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Aplicação da teoria da desconsideração o inversa da personalidade jurídica nas relações familiares

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INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA NAS

RELAçÕES FAMILIARES

Bruna Sobral Braga1

RESUMO

A desconsideração inversa da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro é objeto de densa discussão, sendo fato que não existe uma disposição específica sobre sua aplicação na atual legislação pátria. Por conseguinte, é profícuo realizar uma pesquisa profunda que envolva a análise de algumas decisões judiciais e dos posicionamentos doutriná-rios a respeito do tema, em especial no tocante aos aspectos que formam o convencimento do magistrado para a aplicação da citada desconsideração inversa nas relações familiares. Sabe-se que a personificação das sociedades permitiu uma série de atos fraudulentos e abusos de direito. Como saber, então, se o cônjuge ou sócio de uma empresa está se valendo da sociedade à qual pertence, para ocultar bens que, se estivessem em nome da pessoa física, seriam passíveis de restrição pela ação de credores, nesse caso, do 1 Mestre em Direito pela Universidade FUMEC; Professora de Teoria Geral do Estado, Direito Constitucional I e Direito Internacional na Faculdade Arnaldo. Advogada, Bacharel em Administração de Empresas, Pós-graduada em Direito de Família pelo Centro de Atualização em Direito da Universidade Gama Filho, e autora de diversos artigos jurídicos publicados.

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cônjuge lesado? Quais devem ser os aspectos e condicionantes que devem formar o convencimento do juiz para a aplicação da teoria da desconside-ração inversa da personalidade jurídica no âmbito do Direito de Família? Tais perguntas justificam-se como pertinentes ante o acelerado e promissor desenvolvimento das sociedades empresárias no Brasil.

Palavras-chave: Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica.

Relações Familiares. Fraude. Lesão. Jurisprudência.

AbSTRACT

The reverse piercing the corporate veil in Brazilian law is subject to dense discussion, and the fact that there is hardly a consensus on their implementa-tion in the current homeland legislaimplementa-tion. It is therefore fruitful conduct thorough research involving the analysis of some judicial decisions and doctrine on the subject, especially in relation to the aspects that form convince the magistrate to the application of those reverse disregard placements in family relationships. It is known that the personification of companies allowed a series of fraudulent acts and abuses of law. How to know, then, if the spouse or partner of the company is taking advantage of society to which it belongs, to hide assets that, if on behalf of the individual, would be subject to restriction by the action of creditors, in this case, the injured spouse? This question is justified as relevant compared to the rapid and promising development of entrepreneurial companies in Brazil. What should be the issues and constraints that must form the judge conviction to apply the theory of reverse piercing the corporate veil under the Family Law? Such questions are justified as relevant compared to the rapid and promising development of entrepreneurial companies in Brazil.

Keywords: Reverse disregard of legal entity. Family Relations. Fraud.

Injury. Jurisprudence.

1. INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico brasileiro regula a partilha do patrimônio comum formado na existência da sociedade conjugal ou mesmo nas relações afetivas constituídas sem demandar a solenidade do casamento ou a formali-dade específica, quando há uma quebra dessas relações. Na partilha, não raro, começam as batalhas judiciais, uma vez que, separando-se os cônjuges ou conviventes, é comum verificar-se a adoção de estratégias ilícitas para se obter

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uma participação desigual na divisão patrimonial, chegando-se, até mesmo, a grandes operações fraudulentas.

De fato, são diversas as manobras realizadas, dentre elas: a aparente re-tirada do cônjuge da sociedade comercial; a transferência de quotas da socie-dade para outro sócio ou terceiros, com o retorno para o antigo sócio após o divórcio; a alteração do contrato social com a redução das quotas ou patrimô-nio da sociedade; a mudança de um tipo de sociedade para outro, como, por exemplo, de sociedade por quotas para a sociedade anônima; a falsificação do resultado da empresa.

Nesse sentido, para se ver livre e dispensado de prestar contas da cir-culação dos bens comuns, o cônjuge transfere todo e qualquer patrimônio para o rol de bens da pessoa jurídica, que é administrada por ele, facilitan-do o trânsito facilitan-do parceiro empresário. Seguinfacilitan-do a mesma linha, o cônjuge preocupado com a partilha judicial, retira-se da sociedade às vésperas do intento separatório, transferindo a sua participação para outro sócio. Após o divórcio ou dissolução da união, ele retorna à empresa e à livre adminis-tração dos bens que eram comuns ao casal, o que materializa a relevância da abordagem investigativa aqui proposta como possível solução jurídica para esse tipo de caso.

Nesse contexto, a hipótese que ora se levanta neste artigo é a de que a desconsideração inversa da personalidade jurídica será aplicada sempre que for apurado o uso abusivo, simulado ou fraudulento da pessoa jurídica, pre-judicando, dessa forma, credores ou terceiros; e que a observação desses aspectos, no caso concreto, é o que forma o convencimento do juiz para a aplicação dessa teoria.

Tendo em vista que a teoria da desconsideração inversa não pode ser aplicada de ofício pelo magistrado, dada a ausência de autorização legal, o objetivo deste arquivo é apresentar um breve estudo sobre os aspectos e con-dicionantes que formam o convencimento do juiz para a aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica, a fim de que ele possa aplicar a referida teoria nas relações familiares.

Tendo em vista a existência de poucos julgados que utilizam essa moda-lidade de desconsideração para casos fraudulentos no Direito de Família, bem como escassa doutrina sobre o assunto, especialmente no âmbito menciona-do; propõe-se uma sintética revisão teórica sobre o tema, aliada a uma análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de 2013 e de algumas deci-sões de Tribunais de Justiça estaduais.

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2. AS SOCIEDADES EMPRESáRIAS, A ATRIbUIÇÃO DE

PERSONALIDADE JURÍDICA E SEUS EfEITOS

Tendo em vista que a caracterização das sociedades empresárias pode contribuir para a utilização ilícita da pessoa jurídica nas relações familiares, cumpre recordar alguns conceitos de personalidade jurídica, a fim de dar sub-sídios para a análise central que se pretende realizar.

Conforme a melhor doutrina, a ideia de pessoa, em princípio, está liga-da ao ser humano ou pessoa: “[...] toliga-das as normas e regulamentações são, portanto, criadas em proveito do ser humano e, por isso, ele é suporte in-dispensável à caracterização de fenômenos jurídicos.” (NAHAS, 2007, p. 47). No entendimento de Pontes de Miranda (1972, p. 207-209), “[...] ser pessoa é apenas ter a possibilidade de ser sujeito de direito [...] Se alguém não está em relação de direito, não é sujeito de direito: é pessoa”.

A personalidade jurídica das pessoas físicas, seres humanos concebidos por uma mulher, inicia-se pelo seu nascimento, embora sejam resguardados os direitos do nascituro. Já a pessoa jurídica, no entendimento de Stajn (2002, p. 67), consiste na “organização de pessoas naturais com interesse comum ou de massa de bens dirigidos à realização de interesses comuns ou coletivos aos quais a ordem jurídica reconhece como sujeitos de direito”.

Justen Filho (1987, p. 49) esclarece que:

[...] a personificação societária envolve uma sanção positiva prevista pelo ordenamento jurídico. Trata-se de uma técnica de incentivação, pela qual o direito busca conduzir e influenciar a conduta dos integran-tes da comunidade jurídica. A concentração de riqueza e a conjugação de esforços inter-humanos afiguram-se um resultado desejável não em si mesmo, mas como meio de atingir outros valores e ideais

comuni-tários. O progresso cultural e econômico propiciado pela união e pela

soma de esforços humanos interessa não apenas aos particulares como ao próprio Estado. (grifos nossos)

Grande parte da doutrina entende que a pessoa jurídica resulta de uma construção técnico-jurídica, destinada a proporcionar o alcance de determi-nado objetivo. Silva é um deles:

[...] a pessoa jurídica é uma realidade técnica; é a personificação con-ferida pela ordem jurídica a entes dotados de existência própria ou

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autônoma, inconfundível com a vida das pessoas naturais que os cria-ram, com vontade própria e capacidade de defender seus interesses. (1999, p. 25) (grifos nossos)

Uma minoria compartilha do pensamento de Oliveira (1979, p. 329) de que a pessoa jurídica é mera criação do pensamento humano, para a conse-cução de determinados fins

Outro aspecto importante que merece ser mencionado diz respeito à utilidade e benefícios da pessoa jurídica. Nesse sentido, Comparato (1983, p. 401) assim expressa:

[...] como instituto jurídico, a pessoa jurídica possui a função de limitar

os riscos empresariais, por meio do reconhecimento de sua existência

como distinta da existência de seus membros, sócios ou componentes, pretendendo com isso estimular o desenvolvimento social, que é obvia-mente indispensável. (grifos nossos)

E Ceolin (2002, p. 21) amplia a conceituação:

[...] com a personalização do ente abstrato, dispensa-se a difícil tarefa de se conhecer cada um dos indivíduos que o compõem, porquanto, para a celebração de atos negociais entre ele e terceiros, pouco importará a pessoa dos seus membros. Confere-se aos terceiros contratantes, assim,

a garantia de que estão a lidar com um sujeito de direitos distinto e autônomo em relação aos seus membros. Ademais, o direito à

per-sonificação confere maior estabilidade e permanência dos negócios

econômicos, visto que o ente subsiste, não obstante a morte ou retirada

de algum ou alguns dos seus membros. (grifos nossos)

Uma das características marcantes da constituição da pessoa jurídica consiste em promover a separação entre o patrimônio das pessoas (físicas ou jurídicas) que a constituíram daquele destinado à sua criação, para que a pessoa jurídica possa atingir o seu objeto social de forma autônoma das pessoas físicas.

O patrimônio da sociedade (pessoa jurídica) é inicialmente constitu-ído pela contribuição de cada sócio, conforme o valor que por eles foi efe-tuado ou prometido efetuar para a sociedade. A totalidade da contribuição

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dos sócios constitui o capital social, elemento básico do patrimônio da so-ciedade. À medida que a sociedade se instala e iniciam as negociações, a sociedade vai progressivamente conquistando bens móveis e imóveis, que podem passar por processo de valorização. Isso possibilita à sociedade des-tinar parte dos lucros à garantia dos seus negócios. O conjunto de todos esses bens é denominado “patrimônio”. Ressalte-se que quem possui esses bens é a sociedade, não os sócios.

Sobre a distinção entre sociedade e sócio e suas implicações, Coelho (2007, p. 15-16) leciona:

[...] respondem pelas obrigações da sociedade, em princípio, apenas os bens sociais. Sócio e sociedade não são a mesma pessoa, e, como não cabe, em regra, responsabilizar alguém (o sócio) por dívida de outrem (a pessoa jurídica da sociedade), a responsabilidade patrimonial pelas

obri-gações da sociedade empresária não é dos seus sócios. (grifos nossos) No que diz respeito a essa diferenciação, a redação clara do art. 20 do Código Civil de 1916 (“Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.”) (BRASIL, 1916) não foi repetida no novel diploma legal.

Entretanto, o art. 45 do Código Civil Brasileiro de 2002 (BRASIL, 2002), ao instituir o início da existência da pessoa jurídica, já indica a distinção entre esta e a pessoa de seus sócios.

O próprio art. 50 do mesmo diploma, ao prever hipóteses em que pode haver desconsideração, implicitamente reafirma a regra de separação entre pessoa jurídica e seus componentes, tendo em vista que, ao apresentar regra material de desconsideração da personalidade jurídica, acaba por afirmar o princípio da autonomia patrimonial, pois somente em hipóteses excepcionais ele pode ser mitigado.

Cumpre ressalvar, todavia, que a personalidade jurídica não resulta em au-tomática limitação de patrimônio, tendo em vista que diversos tipos societários, por sua essência, não possuem limitação de responsabilidade, o que torna os seus integrantes, direta ou ilimitadamente, responsáveis pelas obrigações sociais.

Não obstante, mesmo admitindo que as sociedades respondem de forma ilimitada com seu patrimônio constituído, em alguns tipos societários os só-cios podem limitar a sua responsabilidade pelas obrigações contraídas pela pessoa jurídica. Nesse sentido, importa assinalar que especialmente nas socie-dades limitadas personificadas, nas sociesocie-dades simples personificadas e nas

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sociedades anônimas, essa autonomia patrimonial é mais evidente.

Com efeito, em situações de normalidade, em que as pessoas jurídicas são utilizadas em consonância com seu objeto social e para finalidades lícitas ou não vedadas em lei, é nítida a distinção entre a sua responsabilidade para com as obrigações contraídas.

Não obstante essa separação, que funciona como mecanismo de pro-teção, diante do aumento expressivo de ilicitudes escondidas sob o véu da pessoa jurídica, surgiu, a partir da casuística, a técnica processual da descon-sideração da personalidade jurídica.

3. A PERSONIfICAÇÃO DAS SOCIEDADES

EMPRESáRIAS LIMITADAS

Devido às suas características e efeitos de sua personalização, as socie-dades empresárias limitadas são o tipo mais propício para o uso indevido da personalidade jurídica vinculado a relações familiares.

3.1. Caracterização da sociedade empresária

Na disciplina societária, o Código Civil (BRASIL, 2002) concebeu dois tipos de sociedade personalizada, a “sociedade empresária” e a “sociedade simples” (art. 982). A distinção entre ambas decorre do conceito de empre-sário, assim definido no caput do art. 966: “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” (BRASIL, 2002).

Entende-se por atividade econômica organizada (atividade empresarial) aquela em que o empresário articula a combinação dos fatores de produção ou de circulação de bens ou serviços, quais sejam, “capital, mão-de-obra, insumo e tecnologia” (COELHO, 2007, p. 3).

Com efeito, se a sociedade tem por objeto o exercício profissional de atividade econômica organizada, ela classifica-se como sociedade empresária; não tendo este objeto, classifica-se como sociedade simples.

O parágrafo único do art. 966, ao desconsiderar a atuação intelectual e pessoal como atividade empresarial, indica que não é a articulação dos fatores de produção o que alimenta a atividade econômica daquela sociedade, mas sim a pessoalidade do trabalho intelectual desenvolvido (científico, literário ou artístico), que é a pedra de toque da organização.

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Ressalve-se que, por disposição da lei —parágrafo único do art. 982 do Código Civil —, a sociedade anônima, independentemente de ter ou não ati-vidade empresarial, sempre será considerada uma sociedade empresária.

3.2. Efeitos da personalização

Da atribuição de personalidade jurídica à sociedade empresária emanam três principais efeitos: a titularidade negocial; a titularidade processual e a ti-tularidade patrimonial.

A titularidade negocial ou obrigacional da sociedade empresária lhe confere a capacidade jurídica de ser titular de direitos e deveres, podendo, em seu próprio nome, celebrar os mais variados negócios jurídicos, não obstante o faça através de seu administrador (sócio ou não sócio).

A titularidade processual da sociedade empresária consiste na capacida-de capacida-de ser parte em processo judicial; assim, ela pocapacida-de capacida-demandar e ser capacida- deman-dada em juízo. Decorre naturalmente da capacidade de direito acima referida. E por fim, a titularidade patrimonial ou autonomia patrimonial, que atribui à sociedade a titularidade de um patrimônio próprio inconfundível e incomunicável com o patrimônio de cada um dos sócios.

A titularidade ou autonomia patrimonial é o efeito mais relevante da per-sonalização da sociedade empresária, pois acarreta o rompimento da ligação entre o patrimônio dos sócios e o patrimônio destinado à sociedade, rema-nescendo aos primeiros apenas o direito patrimonial de participar nos lucros e no acervo social líquido, este último quando e se a sociedade se extinguir.

Não obstante a sociedade assumir a responsabilidade patrimonial pelas obrigações por ela contraídas, estas poderão, ou não, afetar o patrimônio dos sócios de acordo com o tipo societário que tenha sido constituído.

4. USOS INDEvIDOS DA PERSONALIDADE JURÍDICA

4.1. A fraude aos credores, o abuso de direito e a simulação

A sociedade empresária, na qualidade de sujeito titular de direitos e obri-gações distintos de seus sócios, pode vir a ser utilizada de forma abusiva ou fraudulenta, lesando credores ou terceiros, através, por exemplo, da consti-tuição de sociedades fictícias, de operações societárias com fins dissimula-dos, da celebração de negócios jurídicos espúrios, da promiscuidade entre o

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patrimônio da sociedade e o dos sócios, entre outras.

Dentre os usos indevidos, a simulação é a declaração enganosa da vonta-de, visando à obtenção de resultado diverso da finalidade aparente, para iludir terceiros ou burlar a lei. Vale dizer, a simulação é causa autônoma de nulidade do negócio jurídico, diferente dos demais vícios.

O abuso da personalidade jurídica se manifesta quando a sociedade é utilizada de modo dissonante com os limites impostos pelo seu fim econômi-co ou social, frustrando a boa-fé daqueles econômi-com quem ela se relaciona. Também ocorre quando o próprio sócio desrespeita a regra da separação patrimonial utilizando-se do patrimônio da sociedade em benefício particular; é a confu-são patrimonial.

O desvio de finalidade, uma das hipóteses caracterizadoras do abuso da personalidade jurídica, é aferido objetivamente, dispensando maiores indaga-ções quanto à intenção do sócio ou do administrador que praticou o desvio.

Conforme leciona Gonçalves, citado por Tomazette (2006): “o desvio de finalidade a que se refere o artigo 50 do Código Civil, seria a prática de atos incompatíveis com o estatuto ou contrato social, estando ligada às idéias de abuso e excesso de poder”.

Já a confusão patrimonial se manifesta nos casos em que não há efetiva separação entre o patrimônio da sociedade e o patrimônio de seus sócios. Ocorre, por exemplo, quando se verifica na escrituração contábil ou na movi-mentação bancária que a sociedade paga dívidas do sócio, ou este recebe cré-ditos dela, ou vice-versa. Também quando bens usufruídos particularmente pelos sócios são registrados em nome da sociedade ou vice-versa.

Por fim, a fraude aos credores, que vai muito além do abuso da perso-nalidade jurídica, uma vez que nela a pessoa jurídica é empregada na prática de algum negócio jurídico elaborado para burlar a lei ou prejudicar terceiros. Nesse sentido, muito embora ambos – abuso e fraude – objetivem prejudi-car terceiros, tais atos não se confundem. Isso porque a fraude é o negócio jurídico tramado para prejudicar credores, em benefício do declarante ou de terceiro. Já no abuso de direito não existe propriamente trama contra o direito de credor, mas sim uso inadequado de um direito.

4.2 Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica

Para coibir a fraude e o abuso na utilização da pessoa jurídica, surgiu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, expediente que opera a

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superação dos efeitos da personalização, notadamente a autonomia patrimo-nial, para atrair a responsabilidade pessoal dos sócios e/ou administradores por obrigações contraídas pela sociedade.

No Brasil, ela é chamada de teoria “maior” da desconsideração da perso-nalidade jurídica, como contraponto da controversa teoria “menor”, haja vista que elas possuem fundamentos e efeitos diferentes.

Os primeiros registros relativos à construção da teoria da desconside-ração da personalidade jurídica teriam surgido na jurisprudência inglesa do final do século XIX. Ante a ausência de previsão legislativa da desconside-ração, esta surgiu no sistema common law, adotado nos Estados Unidos e Inglaterra, por meio da análise de precedentes.

A primeira manifestação da aplicação da técnica de desconsideração da personalidade jurídica ocorreu em 1809, no caso denominado Bank of United

States versus Deveaux (SILVA, 1999, p. 48).

No entanto, o precedente que para muitos inaugurou a teoria da des-consideração da personalidade jurídica foi o comentado caso Salomon versus

Salomon & CO, em 1897, na Inglaterra (REQUIÃO, 1969, p. 12).

Embora alguns doutrinadores entendam que o resultado desfavorável tenha minimizado a importância do precedente acima citado (SILVA, 1999, p. 31), a tese do liquidante, embora vencida, teve repercussão favorável nos Estados Unidos, influenciando diversos estudiosos no sentido de desenvolver a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, Denominada disregard

doctrine e disregard of legal entity, é também conhecida por lifting the corpo-rate veil, expressões que, traduzidas para o português, significam “doutrina

da desconsideração”, “desconsideração da personalidade jurídica” e “levanta-mento do véu da personalidade jurídica”, respectivamente.

A contribuição mais expressiva para a sistematização da teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi oferecida por Serick (1966). Denominando-a de Durchgrifshaftung (Teoria da Penetração) e formulando cientificamente os princípios fundamentais para sua aplicação, Serick orga-nizou, pelos precedentes estudados, as hipóteses de incidência da teoria da desconsideração.

Para Serick, independentemente da espécie de pessoa jurídica de que se tratasse, o juiz poderia desconsiderar o princípio da separação entre o pa-trimônio do sócio e o da pessoa jurídica, desde que ficasse caracterizado o abuso de direito ou a fraude contra credores. Nessa caracterização, o referido jurista defende que a decisão que desconsidera a personalidade jurídica não

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poderia estar calcada apenas em elementos objetivos, ou seja, deveria estar evidenciada a intenção do sócio na conduta abusiva ou fraudulenta (SERICK, 1958, p. 241-246).

Requião foi o responsável por difundir no Brasil a teoria da desconside-ração da personalidade jurídica, indicando ao meio jurídico que, não obstante a ausência de legislação expressa no sentido, o País já possuía leis e conheci-mentos suficientes para utilizar a referida teoria (BRUSCHI, 2004, p. 18).

No entendimento de Requião, se a personalidade jurídica constitui uma criação da lei, como concessão do Estado, objetivando a realização de um fim, nada mais procedente do que se reconhecer ao Estado, através de sua justi-ça, a faculdade de verificar se o direito concedido está sendo adequadamente usado. A personalidade jurídica passa a ser considerada doutrinariamente um direito relativo, permitindo ao juiz penetrar o véu da personalidade para coi-bir os abusos ou condenar a fraude, através de seu uso.

O surgimento da teoria da desconsideração da personalidade consiste em uma reação doutrinária e jurisprudencial à crise de função da pessoa jurí-dica, pelo desvio da função que foi assinalada a esse instituto pelo legislador. Também decorre da reação dos tribunais através de um conjunto de julgados que tiveram por ponto comum uma espécie de suspensão de vigência para o caso concreto em julgamento - do princípio da separação entre a pessoa jurídica e a pessoa-membro. Esse fenômeno é conhecido pelo pensamento moderno pelas expressões “desconsideração” da pessoa jurídica.

As técnicas de disregard ou de Durchgriff são o mais agudo sintoma de crise de função. Elas denunciam a existência de um desvio do instituto, da função que lhe foi assinalada pelo legislador. Ao mesmo tempo visam evi-tar — principalmente ao servirem de inspiração à interpretação de algumas normas legais específicas — o surgimento concreto de novos casos de desvio. Se se analisar a grande e fundamental obra de Serick, não se pode deixar de reconhecer sua grande e meritória intenção: a da necessidade de maior aten-ção ao elemento ético na análise e interpretaaten-ção do Direito. O tempo atual é testemunha da crescente preocupação dos Códigos com a necessidade de reintrodução de critérios éticos como básicos para a valoração dos fatos jurí-dicos. É nessa linha que se inscreve a elevada importância que tem sido atri-buída por diplomas legislativos recentes ao princípio da boa-fé e à prevenção do abuso de direito.

Se é em verdade uma outra pessoa que está a agir, utilizando a pessoa jurídica como escudo, e se o faz fora de sua função, promovendo um resultado

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contrário à lei, ao contrato ou às coordenadas axiológicas fundamentais da ordem jurídica (bons costumes, ordem pública); é necessário que a imputação se faça com predomínio da realidade sobre a aparência.

Noutra perspectiva Comparato (1983) também trouxe importantes con-tribuições para o estudo da desconsideração da personalidade jurídica, ao formular a teoria objetiva, a qual invoca a confusão patrimonial como pres-suposto objetivo de incidência da desconsideração da personalidade jurídica.

Na esteira da doutrina de Comparato, o novo Código Civil, quando normatiza o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, adota a confusão patrimonial como pressuposto objetivo que caracteriza o abuso da personalidade jurídica e, como efeito, autoriza a desconsideração sem maiores indagações quanto à intenção do sócio ou do administrador.

Tendo em vista que tanto a confusão patrimonial quanto o desvio de finalidade são constatáveis pelos vestígios deixados no exercício da empre-sa, é de se concluir que o novo Código Civil, em ambos os casos, concebeu uma teoria objetiva da desconsideração da personalidade jurídica, em que pese muitos confundirem o real significado desta expressão, considerando-a, incorretamente, como sinônimo da polêmica “teoria menor” da desconside-ração da personalidade jurídica.

Adotou-se, pois, a linha objetivista de Comparato, que prescinde da exis-tência de elementos anímicos ou intencionais (propósito de fraudar a lei ou de cometer um ilícito), embora não se tenha adotado a chamada “‘teoria menor” da desconsideração da personalidade jurídica.

Exemplo desse acolhimento pode ser identificado nos seguinte trecho de julgado da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

[...] Na verdade, embora a jurisprudência pátria dispense ação autônoma para se levantar o véu da pessoa jurídica, somente em casos de abuso de direito - cujo delineamento conceitual encontra-se no art. 187 do CC⁄02 -, desvio de finalidade ou confusão patrimonial (Fábio Konder Comparato, RT 1976: 292), é que se permite tal providência. Adota-se, assim, a “teoria maior” da desconsideração da personalidade jurídica, a qual exige a ocorrência objetiva de tais requisitos para sua configuração. (BRASIL, 2009)

Ressalte-se que a desnecessidade de se comprovar a responsabilida-de subjetiva para a caracterização do abuso da personalidaresponsabilida-de jurídica não é

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nenhum retrocesso. Ao revés, harmoniza-se com a moderna concepção do regime geral do “abuso do direito”, disposto no art. 187 do Código Civil. Isso porque o abuso do direito também dispensa a prova da responsabilidade sub-jetiva para a sua caracterização como ato ilícito.

Nesse sentido dispõe o Enunciado n. 37 da Jornada de Direito Civil pro-movida pelo Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal: “A respon-sabilidade civil decorrente do abuso de direito independe de culpa, e funda-menta-se somente no critério objetivo-finalístico” (AGUIAR JÚNIOR, 2002). E reafirmam Nery Junior e Nery (2007, p. 350): “a ilicitude do ato cometido com abuso de direito é de natureza objetiva, aferível independentemente de dolo ou culpa”.

A taxatividade das duas hipóteses legais (art. 187, CC/02) de abuso da personalidade jurídica — desvio de finalidade e confusão patrimonial — ofe-rece segurança jurídica na interpretação da existência ou não de abuso na conduta imputada.

Por outro lado, diversamente do entendimento aqui esposado — que atribui um sentido estrito e de aferição objetiva ao pressuposto do “desvio de finalidade” —, colhem-se precedentes do Superior Tribunal de Justiça manifestando o entendimento de que tal expressão deve ser compreendida “como o ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica” (BRASIL, 2011b). Ao adotar a interpretação am-pliativa do significado da expressão “desvio de finalidade”, abarca a hipótese da fraude contra credores, suscitando, portanto, uma aferição subjetiva desse pressuposto.

Como exemplo dessa interpretação, colaciona-se o seguinte trecho de julgado da Segunda Turma do STJ:

[...] - A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro é aquela prevista no art. 50 do CC/02, que consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva. (BRASIL, 2010)

Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (teoria maior subjetiva da desconsideração), caracteri-zado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial

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(teoria maior objetiva da desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios.

A teoria maior da desconsideração, seja a subjetiva, seja a objetiva, consti-tui a regra geral no sistema jurídico brasileiro, positivada no art. 50 do CC/02.

Por sua vez, para a incidência da desconsideração com base na teoria menor; basta a prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

No ordenamento jurídico brasileiro, a teoria menor da desconsideração foi adotada excepcionalmente, por exemplo, no Direito Ambiental (Lei nº 9.605/98, art. 4º) e no Direito do Consumidor (Lei nº 8.078/90, art. 28, § 5º).

5. A DESCONSIDERAÇÃO INvERSA DA

PERSONALIDADE JURÍDICA

Partindo do breve estudo feito sobre a desconsideração da personalidade jurídica, cabe questionar: seria possível, no mesmo caso de abuso da persona-lidade jurídica, atingir os bens da pessoa jurídica para satisfazer o direito dos credores? Seria cabível a desconsideração inversa da personalidade jurídica?

Conforme exposto, pode-se conceituar a desconsideração da persona-lidade jurídica como a técnica jurídica por meio da qual o juiz pode, em um processo judicial em andamento, tornar ineficaz a autonomia patrimonial entre a pessoa jurídica e seus integrantes para alcançar nos atos de cons-trição judicial o patrimônio destes. Sua clara intenção é responsabilizar os sócios das empresas devedoras com o atingimento de seu patrimônio parti-cular, em decorrência de fraudes perpetradas mediante o abuso da autono-mia da pessoa jurídica.

No entanto, não se pode ignorar a possibilidade da desconsideração de maneira invertida, a qual afastaria o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio.

A fraude que a desconsideração invertida coíbe é, basicamente, o des-vio de bens. O sócio devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica sobre a qual detém absoluto controle. Desse modo, continua a usufruí-los, apesar de não serem de sua propriedade, mas da pessoa jurídica controlada. Seus credores, em princípio, não podem responsabilizá-la executando tais bens (COELHO, 1989, p. 47).

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Assim, não há dúvidas de que a ocultação dos bens na pessoa jurídica nada mais é do que outra modalidade de fraude a terceiros. A desconsidera-ção inversa da personalidade jurídica seria, portanto, o remédio mais óbvio e imediato.

Ela é cabível no momento em que há dívida, executável, por parte de um dos sócios, bem como transferência patrimonial indevida à sociedade. Destarte, do mesmo modo que ocorre com a desconsideração simples (ou comum), a forma invertida será viável quando ocorrer a já debatida confusão patrimonial prejudicial, com isso, configurando ato lesivo aos credores de boa-fé.

Convém destacar que as consequências da aplicação da desconsideração inversa podem ser benéficas não apenas para o credor, mas também para o devedor. Tal medida, além de tornar a execução mais efetiva para o credor, tem o condão de torná-la menos gravosa para o devedor, visto que, ao inibir a alienação compulsória das quotas, impede a interferência judicial na socieda-de, podendo afastar a apuração de haveres em relação às quotas penhoradas e a consequente violação patrimonial da sociedade. Ademais, essa modalidade de desconsideração evita que os demais sócios sejam obrigados a adquirir as quotas para impedir a entrada de terceiros adquirentes, caso esteja previsto no estatuto tal hipótese (BRUSCHI, 2004, p. 130).

Faz-se imperioso enfatizar que a desconsideração da personalidade ju-rídica, ainda que inversa, deve ser considerada uma exceção, servindo para reforçar a regra do princípio da autonomia da pessoa jurídica.

Conquanto o ordenamento pátrio preveja uma medida para satisfazer o direito dos credores de boa-fé, qual seja a penhora de quotas sociais, é bem ver-dade que tal forma nem sempre se mostra eficaz. Um dos motivos é que alguns tipos de sociedades não atribuem, ao seu integrante ou instituidor, qualquer bem correspondente à respectiva participação na constituição do novo sujeito de direito, o outro está na possibilidade de insuficiência das referidas quotas.

No âmbito do Direito Processual, torna-se ainda mais interessante o re-ferido instituto quando tal medida é utilizada em sua forma invertida. Se já não há no Direito positivo brasileiro qualquer norma específica que defina o procedimento a ser adotado na utilização da disregard doctrine, no seu sentido inverso tal instrumentalização apresenta-se ainda mais obscura, visto que sua própria construção material é fruto de uma interpretação extensiva da norma.

No caso da teoria da desconsideração inversa, o credor, ao ver frus-trada a satisfação do seu direito em face da pessoa física devedora, requer a desconsideração da autonomia patrimonial da personalidade jurídica para

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alcançar os bens da pessoa jurídica, a qual escondia, através de medidas abusivas, todo o patrimônio pessoal do seu sócio integrante devedor. A pessoa jurídica, composta também por outros sócios, será, portanto, citada para responder por tais bens.

Convém enfatizar que a diversificação na utilização da teoria deve ater-se à exposição do conjunto fático probatório capaz de formar convencimento do magistrado, posto que o alcance da desconsideração inversa seja simétrico ao da modalidade ordinária, devendo a autorização da medida se dar mediante decisão interlocutória, reservando o contraditório para o momento do recur-so contra tal provimento.

A teoria denominada desconsideração inversa da personalidade jurí-dica é objeto de pouco estudo pela doutrina nacional, embora se encontre em estágio mais evoluído na jurisprudência brasileira. A nova modalidade de utilização da disregard doctrine é fruto do avanço do referido instituto no sis-tema jurídico brasileiro, aliado ao desenvolvimento dos estudos e das análises oriundas de casos práticos.

Seu fundamento baseia-se no exercício de hermenêutica jurídica do art. 50 do Código Civil. A desconsideração invertida persegue o mesmo objetivo da consagrada teoria da desconsideração da personalidade jurídica, qual seja, o de coibir o desvirtuamento da composição formal da pessoa jurídica. No en-tanto, tal busca é efetivada através do alcance do patrimônio pessoal do sócio, maliciosamente integrado e escondido na sociedade, em flagrante usurpação do direito de credores de dívidas pessoais.

Assim, na modalidade ordinária, a responsabilização por atos fraudulen-tos praticados pela pessoa jurídica é voltada para os sócios, enquanto que, na modalidade invertida, tal responsabilidade é atribuída à pessoa jurídica por atos praticados pelos sócios. O uso indevido da autonomia patrimonial da pessoa jurídica pode, outrossim, abranger tanto a hipótese de o sócio esvaziar o patrimônio da pessoa jurídica para fraudar terceiros, quanto no caso de es-vaziamento do patrimônio pessoal, integralizado na pessoa jurídica, de modo a ocultá-lo de terceiros.

6. APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE NO JUÍzO

DE fAMÍLIA

A aplicação da disregard doctrine no Direito de Família é importante na medida em que busca evitar que a parte menos esclarecida do relacionamento

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conjugal, em relação à administração do patrimônio comum, acabe se tornan-do vítima de fraudes perpetradas através tornan-do abuso societário. Assim, o Direito fornece um meio para fazer com que aquele que utilizou a pessoa jurídica de forma inescrupulosa seja punido, ou, pelo menos, não consiga êxito em seu ato fraudulento.

O Código Civil de 1916 vedava qualquer tipo de alteração quanto ao regime de bens primitivamente fixado, o qual era facilmente fraudado através do abuso ou da simulação na utilização da personalidade jurídica.

Apesar de o Código Civil de 2002 admitir determinadas alterações no re-gime de bens já pré-fixado, desde que observados alguns princípios de ordem pública que inibem a transmissão unilateral de direitos reais, sem o expres-so consentimento do parceiro coproprietário; basta haver a transferência de parte do patrimônio do casal para uma sociedade empresária que toda esta segurança jurídica vira letra morta da lei (MADALENO in FARIAS, 2004).

Nas situações ora analisadas, as quais envolvem o Direito de Família, a desconsideração da pessoa jurídica será aplicada, via de regra, em sua moda-lidade inversa. Em vez de responsabilizar o sócio por obrigação da sociedade, como ocorre ordinariamente na aplicação da disregard doctrine, é a sociedade que será responsabilizada por obrigação do sócio, pois é nela onde se encon-tram ocultados os bens pertencentes à meação.

Durante o casamento, ou união estável, o cônjuge empresário pode ad-quirir bens pessoais, ou de utilidade familiar, em nome da pessoa jurídica da qual é sócio. Assim, esses bens deixam de integrar uma futura partilha patrimonial. Através da aplicação inversa da disregard doctrine, é possível responsabilizar a sociedade empresária por lesão sofrida pelo ex-cônjuge ou companheiro durante a meação nupcial. Corrobora esse entendimento Coelho (2010, p. 45):

A desconsideração invertida ampara, de forma especial, os direitos de família. Na desconstituição do vínculo de casamento ou de união estável, a partilha de bens comuns pode resultar fraudada [...] Ao se desconsiderar a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar a pessoa jurídica pelo devido ao ex-cônjuge ou ex-companheira do só-cio, associado ou instituidor.

É comum que vários bens do uso de um dos cônjuges, como, por exem-plo, o automóvel particular e às vezes até mesmo a residência familiar, estejam

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em nome de uma sociedade empresária controlada pelo outro. Verifica-se então a existência de uma espécie de comodato, ou seja, é emprestado, a título gratuito, à esposa ou esposo, bens que lhe são de fato e de direito. Tem-se aí nítida situação onde deve ser aplicada a disregard doctrine, efetivada através da penhora dos bens da pessoa jurídica.

Através da desconsideração da pessoa jurídica, é possível reparar o dano causado à meação conjugal que restou fraudada devido ao mau uso da socie-dade empresária. Assim, justifica-se a penhora dos bens da pessoa jurídica, por obrigação do sócio que, fraudulentamente, se ocultou por detrás dela.

Inúmeros são os exemplos em que o cônjuge empresário forja sua saída da pessoa jurídica no intuito de lesar a meação do casal e, após a efetivação do divórcio, retorna para a sociedade empresária nas mesmas condições an-teriores. Se tal conduta for concluída com êxito, uma das partes na separação judicial, ou na dissolução da união estável, deixará de receber o patrimônio que lhe é de direito, do qual era condômino. Madaleno (in FARIAS, 2004) leciona que, se não fosse a aplicação da disregard doctrine, seria necessário ajuizar complicadas ações anulatórias, mediante enormes litisconsórcios para desfazer os negócios fraudulentos.

Quando a fraude perpetrada por meio do véu societário se revelar de uma maior complexidade, com grande número de pessoas envolvidas, e o cônjuge demandado possuir em seu patrimônio particular bens capazes de ressarcir a parte lesada, é possível, se assim for da vontade do(a) demandante, que o ressarcimento se dê através da penhora dos bens do(a) demandado(a). Assim, se evitará a constituição de um desnecessário litisconsórcio composto pelo cônjuge empresário, sociedade mercantil, outros sócios etc., o que garan-tirá uma maior efetividade e celeridade processual. Nota-se que é essencial que a fraude reste provada em juízo.

A parte demandante na ação de separação litigiosa pode, com fulcro na

disregard doctrine, pedir, cumulativamente, no mesmo processo de

conheci-mento, a anulação dos atos lesivos à sua justa meação, a responsabilização da parte demandada pela compensação patrimonial do prejuízo sofrido, através de pedido cautelar incidental, e indenização por perdas e danos. Esse posi-cionamento está em harmonia com a regra do § 2º do art. 292, do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973), que permite a cumulação de vários pedidos num único processo contra o mesmo réu.

Ressalta-se que as hipóteses de fraude através da pessoa jurídica, no Direito de Família, se estendem ao campo da união estável, instituto constitucionalmente

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equiparado ao casamento, onde se verifica a existência do regime de bens, a me-ação patrimonial, dentre outras semelhanças.

7. A DESCONSIDERAÇÃO INvERSA DA PERSONALIDADE

JURÍDICA NA JURISPRUDêNCIA DO STJ E DE TRIbUNAIS

DE JUSTIÇA ESTADUAIS

No campo familiar, âmbito de análise deste estudo, a desconsideração da personalidade jurídica, compatibilizando-se com a vedação ao abuso de direito, é orientada para reprimir o uso indevido da personalidade jurídica da empresa pelo cônjuge (ou companheiro) sócio que, com propósitos frauda-tórios, vale-se da máscara societária para o fim de burlar direitos de seu par. Nessa medida, o que se pretende, com a disregard doctrine, é afastar momen-taneamente o manto fictício que separa os patrimônios do sócio e da socieda-de para, levantando o “véu” da pessoa jurídica, buscar o patrimônio que, na realidade, pertence ao cônjuge (ou companheiro) lesado.

Nesse sentido, colaciona-se a seguinte ementa do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, relacionada a ação de alimentos:

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS PROVISÓRIOS DEVIDOS À MENOR IMPÚBERE. INCIDÊNCIA DE DESCONTOS SOBRE PAGAMENTO EFETUADO POR EMPRESA À OUTRA. ALIMENTANTE QUE É PROPRIETÁRIO DA EMPRESA QUE RECEBE O PAGAMENTO, EM VIRTUDE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. DESCONTOS INCIDENTES SOBRE A CONTRAPRESTAÇÃO. CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO. Possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, para fins de se dar efetividade ao cumprimento obrigacional.” (MINAS GERAIS, 2004) (grifos nossos)

No julgado acima, verifica-se que a obrigação alimentar abarca um dos direitos mais sagrados e fundamentais para a dignidade humana e para a própria vida, motivo para a evocação da desconsideração inversa da per-sonalidade jurídica. Nessa senda, é legítimo promover a desconsideração da pessoa natural, passando a se considerar, em seu lugar, o ente social como responsável diante dos terceiros não componentes do grupo. Dessa maneira, não há dúvidas de que a desconsideração da personalidade jurídica, mais pre-cisamente a desconsideração inversa, é medida de justiça que se impõe a fim

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de evitar a fraude na execução de alimentos.

Em situações de união estável, também se verifica a aplicação da descon-sideração inversa:

EMENTA: DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE

DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA. COMPANHEIRO LESADO PELA CONDUTA DO SÓCIO. ARTIGO ANALISADO: 50 DO CC/02.

[...]

3. A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade para, contra-riamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propria-mente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. 4. É possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica sempre que o cônjuge ou companheiro empresário valer-se de pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa física, a fim de subtrair do outro cônjuge ou companheiro direitos oriundos da sociedade afetiva. [...]

6. Se as instâncias ordinárias concluem pela existência de manobras ar-quitetadas para fraudar a partilha, a legitimidade para requerer a des-consideração só pode ser daquele que foi lesado por essas manobras, ou seja, do outro cônjuge ou companheiro, sendo irrelevante o fato deste ser sócio da empresa.

7. Negado provimento ao recurso especial. (RIO DE JANEIRO, 2012) Como já dito, a desconsideração inversa da personalidade jurídica pode-rá ocorrer sempre que alguém se aproveita de uma “máscara societária” para burlar direitos do cônjuge ou companheiro.

Este argumento foi usado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça ao negar recurso de um empresário do Rio Grande do Sul que havia reclamado de ter a empresa responsabilizada em um caso envolvendo a ex-companheira. No caso julgado, o Tribunal de Justiça gaúcho reconheceu

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a possibilidade de desconsideração em um processo de dissolução de união estável ajuizado em 2009. O empresário recorreu da decisão, alegando que o Código Civil permitiria somente responsabilizar o patrimônio pessoal do sócio por obrigações da sociedade, e não o contrário. Contudo, a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial no STJ, afirmou que a desconsi-deração inversa tem largo campo de aplicação no Direito de Família, em que a intenção de fraudar a meação leva à indevida utilização da pessoa jurídica. A ministra acrescentou que há situações em que o cônjuge ou companheiro esvazia o patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, de modo a afastar o outro da partilha. Assim, segundo a relatora, a medida existe para “afastar momentaneamente o manto fictício que separa os patrimônios do sócio e da sociedade para, levantando o véu da pessoa jurídica, buscar o pa-trimônio que, na verdade, pertence ao cônjuge (ou companheiro) lesado”. O voto da relatora foi seguido de forma unânime, sob o argumento: “Se o TJ-RS concluiu que houve ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do sócio majoritário, não cabe ao STJ fazer o reexame de fatos e pro-vas” (BRASIL, 2013b), concluiu a ministra, porque a possibilidade é vedada pela Súmula 7 da Corte (BRASIL, 1990).

Frente às situações exemplificadas pelos julgados acima transcritos, sugere-se que o jurisdicionado tenha um cuidado especial quanto à efetiva-ção da prestaefetiva-ção de alimentos, principalmente porque o cumprimento dessa obrigação possui caráter de urgência, tendo em vista que se trata do sustento de pessoas, ou seja, protege-se a vida, o maior bem jurídico tutelado. Assim, é imprescindível a aplicação da disregard doctrine nos casos em que o alimen-tante forja, através da sociedade mercantil, sua condição de miserabilidade.

Neste mesmo sentido:

Ementa: “PROCESSO CIVIL. FALÊNCIA. EXTENSAO DE EFEITOS. POSSIBILIDADE. PESSOAS FÍSICAS. ADMINISTRADORES NÃO-SÓCIOS. GRUPO ECONÔMICO. DEMONSTRAÇÃO.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

CITAÇÃO PRÉVIA. DESNECESSIDADE.

AÇÃO REVOCATÓRIA. DESNECESSIDADE. 1. Em situação na qual dois grupos econômicos, unidos em torno de um propósito comum, promovem uma cadeia de negócios formalmente lícitos mas com intuito substancial de desviar patrimônio de empresa em situação pré-falimen-tar, e necessário que o Poder Judiciário também inove sua atuação, no

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intuito de encontrar meios eficazes de reverter as manobras lesivas, pu-nindo e responsabilizando os envolvidos. 2. E possível ao juízo antecipar a decisão de estender os efeitos de sociedade falida a empresas coligadas na hipótese em que, verificando claro conluio para prejudicar credores, há transferência de bens para desvio patrimonial. Inexiste nulidade no exercício diferido do direito de defesa nessas hipóteses

3. A extensão da falência a sociedades coligadas pode ser feita indepen-dentemente da instauração de processo autônomo. A verificação da exis-tência de coligação entre sociedades pode ser feita com base em elemen-tos fáticos que demonstrem a efetiva influência de um grupo societário nas decisões do outro, independentemente de se constatar a existência de participação no capital social.

4. O contador que presta serviços de administração a sociedade falida, assumindo a condição pessoal de administrador, pode ser submetido ao decreto de extensão da quebra, independentemente de ostentar a qua-lidade de sócio, notadamente nas hipóteses em que, estabelecido pro-fissionalmente, presta tais serviços a diversas empresas, desenvolvendo atividade intelectual com elemento de empresa.

5. Recurso especial conhecido, mas não provido. (BRASIL, 2011a) No julgado acima, o Tribunal de origem determinou a desconsideração inversa da personalidade jurídica da empresa, haja vista o uso abusivo da sua personalidade e a ausência de bens a serem penhorados. Verifica-se claramente nos autos a utilização das empresas para encobrir seus bens, imóvel ou móvel em seu nome, colocando todos em propriedade da empresa para mascarar a própria vida patrimonial. Impedir a desconsideração inversa da personalidade, neste caso, implica prestigiar a fraude à lei e o descrédito à justiça.

No mesmo sentido:

PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO JUDICIAL DA SUCUMBÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA

DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

Agravo de instrumento contra decisão em execução da sucumbência que

desconsiderou a personalidade inversa para atingir bens do sócio que esconde seu patrimônio na empresa. Rejeita-se a preliminar de nulidade

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preliminar de cerceamento do direito de defesa porque se o devedor não nomeia bens à penhora como determina a lei, o credor e o juízo podem buscar bens para garantia do juízo da execução independente da oitiva daquele. Não há violação ao segredo de justiça pelo uso como prova de documentos que instruem outro feito porque cuidam ambos de lides entre membros da mesma família e naquele outro a aqui credora representa os filhos, sempre pelo mesmo advogado. Considerando a inércia do deve-dor em auxiliar a prestação jurisdicional, a ausência de bens suficientes a garantir o juízo da execução e o claro abuso daquele porque adquiriu em nome da sociedade carro para uso pessoal, cabe desconsiderar de forma

inversa a personalidade a fim de garantir o juízo com o referido

veí-culo. É certo que a penhora poderia incidir sobre as cotas do devedor na empresa, mas a solução seria mais gravosa para este, o que não tolera a lei processual. Recurso desprovido”. Opostos embargos de declaração, foi negado provimento por unanimidade de votos. Decido. Anote-se, inicial-mente, que o recurso extraordinário foi interposto contra acórdão publi-cado após 3/5/07, quando já era plenamente exigível a demonstração da repercussão geral da matéria constitucional objeto do recurso, conforme decidido na Questão de Ordem no Agravo de Instrumento nº 664.567/ RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6/9/07. Todavia, apesar da petição recursal haver trazido a preliminar sobre o tema, não é de se proceder ao exame de sua existência, uma vez que, nos termos do artigo 323 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, com a redação introduzida pela Emenda Regimental nº 21/07, primeira parte, o procedimento acerca da existência da repercussão geral somente ocorrerá “quando não for o caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão”. Não merece prosperar a irresignação, uma vez que a jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que as alegações de afronta aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame de normas infraconstitucionais, podem configurar apenas ofensa indireta ou reflexa à Constituição da República, o que não enseja reexame em recurso extraordinário. (BRASIL, 2013c)

No julgado acima, pode-se perceber que questão relativa à descon-sideração da personalidade jurídica está limitada ao plano da legislação

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infraconstitucional, bem como das provas juntadas aos autos, de reexame in-cabível em sede de recurso extraordinário.

O seguinte julgado do STJ revela a importância de que os pressupos-tos relacionados ao abuso da personalidade jurídica, desvio de finalidade ou confusão patrimonial estejam presentes para a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica:

Ementa: DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REQUISITOS INEXISTENTES. A teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica visa coibir fraudes perpetradas pelo uso da auto-nomia patrimonial da pessoa jurídica. Para sua aplicação, devem estar presentes os pressupostos relacionados com o abuso de personalidade jurídica - desvio de finalidade ou confusão patrimonial - (art. 50, CC). (BRASIL, 2013a)

No AREsp transcrito acima, o Egrégio Tribunal a quo, com respaldo do acervo fático-probatório dos autos, asseverou que os requisitos previstos no art. 50 do Código Civil não se encontravam presentes, não havendo, assim, provas de transferência de bens para a sociedade, ou qualquer indício de que se utilizava de bens da sociedade, furtando-se do cumprimento das obrigações.

A Corte local, ao adotar a premissa de que não estavam presentes os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica, comprovou mais uma vez que a teoria da desconsideração inversa não pode ser aplicada de ofício pelo magistrado, dada a ausência de autorização legal.

8. CONCLUSÃO

No Direito de Família, a aplicação da desconsideração da pessoa jurí-dica, ordinariamente, dar-se-á pela via inversa, desconsiderando o ato para alcançar bem da sociedade, indenizando o cônjuge ou credor familiar ou restituindo-lhe os bens. Essa regra é válida tanto para as hipóteses de fraude à meação do divórcio ou da separação judicial, quanto para o uso indevido da pessoa jurídica no intuito de lesar prestação alimentar.

A despeito da controvérsia quanto ao momento processual adequado para aplicar a disregard doctrine, no Direito de Família, ela pode ser aplica-da ao abrigo de qualquer meio processual admitido no ordenamento pátrio, inclusive em processos cautelares e incidentais. Cumpre destacar que sempre

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devem ser observados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Dentre os diversos meios capazes de fraudar o direito a meação, tem-se o uso indevido da pessoa jurídica. Evidencia-se nesse ponto o foco central deste trabalho, o qual conclui que nessa hipótese é imprescindível a aplicação, pelo Poder Judiciário, desde que provocado, da disregard doctrine

Ao se desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, será possível responsabilizar a sociedade empresária pelo devido ao ex-cônjuge ou ex-companheiro(a).

Em não sendo possível recuperar os bens originários do casal caberá perdas e danos, vale dizer, o cônjuge lesado será indenizado com outros bens até integralizar o que lhe é de direito. Pode haver compensação de bens até a restituição da parte lesada em substituição aos bens originários.

A desconsideração da pessoa jurídica deve atuar somente sobre os atos fraudulentos, ou seja, tem de ser temporária e episódica. A condição de sócio possui caráter personalíssimo, também não é possível a inclusão do cônjuge lesado como sócio da pessoa jurídica.

A teoria da desconsideração inversa não pode ser aplicada de ofício pelo magistrado, dada a ausência de autorização legal. Assim, diante dessa deter-minação da lei, apresenta-se o problema de quais são os aspectos e condicio-nantes que formam o convencimento do juiz. A hipótese levantada foi a de que a desconsideração inversa da personalidade jurídica será aplicada sempre que for apurado o uso abusivo, simulado ou fraudulento da pessoa jurídica, prejudicando, dessa forma, credores ou terceiros; e que a observação esses aspectos é o que forma o convencimento do juiz para a aplicação dessa teoria.

Há, na jurisprudência do STJ analisada, bem como nos outros julga-dos transcritos e analisajulga-dos, permissão para a desconsideração inversa da personalidade jurídica sempre que o cônjuge ou companheiro empresário valer-se de pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa física, a fim de subtrair do outro cônjuge ou companheiro direitos oriundos da sociedade afetiva.

Também Os Tribunais de Justiça vêm agasalhando o entendimento de que é possível a utilização da teoria da desconsideração da personalidade ju-rídica em matéria de Direito de Família, notadamente quando resta patente o intento da utilização da pessoa jurídica como instrumento apto a frustrar a execução de verba de natureza alimentar. Porém, ressalte-se que, em ambos os tribunais, é imprescindível a prova cabal da fraude.

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Sendo assim, verifica-se que a teoria da desconsideração é uma medi-da extraordinária, a qual exige apreciação cautelosa e rigorosa; utilizá-la de maneira processualmente desordenada seria destruir conquistas jurídicas e econômicas alcançadas ao longo do tempo. O desejo de um processo célere e efetivo não pode eliminar as garantias constitucionais consagradas por meio do princípio do devido processo legal e do contraditório.

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Recebido em: 06/06/2015 Aceito em: 15/12/2015

Referências

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