• Nenhum resultado encontrado

Escritores da liberdade: uma proposta de intervenção a partir da escrita de si na Educação de Jovens e Adultos (EJA) em uma escola municipal de salvador

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Escritores da liberdade: uma proposta de intervenção a partir da escrita de si na Educação de Jovens e Adultos (EJA) em uma escola municipal de salvador"

Copied!
154
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE LETRAS

MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS (PROFLETRAS)

LEILA CONCEIÇÃO PAIVA DA SILVA

ESCRITORES DA LIBERDADE: UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO A PARTIR DA ESCRITA DE SI NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) EM UMA

ESCOLA MUNICIPAL DE SALVADOR

SALVADOR 2016

(2)

LEILA CONCEIÇÃO PAIVA DA SILVA

ESCRITORES DA LIBERDADE: UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO A PARTIR DA ESCRITA DE SI NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) EM UMA

ESCOLA MUNICIPAL DE SALVADOR

Memorial de formação apresentado ao Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.

Orientadora: Prof. Dra. Simone Souza de Assumpção

Salvador 2016

(3)

LEILA CONCEIÇÃO PAIVA DA SILVA

MEMORIAL - ESCRITORES DA LIBERDADE: UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO A PARTIR DA ESCRITA DE SI NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE SALVADOR

Dissertação (Memorial de formação) apresentado ao Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.

Aprovada em: 20 / 12 / 2016

Banca Examinadora

______________________________________________________ Professora Dra. Simone Souza de Assumpção - Orientadora

______________________________________________________ Professor Dr. Rodrigo Camargo Aragão - UEFS

______________________________________________________ Professor Dr. Júlio Neves Pereira - UFBA

(4)

AGRADECIMENTOS

A Deus acima de todas as coisas, pela vida e pela permissão para que esse trabalho se realizasse.

À minha mãe Iracema e ao meu pai Fabião por serem fundamentais na construção do que sou.

A Mariana e Mirella, minhas vidas, por compreenderem minhas ausências. A Cláudio, meu companheiro, pelo incentivo e paciência.

Aos meus irmãos, familiares e amigos, por me apoiarem em meus projetos, me desejando sempre o melhor.

Ao Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS) da Universidade Federal da Bahia e todos os seus docentes pela oportunidade de estudo oferecida e pelos conhecimentos partilhados.

À minha orientadora Prof.ª Drª Simone Souza de Assumpção por ter contribuído de forma tão valorosa para a minha ressignificação.

Aos professores doutores Júlio Neves Pereira e Rodrigo Camargo Aragão pelas contribuições que possibilitaram o redimensionamento do meu projeto.

Aos queridos amigos da segunda turma do PROFLETRAS por terem me ensinado tanto.

Às minhas amigas queridas, companheiras de orientação, Caren Costamilan e Soraya Coelho, pelo apoio e carinho durante a nossa caminhada.

À minha amiga de lutas, dentro e fora do PROFLETRAS, Cirlene Barreto. Aos Escritores da Liberdade pela confiança e pela partilha de suas vidas.

À ex-coordenadora pedagógica da Escola Municipal Pirajá da Silva, Valdeci Silva pela disponibilidade sempre, pela dedicação à EJA e apoio ao meu trabalho.

À direção, aos professores e ao secretário da Escola Municipal Pirajá da Silva pela acolhida e apoio aos “Escritores da Liberdade”.

Aos funcionários da Escola Municipal Pirajá da Silva Thaís, Graça e Moisés pelo empenho para que tudo desse certo.

Aos Freedom Writers pela inspiração.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de fomento a esta pesquisa.

(5)

“Creio que todas as palavras que vamos pronunciando, todos os movimentos e gestos, concluídos ou somente esboçados (...) podem ser entendidos como peças soltas de uma autobiografia não intencional (...). Esta convicção de que tudo quanto dizemos e fazemos ao longo do tempo, mesmo parecendo desprovido de significado e importância, é, e não pode impedir-se de o impedir-ser, expressão biográfica, levou-me a sugerir um dia, com mais seriedade do que à primeira vista possa parecer, que todos os seres humanos

deveriam deixar relatadas por escrito as suas vidas. ”

(6)

RESUMO

O presente trabalho é um memorial de formação no qual a docente analisa de forma crítica e reflexiva a sua formação intelectual e profissional e discorre sobre o projeto de intervenção “Escritores da Liberdade: uma proposta de intervenção a partir da escrita de si na Educação de Jovens e Adultos (EJA) em uma Escola Municipal de Salvador”, desenvolvido no âmbito do Mestrado Profissional em Letras, sob a orientação da Professora Doutora Simone Souza de Assumpção. O referido projeto consistiu na produção de um livro contendo narrativas autobiográficas de alunos da EJA, da Escola Municipal Pirajá da Silva, localizada no bairro da Liberdade. Nesse sentido, os alunos realizaram um conjunto de atividades envolvendo a leitura e produção de textos do gênero autobiográfico, na perspectiva do letramento. A narrativa autobiográfica foi utilizada como objeto de pesquisa, instrumento pedagógico e espaço da escrita de si na EJA. Assim, objetivou-se tornar possível a formação da docente e dos seus alunos, por meio da escrita de si. Também foi possível, conhecer as histórias de vida dos alunos, seus saberes, suas experiências, a heterogeneidade da sala de aula, ajudar a elevar a autoestima de alunos já tão estigmatizados, como costumam ser os da EJA e contribuir para a construção e reconstrução da identidade deles. O trabalho realizado possibilitou também a aprendizagem significativa dos alunos por meio leitura, escrita e da ressignificação de suas próprias experiências e uma melhor compreensão da docente em relação a práticas de escrita e leitura que ocorrem no espaço escolar. O percurso metodológico escolhido inicialmente foi a pesquisa qualitativa de cunho etnográfico, tendo posteriormente, também, se configurado em uma pesquisa-ação-formação. Para tanto, o aporte teórico e metodológico adotado foi André (2004), Bogdan e Biklen (1994), Delory-Momberger (2011), Fino (2003 e 2008), Geraldi (1997 e 2010), Kleiman (2000 e 2007), Ludke (2013), Meurer (1997), Passeggi (2006 e 2010), Possenti (2002 e 2012), Souza (2004 e 2008), Street (2010), dentre outros.

Palavras-chave: Narrativa autobiográfica. Escrita de si. Etnografia. Educação de Jovens e Adultos.

(7)

ABSTRACT

The present work is a memorial of formation in which the teacher analyzes in a critical and reflexive way her intellectual and professional formation and it talks about the project of intervention "Freedom Writers: a proposal of intervention through self writing in the Youth and Adults Education in a Municipal School of Salvador", developed in the context of Professional Master Degree in Portuguese Language, under the guidance of Professor Simone Souza de Assumpção. This project involved the production of a book containing autobiographic narratives of Youth and Adults Education students from Pirajá da Silva Municipal School, located in the Liberdade neighborhood. Thus, the students performed a set of activities involving the reading and production of texts of the autobiographic genre, in the perspective of literacy. The autobiographic narrative was used as object of research, pedagogical tool and space of self writing in the Youth and Adults Education. In essence, the main goal was to make possible the formation of the teacher and her students, through self-writing. It was also possible to get to know with the students' life histories, their knowledge, their experiences, the heterogeneity of the classroom, help raise the self-esteem of students who are already so stigmatized. In addition, the project contributed with the construction and reconstruction of the students’ identity and revealed the heterogeneity of the classroom. The work carried out also allowed students to learn meaningfully through reading, writing and re-signification of their own experiences and a better understanding of the teacher in relation to writing and reading practices that occur in the school space. The methodology chosen initially was the qualitative research with ethnographic aspects, and later, also, it was configured in an action-formation research. To that end, the theoretical and methodological contributions adopted were André (2004), Bogdan e Biklen (1994), Delory-Momberger (2011), Fino (2003 e 2008), Geraldi (1997 e 2010), Kleiman (2000 e 2007), Ludke (2013), Meurer (1997), Passeggi (2006 e 2010), Possenti (2002 e 2012), Souza (2004 e 2008), Street (2010), among others.

Keywords: Autobiographic narratives. Self writing. Ethnography. Youth and Adults Education.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1 MINHAS ITINERÂNCIAS: PERCURSOS DE UMA EDUCADORA 15

1.1 Gênese: a partida 15

1.2 Trajetória estudantil: a bagagem 16

1.3 Trajetória acadêmica: o passaporte 21

2 DOCÊNCIA: AS PARAGENS 25

2.1 A escola, a EJA e seus atores 25

2.2 Formação continuada 28

3 ESCRITORES DA LIBERDADE: A INTERVENÇÃO 46

3.1 As etapas 51

3.2 Os Escritores da Liberdade expandem o campo 116

3.2.1 Visita Centro de Recuperação 116

3.2.2 Ida ao Teatro Castro Alves 118

CONSIDERAÇÕES FINAIS 123 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 127 APÊNDICES 133 APÊNDICE A 134 APÊNDICE B 136 APÊNDICE C 138 APÊNDICE D 139 APÊNDICE E 140 APÊNDICE F 142 APÊNDICE G 144

(9)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Comentário sobre a proposta. ... 53

Figura 2 Comentário sobre a proposta. ... 54

Figura 3 Comentário sobre a proposta. ... 54

Figura 4 Comentário sobre a proposta. ... 54

Figura 5 Comentário sobre a proposta. ... 55

Figura 6 Comentário sobre o filme Escritores da Liberdade. ... 59

Figura 7 Comentário sobre o filme Escritores da Liberdade. ... 59

Figura 8 Comentário sobre o filme Escritores da Liberdade. ... 60

Figura 9 Comentário sobre o filme Escritores da Liberdade. ... 60

Figura 10 Exemplares do Diário de Anne Frank para presentear os alunos. ... 74

Figura 11 Comemoração do dia do estudante. ... 75

Figura 12 Comemoração do dia do estudante. ... 76

Figura 13 Dedicatória feita por mim a pedido de uma das alunas. ... 77

Figura 14 Alunos do TAP V lendo O Diário de Anne Frank... 78

Figura 15 Trecho de diário Ray. ... 82

Figura 16 Trecho do diário Félix. ... 83

Figura 17 Trecho do diário Vivi. ... 84

Figura 18 Trecho de diário de uma aluna. ... 84

Figura 19 Capa do livro The Freedom Writers Diary. ... 86

Figura 20 Print screen da página inicial do site da Freedom Writers Foundation... 88

Figura 21 Dicionários disponíveis na biblioteca da escola e uma aluna traduzindo um dos trechos com auxílio de dicionário. ... 91

Figura 22 Alunos traduzindo os diários dos Freedom Writers com auxílio de dicionários e do google tradutor. ... 93

Figura 23 Trecho do Diary 2 dos Freedom Writers traduzidos pelas duplas. ... 93

Figura 24 Trecho do Diary 2 dos Freedom Writers traduzidos pelas duplas. ... 94

Figura 25 Trecho do Diary 2 dos Freedom Writers traduzidos pelas duplas. ... 94

Figura 26 Trecho do Diary 2 dos Freedom Writers traduzidos pelas duplas. ... 94

Figura 27 Trecho do Diary 2 dos Freedom Writers traduzidos pelas duplas. ... 95

Figura 28 Depoimento confidencial de aluna. ... 98

Figura 29 Depoimento confidencial de aluna. ... 99

Figura 30 Depoimento confidencial de aluno. ... 99

Figura 31 Depoimento confidencial de aluna. ... 100

Figura 32 Narrativa autobiográfica produzida por M.D.O.L.S. ... 103

Figura 33 Narrativa autobiográfica produzida por E.S.C. ... 104

Figura 34 Narrativa autobiográfica produzida por I.R.O.B.V. ... 105

Figura 35 Narrativa autobiográfica produzida por R.S.C. ... 106

Figura 36 Narrativa autobiográfica produzida por L.V.C. ... 107

Figura 37 Narrativa autobiográfica produzida por K.K.S.S. ... 108

Figura 38 Uma das capas elaboradas por J.V.F.B. e escolhida pela turma. ... 112

Figura 39 Livro Escritores da Liberdade. ... 114

Figura 40 Café da manhã com J.R. no Centro de recuperação. ... 118

Figura 41 Foto da turma na escadaria do Teatro Castro Alves e minha com algumas alunas na parte interna. ... 119

(10)

Figura 42 Alunas contentes exibindo os ingressos e toda turma na plateia do Teatro

Castro Alves. ... 120

Figura 43 Depoimento de aluna. ... 121

Figura 44 Depoimento de aluna. ... 121

(11)

INTRODUÇÃO

Esse memorial de formação, intitulado “Escritores da Liberdade: uma intervenção a partir da escrita de si na Educação de Jovens e Adultos (EJA) em uma Escola Municipal de Salvador”, foi escrito como proposta de trabalho de conclusão de curso do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS) e tem como objetivos me autobiografar, reconhecendo o que foi formador-transformador em minha vida pessoal, acadêmica e profissional, em consonância com os estudos realizados ao longo deste curso e com as experiências vividas durante o projeto de intervenção “Escritores da Liberdade”. O nome Escritores da Liberdade é alusivo à proposta de escrita de si, através da qual eu e meus alunos, moradores do bairro da Liberdade, nos autobiografamos e ao filme Escritores da Liberdade, usado como recurso didático potencializador da proposta.

O projeto de intervenção, no âmbito do PROFLETRAS, se configura como uma intervenção na realidade escolar proporcionada por leituras, pesquisa e estratégias de ação fundamentadas teoricamente. Entretanto, percebo que a intervenção, antes concebida apenas como uma ação sobre a unidade escolar e sobre os meus alunos, partindo de algum problema da realidade vivida e percebida por mim na escola, já se delineava dentro de mim, por meio das sucessivas desconstruções e reconstruções vividas a partir das aulas, leituras e discussões no PROFLETRAS, me fazendo enxergar que precisava ressignificar minha prática pedagógica. Daí veio a constatação de que eu não era mais a mesma professora/pessoa. Foi um projeto de intervenção em minha vida.

Esclarecer os motivos que me levaram a desenvolver a presente intervenção, cujo tema é a escrita de si na EJA, implica, portanto, considerar-me parte dela. Quando eu soube que teria que escrever um memorial de formação e passei a me apropriar desse gênero textual e, consequentemente, dos pressupostos teóricos e metodológicos da pesquisa autobiográfica, por meio das leituras realizadas por indicação da minha orientadora, pude perceber as potencialidades que a construção de uma narrativa da própria existência poderia ter para os meus alunos da EJA.

A escrita autobiográfica centra-se no sujeito que narra. Este, ao autobiografar-se, resgata suas memórias e experiências individuais e coletivas, atribuindo-lhes novos sentidos e significados. Souza (2008, p. 45) ressalta que, “através da biografia,

(12)

o sujeito produz um conhecimento de si, sobre os outros e o cotidiano, o qual se revela através da subjetividade, da singularidade, das experiências e dos saberes, ao narrar com profundidade”.

Ao longo desse trabalho, ao utilizar as terminologias “escrita de si” e “narrativas autobiográficas”, filiei-me a Passeggi (2010a) que as adota, por serem suficientemente abrangentes e permitirem incluir tanto uma história de vida como fragmentos dela, reservando a escrita de si para designar textos escritos pelos próprios autores. Além do exposto, considerei também as narrativas autobiográficas um instrumento pedagógico para lidar com o desafio de fazer com que o meu aluno se sentisse estimulado a produzir, revisar e reescrever os textos solicitados em sala de aula, buscando desenvolver assim a competência discursiva, definida por Travaglia (2009, p.97) “como a capacidade do usuário da língua de contextualizar sua interação pela linguagem verbal, adequando o seu produto textual ao contexto de situação, entendido este em seu sentido restrito (situação imediata em que a formulação linguística se dá) ou em sentido amplo (contexto sócio histórico e ideológico) ”.

Assim, essa escrita, além de constituir-se em um momento singular para o aluno desenvolver a competência interpretativa e reflexiva sobre si, ressignificando suas experiências, possibilita também ouvir as suas vozes, frequentemente silenciadas, tornando-os agentes do processo, contribuindo para a construção de um percurso de autoria. Ademais, destaco a relevância desse trabalho, diante da maior quantidade de pesquisas existentes, estarem mais concentradas na pós-graduação e terem como corpus professores em formação.

O percurso metodológico adotado ao longo do trabalho foi a pesquisa qualitativa de cunho etnográfico. De acordo com André (2004), a pesquisa etnográfica em educação apresenta algumas características importantes, a saber: a interação constante entre o pesquisador e o objeto pesquisado; a ênfase no processo, naquilo que está ocorrendo e não no produto ou nos resultados finais e a preocupação com o significado, com a maneira própria com que as pessoas veem a si mesmas, as suas experiências e o mundo que as cerca.

Nessa mesma perspectiva, Street (2014, p. 65) afirma que “os pesquisadores em educação se apoderaram do termo recentemente para se referir à observação atenta e detalhada das interações em sala de aula”. Assim, busquei etnografar a mim mesma enquanto sujeito e professora de Língua Portuguesa, os alunos da turma

(13)

Tempo de Aprendizagem (TAP) V, da EJA, da Escola Municipal Pirajá da Silva e também a referida Unidade Escolar.

Nesse contexto, o projeto de intervenção teve como objetivo geral tornar possível a minha autoformação e a formação dos alunos, a partir da escrita de si, desenvolvendo a consciência de si como sujeito e autor. Dessa forma, idealizei objetivos específicos na minha perspectiva considerando-me como parte desta intervenção, como já referido anteriormente, e na perspectiva da aprendizagem dos alunos. Quanto a mim, professora-pesquisadora: adotar uma postura dialógica com meus alunos; replanejar e desenvolver a intervenção, enfatizando a construção do conhecimento sobre a escrita autobiográfica; reunir e publicar as produções textuais dos meus alunos e reconhecer os meus limites de interferência, enquanto professora-pesquisadora nesta intervenção. Quanto aos alunos: entender o projeto no qual estavam inseridos, construir aprendizagens a partir da produção de leituras; entender o processo que envolve a produção e reescrita de textos autobiográficos; planejar e produzir textos pertencentes ao domínio discursivo interpessoal, especialmente narrativas autobiográficas; entender a importância da revisão e reescrita como etapas fundamentais do processo de escrita; construir aprendizagens a partir da ressignificação das suas experiências e reconhecer-se como sujeito autor de textos escritos.

Aproveito para destacar as dificuldades no processo de escrita deste memorial em que as lembranças eclodiram variadas e desordenadas, mexendo comigo de uma forma que às vezes travava a escrita, tudo potencializado pelo fato de ser esta a primeira vez que escrevo sobre mim em um contexto de avaliação, com o desafio de escrever a respeito das minhas experiências, adequando o texto aos moldes acadêmicos, refletindo sobre minha experiência de autoformação e sobre as leituras realizadas no âmbito do Mestrado Profissional. Não é fácil, como afirma Rosa (1998, p. 132-253), nas veredas do seu grande sertão:

Contar é muito, muito dificultoso. Não pelos anos que já passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. A lembrança de vida da gente se guarda em trechos diversos (...) uns com os outros acho que nem se misturam (...) têm horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recentes datas. (ROSA, 1998, p. 132-253)

(14)

Assim, quem sou eu? Como me tornei o que sou? Como me constituí como professora? Quem é o meu aluno? E a escola? Quais as minhas concepções de ensino de língua, leitura, escrita, texto? Buscarei responder a essas e outras questões, ao longo da escrita deste memorial de formação, através do movimento do meu corpo que se autobiografa, de forma não linear, viajando ao passado e voltando ao presente, em busca de mim mesma e dos que “caminharam” junto comigo.

Josso (2012, p. 21) utiliza o verbo caminhar para descrever o movimento do corpo que se biografa, afirmando que:

A escolha de um verbo sublinha que se trata, de fato, da atividade de um sujeito que empreende uma viagem ao longo da qual ela vai explorar o viajante, começando por reconstituir o itinerário e os diferentes cruzamentos com os caminhos de outrem, as paragens mais ou menos longas no decurso do caminho, os encontros, os acontecimentos, as explorações e as atividades que permitem ao viajante não apenas localizar-se no espaço-tempo do aqui e agora, mas, ainda, compreender o que o orientou, fazer o inventário da sua bagagem, recordar os seus sonhos, contar as cicatrizes dos incidentes de percurso, descrever as suas atitudes interiores e os seus comportamentos. Em outras palavras, ir ao encontro de si visa à descoberta e à compreensão de que viagem e viajante são apenas um. (JOSSO, 2012, p. 21)

Desta forma, caminho nessa narrativa, refletindo inicialmente, sobre momentos de minha vida pessoal e da minha trajetória de formação intelectual e profissional que me constituíram no que sou, no primeiro capítulo, intitulado Minhas itinerâncias: percursos de uma educadora. No segundo capítulo, intitulado Docência: as paragens, narro o meu percurso profissional até a chegada à escola Municipal Pirajá da Silva, apresentando sua localização, estrutura física, material humano, a EJA e os alunos do Tempo de Aprendizagem (TAP) V para melhor situar o meu leitor. Ainda no mesmo capítulo, caminho narrando sobre o meu processo de formação continuada. No terceiro capítulo, intitulado Escritores da Liberdade: a intervenção, relato as experiências vividas no desenvolvimento do projeto de intervenção Escritores da Liberdade, abordando também o meu papel de mediadora em situações diversas de interação com meus alunos.

Ao longo dessa narrativa que caminha imbricada com o aporte teórico estudado, apresento também a roda de conversa, instrumento etnográfico privilegiado na intervenção; a descrição das atividades desenvolvidas com os alunos e suas produções textuais originais, sem pretensão de analisá-las pela variação linguística

(15)

utilizada, nem de impor a linguagem padrão como única possibilidade aceitável, acreditando que uma contribuição quanto ao estudo da produção textual e da escrita de si possam ser bem-vindas.

(16)

1 MINHAS ITINERÂNCIAS: PERCURSOS DE UMA EDUCADORA

1.1 Gênese: a partida

Nasci no dia 02 de outubro de 1973, ao meio-dia em ponto, no Hospital Santa Izabel, no Bairro de Nazaré, Salvador, Bahia. Sou a mais velha dos cinco filhos de Iracema Paiva da Silva e Fabião Amâncio da Silva, concebida depois de dois longos anos de tratamento para fertilidade feito por minha mãe. Desde pequena soube dessa história, aliás, toda a família sempre comentava isso. Então, cresci com o sentimento de ter sido desejada, planejada e bem esperada. Quanto aos meus quatro irmãos, foram concebidos com muita facilidade, mas minha mãe sempre nos amou indistintamente.

Meu primeiro nome foi escolhido por meu padrinho Carlinhos e significa negra como a noite. Conceição foi em homenagem à Nossa Senhora da Conceição, escolhido por minha mãe que, adepta da religião católica, consagrou cada filho a um santo católico. Assim, meus irmãos são Ana Laíse, em homenagem à Nossa Senhora Sant’Ana; Fábio Tadeu, homenageando São Judas Tadeu; Antônio Flávio por causa de Santo Antônio e Lilian Teresinha, homenageando Santa Teresinha.

Sou de família de classe média baixa, católica, nascida e criada no bairro da Liberdade, onde resido e trabalho até hoje. Minha mãe, minha inspiradora, conhecida por todos como D. Preta, durante vinte e sete anos, foi professora de Língua Portuguesa da rede estadual de ensino, da qual encontra-se aposentada há vinte e dois anos. Ela é uma mulher tímida, discreta, calma, tranquila, amorosa, paciente, mas muito forte. Teve a infância e a adolescência marcadas pela pobreza. Concluiu o científico no Colégio Estadual Duque de Caxias em 1962, ano em que minha avó, Maria Andresa, vendeu sua máquina de costurar sapato, único ganha-pão da família depois da morte de meu avô, para pagar um mês de pré-vestibular, com o objetivo de que ela se preparasse para as provas orais de Latim e Francês. Minha mãe passou para o curso de Letras com Francês na Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 1962. Cursou e concluiu em cinco anos. Depois que saiu da faculdade foi aprovada no concurso para professores de escolas públicas do estado da Bahia. Nessa ocasião, ela foi lotada no Colégio Estadual Carneiro Ribeiro Filho, onde também leciono há dezessete anos, seguindo seus passos. Minha mãe foi a primeira grande referência.

(17)

Desde bem pequena eu sentia orgulho de ter a mãe professora; queria brincar com seu material e ajudá-la a corrigir as provas de seus alunos.

Meu pai, alagoano de Maragogi, órfão desde os dois anos de idade, criado pelo irmão mais velho e sua esposa, cursou apenas o primário. Na adolescência, insatisfeito pelo fato do irmão tratá-lo como empregado, saiu de Maceió pegando carona aqui e ali. Passou por alguns estados brasileiros até chegar à Bahia, onde foi morar com uma prima. Para se sustentar, fez “bicos” como mecânico, profissão que aprendeu vendo outros trabalharem nos lugares por onde passou. Foi motorista de lotação, época em que se aproximou de minha mãe, pois a transportava para o Instituto de Letras da UFBA, no bairro de Nazaré. Três anos depois do meu nascimento, entrou para a Polícia Civil como motorista, onde trabalhou por trinta e dois anos até se aposentar há dez anos. Painho sempre foi de poucas palavras, reservado, desconfiado, durão, brabo, nunca foi de muito chamego, mas é a nossa referência de segurança. Ai de quem nos tocasse o dedo!

Minha infância foi muito boa! Eu e meus irmãos crescemos cercados de atenção e cuidados de minha avó Andresa, de minha avó de coração Zazá e de minha tia e madrinha de batismo Ceci, pois mainha lecionava nos três turnos, e painho, apesar de trabalhar no regime de plantão de vinte e quatro horas, folgando três dias, não tomava conta da gente. Ele estava sempre a postos para resolver qualquer problema, para socorrer, defender, mas as tarefas da nossa rotina eram realizadas por essas mulheres que foram anjos na vida de minha mãe e em nossas vidas.

Acredito que cada ser é único e singular, porém percebo que há muito de minha mãe e de meu pai em mim. A timidez, contra a qual brigo cotidianamente, e a força para o trabalho, são heranças dos dois. O gosto pelos estudos, a delicadeza no trato com as pessoas e dedicação aos filhos puxei de minha mãe. O jeito desconfiado puxei de meu pai. Na verdade, parti das semelhanças com meus pais, pela dificuldade que estou tendo para me definir, dizer quem sou eu. Nunca tinha parado antes para refletir sobre quem sou ou escrever sobre mim. Momento difícil esse!

1.2 Trajetória estudantil: a bagagem

Minha primeira escola foi Escolinha do Mickey, hoje Colégio Emmanuel Kant. Recordo-me de que eu estava muito ansiosa para que chegasse o primeiro dia de aula, pois já entendia para onde estava indo e queria muito ir. Eu tinha quatro anos de

(18)

idade e fui matriculada para cursar a Prontidão, que consistia em um ano de preparo do aluno para iniciar os processos de leitura e escrita, indicado para crianças que tinham atingido um certo desenvolvimento, permitindo sua adaptação aos desafios da educação formal.

A ideia de prontidão é questionável, tomando como base a pedagogia dos letramentos e a concepção freiriana de alfabetização que se sobrepõe à aquisição bancária da escrita, considerando a alfabetização como um ato de vida. Nessa perspectiva, todos estariam potencialmente “prontos para aprender”.

Assim, aprendi a escrever meu nome completo e copiar o diário do quadro negro, embora ainda não soubesse ler. Minha primeira professora foi Jerusa. Inesquecível! Eu gostava tanto dela e da escola que passei a imitá-la, brincando de escola em casa. Nessa brincadeira eu era sempre a professora e dava aulas às bonecas, aos meus irmãos menores e amigas, como se desde aqueles momentos já houvesse o interesse pela profissão.

Não me lembro através de que método fui alfabetizada, mas minha mãe conta que foi pelo método silábico bê-á-bá, saindo da parte para o todo, ou seja, partindo da memorização das letras, sílabas para a formação de palavras, frases e pequenos textos. Esse trabalho foi desenvolvido pela escola com uso de livro didático, de tarefas mimeografadas para cobrir pontinhos e escrita em caligrafia desde a Prontidão.

Dessa forma, em 1978, aos cinco anos, cursando a “Alfa”, comecei a ler e a escrever. No ano seguinte, na mesma escola, minha irmã Laíse foi alfabetizada através do método fônico casinha feliz. Independentemente do método, a maneira como as crianças eram alfabetizadas no final da década de 70 me remete ao modelo autônomo de letramento proposto por Street (2010), no qual a alfabetização, processo de aquisição de códigos (alfabéticos e numéricos), era concebida em termos de competência individual e descontextualizada.

Aqui, abro um parêntese para me reportar ao processo de alfabetização de minhas filhas, Mariana e Mirella, acompanhados por mim, com a construção de portfólio, desde as primeiras garatujas e bem distintos da forma como eu aprendi a ler e a escrever.

Mariana, hoje com dezesseis anos, foi alfabetizada em 2006, no Colégio Nossa Senhora da Soledade, cuja metodologia se baseava nos princípios da pedagogia da auto-expressão de Freinet e no Método Natural de Aprendizagem da Leitura e da Escrita. Recordo-me que ela não fazia atividades de cobrir linhas e letras em

(19)

pontilhados e nem usava livros didáticos. Os livros foram construídos pelos alunos ao longo do processo e autografados em uma Tarde de Autógrafos ao final da alfabetização, tendo, portanto, o educando como construtor, artista e o produtor.

Mirella tem seis anos e está no primeiro ano do Ensino Fundamental de uma escola montessoriana que busca desenvolver a autonomia dos alunos na busca pelo aprendizado, a escrita em situações concretas de uso e o gosto pela leitura por meios de projetos, dentre eles a ciranda da leitura. Nesse sentido, Kleiman (2007), aponta para a necessidade de a escola criar espaços para experimentar formas de participação nas práticas sociais letradas, assumindo os múltiplos letramentos da vida social como o objetivo estruturante do seu trabalho.

Fechando o parêntese e retomando a rota da minha trajetória, em 1981, em razão da mudança da Escolinha do Mickey para outro bairro, fui matriculada na Escola Didática da Bahia. Logo me acostumei e comecei a gostar também da nova escola. Estudei nela da segunda à quarta série do antigo primário. O seu método de ensino era tradicional. Assim, o professor era o detentor do conhecimento que transmitia aos alunos e estes, por sua vez, se limitavam a memorizar. Língua Portuguesa foi estudada usando Minha Primeira Gramática Portuguesa da professora Olga Pereira Mettig.

Lembro de momentos maravilhosos vividos na Didática, mas a quarta série foi marcante, pois consegui ser aluna de pró Valda. Naquela época era status ser aluno dela no bairro da Liberdade. Ela era muito rigorosa e diziam que sabia ensinar bem. Com ela, tive duas experiências fantásticas e inesquecíveis: a leitura do meu primeiro livro, o romance Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos, e a escrita de um diário de férias durante o recesso junino. Essas experiências despertaram em mim o gosto pela leitura e pela escrita. Passei a devorar os livros que mainha levava da escola para casa e a escrita do diário passou a ser um hábito.

De 1984 a 1987, cursei o ginásio (atual 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental) no Instituto Central de Educação Isaías Alves (ICEIA). Foi minha primeira experiência na escola pública. Nessa ocasião, já éramos cinco irmãos em fase escolar; por isso, meus pais foram perdendo a capacidade financeira para pagamento das mensalidades escolares, especialmente, as do ginásio, que eram mais caras que as do primário. A partir de então, cada filho que passava para o ginásio era matriculado em escola da rede pública estadual.

(20)

Apesar de gostar muito da escola anterior, fiquei encantada com o ICEIA e logo me adaptei ao fato de ter doze professores, um para cada disciplina, diferente do primário, onde eu passava todas as manhãs com uma única professora. O método de ensino também era tradicional. Nas aulas de história, geografia, ciências, OSPB e religião decorávamos questionários para responder às provas usando as mesmas respostas.

Nas aulas de língua portuguesa, estudávamos prioritariamente a gramática normativa; havia muita análise morfológica e sintática, quase nada de leitura e estudo de textos. Os livros que li nessa época, todos da série Vaga-Lume (A ilha perdida, Os pequenos jangadeiros, A serra dos dois meninos, Tonico e Carniça, O rapto do garoto de ouro, O caso da borboleta Atíria, O mistério do cinco estrelas, Sozinha no mundo, Éramos seis, Xisto no espaço...) foram os que mainha trazia da escola, dos trabalhos desenvolvidos com seus alunos. Que sentimento bom rememorar essas leituras! Um sentimento de preenchimento.

Acredito que essa forma de estudar língua portuguesa, supervalorizando os aspectos linguísticos em detrimento da leitura e da produção textual, ficou impregnada em mim, de tal maneira que, anos depois, no início de minha carreira, me vi reproduzindo, a partir das aprendizagens que construí, esse modelo com meus alunos.

Em meio a essas lembranças do ginásio e buscando no baú da minha formação como cheguei a minha decisão profissional, recordo-me com carinho da professora de Redação da sexta série, pró Renilda. Ela nos disse que ao final do ano premiaria o melhor aluno da sala, o que motivou a turma a competir para ver quem escrevia os melhores textos. Embora hoje eu reconheça que a prática de distribuição de prêmios não seja educativa e valorize mais o resultado do que o processo e esforço de cada aluno, admito que me envolvi e me esforcei para vencer.

No dia da premiação, fiquei feliz quando ela anunciou o meu nome como vencedora e me deu um enorme cartão com a foto de uma rosa e uma dedicatória no verso, dizendo que eu não deveria nunca deixar de escrever. Naquele momento, além de todo orgulho que senti de mim mesma, voltou à tona o desejo de ser professora. Eu queria ser igual a ela, igual a pró Jerusa, igual a Mainha, mas fiquei com esse sentimento para mim, pois em casa já sabia que minha mãe não queria filho professor. Por ser professora, ela sentia na pele o desrespeito e desvalorização com que esses profissionais eram tratados pelo poder público e pela sociedade de modo geral.

(21)

De 1988 a 1990, cursei o colegial, hoje equivalente ao ensino médio, no Colégio Status, um colégio particular que tinha forte tradição em preparar para o vestibular, temido “bicho papão” de uma época em que as opções de ingresso no ensino superior eram restritas pelas poucas instituições e quantidade de vagas que havia. Assim, desde o primeiro ano, todo trabalho era voltado para responder bem questões da UFBA, UNEB e UCSAL. Os professores no ensinavam “macetes” para chegar às respostas das questões com mais facilidade. A redação era uma dissertação objetiva, versando sobre um tema da atualidade, para qual nos preparávamos com redações de bolso, fórmulas prontas contendo um parágrafo de introdução (apresentação do problema), dois de desenvolvimento (causa e consequência) e um parágrafo conclusivo (solução para o problema).

Na minha passagem pelo Colégio Status, houve também uma professora que me marcou pelo incentivo e pela inspiração para ser professora, em um colégio onde a maioria dos alunos queria estudar Direito, Medicina ou Engenharia, afinal eram cursos que garantiam status e dinheiro.

A professora Olívia nos ensinava língua portuguesa e no 2º ano trabalhou conosco Laços de Família de Clarice Lispector. O trabalho consistia em montar uma peça teatral com os contos da referida obra. Tivemos a ideia de começar a dramatização pelo momento em que o trabalho foi passado e a mim coube interpretar a professora. Recordo-me das gargalhadas dela e dos colegas. Ao final, ela já chorava de tanto e rir e me disse: logo você, tão tímida, se revelou desse jeito! Vai ser uma ótima professora!

No fundo eu sabia que os comentários se deviam mais à minha performance como atriz do que propriamente a alguma inclinação para o magistério percebida em mim, mas, naquele momento de indecisão, sem saber para que curso prestar vestibular, pró Olívia trouxe uma injeção de ânimo e de coragem para o desejo adormecido no meu íntimo de querer ser professora. Mas, ao final do terceiro ano, o que pesou na minha decisão foi a situação financeira de minha mãe, bem peculiar aos professores da educação básica do nosso país, baixos salários, manhã, tarde e noite dentro de sala de aula e péssimas condições de trabalho.

Àquela altura, eu acredito que também já havia internalizado que minha mãe não queria filha professora. Escolhi fazer vestibular para Direito. Por dois anos fiz a prova e fiquei na lanterninha, faltando duas vagas para entrar. Foi quando bateu o desespero por já estar há quase três anos sem conseguir entrar para a universidade,

(22)

mais madura, longe da pressão do cursinho pré-vestibular, decidi: vou fazer vestibular para Letras com Inglês. A decisão de estudar Letras com uma língua estrangeira foi tomada porque, paralelo ao segundo grau, comecei a fazer curso de inglês na Associação Cultural Brasil Estados Unidos (ACBEU); naquela época era fluente e enxerguei a possibilidade de ficar licenciada para português e inglês.

1.3 Trajetória acadêmica: o passaporte

Passei em segundo lugar no vestibular da Universidade Católica do Salvador (UCSAL) para Letras com Inglês como primeira opção. Destaco que foi como primeira opção porque algo que me chamou muita atenção na primeira semana de aula foi ouvir algumas pessoas, reiteradas vezes, dizerem que estavam ali como segunda opção. Eu entrei no curso de Letras, sabendo que queria ser professora.

A minha trajetória no curso de Letras durou exatamente quatro anos, de 1994 a 1998. Já que sempre fui uma aluna estudiosa, cursei todas as disciplinas com êxito. Os semestres foram marcados por muitas leituras, seminários e provas dentro de uma matriz composta por disciplinas como Teologia, por ser uma instituição católica; Psicologia Geral e da Educação onde descobri e me encantei com a psicogênese de Piaget; Metodologia Científica, na qual comecei a fazer resumos, resenhas, referências bibliográficas, citações e outros elementos que ajudariam na construção de textos acadêmicos; Teoria da Literatura, Literatura Brasileira, Portuguesa, Literatura Inglesa e Americana cumpriram uma longa trajetória de estudos sobre a arte de escrever, dos grandes autores e dos gêneros literários; de Linguística estão até hoje fortes em minhas lembranças o estruturalismo de Saussure e a teoria gerativista de Chomsky.

Comunicação em Língua Portuguesa foi uma disciplina que tinha como enfoque o esquema emissor, receptor, mensagem, claramente ancorada na concepção de língua como instrumento de comunicação, segundo a qual, a língua era um código que deveria ser convencionalizado e dominado pelos falantes para que a comunicação se efetivasse, conforme explica Travaglia (2009).

Tal concepção de língua, arraigada ao meu fazer pedagógico, ficou logo evidente nas primeiras páginas do meu projeto de intervenção do PROFLETRAS, o que fez com que a minha orientadora me perguntasse qual era a minha concepção de língua e solicitasse de mim a leitura de Antunes (2007), Bagno (2007), Faraco (2008),

(23)

Possenti (2012) e Travaglia (2009). Formam leituras valiosíssimas, conhecimento necessário acerca das concepções de língua, gramática e ensino, assunto sobre o qual ainda não havia refletido e sobretudo um momento ímpar de formação e possibilidade de transformação do meu fazer pedagógico.

Dessa forma, ancorada nos autores acima referidos, assumo a partir de então a concepção interacionista de língua que a concebe como interação verbal. Nela, a linguagem é um lugar de interação comunicativa através da produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e dentro de um contexto sócio histórico ideológico. Nesta perspectiva, adoto também a concepção de ensino produtivo, buscando valorizar e ampliar os padrões linguísticos do meu aluno. Em Latim, Língua Portuguesa e Língua Inglesa fiz o estudo das estruturas verbais e nominais, das estruturas de frases, do período composto, dos aspectos metalinguísticos dessas línguas, importantes de serem conhecidos por uma professora de língua portuguesa em formação, mas as concepções de gramática adotadas eram a normativa, conjunto de regras a serem seguidos por quem quer se expressar adequadamente, e a descritiva que pressupõe a descrição da estrutura e funcionamento da língua, abstraindo-a de seu contexto.

Recordo-me de que, no terceiro semestre, aderi a uma forma de contratação do governo do estado da Bahia, chamada de estágio remunerado. Dessa forma fui contratada em 1995, para ensinar turmas de quinta série, no turno matutino do Colégio Estadual Carneiro Ribeiro Filho, colégio no qual minha mãe ensinou Português de 1967 a 1994. Foi minha primeira experiência em sala de aula. Fui contratada como estagiária, mas de fato, o trabalho foi de professora regente de quatro turmas. Ninguém me explicou o que fazer; eu ainda não havia passado pelas disciplinas de Didática, Metodologia ou Prática de Ensino. Então, de acordo com as aprendizagens que construí na minha trajetória estudantil, passei a trabalhar muita gramática normativa no quadro, de forma descontextualizada, acreditando que estava ensinando língua portuguesa.

A experiência não foi das melhores, o salário (bolsa) de estagiária mal dava para as despesas de transporte, o que me fez repensar se era realmente aquilo que queria para minha vida profissional. Decepcionada com o insucesso do primeiro ano de ensino, fiz novo vestibular. Dessa vez foi para a Academia de Polícia Militar da Bahia (APMBA). Eu acreditava que entrar para o quadro de oficiais da PMBA me traria o salário e as condições de trabalho almejadas. Pude perceber como meus familiares

(24)

se orgulhavam por ter uma aluna oficial na família. Estudei de fevereiro de 1996 a abril do mesmo ano na APMBA sem trancar a faculdade de Letras. Lá, era regime de semi-internato: chegávamos domingo à noite e saíamos sexta à tarde. Até pensei em continuar a faculdade de Letras à noite, mas houve uma proibição do comando geral da PMBA nesse sentido.

Foram dois meses de empolgação, recebendo elogios por ter passado em tão concorrido certame, até me dar conta de que teria que lidar diretamente com o combate ao crime, deixando para trás a possibilidade de trabalhar com jovens e de contribuir para a formação de cidadãos plenos. Dessa constatação veio o desejo de retomar o curso de Letras. Mesmo na incerteza de ser aceita nas mesmas disciplinas para as quais havia me matriculado, abandonei a APMBA e voltei para a faculdade de Letras. Acredito que esse foi o momento mais significativo da minha escolha profissional. Voltei sem olhar para trás, dona de uma certeza que parecia estar em mim desde as primeiras brincadeiras de professora na infância.

Havia o medo de perder as disciplinas; afinal foram dois meses de um semestre sem colocar os pés na faculdade e sem oficializar o trancamento, mas as professoras concordaram em me dar uma oportunidade de recuperar o conteúdo e as avaliações perdidas. Elas disseram que eu era aluna excelente e negociariam o abono das faltas se eu conseguisse médias superiores a oito. E foi o que aconteceu. Parecia o universo conspirando para que hoje eu fosse quem sou.

Paralelamente à faculdade, em 1996, retornei para a sala de aula com contrato de estágio remunerado pelo governo do estado, no turno noturno, como professora de Inglês, dessa vez no Colégio Estadual Duque de Caxias, no qual leciono até hoje.

Como a situação financeira estava cada vez mais apertada, tive que dividir minha jornada entre estudo e trabalho, mesmo contra a vontade de minha mãe. Por ela, eu só trabalharia depois que me formasse. Assim, trabalhei por um ano como professora de Inglês, no matutino, em uma instituição de ensino particular no bairro da Liberdade chamada Colégio Kennedy, à tarde tinha aulas na faculdade de Letras no Campus da Lapa e à noite era professora estagiária de Inglês no Colégio Estadual Duque de Caxias.

Dessa forma, há vinte anos atrás, começou a jornada de sessenta horas que cumpro até hoje. Não foi fácil estudar e trabalhar ao mesmo tempo. Em vários momentos precisei estudar no ônibus em movimento e, ainda assim, consegui

(25)

aprovação em todas as disciplinas. Meu caderno, contendo meus apontamentos, resumos e resenhas, passava de mão em mão para ser xerocopiado pelos colegas.

O curso de Licenciatura em Letras Vernáculas com Inglês, na Universidade Católica do Salvador, chegou ao final no primeiro semestre de 1998 e a colação de grau só ocorreu no mês de agosto. Eu estava muito feliz e, ao mesmo tempo, ansiosa por encontrar um emprego como professora formada.

(26)

2 DOCÊNCIA: AS PARAGENS

No capítulo anterior, eu trouxe à tona recordações de referências conceituadas por Josso (2004), por sua vez citada por Passeggi (2011) como marcos da trajetória que servem como parâmetro para o que segue na vida. São recordações de um vivido que acredito reconstituir os caminhos dessa viagem-vida que me levaram a escolher ser professora, desde a semente plantada nas brincadeiras de infância até o momento em que me reconheci, definitivamente, como tal, atribuindo significado a cada experiência vivida.

Nesta perspectiva, destaco que, nos dois anos seguintes à graduação, fui aprovada em concursos públicos para professora das Secretarias de Educação do estado da Bahia e do município de Salvador, sendo designada, desde o ano 2000 para lecionar vinte horas no turno matutino do Colégio Estadual Duque de Caxias, vinte horas no turno vespertino do Colégio Estadual Carneiro Ribeiro Filho e, a partir de 2001, mais vinte horas no turno noturno da Escola Municipal Pirajá da Silva. Assumir uma jornada de sessenta horas não é o ideal para que o trabalho do professor tenha qualidade, entretanto essa é a realidade de grande parte dos professores da Educação Básica, por causa dos baixos salários pagos aos docentes no Brasil.

2.1 A escola, a EJA e seus atores

A Escola Municipal Pirajá da Silva, onde leciono Língua Portuguesa há dezesseis anos no turno noturno, está localizada na rua principal do bairro, denominada Estrada da Liberdade, local histórico, por onde desfilaram os heróis da Independência da Bahia, depois de a terem conquistado nas batalhas realizadas no Recôncavo Baiano.

A Liberdade é o bairro popular mais tradicional da cidade, um dos mais populosos de Salvador. Com uma população majoritariamente afrodescendente, o bairro é representativo da cultura negra e um celeiro de manifestações artísticas e culturais como o bloco afro Ilê Aiyê que, além de ser o mais tradicional bloco afro do Carnaval, também desenvolve uma série de projetos sociais e ações afirmativas e o Muzenza, outro bloco afro de grande expressão.

O bairro expande os seus domínios e limites geográficos, agregando ruas, becos e ladeiras de locais como Feira do Japão, Queimadinho, Curuzu, Bairro

(27)

Guarani, Estica e São Lourenço. Como um bairro populoso, a Liberdade enfrenta vários problemas, dentre eles a violência ligada à criminalidade e ao tráfico de drogas. São problemas que, de certo modo, aumentam a responsabilidade da escola em fazer a diferença na vida de seus alunos, alguns em situação de risco social.

A referida escola apresenta em sua estrutura física sete salas de aulas, uma biblioteca, uma sala de professores, uma sala da direção, uma sala de secretaria, uma cozinha, banheiros adaptados a alunos com deficiência ou mobilidade reduzida e pátio coberto. A escola não possui laboratório de informática nem quadra de esportes, algo que desperta críticas da comunidade escolar e da comunidade local.

A comunidade escolar é composta por cinquenta profissionais (a diretora geral, dois vice-diretores, um secretário escolar, dois coordenadores pedagógicos, trinta professores, quatro funcionários administrativos, cinco funcionários de limpeza, três merendeiras, dois porteiros) e quatrocentos e trinta alunos cursando o Ensino Fundamental II nos turnos matutino e vespertino e Educação de Jovens e Adultos EJA) no noturno.

Atuando na EJA II, pude acompanhar importantes mudanças ocorridas nessa modalidade ao longo desses anos. Em 2000, quando fui admitida pela rede municipal de ensino de Salvador, o ensino era seriado e regular da quinta à oitava série (sexto ao nono ano do ensino fundamental de nove anos). Este foi gradativamente sendo substituído a partir de 2007 pela modalidade Segmento de Educação de Jovens e Adultos (SEJA) com quatro semestres que equivaliam ao Ensino Fundamental II. Era dividida em quatro áreas de conhecimento que não dialogavam entre si, sendo, em 2015, adaptada para a EJA com matriz anual, dividida em tempos de aprendizagem quatro e cinco, sendo cada um correspondente a dois anos do Ensino Fundamental II.

A forma de conceber a EJA foi modificada em função de novas políticas públicas para a educação e para atender às necessidades de uma clientela que se caracterizava na sua maioria de adultos trabalhadores e pessoas da terceira idade que viam na escola uma oportunidade de dar continuidade aos estudos, muitas vezes interrompidos por causa da árdua jornada de trabalho ou por terem constituído família prematuramente. Entretanto essa realidade vem mudando e, atualmente, a EJA atende a um enorme público jovem, a partir dos quinze anos, que, por razões variadas, deixaram de frequentar o ensino regular.

(28)

A turma escolhida para este projeto de intervenção é o TAP V. Ela possui 48 alunos matriculados, dos quais 25 frequentavam antes da intervenção e atualmente 34 frequentam, sendo 7 com frequência flutuante.

A classe é composta majoritariamente por mulheres. O perfil etário da turma evidencia a constatação que fiz anteriormente com relação ao rejuvenescimento da EJA. Há uma maioria de jovens entre 15 e 18 anos. Alguns jovens adultos e poucos adultos com mais de 30, que costumavam ser maioria até o início dos anos 2000.

Na referida turma há 2 senhoras aposentadas, 3 adultas que trabalham com carteira assinada e alguns jovens que trabalham na informalidade. A maior parte dos alunos não trabalha e veio para o noturno por causa de mau comportamento nas classes regulares do diurno.

O meu relacionamento com esses alunos pode ser dividido em dois momentos bem distintos: antes e depois do projeto de intervenção. Do início até a metade do ano letivo os estudantes eram indisciplinados, barulhentos e sem compromisso com as atividades da escola. Em alguns momentos foi necessária a atuação da direção da escola para que os professores pudessem continuar dando aula.

Eu passava parte da aula reprimindo a desordem e me aborrecia com frequência. Já sofria por antecipação quando lembrava que era dia letivo na Pirajá da Silva. Além disso, ainda sentia medo de me aproximar dos alunos em situação de risco social. Compartilhávamos o mesmo espaço da sala de aula, mas sem aproximação.

O divisor de águas foi o dia em que apresentei o projeto de intervenção à turma. Eles ficaram animados quando viram toda uma estrutura de datashow, lousa interativa, notebook e sala arrumada. Ao ouvirem que haviam sido escolhidos para participar do projeto demonstraram interesse e se comportaram de forma que a nossa interação, nesse dia, aconteceu sem aborrecimentos. Para mim, tinha sido a melhor aula até então. Nessa noite, fui para casa com vontade de voltar à escola no dia seguinte.

A partir desse momento, parecia que havíamos feito um pacto de convivência, colaboração, amizade e confiança. Foi uma mudança muito brusca e em pouco tempo. Os outros professores passaram dizer que eles só haviam melhorado o comportamento nas minhas aulas por causa do projeto.

Até aqui, estou profundamente tocada por cada uma das narrativas de vida que me foi confiada ao longo do projeto de intervenção e sigo com a certeza de ter

(29)

plantado em cada um dos Escritores da Liberdade a semente da esperança de um futuro de sucesso.

2.2 Formação continuada

Em 2005, num processo de autocrítica, acreditando que precisava aprofundar meus conhecimentos com relação ao ensino de língua portuguesa, fiz uma especialização, em Metodologia do ensino da língua portuguesa, pela Faculdade Internacional de Curitiba. O curso foi presencial, com trezentos e sessenta horas, divididas entre as disciplinas Avaliação de Escrita e Leitura, Avaliação na Escola, Didática do Ensino de Língua Materna, Literatura Portuguesa e Brasileira, Linguística, Linguística Textual e Ensino de Língua, Psicolinguística, Sociolinguística, Princípios Linguísticos da Alfabetização e Prática de Pesquisa.

Na especialização foram estudadas teorias que tratavam de leitura, produção textual, análise linguística, das correntes literárias voltadas para o público infantil e juvenil e suas formas de aplicação em sala de aula. Na ocasião, o aprimoramento foi válido na medida em que pude me deslocar de um ensino preponderantemente prescritivo, privilegiando a variedade culta e a metalinguagem, conforme explica Travaglia (2009), para o trabalho com texto. Embora isso, para mim, representasse um avanço, ainda explorava o texto em suas propriedades formais. Assim, reflito que migrei da gramática da frase para a gramática do texto, como aponta Rojo (2001).

Foi consciente de que o professor se constitui no processo e pela busca incessante de melhorar seu fazer pedagógico e, portanto, não pode parar de estudar, que em 2009 e 2010 participei do Programa de Gestão da Aprendizagem Escolar (GESTAR II), um programa voltado à formação continuada de professores de língua portuguesa. Foi uma excelente oportunidade para discussão, estudo, avaliação e redimensionamento da prática pedagógica para melhor atingir os objetivos no trabalho com os alunos. O GESTAR II, além de possibilitar uma revisão ou releitura dos conteúdos estudados na especialização, se constituiu de um poderoso e aprofundado aporte, estreitamente ligado à minha atuação em sala de aula, capaz de facilitar e muito o caminho a percorrer e tornar mais eficaz a relação ensino-aprendizagem.

Estruturado em oficinas quinzenais, o programa possibilitou também o encontro de grupo de professores para planejamento de ações e práticas cotidianas, apresentação de diversas alternativas e estratégias para o ensino de leitura e escrita.

(30)

Houve muita troca de experiência, leitura, reflexões teóricas, discussões e avaliações, mas ressalto, como um dos pontos mais importantes, a tentativa de superarmos a dicotomia entre gramática e texto, ficando claro que a partir do trabalho com diversos gêneros textuais, era também possível trabalhar com a gramática normativa.

Todo o curso foi norteado por teorias que abordavam a caracterização dos gêneros textuais, a compreensão da noção e estilo e de como se constrói a coerência nos textos, a reflexão sobre os tipos de argumentação e identificação de estratégias relacionadas ao planejamento da escrita de textos, bem como, seus elementos coesivos e as relações lógicas que constituem sua continuidade, discussão sobre a importância da leitura, os pactos de leitura e a intertextualidade e as concepções de gramática, tipo de ensino e análise linguística.

O curso buscou enfatizar o ensino da língua portuguesa através da inovação metodológica, da exploração do texto nos mais variados gêneros e de uma concepção de língua sob a perspectiva interativa. Nas minhas reflexões sobre aquilo que aprendi, não poderia deixar de salientar que, com o GESTAR II, tive, até aquele momento, a melhor e mais válida experiência de curso da minha vida profissional. O curso trouxe algumas das respostas que eu procurava e as teorias de que precisava. Mas, para mim, conhecer a teoria e conseguir fazer a transposição didática ainda foi um processo lento e difícil.

Eu já tinha avançado em relação às aulas de gramática da frase, da sentença e do léxico, dadas aos alunos no início da minha carreira. Em 2009, eu já adotava o enfoque de leitura e produção de texto, mas o texto ainda era pretexto para o ensino da gramática. Foi através das leituras e das atividades realizadas no referido curso que, aos poucos, me desloquei das aulas de gramática no texto para o trabalho com textos na perspectiva dos gêneros. Nesse sentido, o referido programa representou uma importante experiência formadora, definida por Passeggi (2011, p. 373/374) a partir de Josso (2004), como aquela que implica “uma articulação conscientemente elaborada entre atividade, sensibilidade, afetividade e ideação”.

Fiquei realmente contagiada pelas contribuições do curso e pela versatilidade e competência do formador André Marcílio Carvalho de Azevedo. O seu entusiasmo me trouxe ânimo para continuar uma jornada que já durava quinze anos com bons momentos, mas marcada pelos dissabores da carreira. Movida por esse sentimento, passei a encarar o curso com tanto entusiasmo que consegui contagiar os alunos, de modo que participaram das atividades propostas sem cobrar pontos.

(31)

Entretanto, hoje, passados seis anos e depois das leituras realizadas no âmbito do Mestrado Profissional, a exemplo de Kleiman (2007) e Rojo (2001), consigo avaliar que o GESTAR II me proporcionou um significativo deslocamento, mas também teve suas lacunas, no que tange à extrema didatização dos gêneros textuais, desvinculados das práticas sociais de leitura e escrita.

Trazendo à tona as recordações de referência que, ao longo da minha trajetória, me constituíram como profissional, percebo um movimento de busca incessante por aprimoramento, querendo dar sentido ao trabalho desenvolvido com meus alunos, buscando através de uma postura permanente de aprendente não perder de vista a condição de processo, de ser inacabado. Foi esse movimento que me fez chegar ao PROFLETRAS.

Eu não tinha planos de cursar um mestrado. Sabia que se o fizesse, teria progressão na carreira, mas não haveria uma aplicabilidade em sala de aula. Quando vi, no site da Associação dos Professores Licenciados da Bahia (APLB), que as inscrições para o PROFLETRAS estavam abertas, li a notícia e notei que se tratava de um Mestrado Profissional. Fiquei animada com o enfoque profissional, ou seja, com foco no meu trabalho, na sala de aula, e com a possibilidade de rever minha caminhada servindo como perspectiva de mudança. Logo me inscrevi.

Em 2013, o primeiro ano do curso, fiquei apenas classificada como suplente embora tenha considerado o certame mais fácil. Estudei, insisti e em 2014, no dia do meu aniversário, saiu o resultado e eu fui aprovada para a segunda turma do PROFLETRAS na UFBA. Que presente maravilhoso! Inesquecível!

Depois do processo de matrícula, fomos acolhidos pelos professores e pela então coordenadora, professora doutora Simone Bueno, no dia 05 de dezembro de 2014, na sala de reuniões, no 3º andar do Instituto de Letras da UFBA (ILUFBA). Os professores, os mestrandos e o Programa foram apresentados em clima de muita expectativa e descontração, quebrado por uma mensagem recebida pelo colega Bruno D’Almeida, informando a passagem de seu pai. Foi impactante e triste demais! Conseguimos apenas organizar os dias e horários em que ocorreria a primeira disciplina e encerramos o encontro.

A nossa aula inaugural aconteceu no dia 18 de dezembro de 2014, quando era esperada a presença do professor doutor Adair Bonini para nos falar sobre direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento e a Base Nacional Comum da educação: o lugar do ensino de linguagem na reforma curricular, mas, por problemas no voo, não foi

(32)

possível. Ele foi substituído na ocasião pelos professores doutores América César e Carlos Rafael da Silva (Rafael Xucuru Kariri) que nos deram as boas-vindas e abordaram aspectos de suas pesquisas e trabalhos ligados aos povos indígenas. Estiveram presentes alguns alunos da primeira e segunda turmas do PROFLETRAS, alunos do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) e alguns dos nossos professores, dentre eles a professora Suzane Lima, de partida para a realização do pós-doc em Londres.

Ao longo do curso, todas as disciplinas foram de extrema importância não só para a realização desse trabalho, mas para um longo deslocamento entre o que eu era e o que eu sou. Olho para trás e vejo que não sou mais a mesma depois de tantas aprendizagens construídas. Hoje, a preocupação com o quê, para quê e como fazer com os meus alunos é constante.

No primeiro semestre cursei as duas disciplinas de fundamentação (Alfabetização e Letramento e Elaboração de Projeto e Tecnologia Educacional) e duas obrigatórias (Texto e Ensino e Fonologia, Variação e Ensino).

A disciplina Alfabetização e Letramento, foi ministrada pela professora doutora Simone Souza de Assumpção em formato de seminários, onde estudei os conceitos que nomeiam a disciplina, considerando o contexto brasileiro. Kleiman (2005) esclarece, inicialmente, o que não é letramento e depois afirma que este envolve participar das práticas sociais em que se usa a escrita. Para ela, alfabetização, conjunto de saberes sistematicamente construído sobre o código escrito da língua, é uma das práticas de letramento (conjunto de atividades envolvendo a língua escrita para determinado fim).

Tfouni (1997), concordando com Kleiman (2005), afirma que o letramento, mesmo estando intimamente ligado à escrita, é um processo mais amplo que alfabetização e de natureza sócio-histórica, colocando a questão da autoria como noção eixo desse conceito. Esse entendimento reforça o modelo ideológico de letramento proposto por Street (2010), segundo o qual, as práticas de letramento são social e culturalmente determinadas, em contraposição ao modelo autônomo que pressupõe apenas o desenvolvimento do letramento como competência individual para promoção e sucesso na escola.

A partir desses estudos, lancei o olhar sobre minha sala de aula e percebi que o modelo autônomo ainda prevalecia, na forma descontextualizada como a escrita era trabalhada. Tornou-se, portanto, imperativo ressignificar minha prática no sentido de

(33)

mobilizar o meu aluno para o que é socialmente relevante, inserindo-o em práticas sociais letradas das mais variadas instituições.

A disciplina Fonologia, Variação e Ensino, ministrada pelo professor doutor Júlio Neves, em princípio, foi vista por mim sem muita animação, pois voltar a estudar o sistema sonoro do nosso idioma significava rever um conteúdo muito técnico já trabalhado na graduação. Mas, logo nas primeiras aulas, o professor buscou dar à disciplina um caráter prático, voltado para a sala de aula, para o meu trabalho e me fez perceber que parte dos problemas de escrita dos alunos estão relacionados a aspectos de ordem sonora e que a resolução desses problemas se torna possível quando o professor conhece os processos fonológicos.

A disciplina Texto e Ensino, ministrada pela professora doutora Alvanita Almeida, objetivava aprimorar o conhecimento sobre o processo de leitura e escrita como prática discursiva. Para mim, aprimoramento só com relação à teoria de gêneros, pois as teorias e perspectivas sobre texto e discurso; contexto, cotexto e multimodalidade e sistemas de conhecimento para o processamento textual foram novas, necessárias e distantes das perspectivas que vinha adotando em minha prática em sala de aula, deixando à margem as propriedades discursivas e interativas dos processos de compreensão/produção de discursos.

Os conceitos de texto, trabalhados na referida disciplina, foram importantes para repensar o meu fazer pedagógico pelo fato de se aproximarem mais das situações concretas de uso e das práticas sociais de leitura e escrita. Dessa forma, me vi desafiada a rever a minha perspectiva de texto, ainda trabalhada com o meu aluno na imanência do sistema linguístico basicamente como sequência de unidades, expressões ou sentenças, sem contemplar a textualidade como um todo; afinal é por textos e não por sentenças que interagimos.

A disciplina Elaboração de Projetos e Tecnologia Educacional, ministrada pelo professor doutor Márcio Muniz, representou uma importante aprendizagem sobre tipos de pesquisa, tecnologias usadas na educação e elaboração de projeto de intervenção. Pelos textos lidos, no âmbito desta disciplina, pude logo perceber que o percurso metodológico a ser adotado no referido projeto seria a pesquisa qualitativa de cunho etnográfico, voltada para o olhar do professor-pesquisador sobre a sala de aula.

Fino (2008) aborda a etnografia como uma investigação feita por profissionais da educação sobre práticas pedagógicas, na convergência com a inovação pedagógica e apresenta aspectos relevantes da etnografia como: o período de

(34)

interações sociais intensas entre o investigador e os atores, no meio destes e a obtenção de dados provenientes de fontes diversas.

O autor também chama a atenção para a questão da interpretação como diferencial da etnografia da educação em relação à etnografia convencional. Esta se esgota numa finalidade meramente descritiva; aquela usa a descrição como base sobre a qual interpreta. Para ele, a etnografia da educação pode constituir um método fundamental para sondar as práticas pedagógicas.

Esse foi o meu primeiro contato com essa abordagem e, por isso, acredito, não entendi, em princípio, o “como” fazer. Isso ficou perceptível para minha orientadora, a professora doutora Simone Souza de Assumpção, que aproveitou os meses de greve da universidade para solicitar outras leituras sobre pesquisa qualitativa de cunho etnográfico, seguidas de reflexão e discussão.

Depois da greve, em fevereiro de 2016, cursei as disciplinas referentes ao segundo semestre de 2015. Na disciplina Gramática, Variação e Ensino, a professora doutora Ana Lúcia Souza promoveu discussões sobre as relações étnico-raciais e educação no Brasil, na perspectiva de uma pedagogia decolonial, atreladas a discussões sobre as concepções de linguagem, gramática e ensino. Dessa forma tive acesso a considerações conceituais sobre colonialismo, colonialidade e decolonialidade.

Sem a pretensão de discutir tais conceitos aqui, destaco as reflexões que fiz, ressaltando que me chamaram a atenção as considerações feitas por Torres (2007) citado por Candau e Oliveira (2010) quando este afirma que “a colonialidade se refere a um padrão de poder que emergiu do colonialismo moderno e se relaciona à forma como o trabalho, o conhecimento, a autoridade e as relações intersubjetivas se articulam entre si através do mercado capitalista mundial e da ideia de raça”. Fez-me refletir, a forma como o autor apresenta a colonialidade viva em textos didáticos, nos critérios para um bom trabalho acadêmico, na cultura, na autoimagem dos povos e em outros aspectos da vida moderna, destacando que ainda respiramos a colonialidade.

Nas aulas da referida disciplina, esses conceitos apareceram imbricados com as concepções de língua, ensino e gramática abordadas por Travaglia (2009). O referido autor, apresenta três concepções de linguagem: a linguagem como expressão do pensamento, baseada na enunciação como ato individual, sem interferência das circunstâncias que constituem a situação social onde ocorrem; a linguagem como

Referências

Documentos relacionados

com o Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Carmo (2013) afirma que a escola e as pesquisas realizadas por estudiosos da educação devem procurar entender a permanência dos alunos na escola, e não somente a evasão. Os

Tais orientações se pautaram em quatro ações básicas: apresentação dessa pesquisa à Secretaria de Educação de Juiz de Fora; reuniões pedagógicas simultâneas com

Neste capítulo foram descritas: a composição e a abrangência da Rede Estadual de Ensino do Estado do Rio de Janeiro; o Programa Estadual de Educação e em especial as

O presente trabalho objetiva investigar como uma escola da Rede Pública Municipal de Ensino de Limeira – SP apropriou-se e utilizou o tempo da Hora de

nesse contexto, principalmente em relação às escolas estaduais selecionadas na pesquisa quanto ao uso dos recursos tecnológicos como instrumento de ensino e

O pesquisador, licenciado em Estudos Sociais com Habilitação Plena em História, pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF), concluiu, ainda, o curso de

Na experiência em análise, os professores não tiveram formação para tal mudança e foram experimentando e construindo, a seu modo, uma escola de tempo