ponto, a forçadessa experiência, dessa “cultura
com
dimensão de
projeto ”que
vem
se constituindocom
oMST
ecomo
MST
está sendo capazde
configurarnova
sociabilidade esubjetividades
que
transcendem a particularidade cotidiana?Como vem
se processandoo
fenômeno da
individuaçãohumana
nesta experiência e, atéque
ponto, o sofrimentovem
se constituindoem
presença ativa nesta construção? çT
Nossas
reflexões estão alicerçadas nospensamentos
de Heller, Gramsci, Arendte Foucault, e
elegemos
a interface temáticacomo
caminho
para problematizar e analisara experiência, sob o foco referido. -
A
pesquisa possibilitou-nosacompanhar
como
um
“vazio dehumanidade” pode
dar lugar ao desabrochar de
um
“desejo de libertação”, e à constituição deuma
“vontade coletiva ”, capacitando
homens
e mulheres a traçaremum
novo
começo
parasuas vidas, a produzirem "acontecimento", a' constituírem
uma
'forma de vida”,reveladora
da
possibilidade da “efetivaçãoda
condiçãohumana
da
natalidade eda
pluralidade". Possibilitou-nos
acompanhar
a revelaçãode
sujeitos“como
humanos
”,mesmo
que,no
decorrer da experiência sob análise, as crises vividas quase colocassema perder as relações construídas e as conquistas materiais, éticas e políticas conseguidas.
O
sofrimento, constituidor desses sujeitos, ora apresentou-sena
experiênciacomo
“expressãode
impossibilidades”, oracomo
“técnica de si ”, preparando-os paraomenos
provável, e disponibilizando-os à expansão de sua humanidade.Gerou
aprendizagens e ancorou
um
companheirismo
forte, aindaque
tensionado, oque tem
In a time in
which
social life goes through profound transfonnations, and leadsan inheritance
of
instability, risk and uncertainty to the future, the issue of subjectivity isassumed
as a thematic deserving special attentionfrom
social research.From
that standpoint
we
propose to contribute withthis researchwork
to thecomprehension of
human
individuation
by
closelyaccompanying
an intensehuman
experiencewhich
is takingplace in
southem
Brasil, the experienceof
a collectivefrom
theMST
-
The
LandlessWorkers
Movement.
`The
discussion presented here focus its approach as towhat
extent the strengthof
this experience, of this “culture with a project dimension that hasbeen
constitutedwith
MST
and asMST,
iscopingwith
configuringnew
sociabilityand
subjectivitiesthat transcend the quotidian particularity?
How
has the human- individuation'phenomenon
being processed, is sufferingbeing constituted as an active presence in thisconstruction? _
'
Our
reflections aregrounded on
the thoughtof
Heller, Gramsci,Arendt
andFoucault and
we
have
selected thematic interface as theway
to problematize andanalyze the experience, under the so
mentioned
focusThe
research hasmade
it possible to realizehow
a “humanity emptiness” canleave place to the blossoming
of
a “wish for liberation ”and
to the constitution of anew
“collective will” enabling
men
andwomen
to trace anew
beginning to their lives, toproduce "happening", to constitute themselves in a
“way
of
living” capableof
revealing the possibility of the “efectivation
of
thehuman
conditionof
natalityand
plurality It has also
made
it possible to follow the revelationof
subjects “ashumans
'f,even though, along the experience under analysis, the crises experienced
would
place arisk to the constructed relationships and to the achieved material, ethical and political
assets. V
The
suffering, a constituent of those subjects, presented itself in the experienceat times as “the expression
of
impossibilities ” and at other 'times as a “techniqueof
theself' raising their promptness to the least likely and
making
themselves available to theexpansion of their humanity. It generated leamings
and
anchored a strong ,eventhough
tensioned, fellowship,
which
hasbeen
'favoring theseman
andwomen
to keepÀ
une époque ou
la vie sociale passe par de profondes transformations, et lègue au Vfiltur Pinstabilité, le xisque et l”incertitude, la question de la subjectivité devientune
thématique qui exige
une
attention privilégiée de la recherche sociale. C'est à partir detelles constatations que
nous
espérons contribuer, par cette recherche, à lacompréhension
du
phénomène
de Pindividuation humaine, par le suivi à cet effet d_'uneexperience
humaine
intense quicornmence
à se construire au suddu
Brésil, celle d'uncollectif
du
MST
~ Mouvement
des TravailleursRuraux
Sans Terre. 'La
discussion que nous développons part de la question centrale : jusqu”à quelpoint la force de cette expérience, de cette << culture à dimension
de
projet ›› qui seconstitue avec ,le
MST
etcomment
leMST
est capable de construireune
nouvellesociabilité et des subjectivités qui transcendent la particularité quotidienne ?
Comment
se construit le
phénomène
de l”individuationhumaine
dans cette experience et, jusqu'àquel point, la souffrance prend
une
presence active dans cette construction?Nos
réflexions ont pour base la pensée de Heller, Gramsci, Arendt et Foucault,et
nous
avons choisi l°interface thématiquecomme
démarche
pour questionner etanalyser l”expérience, dans la perspective citée plus haut.
La
recherche nous a permisd”accompagner
comment un
<< vide d'humanité ››peut faire place à l'éclosion d'un << désir de libération››, et à la constitution d°une
‹‹ volonté collective ››, qui permette à des
hommes
et à desfemmes
de tracerun
nouveau
commencement
pour leurs vies, de produire l°<<événement››, de constituerune
‹‹forme
de
vie ››, révélatrice de la possibilite de la ‹‹ réalisation de la conditionhumaine
de lanatalité et de la plura1ité››. Elle
nous
a pennis aussi de .faire le suivi de la révélation desujets ‹‹ en tant qu'humains ››, malgré
que
les crises vécues, tout 'au longde
l”expérienceen cours, aient presque failli faire échouer .les rapports construits et les conquêtes
matérielles, éthiques et politiques acquises. `
~
La
souffrance, fonnatrice de ces sujets, s'est présentée dans 1'expérience soitcornme
¿‹ expression d”impossibi1ités ››, soitcormne
‹‹ technique de soi ››, les préparantpour
lemoins
probable, et leur permettant l”expansion de leur humanité. Elle a créé desapprentissages et a renforcé
une
grande camaraderie, quoique sous tension, ce qui aINTRODUÇÃO
... ... ..11-.
CAMINHOS
DA
PESQUISA
... ..21A ' 1.1.
Uma
experiênciahumana
em
construçãono
presente ... ..211.2.
Uma
interface temática ... ... ... ..241.3.
A
sistematizaçãocomo
método
... ..272.
ERA
UMA
VEZ...ESTES
“SEM-TERRAS”
... ..322.1
O
que dizem
os fatos ... ..372.2 Esses sem-terras e seu tempo... ... ..43
2.3 Sofrimento e dessocialização ... ..50
3.
OLHARES:
DO CHÃO
AOS
ROSTOS
... ..533.1.
A
constituiçãodo
MST
... ... ...;_.6l 3.2.O
acontecimentoMST
... ..693.3.
Sem
Terra: sujeitosem
movimento
... ..8O 4.COMPANHEIROS,
UMA
FORMA
DE
VIDA
... ... ..894.1 O
Companheiros
... .. 1054.2 Características
da
amizade sem-terra e suas relações ... ..1 10 4.2.1Complementañdade
do
diverso e suas relações ... ..11O 4.2.2Da
ação política ao acolhimento ... ..1124.2.3
Da
fraternidade aoagonismo
... ... ..1144.2.4 Historicidade e
humanidade
.... ..z ... .. 1214.3
Verdades
e sujeitos ... 1235.
QUANDO
SIGNIFICADOS
ATERRIZAM
... ..l29 5.1Uma
forma
de capacitação ... ..1375.2
Uma
forma
de organização para a produção ... .. 1415.3
Uma
estrutura organizativa ... .. 1475.4 Soírimentos
de
agora ... ... ..178CONCLUINDO
... ..187ó.
ANEXO
1 -socIALIzAÇÃo
E
INDIVIDUAÇÃÓ
... ... ..19ó 7.ANEXO
2 -O
SOFRIMENTO
- desdeuma
perspectiva teórico-metodológica ... ..2l3 8.REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
... ..221A
ênfase impressa pelas Ciências Sociais,no
tratamentodo
atualmomento
da
vida
no
Planeta,tem
recaído sobre as grandes interrogaçõesque
se constroem a partirdos
movimentos
de pautodestruição dos própriosmodelos de
sociedade que aracionalidade
moderna
possibilitou, especialmente após asegunda metade do
séculoXIX.
Racionalidade, esta,que
vem
sendo pautada pelos princípios filosóficosdo
racionalismo e
do
utilitarismo,bem
como
pela crençana
provisoriedade das coisas,na
transitoriedade das formas
como
estas se apresentam etambém
das relaçõesque
possibilitam
(OUTHWAITE;
BOTTOMORE,
1996, p. 473-474). `.
Se, por
um
lado, especialistasem
Ciências Sociaiscolocamem
evidência asameaças
deum
modelo
civilizatório, o deuma
sociedade capitalista, cuja estabilidadefoi paradoxalmente exaltada, por outro,
apontam
para a desilusão advindado
processoautodestrutivo pelo qual foi acometido o socialismo real, deixando a
humanidade
frente a
um
.vazio que, aum
só tempo, intimida, conforma, produz ambivalência,avoluma
riscos, predispõe à incerteza,dá
lugar à ação insurgenteda
multidão, etambém
convoca
à_ criaçãol.'
É
certo que o capital se rearticulou eganhou
fôlegocom
sua propostaneoliberal de adequar as economias, a política e as subjetividades
humanas
ao' Ver a
respeito: Bauman, Z. (1998) e (2000); Beck, U., Giddens, A, Lash, S. (1997); Santos, B. de
~
processo
de
globalização. Já não é mais, tao só, capacidadede
produzir bens erelações sociais.
É também
capacidade de produzir informações e,com
isso, acionar aprodução mediante
nova
matriz produtiva (baseada‹em
novas formas de energia,novos
materiais, novas escalas detempo
ede
espaço,novos
objetos), produtividadeexpandida (renovando as dinâmicas de
acumulação
eprovocando
formas de exclusãodiversas) e, ainda, mediante a intensificação
da
manipulação de subjetividades.Ao
impor
tendências, passou a construirnovos
problemas que, aosomarem-se
aos antigosnão erradicados, vão deixando
menos
tranqüilos os seus articuladores e os seusteóricos2. ~
`
Também
é certo que, ao revés das tendênciasdo
capital, iniciativas seconstroem e
novos
sujeitos sociaisganham
forma
no
bojo dos problemas,da
instabilidade, e dos riscos que, então, se
acentuam
ese
expandem
na
vida social._ Trata-se de
um
momento
em
que
oafinnar
e o perguntar pelos processos epela organização
da
sociedade, pelas instituições e pelos sujeitos sociais exigem,inegavelmente, o uso
do
plural.E
que
a apreensão dessesmesmos
elementos edinâmicas
demandam
atençaonão
apenas ao regular, ao contínuo e ao reincidente,mas
também
às descontinuidades, idiossincrasias e instabilidades. .O
que
se delineia enquanto fragmentosde
processo civilizatório nostempos
atuais?
Que
afirmações
eque ameaças
estãoganhando forma
nos diversos âmbitosda
realidade social e
da
vida, dados os acelerados processos de unificação globalde
economias
e de aculturação de nações?Que
alternativas de sociabilidade nascem, secontrapõem
e resistem ia taisafirmações
eameaças?
Que
sujeitosemergem
frente àsrelações de produção, aos conhecimentos, às relações de significação e às relações
de
poder decorrentes dos atuais arranjos
do
capital?'
2 Kurz (Os últimos combates, 1997;
O
colapso da modemização,1999) e outros já falam do fim do
V
São, de fato, muitas as questões
que
podem
ser derivadasdo
atual “estado deinterrogação” de nossas sociedades ocidentais,
mas
algumas
delasvêm
absorvendo,sobremaneira, a curiosidade de filósofos, cientistas, estadistas e de
homens
emulheres, cidadãos dessa contemporaneidade instável.
São
questõesque
amim
também
provocam,
por constituidoras que são. Estas, genericamente falando, referem-se às “novas
formas de
sociabilidade ” sob as quais '-'uma subjetividade,também
nova, é
moldada
eplasmada” (CHAUÍ,
1997, p. 19): subjetividades de indivíduos esubjetividades de integrações sociais - classes sociais, grupos,
movimentos
sociais,comunidades. Subjetividades que
acompanham
formas de sociabilidade fragilizadas,em
razãoda
perdada
referência nacionalcomo
constituidora e normatizadora derelações.
Que
estão abertas anovos
elementos de agregaçãoque
processosextemos
àsmesmas
oferecem,mas
também
estão vulneráveis aos riscos e às incertezas a estes~
associados. Sociabilidades
que
têm
que lidarcom
a exclusao,no
interior dos própriosprocessos de inclusão; sociabilidades
que
têm que
enfrentarum
estado semi-anômicodeterminado pela flexibilização e precarização imposta pela lógica
do
neoliberalismoao social, desde o âmbito
do
trabalho até os espaçosmais
íntimosda
vida cotidiana.E
que geram
sofrimento, estenem
sempre
tematizado e problematizado.Que
relações sociais são estasque
abrem
espaço para a emergência dehomens
e mulheres que,
embora
perplexoscom
0que
setomou
passado etomados de
insegurança quanto ao porvir, se
reconhecem
como
“Sujeitos-no-mundo ”,como
partede
um
processo civilizatório que lhesdá
alteridade e identidade;que
os faz “Sujeitoshistóricos”?
Que
contradições tais relações sociais encerram que,mesmo
difundindoperplexidade, desestabilizando identidades e criando inseguranças radicais,
provocam
ou
dãomargem
à emergência de “movimentos sociais ”; ao surgimentode
iniciativasque
canalizam indignações,sugerem
novas respostas aos problemas,retomam
erecriam processos
na
direçãoda
emancipaçãohumana
(SCHERER-WARREN,
1999,p. 15)? '
~
« -
Sem
dúvida,nem
todos os sereshumanos
são afetadosda
mesma
forma,nem
Este é
um
complicador amais
das novas iniciativasque
relativizam oque
antes,embora
dinâmico emarcado
por certa provisoriedade, poderia ser considerado.mais
ifixo e
mais
estável.A
explicitação e as explicações dosfenômenos passam
a exigirmais
cautela, a paciênciada
busca dos detalhesda
singularidade e o espírito curioso,além
deboa
teoria.A
própria diversidade, que' cientistas e filósofosvêm
identificandona forma
humana
de acolher e reagir a essenovo
social,não pode
ser atribuídasimplistarnente a
um
único fatorcomo
a condição de classeou
a pertença a grupos.Mesmo
no
interior deuma
unidade destashá
bifurcações, mediante a incidênciado
que
hojevem
sendodenominado
“fatores transversais”.Ou,
como vêem
outrosanalistas, estas unidades
passam
a ser diluídas e “o conjunto de todos os explorados esubjugados”
passam
a configurar“uma
multidão ”que
tende a agir“sem
mzdzzzdorzw'
(HARDT;
NEGR1,42oo1,
p. 417-418)., _
E, então, que se
toma
tão'mais
dificil acomunicação
entre oshomens
num
mundo
que prima
por expandir constantemente a produçãohumana
de conhecimentos(no caso, tecnologia) capazes
de
aprimorá-la eque
se toma, aomesmo
tempo,mais
complexo
“fazer ciênciada
sociedade”.Os
sujeitos sociaisque
se constituemem
objeto de nossa investigação -integrantes
do
Movimento
dosTrabalhadores Rurais
Sem
Terra, hoje assentadosna
Nova Ramada,
assentamento
situadono
município
de
Júliode
Castilhos,RS
-têm
se debatidocom
essaordem
de coisas. Incluem-se entre os excluídos dosprocessos
de
acumulação do
capital,em
sua escala globalizante,de
hoje, e entre osdeserdados
do
capital,em
suas escalas nacionais-associadas,de
ontem.Emergem
de
um
processo seletivo,mas
vão
se construindonum
movimento
por reintegração, aindaque
deforma
periférica,na economia
ena
vida socioculturaldo
país. São elescontingentes de assalariados agrícolas, parceleiros, arrendatários,
pequenos
proprietários, indígenas -
homens
e mulheres - que, eliminadosda
dinâmicada
~ ~
produçao, face às sucessivas iniciativas de
modemizaçao
do
capitalno campo, no
Sulrurais de outros estados brasileiros
que experimentam
processos assemelhados, epassam
a desenvolver lutas e iniciativas de organização.Tais sujeitos sociais agregam-se a partir
da
condição de deserdados,da
recusaa esta condição e
da
absorção e elaboração de expectativas utópicasde
construção deprojetos emancipatórios para si e para o todo social.
A
vivência dessas condiçõesassociada a tais utopias3
vem
se desdobrandoem
lutas cada vez mais profundas contraas atuais configurações
ou
arranjos societais ena
organização decomunidades de
pro j eto.
Os
projetos desses sujeitos sociaistêm
passado pelo resgate deuma
identidadenacional,
ou
seja, dememórias do
passado;do
desejo de viverem
conjunto;da
perpetuação
da
herança(RENAN,
1990, p. 19apud
HALL,
1998, p. 58),mas
estaúltima reconstruída,
como também
têm
buscado a identificaçãocom
seus iguais,em
âmbito global - os igualmente excluídos pela lógica de
acumulação do
capitalem
diversos cantos
do
Planeta.Nos
projetos desses sujeitos sociais, mostra Caldart, manifestam-se“um
cultivo intencional
da
memória
eda
místicada
lutado
povo
” e o desejo, anecessidade e o
desaño
de viverem,em
conjunto, disposiçõesque
vivamente seexpressam
na
compactação e entrelaçamento dos corpos presentes nas ocupações,caminhadas, atos públicos, e
também
em
iniciativas de organizaçãoda
produção,“concretudes”
que
combinam
sentimento elracionalidade, prazer e força moral,
dirigidos à perpetuação de uma-herança reconhecida e recriada.
Em
síntese, interpretaCaldart, manifesta-se
uma
herança-projeto4, enraizadano
passado (2000, p. 37).3
O
conceito de utopia, emanado de tais lutas, pode ser associado ao de Löwy, “aspiração auma
ordem social, a
um
sistema social que ainda não existe em nenhum lugar e que, portanto, estáem
contradição com a ordem existente, com a ordem estabelecida ” (1985, p. 14).
4
Herança-projeto que Caldart apresenta,
com
o auxílio de Simone Weil (1996), Claudia J. Schmitt(1992), Raymond Willians (1969) e Alfredo Bosi (1998), como “uma cultura social com dimensão de
A
adesão a tais projetostem
se mostrado resultante de necessidadesrelativamente conscientes, racionalizadas - as de sobrevivência e as relativas _à
cidadania.
Mas
há
algo inerente à própria condição dehumanos
que tem
se colocado àmargem
da
tematizaçãoda
problemática desses sujeitosem
movimento, da
tematização das suas lutas e de seus processos organizativos,
que
também
motiva taladesão. É,
como
tal,uma
necessidade,mas
uma
necessidadeque
se situaaquém
ou
além
daquelasque
esses sujeitos e seus analistastêm
se proposto a nomear.Poderíamos dizer
que
se situano
âmbitodo
“oco” dos própriosmundos
desseshomens
e mulheresem
movimento.
E
configura-secomo
sofrimento. Sofrimentodecorrente da experiência subjetiva de ter
uma
falta objetiva não realizada.E
que
~
passa a
demandar
reconhecimento. Faltaque
pode
tomar-semais
explicitaou
naocom
a pertença ao
Movimento
dos Trabalhadores e TrabalhadorasSem
Terra;que pode
seratenuada
ou
aprofundar-se mediante tal pertença.Mas
que
é constituidora.Por 'que concentrar sobre esses sujeitos sociais. nossas preocupações
investigativas?
Podemos
elencar várias razões: primeiramente, pelaforma
como
osmesmos
vêrn tratando a tensão liberdade e vida, tensão essasempre
presentena
história da modernidade.
Ao
longo de sua trajetória,têm combinado
a luta pelosdireitos tradicionais - direito à alimentação, saúde, abrigo, direito de viver e
de
preservar condições essenciais à sobrevivência -
com
a luta pelos direitos sociaismodernos,
que
incluem apelos pela igualdade e liberdade nas relações referentes atemas
como
raça, gênero e sexo, e aindacomo
a questãoda
paz e a domeio-ambiente.Em
segundo lugar,em
razãoda forma
como
“entram” nas relações de poder,que parece envolver
ampla
expressividade, e concentrar alto potencial para a geraçãode aprendizagens.
A
luta pela terra é a sua questão central, constituidora.Mas
amplia-se, à
medida
que a maturaçãodo
Movimento
vai acontecendo.Ao
realizá-la, aliampotência e acolhimento. Tal luta significa estratégia, guerra, ocupação,
onde
épossível, desde o enfrentamento dos corpos,
em
relação aos quais todos os riscos são~
prováveis, inclusive o
da
perda total.É também
negociaçao que pressupõe aadmitidas perdas estratégicas,
mas
vem
sendo preservada 'a organização. Seusinimigos imediatos são o latifúndio e 'os
amigos do
latifúndio. Empresários que seidentificam
com
o capitalou
se transformamna
própria personificaçãodo
capital.Também
o Estado, seus aparelhosde
repressão e osgovemos
que
constroem eimplementam
políticasque
favorecem a desigualdade e a exclusão e se organizam e sereorganizam
em
função de interesses desterritorializados dessemesmo
capital.Mas,
ao
mesmo
tempo, não deixa dedemandar que
esse Estadoassuma
o papelde
mediador de
pactos sociais. ` 'A
terceira razão está vinculada à nossa preocupação decompreender
asrelações
que
elesmantêm'
com
os paradigmas das diversas ciênciasque
sededicam
àabordagem
de temasque
são seus - projetode
sociedade, relaçãocom
o Estado,organizaçãoe
gestãoda
produção - e delesmesmos como
tema
-forma de
vida,companheirismo,
movimento
social forjadonum
lugar enum
tempo. Estatem
semostrado
uma
relação não isentade
contradições. Se,em
referência aalgumas
questões,
mantêm
uma
relação crítica, de abertura ao conhecimento, relaçãonão
preconceituosa,
que
favorece a integração _a jogos de verdadecom
uma
atitudede
experimentação, de curiosidade, de busca
de
informação para tomar decisões, criar erecriar,
em
relação a outras questões, a atitude é ,menos crítica.Têm
mostradodificuldade de dar liberdade ao
pensamento
para seguir problematizando verdades,que
são suas,como
a síntese paradigmáticaque
orientou as ações que possibilitaramsua própria emergência, a síntese entre teologia
da
libertação e marxismo-leninismo.Como
explicar tais contradições?Ainda,
devemos
revelarque
a escolhade
tais sujeitos,como
referencialempírico de nossa pesquisa, esteve associada à curiosidade
que desenvolvemos
quantoà relação
que
oMovimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-Terravem
mantendo
com
as subjetividades (individuais e coletivas) dos trabalhadores e trabalhadoras
que
conformam
seus “quadros” e daqueles considerados seus aliados, especialmentequanto ao conjunto de ']vráticas"
ou
“técnicas constituidoras de si", segundo as
quanto ao papel
desempenhado
pela “mística”. “Mística” que, peloque
vimos
constatando,
pode
ser conceitualizadacomo
um
conjuntode
técnicasque permitem
traçar
uma
“estética” e revelaruma
“e'tica Dispositivos deordem
espiritual que sepropõem
a tocar e alimentar subjetividades, atingindo inclusive oque
referimoscomo
necessidades não nomeadas, aquelas geradas pelo
não
reconhecimentodo
sofrimentodecorrente
da
falta;que pressupõem
uma
relaçãocom
o “divino ”,mas
a partir evisando o “terreno”.
Podemos
outrossimafirmar que
a decisão de trabalharcom
uma
experiênciado
MST, como
objetode
investigação, fundamenta-sena
suposição deque
este reúnee representa sujeitos
que
vêm
problematizando sua época, rejeitando suaforma de
estar
no
mundo,
organizando-se a partir de interessescomuns
ecom
ofim
de
viabilizar sociabilidades alternativas. Apresentam-se
como
sujeitosque
sepropõem
aquestionar verdades e a criar
um
"conhecímento~como~emancqvação
conforme
expressão de
Souza
Santos (l999,_p. 58)ou
“uma
cultura socialcom
dimensão de
` `
~
projeto ”
como
trata Caldart (2000, p. 28).São
sujeitos que, aoocuparem
espaços,nao
têm-poupado sua criatividade e força política para ressignificá-los.
Finalmente, cabe acrescentar que, a escolha de tal objeto -de investigação está
associada à nossa história de vida
- como
profissionalda
educação ecomo
cidadã-
àconvivência, por cerca de quatro décadas,
com
sujeitosem
Movimento
ecom
suaslutas. _
É, então, mediante estas considerações,
que
desenham
um
contexto edefinem
sujeitos de referência,
que
a nossa pesquisa passa a perguntar sobre ofenômeno da
individuação
humana.
Individuaçãohumana
vista,não
como
uma
estação de chegadapara 0 sujeito,
nem
como
um
estado de totalidade,mas
como
uma
construção ao longode
vidas concretas. Vidas de sujeitos que,não
suportando a amplitude das pressõeseconômicas, sociais e políticas decorrentes das atuais dinâmicas de articulação
do
capital e globalização
da
economia
eda
cultura,vêm
se permitindo a organização e aconscientemente genéricos,
ou
seja, objetivos de caráter ético-político.E
que,em
razão
da
incerteza, dos riscos edo
sofrimento, decorrentes de tal escolha,vêm
construindo
uma
experiênciacom
características de sociabilidade e amplitude deatuação política ainda não vividas
no
país.'
Nossas
questões de pesquisa então se colocam: atéque
ponto, a força dessa“experiência”, dessa “cultura social
com
dimensão de
projeto”(CALDART,
2000,p. 28)
que
vem
se constituindocom
oMST
ecomo
MST
estásendo capaz de
configurar
nova
sociabilidade e subjetividadesque
transcendem
_ aparticularidade cotidiana?
Como
vem
seprocessando
ofenômeno da
individuação
humana
nesta “experiência” e, atéque
ponto, o sofrimentovem
seconstituindo
em
presença
ativa nesta construção?No
decorrer da pesquisa nãovamos
procurar consensos quanto aossignificados dos termos “particularidade cotidiana
”`e
“individuaçãohumana”,
termos
que
ocupam
posição centralem
nosso foco de investigação. Pretendemos, sim,trabalhá-los
na
interface entre os pensamentos de Heller, Gramsci, Arendt e Foucault;lidar
com
as divergências, convergências e contribuições singulares da produçãodesses autores, enquanto estivermos problematizando manifestações
da
experiênciaem
análise. _ __
.
É
Hellerque
vem
associando a “particularidade cotidiana ” auma
condiçãode' existência
em
que
o serhumano
não
tem
“consciência de si ”,do
“acidentedo
seunascimento”,
nem
da
sua “circunstância ”,do
seu estarno
mundo.
Sem
se dar contaestá assimilando o seu cotidiano; está se
movendo
na
vida pelo impulso de condiçõesextemas
a si, pela intervençãodo
ambiente sócio-culturalque
o recebeu desde o seunascimento.
Ambiente
visto não apenascomo
natureza,mas
como
condiçõesobjetivas, resultado da atividade
humana.
Adapta-se às normas, faz uso dos objetos eda
linguagem, interioriza,mas
não chega a fazer sínteses ampliadoras de sua visão eorientadoras de ações às quais possa atribuir sentido.
A
particularidade estariaconsciência
da
possibilidade de fazer escolhas moraisque visem
colocar sua vida eseu ambiente
em
questão, por estenão
estardando
contade
atender suas necessidades.Nem,
contudo,há
consciência deque
referendar oque
lhe está sendo oferecido pelacultura
pode
corresponder auma
escolha moral. aNa
obrade
Gramscis,vamos
identificar o sensocomum
como
expressãocorrelata, este visto
como
somatório de fragmentos de concepções, princípios ecrenças provenientes de
tempos
e lugares culturais diversos,que
asseguram ahomens
e mulheres
um
pertencimento primeiro,como
“homens
massa”, partes de coletivosnão
mais conscientes daquelesqueas
individualidades particularistas são capazes deplasmar.
Em
Foucault,vamos
encontrar tais expressões configuradas“em
situaçõesobjetivas” de construção
de
corpos dóceis -que
vão da
submissão de “corposmúltiplos” expostos à ação
do
biopoderàde
corpos individualizados sob a ação demecanismos
disciplinadores e subjetivadores;em
Arendt, estarão associadas aoconformismo, situação
em
queos
indivíduos apenas secomportam;
estão àmercê do
“automatismo inexorável
da
natureza eda
vida cotidiana" (coação da necessidade)(AGUIAR,
2000, p. 78-80), e das exigências deuma
sociedadeque
pretende que “osseus
membros
ajam
como
sefossem
membros
deuma
enorme
família dotadaapenas
de
uma
opinião ede
um
único interesse" (coação da força)(ARENDT,
1991, p. 49);não
experimentaramou
foram impedidos de experimentar a solidariedade políticapossibilitada pela ocupação
da
cena pública, por seres iguais e plurais, deonde
poderáocorrer a revelação'
de
singularidades.A
individuação, que estaria a dialetizar o estadode
particularidade cotidiana,tanto para Heller
como
para Gramsci, pressupõeuma
ultrapassagem.Os
humanos,
dirá Heller, são seres
“em
aberto ”;mesmo
no
cotidianopodem
ultrapassar a situaçãode alienação.
E
retomar a ela.A
construçãoda
individualidade corresponde aoprocesso, pelo qual
homens
e mulheres, individualmente e nos seus coletivos,passam
a se dar conta de sua condição de' “ser em-si” e colocam-se
na
perspectiva de,5 Não estamos trabalhando com a obra de Gramsci,
em
sua novaedição
em
português, porque amesma
não estava completa durante a realização da presente pesquisa.
conscientemente, deixarem de ser subjugados 'por ditames externos”
(PATTO,
1993,p. 10). Suas extemalizações
passam
a ser denovo
tipo,contêm
o novo, alcançamum
nível superior.
Vão
colocá-losna
direçãodo
genérico,na
direção de conceberem-secomo
“um
eu ”que
é parteda
espéciehumana,
como
alguém que
passa a se dar contada
própria subjetividade: “o indivíduo é, desde já, onovo
homem
forjadono
presente,mas
cujocomportamento
ético-político é orientadopor
necessidades radicais detranscendência ”
(CARONE,
1992, p. 96).Homem
que
é capaz de reconhecer, forçare usar,
no complexo
de relaçõesque
vive, a liberdade, aindaque
relativa,de
fazerescolhas
no
sentido de reorientar a própria vida e ado
seu meio.A
ultrapassagemda
alienação,em
Gramsci, vai corresponder à possibilidadeda
crítica e superaçãoda forma
fragmentária de individuos e coletivos -sociais sepostarem
no
mundo;
à construção deum
pensamento
unificado, coerente, conscientee,
no
entanto,mais
complexo, e deum
agirque
venha
revestir-se de caráteruniversalizante.
O
homem,
dotado de consciência e ação, referenciado a determinadascondições
de
vida, aum
tempo, aum
contexto “éum
processo, precisamente oprocesso
de
seus atos”, diz o autor (1966, p.38); estáem
constante transformação. Porsua vez, enquanto situado
num
tempo
enum
lugar, vivendo historicamente relaçõesconcretas e transformando
em
ações vitais, verdades desse tempo, ele é diversidade.Vislumbra, contudo, a possibilidade
do
“devenir”, dessa diversidade apontar para adimensão
tendencialmente unificada e universaldo
gênero humano."Vê
aindividualidade desse homem-diversidade-transformação
como
uma
construçãocomplexa:
como
um
jeito de concretizar ahumanidade
tendencialque
passa a penetrarcada
homem
singularna
medida que
estabelece relaçõescom
“os outroshomens”
ecom
“a natureza Para 0 autor, “a síntese dos elementos constitutivosda
individualidade é 'individual ',
mas
elanão
se realiza e desenvolvesem
uma
atividadepara
o exterior, atividade transformadora das relações externas, desde ascom
a
natureza e
com
os outroshomens
-em
vários níveis, nos diversos círculosem
que
vive- até a relação
máxima, que
abraça todo o gênerohumano
”(GRAMSCI,
1966, p. 47-Na
perspectiva de Foucault, a individuaçãonão
seria vistacomo
um
mover
avida apartir de
um
telos consciente e universalizante,mas
como
“uma
recusaao
que
se é”,
como
uma
atitude,um
ethos,uma
vidafilosófica na
qual a críticado que
somos
seja, ao
mesmo
tempo, análise histórica dos limitesque
se nosimpõem,
eexperimentação
da
possibilidade de transgredí-los(FOUCAULT,
1987, p. 30)(RAB1NoW;
DREYFUS,
1995, p. 239).`
Tal atitude
de
crítica intermitente e ilimitada, tratada por Foucault,pode
servista a partir das diferenciadas conotações
do pensamento do
autor, cujodesenvolvimento passou, coerentemente, por
um
constante superar-se. Poderácorresponder à luta de resistência
no
interior de redes de poder; de recusa aosprocessos de individualização e totalização aos quais as políticas
do
Estadoprocuram
submeter os indivíduos,
ou
poderá assumir adimensão do
cuidado de simesmo,
istoé, da adoção de
uma
forma de
vida pautada pela prática reflexiva da liberdade, pelacrítica e recusa de tudo aquilo
que impede
o governo de si e o governo e o cuidadocom
o outro.Uma
“éticado
domínio 'de simesmo”,
da “recusa a ser escravo e afazer escravos ”
(FOUCAULT,
1987, p. 105-142)Há
ainda a possibilidade dessarecusa critica de Foucault apresentar-se
como
afinnação
deuma
“estéticada
existência ”
que
pressupõe o conhecimento e odomínio de
si, oque
não corresponde àviolência de recusar-se,
mas
à possibilidade dogozo
de chegar a si(FOCAULT,
1987,p. 90-91, 1984, p. 72). '
_
›
V
Também
para Arendt, as singularidadeshumanas
estariam emergindoda
iniciativa
humana
de usar a liberdade de poder interromper processos e traçarnovo
começo.
Novo,
imprevisível e revelador. Imprevisível,em
seus desdobramentos, erevelador, já
que
aqueleque
se permite agir é, segundo a autora, “aqueleque
diz aspalavras,
que
se identificacomo
o ator e anuncia oque
está fazendo, oque
fez,ou
oque
tema
intenção de fazer”(ARENDT,
apud
WAGNER,
2000, p. 70)..A
ação, para Arendt, é portanto performática,ou
seja, constituidora/reveladoravida
em comum
de seres plurais -onde
a alteridade setoma
possível -, conquanto oque
possa daí resultar seja imprevisível. '“Se a ação,
como
início, correspondeao
fatodo
nascimento, se é a efetivaçãoda
condiçãohumana
da
natalidade, o discurso correspondeao
fatoda
distinção e éa~
efetivação
da
condiçaohumana
da
pluralidade”, condição esta que,como
teriaafirmado
a autora, estaria correspondendo ao “vivercomo
ser distinto e singular entreiguais ”
(ARENDT,
1991, p. 191).A
revelação das singularidadeshumanas
estariaocorrendo
no
espaço público, lugarda
convivência entre oshomens,
em
que ossentimentos e interesses privados
deixam
de ser “a-medida de
todas as coisas”(AGUIAR,
2000, p. 82).0
Estaremos, então, possibilitando
que
nossopensamento
circule, desde asabordagens
que
acabamos
de explicitar quanto aofenômeno da
individuação, echame
a interface, à
medida
em
que, pela problematização,formos
possibilitando àexperiência emergir nas suas formas caracteristicas de inserção aos processos
macro-
sociais.
Formas pouco
convencionais,que
nosexigem
a construção deuma
historiografiafi “dos avessos” da- experiência eleita
como
objeto de investigação, paraidentificannos as práticas
que
a possibilitaram, e os cortesque
amesma vem
realizando
em
relação ao previsto. ''
O
que
nos dirão, os autores referenciados, sobre as verdadesque
a experiênciaem
análisevem
objetivando? Sobre oque
elavem
expressando,como
configuraçõesdo
socialdo
“seu tempo”, e revelandocomo
“forma
própria” de fazer-se presenteneste social? E, sobretudo, o
que
nos dirão a respeito dasmarcas que
a experiênciainfunde nos sujeitos
que
vem
reunindo e sobre simesma
como
sujeito social, políticoe ético? ~
6 Procedimento inspirado nas construções de Foucault (l997;
1999,» 2000), (VEYNE, 1998),
O
fato de trabalharmoscom
autores, cujospensamentos não
cabem
em
um
sócampo
disciplinar, estará favorecendo a interdisciplinaridade; estará possibilitandoque, pela sociologia, associada à história e à economia, estejamos
chegando
àantropologia, à psicologia social e à teologia,
mantendo
afilosofia
presente,como
fundamento
ecomo
críticado pensamento
emanado
da
interação das “humanidades”,ao apresentarem respostas à problematização.
Trabalharemos, desde a crença de
que
as contradições dos processos macro-sociais se
manifestam
deforma
singular e seexpandem
pelos espaços socializadoresdo
cotidiano dos sujeitostomando
as tensões, peculiares aosmesmos, mais
densas 'emais
profundas.E
que, ofenômeno da
individuaçãohumana,
ao acontecer mediantetais contradições, associadas a heranças históricas
não
menos
tensionadas,que
essessujeitos trazem consigo,
vem
sendo perpassado 'pelo sofrimento. Sofrimentoconstituidor
que
vai experimentando- deslocamentos,em
forma
e conteúdo, emarcando
tais sujeitos, aomodo
de cadamomento
de expressão da experiência.Trabalharemos, outrossim,
com
a suposição deque
as relações,acima
antecipadas,
não
sedesenvolvem
mecanicamente;menos
ainda se remetidas aoMST,
coletivo social exposto continuamente à rearticulação de estratégias,
dado
o caráter“reativo-ativo” e “passado-presente-futuro”
que
assume, enquanto experiênciahumana.
Partiremos da suposição de quenão
vem
seconfigurando
uma
hierarquiaestável nas relações
que
associam processos 'micro e' macro-sociais singulares,heranças históricas e individuação, nesta
mesma
experiência.Até
porquetambém
não perderemos de Vista a produção de analistasda
pós-modernidade
como
Hardt e Negri (2001),Dufour
(2001),Agamben
(2002),que
nosalertam para a atual tendência à desterritorialização dos processos sociais, à
9
“cultun`zação°
do
tempo, aoadensamento
dosmovimentos da
dinâmicada
vidaem
razão, inclusive,
da
tendência aorompimento
das fronteiras entre os seus diversosplanos - “o político, o econômico, o social e o vital ”
(HARDT;
NEGRI,
2001, p. 429-atual carecimento de referências coletivas constitutivas de “eus” individuais e
coletivos.
É
desde esta perspectivaque
não descartamos a possibilidade de, aoacompanhannos
os processos de socialização e individuação destes sujeitosem
movimento,
em
temposde
globalização,chegarmos
a identificações de algumas 'desuas formas de manifestação,
com
a “rebeldia constituinteda
multidão ”, e atémesmo
com
os descaminhos identificados porDufour
(2001, p. 5-6),que
se constroemna
pós-modemidade,
epassam
a seduzirhomens
e mulheres que, por sua vez, sãotambém
convocados a se constituíremcomo
“indivíduos-sujeitosautônomos
”7.Procuraremos raciocinar sobre as especificidades de cada
um
dos grandesmomentos
constitutivosda
experiênciahurnanatomada
como
objetode
investigação -o
da
luta pela conquistada
terra e odo
assentamento -, a partirdo
duplo “potência eacolhimento”, já referido.
No
primeiromomento,
à potência acreditamos correspondera negação, a resistência a dinâmica
do
capital; o acolhimentovem
a ser a perspectivautópica capaz de
mover
“nossos sujeitos” - a terra, a relaçãocom
a terra ecom
“osoutros
humanos”
que habitam a terra - e aforma
“estética” de viver ede
“conduzir” aUV
busca desta utopia
que
inauguratambém
uma
eticaNo
assentamento, acreditamosque
a potência tenderá a deslocar-se da negaçãopara a afirmação.
Afirmação
que
poderá corresponder à expansãoda forma
de vidacriada, enquanto convivência e companheirismo, para o âmbito
da
produção: construirformas de gerar produção (relações, conhecimentos)
que permitam
aos assentadosrealizarem-se
como
agricultores, reintegrarem-se e reproduzirem-senuma
sociedadeque
mantém
as relações e as formas deprodução que
os marginalizaram. Por sua vez,o acolhimento estará associado à espera, à suposta solidariedade
da
espera pelaprodução e pelos frutos desta.
Acolhimento
que,supomos,
estará possibilitando aoselementos
da
cultura dos indivíduos e grupos - heranças, construções e reconstruções -disporem de mais espaço para intervir nos processos
de
socializaçãodo
cotidiano.7
No
E
o sofrimento constituidor,como
overemos
nesses doismomentos?
Partiremos
da
suposição de que o sofrimentosempre
esteveimpregnado
nessa gente.Como
já sugerimos, fezmorada
no
indivíduo.Num
primeiromomento,
como
complexo
de faltasnão
reconhecidas, aquelasque
seacumularam
como
heranças, e asque
a elasforam
se adicionandocomo
aquisições e construções próprias. Fontede
desconforto, de instabilidade de espírito, de
desordem
mental, ora esse sofiimento* foitomado
pelos trabalhadores e trabalhadorassem
terrascomo
produto da injustiçaassociada à condição de deserdados e excluídos, ora habitou suas
mentes
como
culpapela incompetência introjetada,
que
permitiu eafirmou
tal -condição.Também
deu
espaço à solidão daqueles que já não reconheciam o
mundo
no
qual estiveram amover-se; daqueles
que vinham
experimentando a “dessocialização progressiva”(DEJOURS,
1999, p. 19).Sofiimento
anômíco, algoque
vinha destruindo “osalicerces ” das identidades destes trabalhadores e trabalhadoras rurais. Sofrimento
banalizado por
uma
sociedadeque
deu entrada,como
característica cultural, a“um
estado de tolerância
ao mal
”como
sustenta Dejours (1999, p.l39), inspiradoem
Arendt.
Ao
lado deste, e associado ao conjuntode
fatores a ele relacionados, passou adesenhar-se,
também,
o mal-estar dojovem
inquietoque começava
a antever e aimplicar-se
com
a falta de perspectivasque
estamesma
sociedade lhe preparavacomo
futuro.
'
Estaremos considerando
que
a experiência de entrada/construção doMST
não
isenta esses sem-terras
do
ç sentir/sofrer,mas
propiciaum
deslocamentode
significados, já
que
este encontra lugarem
corpos carregados de esperança quanto àconquista
da
terra, transforrnando-seem
força capaz de se converterem
atos,encadeamento
de atos, prática social, prática de insterstício. Sofrimento-ascese,como
a Igreja o vê,
mas também como
o vê Foucault.O
primeiro colocadocomo
renúncia;domínio
do
corpo - fome, exposição à intempérie,não
privacidade para o corpo, risco-; renúncia para a construção da chegada à terra, ao seu lugar, ao reconhecimento
objetivado e objetificado.
O
segundocomo
trabalho consigomesmo
e, dadas aspossibilidades de relação
com
o saber ecom
um
“novo”
saber possibilitado peloincerto, para “resistir
ao que venha
"(FOUCAULT,
1994, p. 94). Esse “resistirao
~que
venha ”tem
sua constituiçao pautada por liberdade infinita, colocando corposem
jogo e apontando inclusive para a possibilidade
da
própria morte,morte
real - a sua, ade
um
companheiro ou
companheira, deum
filhoou
filha,da mulher ou
marido.Sofiimento
renúncia-risco-acréscimo, nãomais
anomia, sofrimento-meio, unificadorde
sentidos, capaz de pulsarum
devir.Um
terceiro conjunto de significados, antecipamos, poderá configurar oque
estamos
denominando
sofrimento emergente, aquele cuja pertença aoMovimento
pode
atenuarou
aprofundar a relação desannônicado
sujeitocom
referentes,nem
sempre
identificados. Porta de entrada para outra possívelforma
de anomiag,também
este poderá manifestar-se colado às sementes
do
devir; estar associado aintencionalidades construídas
na
lutaea
novas relações de poder, especialmente àsinternas, criadas a partir
do
“ser afetado” pela densa experiência de entrar e tomar-seMovimento.
Mas
esta, acreditamos, não deverá estar desvinculada dasameaças
externas,
que
poderãopermanecer ou
se renovar,acompanhando
o acontecimentoMST.
' 'No
casoda
experiênciaem
análise, acreditamosque
a chegada à terrapôde
propiciar
nova forma
de divisãodo
trabalho, de organizaçãoda
produção, novastécnicas de produção, e estabelecimento de
uma
rotina,no
cotidiano, capaz deviabilizar práticas
que
passaram a atribuir conteúdonovo
às relações internas.Estamos supondo que
isso tenha setomado
possível, dados os saberesque
penetrararno universo desses trabalhadores c trabalhadoras, principios
da
teologiada
libertação edo
marxismo-leninismo, temperados por vivênciasque
contribuíramcom
um
“plus”cultural à síntese
que
então se estabeleceu,homogeneizando
sentidos e criandonova
hierarquia de valores e sistema de regras
no
sentido de orientar as ações dessestrabalhadores, à
medida
em
quenovos
projetoscomeçaram
a ser delineados paraviabilizar a utopia compartilhada. -
8
Ou
paraÉ
nestemesmo
contextoque
dirigimos nossa atenção ao sofrimento que,conforme
nossas suposições, volta a apossar-se dos indivíduos,quando
significados eforças,
que
permaneceram
em
suspensona
luta, aterrizam, e contradições, até entãocontroladas,
voltam
a manifestar-se.Nossa
pesquisa resultanum
textocom
cinco capítulos.No
primeiro,“Caminhos da
Pesquisa”, nos dedicamos a revelar o nosso“como”:
como
enfrentamos questões de
ordem
epistemológica ecomo
traçamosum
método, aorealizar a pesquisa.
No
segundo, “Erauma
vez...esses sem-terras”, tratamosprimeiramente
de
fazeruma
retrospectiva,no tempo,
identificando aorigem
“dessessem-terras ”, hoje assentados
na
Nova
Ramada,
município de Júlio de Castilhos,RS,
edos conflitos sociais
no
campo
ocorridos ao Nortedo
Estadodo RS,
especialmenteaqueles
que
lhesderam
origem. Tratamosda
'construção
do
acampamento de
I
_
Encruzilhada Natalino e ocupações
da Fazenda
Anorrrri,marcos
fundamentaisda
história
do
MST
no Rio Grande do
Sul etambém
no
Brasil,quando
situamos o papelda
Igrejado
Oprimido
edo
Sindicalismo RuralCombativo na
recuperação desubjetividades enfraquecidas e
na
construção de disposição para a luta contra aexclusão.
É
nestemesmo
capítuloque
situamos o “sofiimentoanômico
”, associando-o às circunstâncias e práticas históricas
que
oengendraram
e banalizaram:modernização
da
agropecuária, controle sobre as populações, políticas de estadolevadas a efeito principalmente a partir de
meados
dos anos 60.Em
“Olhares,do chão
aos rostos”abordamos
a experiênciado
MST
como
“um
acontecimento ”, este visto sob as perspectivas de Foucault e Arendt,podendo
sercaracterizado
como
“cortecom
o antes”; possibilidadede
viver intensamente novasrelações, tanto
com
as forçasem
oposição (Estado e Latifúndio),como também
com
os aliados (Pastorais
de
Igrejas Cristãs, Sindicalismo, OutrosMovimentos
Sociais,ONGS,
Universidades, Escolas, e outros organismosda
Sociedade Civil); novasformas
de
comportamento; encontrocom
a insurgência e constituiçãoda
cumplicidadeativa para a emergência de