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Um horizonte da interpretação: o concertista no universo digital

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE MÚSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA. UM HORIZONTE DA INTERPRETAÇÃO: O CONCERTISTA NO UNIVERSO DIGITAL. FELIPE DE OLIVEIRA AMORIM. Salvador 2010.

(2)  . II. FELIPE DE OLIVEIRA AMORIM. UM HORIZONTE DA INTERPRETAÇÃO: O CONCERTISTA NO UNIVERSO DIGITAL. Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Música da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Música. Área de concentração: Execução Musical Orientador: Prof. Dr. Lucas Robatto. Salvador 2010.

(3) A524u. De Oliveira Amorim, Felipe UM HORIZONTE DA INTERPRETAÇÃO: o concertista no universo digital / Felipe de Oliveira Amorim – 2010. X, 153 p. :il. UFBA Orientador: Prof. Dr. Lucas Robatto Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Escola de Música. 2010. 1. Flauta Transversal. 2. Interpretação Musical. 3. Eletroacústica. I. Robatto, Lucas. II. Universidade Federal da Bahia. Escola de Música. III. Título. CDD 786.74 CDU 631.317.35.  .

(4) TERMO DE APROVAÇÃO FELIPE DE OLIVEIRA AMORIM UM HORIZONTE DA INTERPRETAÇÃO: O CONCERTISTA NO UNIVERSO DIGITAL Tese aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em Música, Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora:.

(5)  . IV. para minha mãe Flávia e meus amores Tacy e Iasmim que além de ajudarem a encontrar o meu caminho a muito o percorrem comigo..

(6)  . V. "A verdade é transparente e não a notamos, mas a mentira é opaca e não deixa passar nem a luz nem o olhar. Existe um terceiro estado, onde as duas estão misturadas e é o mais frequente. Com um olho olhamos através da verdade, e este olhar se perde para sempre no infinito; com o outro não vemos nem mesmo um dedo através da mentira, e este olhar não pode ir mais longe, permanece sobre a terra e completamente nosso; assim, de soslaio, vamos abrindo um caminho pela vida. Por causa disto, a verdade não pode ser compreendida de modo direto, como a mentira; apenas, pela comparação entre os espaços em branco e as letras de nosso Livro. Pois os espaços em branco do Dicionário Kazar correspondem às janelas transparentes da verdade e do nome do divino (do Adão Kadmon), e as letras negras entre os espaços em branco são os lugares onde nosso olhar tropeça na superfície... As letras podem igualmente ser comparadas às diversas peças do teu vestuário. No inverno, tu te cobres de lã e peles, colocas um cachecol, uma touca forrada e agasalhas-te bem; no verão, tu te vestes de linho, abres as roupas e rejeitas tudo o que é pesado; mas entre o verão e o inverno acrescentas ou retiras partes do teu vestuário - assim também se dá com a leitura. Nas diferentes estações da tua vida, o conteúdo dos teus livros parecer-te-á diferente, pois combinarás tuas roupas de diferentes maneiras. No momento, o Dicionário Kazar é apenas um amontoado de letras, de nomes e pseudônimos do Adão Kadmon, em desordem. Mas com o tempo tu te vestirás e obterás mais coisas... O sonho é uma sexta-feira para o que, na realidade, é chamado de sábado. Conduz a Ele e torna-se um com esse dia, e é preciso proceder do mesmo modo com os outros dias (quinta para domingo, segunda para quarta etc). Aquele que souber ler os sonhos em conjunto possuirá e terá uma parte do corpo (de Adão Kadmon)..." kazares, livro amarelo, Dicionário Kazar. Mirolad Pavitch.

(7)  . VI. AGRADECIMENTOS Ao professor Lucas Robatto, pelo conhecimento, atenção e confiança. Aos professores, colegas e amigos que me acolheram em Salvador..

(8)  . VII. RESUMO Este trabalho estuda aspectos da relação entre o concertista e a música eletroacústica sob o ponto de vista do intérprete, tendo o repertório para flauta transversal como base de análise. São apresentadas obras em que a eletroacústica está fixada em um suporte de reprodução de áudio, obras em que o intérprete controla a eletroacústica através de alguma interface e obras em que a eletroacústica é gerada pela máquina no momento da performance. O suporte teórico fornecido por Adorno confronta o repertório com uma teoria de interpretação desenvolvida antes da eletroacústica, que tem como alicerce três pontos: a historicidade intrínseca das obras, a mimese e o aspecto idiomático. O processo de observação deste repertório, através do estudo e performance das obras, levantou uma série de questões e necessidades específicas para a construção de uma interpretação, que quando vistas sob a ótica de Adorno, nos apontam para a compreensão de uma mudança na prática interpretativa, um novo capítulo nesta história, que é a busca pelo equilíbrio e fusão das vozes do intérprete e da eletroacústica..

(9)  . VIII. ABSTRACT This study deals with aspects of the relationship between electroacoustic music and its interpreter, taking the transverse flute repertoire as a basis for analysis. The study presents three kinds of specific repertoire: (1) music in which the electroacoustic resources are supported by audio reproduction; (2) eletroacoustic music controlled by the interpreter through the use of some kind of interface; (3) electroacoustic music generated by the machine during performance. The theoretical support of the study, based on Adorno, offers an interpretation of the electroacoustic phenomenon considering three points: the intrinsic historicity of the pieces of music; its mimesis and its idiomatic aspect. The process of observation generated by the practice and performance of the pieces of music in connection with the theoretical support offered by Adorno lead to an important consideration: the need for the construction of an interpretation of electoacoustic music that seeks balance, as well as the fusion between the voice of the interpreter and the voice of the electroacoustic resources..

(10)  . IX. SUMÁRIO. AGRADECIMENTOS.................................................................................................VI RESUMO...................................................................................................................VII ABSTRACT..............................................................................................................VIII 1. INTRODUÇÃO. 1. 2. A INTERPRETAÇÃO. 7. 2.1. O percurso.......................................................................................................9 2.2. O intérprete....................................................................................................13 2.3. Uma leitura de Adorno...................................................................................22 2.3.1. A historicidade......................................................................................22 2.3.2. A obra musical e o objeto notado.........................................................28 2.3.3. O sentido..............................................................................................37 2.3.4. O sentido em Adorno............................................................................44 2.3.5. O idiomático..........................................................................................47 3. A INTERPRETAÇÃO FIXADA. 54. 3.1. A gravação....................................................................................................56 3.2. A performance construída.............................................................................58 3.3. Flauta e Fita Magnética.................................................................................64 4. A INTERPRETAÇÃO FLEXIBILIZADA. 73. 4.1. A Interface.....................................................................................................75 4.2. O Pedal..........................................................................................................77 4.3. A Hiper-Flauta...............................................................................................81 4.4. Score following..............................................................................................85.

(11)  . X. 5. A INTERPRETAÇÃO VIRTUAL. 95. 5.1. Interação........................................................................................................95 5.2. As máquinas..................................................................................................98 5.3. O virtual.......................................................................................................101 5.4. O instrumento virtual...................................................................................102 5.5. O intérprete e o computador........................................................................106 5.6. Obra em Movimento....................................................................................118 6. O GESTO. 121. 6.1. Gestos individuais.......................................................................................124 6.2. Gesto orquestral..........................................................................................126 6.3. Gesto vetorial..............................................................................................129 6.4. A integração das vozes...............................................................................132 7. CONCLUSÃO. 139. 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 146. 9. ANEXOS. 151. 9.1. Lista de gravações das obras citadas.........................................................151 9.2. Lista de partituras das obras citadas...........................................................151 9.3. CD com gravações das obras citadas.........................................................153 9.4. CD com arquivos das partituras em PDF das obras citadas………………..153.

(12) 1. INTRODUÇÃO. Na metade do século XX surge a música eletroacústica, fruto das grandes transformações tecnológicas ocorridas no século passado. Esta nova forma de fazer música ampliou os horizontes do timbre - qualquer som passa a poder ser controlado e transformado musicalmente - do ritmo e das alturas, que praticamente não têm limites de exequibilidade; das dinâmicas, que podem ir do inaudível ao ensurdecedor, entre outros fatores. A eletroacústica foi vista, a princípio, como uma grande solução para o serialismo integral, que era de grande dificuldade de execução pelo intérprete em virtude da criação de séries para todos os parâmetros musicais. Entretanto, a música eletroacústica deparou-se com o problema da falta de expressividade decorrente da fixidez da fita magnética, que era o meio de difusão desta nova música, como relata Stockhausen (STOCKHAUSEN apud MOTTA, 1997, p. 7). O processo de composição consistia em gravar ou produzir sons em laboratório, editá-los em uma fita magnética, para posteriormente apresentar o resultado ao público. A difusão da música através de um gravador de rolo, máquina que transforma os impulsos eletromagnéticos da fita em som, é sempre a mesma, sem as variações performáticas do intérprete, o que imediatamente despertou os compositores para a busca de soluções que incrementassem a expressividade musical na eletroacústica. A solução encontrada na época foi criar obras eletroacústicas que envolvessem seus sons e formas de difusão com o intérprete instrumentista tradicional. Esta junção deu origem à música eletroacústica mista - obras compostas.

(13)  . 2. para um instrumento tradicional e sons eletroacústicos - formação que é o objeto de estudo deste trabalho. Este primeiro passo foi significativo, sendo esta, talvez, a forma de composição mais utilizada até hoje. No entanto, os esforços continuaram no desenvolvimento de novas práticas, paralelamente ao desenvolvimento tecnológico da humanidade. O resultado foi o aparecimento de várias formas de interação entre o intérprete e os meios eletroacústicos: formas simples de controle da máquina através de pedais; ou mais complexas, como programas capazes de ouvir e acompanhar o intérprete em relação à partitura e até mesmo de executar ações em relação ao ponto em que se encontra o intérprete na partitura. A explosão tecnológica também ampliou o horizonte dos instrumentos. Foram inventados inúmeros novos instrumentos eletrônicos, capazes de interagir com o intérprete das mais variadas formas que se possa imaginar. Dos antigos Theremim e Ondas Martenot, passando por luvas capazes de produzir sons de acordo com o movimento das mãos até o uso de sensores, presos no corpo ou não, podemos construir instrumentos controladores do som praticamente a partir de qualquer objeto e utilizar qualquer parte do corpo para controlá-los. No entanto, a intenção dos primeiros compositores de obras eletroacústicas mistas era acrescentar toda uma tradição interpretativa acumulada ao longo de séculos da história àquela que era então uma nova prática musical. Por isso, um delimitador deste trabalho é a utilização da flauta transversal europeia como representante da tradição. Portanto, são sempre abordadas obras mistas que envolvam a flauta, sendo o choque entre a tradição interpretativa e as novas necessidades interpretativas o objeto de investigação específico..

(14)  . 3. A tradição e o novo levantam questões como: O que ocorre entre o intérprete flautista e os meios eletroacústicos? Quais as necessidades específicas para se montar uma interpretação e realizar uma performance? Como se relacionar com os meios eletroacústicos? Como forma de imersão nestas questões, realizei pequenos estudos de caso que abrangem todo o período da história da música eletroacústica mista para flauta, da década de 1960 até os dias de hoje. Estas obras apresentam diversas técnicas de composição quanto à forma de relação com a eletroacústica, constituindo uma amostra rica das possibilidades mais comuns de interação praticadas. A escolha do repertório não obedeceu um critério científico mais específico, a dificuldade de se conseguir o material eletroacústico é em grande parte dos casos um obstáculo. No entanto o repertório estudado abrange a primeira obra para flauta e fita magnética composta na história e obras para tape compostas mais recentemente, com processamento de áudio, com acompanhamento da partitura pelo computador e sua participação na criação de parte do material composicional em tempo real. Outro fator importante é a proximidade com alguns compositores1. O estudo das obras envolveu não somente o processo de estudo tradicional de uma obra musical - leitura, construção da interpretação e apresentação em concerto - como também a participação no processo composicional, sendo que duas das obras foram compostas por mim e tive a oportunidade de desenvolver e estrear junto com os compositores João Pedro Oliveira e Rogério Vasconcelos suas respectivas obras. O resultado da experiência está exposto em cinco capítulos que.                                                                                                                 1. Uma lista abrangente do repertório para flauta e eletroacústica pode ser encontrada em http://www.subliminal.org/flute/.

(15)  . 4. apresentam alguns aspectos envolvidos na interpretação de obras para flauta e meios eletroacústicos. O capítulo “A Interpretação” apresenta e delimita o conceito de intérprete e interpretação, segundo a teoria de Adorno (2006). O ponto de partida são os conceitos de historicidade intrínseca e sentido da obra, que nos permitem considerar que ela modifica-se no transcorrer da história em virtude das ações de intérpretes, ouvintes e compositores. Estes conceitos nos levam às lacunas da partitura, que devem ser completadas pelo intérprete, cuja função é resgatar suas características miméticas - capacidade da música de imitar o movimento - e realizar a conversão do elemento simbólico, a escrita musical, em som. Ao mimético e ao simbólico é adicionado o idiomático, a maneira de tocar de uma época ou intérprete, que juntos completam a ideia de interpretação de Adorno. “A Interpretação Fixada” traz a discussão sobre a primeira forma de interação entre o intérprete e a eletroacústica, obras para flauta e fita magnética ou tape. Um pequeno histórico do processo de gravação do início do século XX é apresentado, assim como seu resultado, que é a música eletroacústica - a obra totalmente fixada, segundo Freire (2004). Como solução à fixidez é levantada a questão da necessidade do intérprete tradicional junto com a eletroacústica, a partir de Stockhausen (1997) e Bassingthwaighte (2002). Por fim, são apresentadas duas obras, Synchronisms nº1 (1963), de Mário Davidovsky, e a Escada Estreita, de João Pedro Oliveira, e são abordadas questões relativas à interpretação desse tipo de obra. “A Interpetação Flexibilizada” trata da flexibilização da parte eletroacústica das obras mistas. São apresentadas interfaces, formas de conexão entre o.

(16)  . 5. intérprete e a máquina que permitem interferir no processo de geração do material eletroacústico. Dentre as inúmeras interfaces existentes, foram escolhidas o pedal, a hiper-flauta e o score following, por sua praticidade e acessibilidade. Este capítulo mostra como as interfaces atuam na obra musical e quais novas necessidades criam para o intérprete. As interfaces na música eletroacústica podem ser comparadas com os órgãos sensoriais humanos. O microfone funciona como o ouvido e as caixas de som como o sistema vocal, por isso são chamadas de máquina sensórias por Santaella (1997). Essas máquinas, associadas ao computador, a máquina cérebro, ampliaram infinitamente os horizontes de possibilidades do som e da música. Esta associação transforma a flauta, com suas possibilidades sonoras, em um instrumento virtual, capaz de produzir e controlar qualquer som. A virtualidade, segundo Lévy (2000), é uma nova qualidade musical criada pela máquina cérebro, capaz não apenas de acompanhar a posição do intérprete na partitura, como de criar vozes paralelas ao intérprete em tempo real, no momento da performance. “A Interpretação Virtual” apresenta este contexto através da obra Três janelas, de minha autoria, resgatando em seu final um conceito de Eco (1986): a obra em movimento. Por fim, no “Gesto”, recuperamos a ideia de mímese de Adorno (2006), por meio do conceito de gesto musical. Sendo o equilíbrio o amálgama entre sons eletroacústicos e acústicos, uma das questões fundamentais para compositores e intérpretes, o conceito de gesto é apresentado como um objeto que ajuda na compreensão da obra mista como composta de linhas sonoras, e não por vozes determinadas segundo os instrumentos. Defende-se que esta forma de pensamento traz para o intérprete uma compreensão um pouco diferente no relacionamento.

(17)  . 6. camerístico entre os instrumentos, acústicos ou não, que privilegia mais a dualidade separação/amálgama que a dualidade voz principal/secundária, defendida por Wagner (1989) e Adorno (2006) em relação à música clássico-romântica. Este trabalho foi escrito com a intenção de atingir aos flautistas, principalmente os estudantes de graduação. Este pequeno panorama da música eletroacústica mista é apresentado com o objetivo de levantar questões sobre um repertório relativamente novo e suas implicações para o concertista. Um repertório que permanece distante dos desejos dos jovens intérpretes e dos cursos de flauta transversal no Brasil, que pode ser tachado como difícil em razão das necessidades tecnológicas. Mas talvez sejam justamente estas necessidades que possam acrescentar novas qualidades ao intérprete, na compreensão da música de hoje e na música de outros tempos..

(18) 2. A INTERPRETAÇÃO. A interpretação é uma atividade intrínseca do homem. Nós a realizamos continuamente ao longo de nossas vidas. Ainda na barriga de nossas mães, somos provocados por uma série de sensações externas, os primeiros sons, gostos, a luminosidade, as sensações de movimento, de tato, por exemplo. Os primeiros sinais externos que recebemos são os sonoros, compostos pelas batidas regulares do tímpano-coração, pelos sons borbulhantes do sistema digestivo ou pelos seus quasi-trombones. Aos poucos, outros sons vão sendo associados e formam nossa primeira paisagem sonora. Paralelamente, outros sentidos vão se formando, incorporando novas sensações, que trazem junto nossas primeiras interpretações. Em sua rotina no útero, os bebês já se movimentam, esticam e encolhem as pernas, demonstrando estar em plena atividade. Um impacto qualquer que sofra o útero, como. uma queda da mãe, é interpretado pelo bebê como uma. ameaça à vida, o que o leva a cessar os movimentos, como forma de prevenir um nascimento precoce. Por sua vez, a mãe, acostumada com a rotina dos movimentos em sua barriga, interpreta esta parada como algo ruim e se pergunta se o bebê está vivo. O nascimento nos desvela um mundo novo, recheado de novas sensações, novos sons, cores, formas, criaturas, objetos naturais e artificiais... Partindo das interpretações mais básicas, passamos a formar o conhecimento, a elaborar relações, até criar sistemas abstratos, como a escrita e a matemática. Esses sistemas estão em expansão pelo mundo, com.

(19)  . 8. seus suportes próprios, multiplicam-se à medida que são inventados novos meios de produção, reprodução, divulgação e armazenamento. Sua rapidez de crescimento e complexidade exigem que nossa interação não se dê mais apenas de forma intuitiva. Cada vez mais, sua interpretação necessita de um nível crítico e reflexivo. Peirce diz que "percebemos o que estamos preparados para interpretar" (PEIRCE, 2005, p. 227), ou seja, que a capacidade de alguém compreender algo depende de sua familiaridade com este objeto. Já Gombrich defende que "se confiamos em nossos olhos, e não em nossas idéias pré-concebidas sobre como as coisas devem parecer, de acordo com as. regras. acadêmicas,. faremos. as. mais. excitantes. descobertas". (GOMBRICH, 1993, p. 406). Peirce remete a interpretação a um universo particular. Gombrich, por sua vez, estende as possibilidades ao infinito, conferindo um caráter mais criativo e ilimitado à interpretação. Porém, ambos os autores concordam que a percepção é essencial para a interpretação. A percepção dos fenômenos à nossa volta é o ponto de partida da interpretação. Tudo o que possa vir à nossa mente, seja sonhado, imaginado, concebido ou vislumbrado, possui três elementos formais universais: o primeiro está relacionado aos aspectos qualitativos do fenômeno; o segundo, às relações de ação e reação, de causa e efeito, à experiência; e o terceiro elemento refere-se à mente, ao pensamento, a tudo que diz respeito à representatividade, à mediação entre duas coisas (Netto, 1983, p. 61).

(20)  . 9. 2.1 O percurso. Segundo a semiótica de Peirce e roteiro de análise desenvolvido por Vieira (1997), nosso processo de perceber um fenômeno, de perceber a música, pode passar por três etapas. A primeira é a contemplação, ou seja, devemos apenas estar abertos ao que nos chega através de nossos sentidos. Devemos, na medida do possível, nos relacionar com o fenômeno sem qualquer tipo de juízo, conclusão ou qualquer outra reação. Contemplar significa desarmar os juízos da percepção, deixando apenas que as coisas entrem. Aus den sieben Tagen (Dos Sete Dias) de Stockhausen, composto em 1968, é um bom exemplo de busca por um estado contemplativo pleno. O compositor pede ao intérprete:. "Vive completamente só durante quatro dias guardando jejum em silêncio absoluto, com a possível imobilidade. Dorme apenas o necessário, Pensa o menos possível. Depois de quatro dias, bem tarde da noite, Sem prévia conversação Toca sons simples. SEM PENSAR no que está tocando Fecha os olhos, Simplesmente ouve." Goldstaub (Pó de Ouro) - Aus den sieben Tagen (GRIFFITHS, 1998, p. 168). O desejo do compositor é o que poderíamos considerar uma interpretação contemplativa, ou seja, a mais espontânea possível. O nível contemplativo é o que poderíamos desejar como ideal para a escuta musical, pois busca a apreensão da música apenas por suas qualidades, sem se preocupar com outros significados que ela possa ter..

(21)  . 10 Da contemplação passamos para a observação, que é a percepção. das. particularidades. dos. fenômenos,. de. sua. existência,. de. suas. características próprias que o tornam único e o separam de um contexto. Neste estágio, nossa atenção está voltada para o fenômeno em sua realidade física, corporificado, observando suas características existenciais. Podemos falar a respeito da. Sonata ao Luar de Beethoven. Se. ouvimos a interpretação musical de um pianista, sua interpretação da obra é a corporificação, faz com que a obra exista no mundo físico e seja acessível à nossa percepção. A partir de então, podemos observar o fraseado, o toque, as relações dinâmicas, os andamentos, a articulação, a forma, como as estruturas temáticas se desenvolvem, como caminha a tensão musical. Porém, a forma como estes elementos estão dispostos e se relacionam é segundo a interpretação de Nelson Freire, por exemplo, se escutamos a versão de Wilherm Kempf, observaremos outras formas de equilíbrio entre os elementos musicais, estaremos de fato diante de outro objeto sonoro. Como nesta etapa observamos o objeto físico, seria mais correto dizer que não escutamos a sonata de Beethoven, mas a interpretação de Nelson Freire da Sonata ao Luar. A terceira etapa de percepção do fenômeno é a generalização, ou seja, ser capaz de retirar o geral do particular, extrair de um fenômeno particular o que ele tem em comum com todos o outros e assim identificar uma classe geral a que ele pertença. A generalização é a capacidade que temos de associar coisas em classes, conjuntos, grupos nos quais seus componentes têm características comuns..

(22)  . 11 Ao compararmos as interpretações de Freire e Kempf da Sonata ao. Luar, somos capazes de identificá-las como duas versões de uma mesma obra. Ao identificarmos, por meio da escuta, que as interpretações possuem a mesma forma, os mesmos temas, tonalidades, notas, ritmos, perfil dinâmico, entre outros aspectos, dizemos tratar-se da mesma obra. A generalização não está interessada nas diferenças dos objetos, nas suas particularidades, mas nas suas semelhanças, para obter um objeto genérico que inclui, neste exemplo, todas as interpretações da Sonata ao Luar de Beethoven. Da mesma forma,. poderíamos falar de todas as obras do. período clássico romântico, ou de todas as músicas de concerto, e assim por diante. Obviamente, a percepção da música é uma condição básica para que possamos interpretá-la, assim como qualquer outro fenômeno. São três os níveis em que podemos interpretar algo. O primeiro é o imediato, trata-se do potencial da música de produzir certos efeitos e não outros. São as possibilidades interpretativas latentes, prováveis, que estão à espera de uma mente que as realize. O potencial da música é provocar emoções, sensações. Ela pode até produzir outras coisas, porém não se espera ver cores ou se descobrir a distância entre a terra e o sol, pelo menos não atualmente, na audição de um concerto. O segundo nível é o fechado. Este é o caso em que o que vemos e ouvimos estão conectados diretamente, portanto o potencial interpretativo é reduzido à relação. No caso da música, ao vermos alguém pressionar a tecla da nota “Lá” em um piano, em condições normais, ouviremos o som relativo à.

(23)  . 12. tecla pressionada e não um estouro de um pneu ou o surgimento de uma imagem divina. Por último, o nível inexaurível é incompleto e está no território dos elementos simbólicos da escrita musical. Uma partitura de música clássica ocidental, que era interpretada de uma forma no século XVIII, adquire novos ares no mundo moderno. Sua interpretação está em contínua mutação, de acordo com a percepção de quem a lê. A tentativa de uma reprodução da forma como se tocava no século XVIII, hoje, pode até resultar em um objeto idêntico fisicamente, porém, a percepção por parte de uma sociedade altamente ruidosa, que vive mergulhada em velocidades astronômicas, rodeada de informações novas a cada segundo, nunca será a mesma. Portanto, nunca se interpretará a música do passado como se fazia no passado. No processo interpretativo, a análise da partitura com o objetivo da compreensão da obra deve visar o levantamento do máximo de possibilidades interpretativas, para num segundo passo fazermos as escolhas, optarmos por uma interpretação, assumimos uma posição única. Quando chegamos a este ponto, quando um intérprete toca uma música no palco, apresentamos todos os níveis interpretativos reunidos e as diferentes faces que a partitura efetivamente produz no intérprete (Santaella, 2002, p. 40). Ou seja, podemos dizer que o intérprete-músico revela no palco os efeitos que a partitura produziu e está produzindo nele naquele momento..

(24)  . 13. 2.2 O intérprete. O intérprete é quem, ou o que, reage ao contato com determinado objeto. No caso do intérprete-músico, sua função básica é criar uma ligação entre a obra musical e a partitura, fazendo escolhas entre as várias possibilidades que a escrita pode apresentar. Neste processo, o intérprete não pode fazer escolhas arbitrárias, tem que seguir uma série de preceitos que os elementos escritos determinam, além de outras ações que não estão escritas mas são necessárias para que, no momento da performance, haja a compreensão de que a obra que estamos ouvindo é a que está escrita no papel, que o intérprete está respeitando seus preceitos. O momento da performance, da execução da obra, é quando todos os elementos. que. a. envolvem. estão. atuando. e. se. relacionando. simultaneamente. Ou seja, a partitura, um objeto simbólico, produto da seleção feita pelo compositor de certas variáveis pertencentes ao universo sonoro (NATTIEZ, 1990, p. 78), está delimitando ao intérprete as ações que deve realizar. Este, por sua vez, está apresentado o resultado de suas escolhas, dentre as possíveis proporcionadas pela partitura e pela obra, por meio da ação física de tocar um instrumento, ao produzir o som que torna possível o estabelecimento de relações que são entendidas como música pelo ouvinte. O intérprete é quem faz escolhas, redimensiona a idéia musical delimitada pelo compositor em som, em algo físico, e apresenta o resultado a alguém. Ele "apresenta o sentido da composição musical na performance" (WALLS, 2002, p. 17)..

(25)  . 14 Considerando os níveis interpretativos, ao tocarmos ou ouvirmos uma. música, podemos simplesmente sentir emoções, sermos compelidos a reagir a uma ação, ou produzir algo a partir de instruções dadas. O intérprete, seja ele músico ou simplesmente ouvinte, sempre estará em contato com estes três níveis, em maior ou menor intensidade. A interpretação na música, portanto, ocorre nestes três níveis: o das qualidades, o da ação e reação e o dos símbolos. É fácil observarmos estes níveis na imagem clássica de um músico que interpreta um concerto com seu instrumento. Ele lê ou memoriza uma partitura, geralmente um objeto confeccionado de papel branco com manchas pretas, ou colorido, como ocorre na música do ocidente na Idade Média e a partir do século XX. As manchas são símbolos, convenções criadas pelos homens que tornam possível a compreensão por parte do intérprete de uma idéia musical proposta pelo compositor. Existe toda uma cadeia de ações e reações físicas e mentais por parte do intérprete, para que o som seja ouvido e a música aconteça, quando ele fricciona a corda de um violino e produz uma nota, por exemplo. Por fim, a expressividade musical, entendida como "um conjunto de qualidades perceptivas que refletem relações psicológicas entre propriedades objetivas da música e impressões subjetivas do ouvinte”, (JUSLIN, 2003, p. 276) é responsável pelas qualidades, sensações e emoções, parte fundamental para o entendimento da música como arte. No entanto, quando avaliamos um caso limite, como a obra 4'33'' (Quatro Minutos e Trinta e Três Segundos), de John Cage (19912-1992), qual o papel do intérprete numa peça em que o compositor pede apenas que ele.

(26)  . 15. suba ao palco e fique em silêncio? A música de Cage pode ser tocada em qualquer instrumento e possui três movimentos, 30″, 2′23″ e 1′40″. A realização do pianista David Tudor2, que a estreou e para quem a obra foi dedicada, acontece da seguinte forma: ele sobe ao palco, ajeita a partitura e toma nas mãos um cronômetro. Ao disparar o dispositivo, ele fecha a tampa do piano e fica em silêncio, repetindo a ação de abrir e fechá-la aos 30″, 2′23″ e 1′40″, marcas que determinam os três movimentos da obra. Tudor passa as páginas da partitura e ao fim de 4'33'', ele abre a tampa do piano pela última vez, pega a partitura e o cronômetro e se levanta. A partitura original foi perdida, mas existem várias versões. Basicamente, o que ela mostra é o número do movimento seguido da palavra tacet (pausa). A análise mais comum que se faz das intenções do compositor, em relação a esta obra, é de que o silêncio do músico no palco permite ao ouvinte prestar atenção em outros sons, provenientes do ambiente que os envolve. No vídeo de Tudor podemos supor dois ambiente sonoros diferentes. O primeiro é o do local em que está sendo realizada a obra. Ouvimos o tic-tac do cronômetro, as páginas sendo passadas, a tampa do piano abrindo e fechando, sons do corpo de Tudor e um pequeno burburinho da platéia. O segundo ambiente é o que envolve quem está assistindo o vídeo e varia conforme o lugar. Se consideramos a interpretação musical como uma "realização sonora de uma obra ou trecho musical – com existência anterior ao ato da interpretação musical – por parte de um indivíduo ou grupo de indivíduos,                                                                                                                 2. Link para o vídeo da performance de David Tudor: http://www.youtube.com/watch?v=HypmW4Yd7SY&feature=PlayList&p=9C649354FDF43658 &playnext_from=PL&playnext=1&index=14.

(27)  . 16. sendo esta realização sonora reconhecida por um indivíduo ou grupo de indivíduos como interpretação musical da tal obra” (ROBATTO, 2005, p. 6-7), 4'33'' pode ser entendida como tal. Sua realização sonora são os sons ambientes, ainda que aleatórios. A obra existia antes de sua realização, não se trata de uma improvisação espontânea, e sua realização é notadamente reconhecida pela comunidade. Apesar de outros compositores terem tratado o silêncio de forma semelhante à de Cage, sua obra dificilmente não é reconhecida nos meios musicais cultos. A figura central da obra é o intérprete. Há todo um referencial simbólico que ele representa, a forma como se veste, sua postura no palco, o instrumento à sua frente, além de seu currículo pessoal no mundo da música, que o qualifica como um intérprete musical. Um aspecto importantíssimo é a presença da partitura, o objeto que melhor representa a música de concerto ocidental. Ao contrário de uma interpretação de um concerto de Mozart, os sons não são produzidos pelo intérprete diretamente. Porém, é ele quem conduz a atenção dos ouvintes à paisagem sonora presente, sua não-ação é de fato uma ação para a produção sonora resultante. Por fim, as sensações e interpretações dos ouvintes são fruto do que Eco chama de interpretação semântica, que é "o resultado do processo pelo qual o destinatário, diante da manifestação linear do texto, preenche-a de significado" (ECO, 2004, p. 12). Há interpretação como realização sonora e viva de uma partitura, mas, também, interpretação como ato de compreensão (Nattiez, 2005, p. 143). Ao analisarmos os motivos que levam o público a ouvir os sons ambientes através de 4'33'', estamos realizando uma interpretação crítica, que é "aquela por meio da qual procuramos explicar por quais razões estruturais pode o.

(28)  . 17. texto produzir aquelas interpretações semânticas" (ibidem, p. 12), ou mesmo interpretar o texto musical de outra forma, visando levantar outros tipos de conhecimentos extra-musicais. Levison propõe conceitos semelhantes, porém especificamente voltados para música, quando fala de interpretação performática - o momento da performance na música, e interpretação crítica, que “tem a intenção do entendimento, por parte do intérprete, do sentido da obra” (LEVINSON: 1993, 37). Inúmeras interpretações, performáticas ou críticas, existem sobre 4'33''. Em uma delas, o próprio Cage interpreta a obra em cima de um caminhão em praça pública. Ele simplesmente se senta em frente ao piano, abre a tampa, dispara o cronômetro, fecha a tampa e se levanta após o limite do tempo. Porém,. algumas. vezes. os. intérpretes. costumam. provocar. intencionalmente sons durante a performance da obra com o objetivo de criar um ambiente sonoro "aleatório". Eco diz que o texto interpretado impõe restrições aos seus intérpretes, que "os limites da interpretação coincidem com os direitos do texto (o que não quer dizer que coincidam com os direitos de seu autor)" (ECO, 2004, p. XXII). Será que a atitude destes intérpretes não vai contra a intentio operis, a intenção da obra? Os sons produzidos intencionalmente podem ser justificados pelo fato de que dentro de uma sala de concertos não temos muitos sons ocasionais, mas uma interpretação mais coerente não seria deixar o silêncio quase total destes ambientes? Esse conflito nos remete à discussão travada por Eco com alguns pensadores a respeito da validade de uma interpretação (Eco, 2004), sobre qual o limite do intérprete em relação à obra..

(29)  . 18 Segundo Eco, "interpretar um texto significa explicar porque essas. palavras [os sons para a música] podem fazer várias coisas (e não outras) através do modo pelo qual são interpretadas" (ECO, 2005, p. 28). Ele acrescenta: "o texto é um dispositivo concebido para produzir seu leitormodelo. Repito que esse leitor não é o que faz a 'única' conjectura 'certa'. Um texto pode prever um leitor-modelo com o direito de fazer infinitas conjecturas" (ibidem, p. 75). Temos, então, dois aspectos delimitadores da interpretação. O primeiro é o que pode ser feito. O segundo, a expectativa de como a obra vai ser compreendida. O ouvinte-modelo da obra de Cage é alguém com mínimos conhecimentos da música de concerto. Sua expectativa ao ver um piano, com uma pessoa sentada à sua frente, é de que ela vá tocar alguma coisa, produzir algum som. Se esta pessoa produz o som, a expectativa do ouvinte é confirmada; se não, há um aumento de tensão, devido ao rompimento da expectativa. A expectativa do ouvinte confirma o limite do que o intérprete pode fazer em 4'33''. Ele pode, por exemplo, ficar em uma posição que indique que pode tocar o instrumento a qualquer momento, mas se ele produz algum som, o ato faz com que o ouvinte perceba o fato como mais uma "música tradicional", talvez com ritmos muito lentos, sons em pianíssimo. A intenção desta obra é de gerar tensão através da não-ação do intérprete. Fazer algo que contrarie isto pode levar ao questionamento sobre interpretações válidas ou não. Porém, vivemos num tempo sem muitos limites com relação ao fazer artístico, com a multiplicação de linguagens muito diversas no início do.

(30)  . 19. século XX. As obras muitas vezes adquirem funções que não foram previstas pelo autor, pela intentio auctoris (intenção do autor), como diria Eco. Os intérpretes sentem-se muito livres, apropriam-se da obra e nem sempre respeitam sua intenção, que "desempenha um papel importante enquanto fonte de significados que, embora não sejam redutíveis à intentio auctoris pré-textual, funcionam mesmo assim como restrição à liberdade da intentio lectoris" (intenção do leitor) (COLLINI, 2005, p. 11). Os impulsos incontroláveis dos intérpretes atuais produzem dois tipos de. interpretações. extremas.. Primeiro,. versões. de. uma. obra. que. simplesmente desrespeitam a intentio operis. A versão em ritmo de discoteca da 5ª Sinfonia de Beethoven, muito popular na década de 70, por exemplo, desfigura toda a estrutura da obra elaborada pelo compositor, toda a narrativa e expressividade harmônico-melódica deixa de existir em função de uma melodia metronomicamente achatada. Considerando o conceito de interpretação de Eco e a intentio operis, podemos dizer que este caso não é de uma interpretação musical, mas de um uso da obra de Beethoven. No outro extremo, temos interpretações que criam uma nova obra de arte. Deleuze, em Platão e o Simulacro (DELEUZE, 1998, p. 259-271), apresenta o ideal dos modelos e cópias do universo platônico, no qual as coisas dos homens sempre têm um modelo no mundo das idéias. Ele propõe uma expansão e transformação desta relação modelo-cópia, dizendo que à medida que fazemos muitas cópias de um modelo, elas se modificam tanto que, por fim, produzem um simulacro, coisa que vagamente se assemelha a outra, um objeto tão distante do modelo que passa a ser entendido como uma nova coisa. Deleuze rebaixa a noção de modelo de Platão para uma.

(31)  . 20. relação cópia-cópia ad infinitum. Como exemplo, podemos tomar o III movimento da Sinfonia, de Luciano Berio (1925-2003), que é a resultante de uma estrutura, uma textura formada por trechos que vão de citações de obras importantes da história a formas de vocalizes mais simples, tudo ligado por um narrador. Ou ainda a música eletrônica, em que muitos compositores utilizam como matéria prima de suas obras outras músicas e sons que são transformadas pelos processos digitais. Boulez (1925-) diz: "todas as obras que escrevo nada mais são, no fundo, do que as diferentes facetas de uma só obra central, de um conceito central" (BOULEZ, 1975 apud NATTIEZ, 2005, p. 91), o que coloca sua obra como um bom exemplo da filosofia de Deleuze. A idéia de Boulez é considerar seus conceitos a respeito da música e seus meios compositivos, suas estratégias composicionais como os elementos temáticos das obras, e não os objetos sonoros. Podemos considerar o tema beethoveniano um modelo central que vai sendo "copiado" ao longo da sinfonia, sofre transformações, porém sem nunca deixar de estar ligado ao tema. As variações que o tema sofre no desenvolvimento da forma sonata não são nada mais do que cópias do modelo e, por serem cópias, sempre sofrem algum tipo de transformação. Uma cópia xerox não é nunca idêntica ao original. Boulez unifica sua música a partir de um nível mais profundo. Ao contrário de uma harmonia, ele pensa em processos de organização harmônica, como um sistema harmônico pode ser estruturado por exemplo. Processos de estruturação dos parâmetros musicais, e não modelos sonoros, constituem o fundamento do sistema que permite ao compositor utilizar um.

(32)  . 21. mesmo procedimento e gerar músicas diferentes em sua superfície auditiva. Comparando com o DNA, que contém as informações genéticas dos seres vivos, sempre temos uma mesma estrutura, o reconhecemos como similar em todos os seres, porém a recombinação de seus elementos constituintes produz espécies completamente diferentes. Podemos dizer que a música produzida por Boulez é produto de um sistema a-centrado, não proveniente de um núcleo específico, mas sim composto por conexões múltiplas que podem ser estabelecidas em qualquer parâmetro, tanto na estrutura interna da música como entre obras diferentes. Para estas e outras situações mais radicais em que a interpretação extrapola a intentio operis, Eco propõe a idéia de “superinterpretação”. Se "compreender é fazer as perguntas e encontrar as respostas em que o texto insiste. [...] Supracompreender, por outro lado, consiste em fazer perguntas que o texto parece não colocar a seu leitor-modelo" (CULLER, 2005, p. 135). Isto é, perguntar-se que outras coisas pode um objeto prestar ao fazer artístico. Para Eco, “superinterpretação” é a prática de fazer exatamente aquelas perguntas que não são necessárias à comunicação normal, mas que nos possibilitam refletir sobre seu funcionamento" (ibidem), perguntas que os artistas têm feito e respondido com obras cada vez mais inusitadas. Podemos dizer que a superinterpretação é uma expansão da abertura de interpretação presente em qualquer objeto, sendo que a interpretação é limitada pela intenção da obra, e a superinterpretação extrapola seus limites. Comentando sobre seu livro A Obra Aberta, escrito entre 1952 e 1962, Eco diz que sua intenção era de demonstrar as múltiplas interpretações presentes nas obras criativas, nas obras de arte de qualquer natureza, e não apenas.

(33)  . 22. nas declaradamente abertas à interferência do intérprete em sua composição estrutural (Eco, 2004, p. 27) (Eco, 2005, p. 5). A preocupação com a abertura interpretativa do discurso artístico já é presente na Estrutura Ausente, 1ª edição de 1968, em que ele prevê um modelo de comunicação que contempla um tipo específico de mensagem, uma "mensagem com função estética [que] é, antes de mais nada, estruturada de modo ambíguo em relação ao sistema de expectativas" (ibidem, p. 52), uma mensagem aberta. Se Peirce diz que "um signo deve deixar que seu próprio intérprete o dote de parte de seu significado" (CP 5.449), Eco organiza e define limites para a ação do intérprete, limites para que não haja uma desfiguração da obra, não no sentido de tolher sua liberdade, mas de organizar seu fazer no infinito universo da arte.. 2.3 Uma leitura de Adorno. 2.3.1 A historicidade. No século XVIII, François Couperin (1668-1733) escreveu a respeito de um problema particular com a música: "Na minha visão há algumas deficiências no caminho da notação musical que estão relacionados com a maneira como escrevemos nossas idéias. Escrevemos algo diferente do que está sendo tocado. Isto é porque os estrangeiros tocam nossa música pior do que nós o fazemos" (WALLS, 2002, p. 18)..

(34)  . 23 Vivemos um momento histórico no qual o músico deve ser capaz de. tocar um repertório de grande diversidade estética e cultural e de períodos históricos muito diferentes. Diferentemente de hoje, os músicos que trabalhavam com Johann Sebastian Bach (1685-1750) tinham o hábito de tocar obras compostas em seu momento histórico, sempre de acordo com concepções estéticas similares e em um mesmo ambiente sócio-cultural. À medida que retrocedemos na história, temos cada vez mais um maior contato do compositor com o intérprete. De fato, na música antiga não há uma separação do compositor, que é também intérprete de sua obra, o que não cria a necessidade de uma partitura muito específica, pois o compositor está ali para dizer o que quer. No curso da história, a figura do compositor se separa do intérprete e a partitura se distancia de seu criador, fazendo com que ela cada vez mais ganhe detalhes de escrita das dinâmicas, dos andamentos e marcas de expressão, o que pode ser facilmente comprovado comparando a partitura de Bach com a de Claude Debussy (1862-1918), ou mesmo Pierre Boulez (1925-). Os compositores modernos têm uma maior necessidade de detalhar a escrita, por estarem afastados fisicamente do intérprete. O pensamento é de que quanto maior a quantidade de informação escrita, maior será a fidelidade da interpretação. No entanto, o intérprete em frente à partitura é confrontado com questões que não podem ser imediatamente resolvidas "nem pelo recurso às obras, nem pelas exigências da própria execução, mas sim somente pelo conhecimento da relação essencial entre ambas" (ADORNO, 2001 apud CARVALHO, 2005, p. 204). Isto significa dizer que, mesmo a partitura mais.

(35)  . 24. minuciosamente escrita, com a maior quantidade possível de informações relativas à sua forma de execução, como as de muitos compositores contemporâneos, permite de imediato uma interpretação adequada. Ao mesmo tempo, não há princípio interpretativo, práticas pessoais do intérprete, quanto à abordagem do material, que bastem para conferir à interpretação "aquele caráter de verdade que, enquanto idéia, rege necessariamente qualquer realização musical" (ibidem). A chave para o conhecimento da relação essencial entre os dois planos, a partitura e as práticas do intérprete, está no conceito de História, segundo a teoria de interpretação de Adorno (2006). A história não deve ser aqui entendida como uma sucessão de fatos coletados, mas sim como "o modo fundamental das empiricidades, aquilo a partir de que elas são afirmadas, postas, dispostas e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis" (FOUCAULT, 1999, p. 300), entendendo que empiricidades remetem a um sistema que só reconhece a experiência como guia seguro, que atribui exclusivamente à experiência dos sentidos a origem dos conhecimentos, ou seja, a história como algo prático e vivenciado. Quando uma obra é escrita e interpretada, ela traz consigo o seu momento inserido na história. O surgimento desta consciência, em meados do século XIX, contribui para distinguir uma interpretação verdadeira de uma falsa, separando o que parece ser determinado pelo texto do que se apresenta como arbitrário. Para Adorno, "reconheceu-se a mudança histórica enquanto tal", e esta "foi posta em relação com a idéia de interpretação verdadeira" (ADORNO, 2006, p. 215)..

(36)  . 25 Mais importante do que a classificação de uma interpretação. verdadeira ou falsa, é o que Richard Wagner (1813-1883) destaca em seus escritos sobre a regência de orquestra (Wagner, 1989), destacando a mudança da interpretação em função das mudanças das técnicas composicionais e históricas da música. Na leitura de Adorno, Wagner atrela as mudanças das técnicas composicionais à necessidade de mudança na maneira de tocar - uma está em função da outra. O compositor toma como exemplo a música de Beethoven e todo o classicismo vienense que tem sua origem histórica com a introdução do que Adorno chama de cantabile, mais conhecido como tema nos manuais de análise: "uma construção que se constitui, através de um processo. mediado. dialeticamente,. a. partir. de. figurações. temáticas. qualitativamente diferentes" (CARVALHO, 2005, p. 205). Segundo. Wagner,. as. práticas. interpretativas. oriundas. dos. kappelmeister da tradição barroca ignoravam a existência deste novo canto. Esta prática de regência não buscava revelar melodias enfronhadas na textura sonora de Beethoven, criando, nas palavras de Adorno, um conflito entre a nova música e o "crispado e inflexível bater do compasso dominante na era do baixo contínuo" (ibidem). Para Wagner, a correspondência entre a estrutura da composição dos clássicos e sua execução musical consistia em deixar claro o novo tecido temático em seu movimento ao longo da obra. Isso só era possível através do tempo musical, ou seja, o caminho para o desvelar da nova música não estava escrito no texto, mas no momento da execução. Sob uma partitura com uma mera indicação de andamento, nascia uma nova necessidade interpretativa: o classicismo vienense impunha uma.

(37)  . 26. nova prática, diferente da exigida na música pré-clássica, e se estabeleceria como princípio geral até a época de Wagner. Desta forma é que Wagner relacionava a verdade da interpretação e a história. Uma verdade que não está presente na história; pelo contrário, a história é que está na "verdade da interpretação como algo que se desenvolve segundo as leis imanentes da própria interpretação" (ADORNO, 2006, p. 217-219). Esta idéia de que o movimento da história é inseparável da "verdade da interpretação", e não algo que impõe uma determinada interpretação a partir do exterior, configura uma idéia de que "não há obra em si que exista em si mesma" (ibidem, p. 259) e de que ela pode ser compreendida em épocas diferentes, porém com limites para cada uma de suas concepções. Desta forma, a história não é exterior, mas parte da obra, é um substrato, uma categoria que Adorno denomina de "desenvolvimento no tempo" e que é importante na sua definição de "essência da obra" ; é uma lei permanente e inseparável que faz a obra mudar ao longo do tempo. Esta historicidade interior das obras musicais provoca mudanças na interpretação, que então são testemunhas do "conteúdo das obras", assim como, inversamente, o "conteúdo das obras" é testemunha da história. Adorno, portanto, distingue uma interpretação verdadeira - a que capta a essência da obra no seu movimento histórico - da interpretação falsa, que se impõe à obra a partir do exterior através de meras contingências, como o gosto puramente pessoal do intérprete ou a moda, incorporando coisas estranhas à obra interpretada. Esta submissão a um gosto puramente subjetivo do intérprete, ou ao gosto dominante de um contexto históricosocial, abre caminho para um relativismo estético baseado em uma relação.

(38)  . 27. arbitrária com a obra, o que vai contra a idéia da relação entre os planos da partitura e da interpretação mediadas pela história. Assim, se existem mudanças históricas nas práticas interpretativas, estas mudanças só correspondem a uma interpretação verdadeira se forem determinadas pela própria historicidade interna das obras. Neste sentido, observamos que a interpretação é um processo em mudança permanente em função do movimento da história, o que nos remete à idéia de que a obra também é algo inconcluso. As obras modificam-se no tempo; as novas transformam as antigas, uma vez que criam novas tendências de percepção ao apresentarem novos problemas e soluções interpretativas, como o exemplo descrito por Wagner. Isso nos leva a duas constatações importantes para a interpretação musical: a primeira é que a obra musical não é idêntica ao texto notado; a segunda, que o gesto imanente da música é sempre atualidade, ou seja, os mais antigos signos musicais não são para o agora, nem para qualquer outro tempo (Adorno, 2006, p. 250). Dahlhaus argumenta que o que fez a história da música diferente de outros tipos de histórias é o fato dela não somente dar importância às coisas do passado - eventos, documentos - mas olhá-las com a estética do presente (Dahlhaus, 1983, p. 5). As idéias de que a obra é algo não concluído, em estado de permanente transformação devido ao movimento da história, e de que os signos musicais são atuais, são idéias próximas da teoria da História da Walter Benjamim. Ele considera a obra como um evento histórico, por isso um processo sem conclusão, e diz que "articular o passado não consiste em conhecê-lo como realmente foi, mas sim ganhar a transmissão do novo ao.

(39)  . 28. conformismo que dela [da obra] pretende apoderar-se" (BENJAMIM, 1991 apud CARVALHO, 2005, p. 207). Não conhecer o passado como ele realmente foi pode ser entendido como a impossibilidade de se retornar à música de Bach ou Beethoven. Mesmo que fosse possível reproduzir fielmente a forma de se tocar da época, não é mais possível ouvir estas obras como se ouvia. No entanto, o conceito de historicidade interna torna esta música viva, uma vez que a dialética da contemplação pode ser sempre de novo subtraída pela interpretação ao continuum do academismo, porque a própria obra mudando intrinsecamente, confere objetividade à interpretação (Adorno, 2006, p. 213).. 2.3.2 A obra musical e o objeto notado. O século XX trouxe uma grande quantidade de transformações para a estética musical. Se na produção da música tonal os compositores produziam a partir de um único sistema, a nova música ampliou os sistemas, permitindo ao compositor a tarefa de criar o seu próprio sistema. A profusão de novas formas de organização da música teve reflexo nos intérpretes, que se viram diante de um repertório novo, sem muito tempo para adaptações. Trata-se de um intérprete proveniente da prática romântica, acostumado à textura tonal, aos temas, à melodia bem definida, ao percurso de tensão musical muito claro, elementos musicais que, se não foram totalmente erradicados, sofreram transformações muito drásticas. Se hoje ainda temos dificuldades em interpretar a música do século passado, os intérpretes. responsáveis. por. este. repertório. então. contemporâneo.

(40)  . 29. certamente tinham também. Ravel bradava que "não estava pedindo para a música ser interpretada, mas somente tocada" (WALLS, 2002, p. 17). Esta dificuldade em entender o novo repertório, aliada à prática da interpretação do repertório romântico, provoca duas reações por parte dos compositores: houve um aumento acentuado do detalhamento do texto musical, as partituras passaram a apresentar um número maior de signos e os compositores passaram a defender mais veementemente uma leitura mais literal da partitura. Podemos compositores,. tomar que. Stravinsky. muitas. vezes. como viam. um suas. representante idéias. destes. completamente. "destruídas" nas mãos de determinados intérpretes, alertando : "o pecado contra o espírito da obra sempre começa com um pecado contra sua literalidade, e leva às intermináveis loucuras que uma literatura sempre florescente,. do. pior. mau. gosto,. faz. o. possível. para. sancionar". (STRAVINSKY, 1996, p. 113). Ele continua, dizendo que "a música deve ser transmitida e não interpretada, porque a interpretação revela a personalidade do intérprete mais do que a do autor, e quem pode garantir que um determinado executante refletirá a visão do autor sem distorção?” (WALLS, 2002, p. 17). Stravinsky estava propondo uma mudança na interpretação vigente, formada pelo romantismo. Ele propunha uma leitura mais literal, a restrição à personalidade do intérprete, defendendo que não há o que procurar nas notas senão o que está lá, bastando tocá-las corretamente para se realizar a obra. Entretanto, as diferenças entre compositores e intérpretes sempre existiram ao longo da história, pois estes desvios fazem parte da música: "o.

(41)  . 30. desvio entre a partitura e o resultado sonoro é tão grande que a notação não pode ser pensada como uma imagem válida da obra" (NATTIEZ, 1990, p. 79). Nas palavras de Adorno, "nunca e em passagem alguma o texto musical notado é idêntico à obra"; para ele ser fiel ao texto é preciso captar aquilo que está oculto, senão "a fidelidade transforma-se em traição" (CARVALHO, 2005, p. 210). A busca deste sentido oculto deve ser uma preocupação da interpretação, pois não se pode considerar que um texto musical revela-se a partir de si mesmo. Deve-se considerar que ele é "algo que ainda tem de constituir-se a si próprio" (ibidem, p. 210-211). Se fizermos uma comparação com a poesia, poderemos entender um pouco melhor o que se quer dizer com "constituir-se a si próprio". A poesia permite uma performance; no entanto, ela não é absolutamente necessária, visto que o texto poético escrito já está num formato sensivelmente captável: qualquer um pode tomar o livro, ler e interpretar de acordo com seu universo cultural. Já o texto musical precisa de algo de fora, precisa necessariamente da performance para converter os signos da partitura, sem sacrificar o que está e o que não está escrito, o oculto. O texto musical precisa do intérprete, que é o responsável pela zona de indefinição na notação musical. Desta forma, não podemos dizer que o texto musical está completo, uma vez que, sem o intérprete, ele não passa de uma folha de papel; isso quer dizer que a música só se constitui verdadeiramente como texto através da interpretação (Adorno, 2006, p. 181). Mas a necessidade do intérprete lança um problema para a escrita musical, inexistente na poesia, fazendo com que a partitura seja um "enigma.

(42)  . 31. insolúvel" e, ao mesmo tempo, o "princípio da resolução do enigma" expressões de Adorno. É um enigma, pois nunca se encontrará uma solução, cada intérprete achará a sua; e o princípio da resolução está nos próprios signos, que são o que permite alcançar a música propriamente dita. O trabalho do intérprete, em relação à escrita, é mergulhar no texto notado e adquirir um conhecimento que torne possível transformar a indefinição, que é uma essência do texto, em uma definição que torne a obra legítima (ibidem, p. 241) e concreta. Assim, pelo caminho inverso, a obra, no momento de sua execução, não se confunde com o texto notado. O texto é um componente; a obra, porém, possui uma objetividade, uma existência que legitima a definição do texto escrito, ou seja, cria uma identidade entre a partitura e a performance. A partitura como um enigma; seu estado de definição ou indefinição; a objetividade (existência) da obra e sua historicidade interna são os pontos que servem de referência para a abordagem da interpretação como um problema, segunda a análise de Adorno. Se compararmos a escrita musical com a escrita da fala temos em comum que ambas são sistemas de signos. Entretanto, a diferença básica entre elas é que a escrita musical não tem a possibilidade de formar complexos sonoros que possam significar coisas ou objetos, o que é possível com as palavras. Adorno considera a escrita musical como uma escrita nãointencional, o que faz da música uma linguagem não-intencional, pois sua interpretação/performance ocorre no terreno qualitativo e não no simbólico, ou seja, a música atua no nível das sensações (ibidem, p. 168). Mas para a música se organizar é preciso um elemento articulador que possa ser.

(43)  . 32. organizado sob o ponto de vista de uma certa lógica; Este elemento é o mimético. Em grego, mimeses que dizer imitação ou representação, e tanto para Platão como para Aristóteles significava a representação da natureza. Entretanto, para Platão, qualquer criação é uma imitação das coisas verdadeiras que estão no mundo das idéias. Dessa forma, o processo de criação artística seria uma imitação de segunda mão, pois a arte imita a natureza do mundo dos homens. Já Aristóteles via o drama como sendo a imitação da uma ação. Como. rejeita o mundo das idéias de Platão, ele. considera a arte como representação do mundo (Auerbach, 1996, p. 522). Podemos tomar a música dos Pigmeus como exemplo de como era sua relação com o mundo que estava ao seu redor. Se a música de concerto de hoje é algo abstrato e sem um simbolismo direto, para os Pigmeus era a forma de se relacionar com a natureza e ao mesmo tempo tentar compreendê-la. Sua atitude era bem simples: copiar as ações de seu cotidiano.. Desta. forma,. músicas. como. "Chegada. da. chuva. no. acampamento", ou "A caçada do elefante", tentavam recriar sonoramente estas situações. Sob este aspecto, para Adorno a música é uma linguagem puramente mimética, tanto livre de um objeto concreto como da significação. Ela é um gesto organizado segundo uma lei, um gesto acima do mundo corporal, um gesto sensorial. No entanto, quando a música subiu aos palcos das salas de concerto européias, deslocou o elemento mimético para a periferia da construção musical. Mesmo assim, os traços deste elemento ainda podem ser encontrados no nível partitura, da notação. Assim, segundo Adorno, os.

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