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O orientador de tese é co-autor?

O bem comum e o pobre doutorando ... 1

A tese como forma literária ... 2

Quem é autor ... 5

A tese que dá patente ... 11

A tese, ente administrativo... 12

BARBOSA, Denis Borges . O orientador é co-autor? Revista da Associação Brasileira de

Direito Autoral, Rio de Janeiro, v. 1o., 2004.

Acessado em 24/05/2010. Disponível em:

http://denisbarbosa.addr.com/orientador.doc

O bem comum e o pobre doutorando

Os pesquisadores e cientistas em geral reclamam muito da orfandade que lhes reserva o

Direito. Para suas descobertas científicas, não há patentes, pois só se protegem as invenções

práticas nas tecnologias do mundo físico. Nem direito autoral, pois idéias, fatos e dados não

são suscetíveis de proteção exclusiva.

Como disse o nosso Supremo Tribunal Federal em 1979: “Bula de Remédios Reconhecida

natureza científica. Destinada à classe médica e farmacêutica e fiscalizada pelas autoridades

competentes, legitima-se a simples referência ou citação de uma pesquisa científica sem

ofensa aos direitos de autor (...) Nos trabalhos científicos o direito autoral protege a forma

de expressão e não as conclusões científicas ou seus ensinamentos, que pertencem a todos,

no interesse do bem comum

1

.

No mesmo sentido, 1

a

. Câmara do Conselho Nacional de Direito Autoral entendeu que

“Invenções idéias, sistemas e métodos não constituem obras intelectuais protegidas pelo

Direito Autoral, porquanto a criação do espírito objeto da proteção legal é aquela de alguma

forma exteriorizada. Assim, obra intelectual protegível (...) é sempre a forma de expressão

de uma criação intelectual e não as idéias, inventos, sistemas ou métodos”

2

.

1

Recurso Extraordinário n° 88.705-9/RJ - 2a. Turma - STF - Por maioria, em 25/05/79 - Rel. Cordeiro Guerra

(2)

E não se entenda que isso é uma peculiaridade da lei brasileira. Essa vedação de

exclusividade jurídica para a produção científica stricto sensu é universal

3

, tendo sido

incorporada no art. 9º. do recente acordo TRIPs da Organização Mundial do Comércio.

Então, o que sobra? O Prêmio Nobel, o reconhecimento acadêmico, o prestígio, o currículo

e assim por diante

4

.

Mas a criação literária relativa à produção científica, essa sim tem proteção jurídica. Fora

as idéias, inventos, sistemas, métodos, conclusões científicas e ensinamentos, que

permanecem de domínio comum. Em suma, a forma de expressão de uma tese, dissertação

ou artigo científico é protegida pelo direito autoral. E só.

A conseqüência deste princípio é que (como diz um documento oficial americano) “embora

um artigo de uma revista, ensinando como ajustar o motor de um automóvel, seja protegido

pelo Direito Autoral, esta proteção se estende somente à expressão das idéias, fatos e

procedimentos no artigo, não às idéias, fatos e procedimentos em si mesmos, não obstante

quão criativos ou originais eles possam ser. Qualquer um pode usar as idéias, fatos e

processos existentes no artigo para ajustar um motor de automóvel, ou para escrever outro

artigo sobre a mesma matéria”

5

.

É verdade que o conteúdo de uma obra científica ou acadêmica pode ter sido ou vir a ser

patenteado, se for invento novo, dotado de atividade inventiva, e prático. Mas, se o artigo,

tese, etc. contendo a eventual solução for publicada antes de uma patente ser requerida,

imediatamente ou após todos os prazos de graça, nem patente haverá, por falta de novidade.

Sem patente, quem quiser guardar para si sua ciência, guarde-a no fundo do coração, em

segredo abissal

6

.

A tese como forma literária

Mas vamos à forma literária. Nosso caso em estudo é o da monografia, dissertação ou tese

Conselheiro Manoel Joaquim Pereira dos Santos.

3

Claude Colombet, Grands Principes du Droit d’Auteur et des Droits Voisins dans le Monde, 2a. Ed. LITEC/UNESCO, 1992, p. 10.

4

Note-se, porém, a hipótese de uma proteção às descobertas científicas, prevista no Tratado de Criação da OMPI. Diz o doc. WIPO/PCT/MRU/02/1, de julho de 2002, “According to one opinion, scientific discoveries should not have been mentioned among the various forms of intellectual property since no national law or international treaty gives any property right in scientific discoveries. Scientific discoveries and inventions are not the same. The Geneva Treaty on the International Recording of Scientific Discoveries (1978) --a treaty that has not entered into force--defines a scientific discovery as “the recognition of phenomena, properties or laws of the material universe not hitherto recognized and capable of verification” (Article 1(1)(i)).”

5 O exemplo foi traduzido e fielmente transcrito de Intellectual Property and the National Information Infaestructure, U.S. Patent and Trademark Office, Setembro de 1995, p. 32.

6

Dam, Kenneth W., "Intellectual Property and the Academic Enterprise" (February 1999). University of Chicago Law

School, John M. Olin Law & Economics Working Paper No. 68. http://ssrn.com/abstract=166542: “Scholars who have chosen an academic career have traditionally considered openness of information to be a key, immutable value. This firmly held belief is particularly characteristic of academic research scholars in science and technology. Their ethic is that research results should be published, the sooner the better, and available to all. And they in turn should have prompt, unfettered access to the research results and even the underlying data arising from other scholars’ work. That ethic is the essence of the 20th century academic enterprise. In the last several decades academic institutions have been led by a combination of legislation and financial incentives—some would say “greed” and others would say “financial necessity”—to pursue measures arguably in tension with that ethic. Academic institutions have sought exclusivity, through intellectual property and particularly patents, with respect to certain applications of such research information. A modern American research university has become, to that extent, an academic enterprise in the economic sense.”

(3)

acadêmica, que na nossa tradição universitária é elaborada por um autor individual, com

orientação de outra pessoa, com credenciais acadêmicas pertinentes. No dizer de Ferreira

Sobrinho, “pode-se dizer que o processo de orientação consiste basicamente numa leitura e

numa discussão conjuntas, num embate de idéias, de apresentação de sugestões e de

críticas, de respostas e argumentações, onde não será questão de impor nada mas,

eventualmente, de convencer, de esclarecer, de prevenir. Tanto a respeito do conteúdo

como a respeito da forma”

7

.

Conquanto se distinguam, em suas pretensões, estratégias e métodos, as monografias,

dissertações e teses, têm todas elas essa característica dialogal, de interpenetração de dois

fluxos intelectuais, um autor e outro participante, que o dirige, aconselha e orienta quanto

aos fins, métodos e forma.

O primeiro problema jurídico é o da originalidade do texto. Note-se que originalidade aqui

não é a mesma noção de novidade objetiva do sistema de patentes. Novo, para patentes, é o

que ainda não está no estado da técnica. Novo, para os cânones da produção científica, é

também um conceito objetivo (segundo as regras da Sorbonne, o orientador tem de levar o

orientado “à dégager le caractère novateur du sujet dans le contexte scientifique et à

apprécier son actualité”), o que é sintetizado pelos qualificativos "original et formateur". Já

em direito autoral a originalidade é subjetiva, e diz respeito à qualidade de autoria

individual, de vínculo entre a obra e o autor

8

.

7 A relação entre o orientado e orientado, num contexto de doutorado, é assim descrito pelas regras da Paris I, Sorbonne

Pantheon : La préparation de la thèse constitue un travail à la fois original et formateur, a priori réalisable dans le délai prévu. Le choix du sujet de thèse repose sur l'accord entre le doctorant et le directeur de thèse. Le directeur de thèse, sollicité en raison d'une maîtrise reconnue dans le champ de recherche concerné, aide le doctorant à dégager le caractère novateur du sujet dans le contexte scientifique et à apprécier son actualité; il incitera le doctorant à faire preuve d'esprit d'innovation. (...)Le directeur de thèse examine avec le doctorant les moyens à mettre en oeuvre pour permettre la réalisation du travail. (...)Le doctorant informe régulièrement son directeur de thèse de l'avancement de son travail et des difficultés rencontrées tant dans la démarche scientifique que dans le rythme de travail prévu. Il doit faire preuve d'initiative dans la conduite de sa recherche. (...)Le doctorant bénéficie d'un encadrement personnel de la part de son directeur de thèse qui est tenu de lui consacrer le temps nécessaire, notamment sous forme de rencontres périodiques et suffisamment fréquentes. (...)Le directeur de thèse suit régulièrement la progression du travail et débat des orientations nouvelles qu'il pourrait prendre au vu des résultats déjà acquis. Il informe le doctorant des appréciations positives ou des objections et des critiques que son travail peut susciter. Il fait le point avec lui des enseignements complémentaires éventuellement suivis. Le directeur de thèse, après concertation avec le doctorant, propose au chef d'établissement la composition du jury de soutenance, conformément à la réglementation en vigueur, ainsi que la date de soutenance. Encontrado em http://www.univ-paris1.fr/p1rub4/srp1/fd41.html , visitado em 27/10/03.

8

O regime do direito autoral não exige a novidade objetiva como requisito de proteção, mas tão somente a originalidade - conceito que tem acepção muito peculiar neste contexto. De um lado, nem tudo que é subjetivamente original é protegido - como nota a Lei do Software ao absolver de plágio a criação que se aproxima a outra porque as formas alternativas de expressão são limitadas. Se as características do hardware impõem uma e só uma solução de software, não há direito autoral sobre esta, ainda que tenha havido criação original. De outro lado, a recriação independente de uma obra objetivamente já existente faz jus à proteção autoral. Assim, não é a comparação objetiva entre uma obra anterior e uma posterior que poderá ferir a originalidade da segunda; somente uma análise minuciosa do processo criativo poderá chegar a tal conclusão. Além disto, mesmo quando original, uma obra pode ser dependente de outra que lhe é anterior - como ocorre nas traduções. Quando isto ocorre, há uma obra original, mas derivada da anterior; e tal noção é muito relevante porque obra derivada, na nossa lei autoral, só pode ser explorada com a permissão do titular da obra originária - a da qual se deriva a segunda obra original. Esta originalidade, chamada relativa, pode existir seja quanto à expressão da obra (outra vez: como na tradução), seja quanto a sua composição (a forma interna: a ordenação e disposição da obra), mas inexistir quanto ao outro elemento. Para se apurar se há originalidade absoluta ou relativa, assim, é preciso analisar em cada caso se o segundo criador baseou-se nas idéias em geral, que são de domínio público; ou na análise formal-matemática do problema tecnológico a ser resolvido pelo programa de computador, igualmente em domínio público; ou na formulação lógico-matemática de tal análise, o chamado algoritmo, ainda de domínio comum; ou se já nas ordenações e disposições do programa que, não sendo de caráter necessário, representem uma escolha entre alternativas possíveis,

(4)

A função do orientador, ao mesmo tempo conformando o texto aos cânones acadêmicos, e

estimulando a inovação de idéias e conceitos, dir-se-ia destinada a estiolar qualquer

proteção autoral. Impondo forma acadêmica (disposição, expressões consagradas,

“metodologias”...) o orientador retira a originalidade como expressão individual; incitando

a novas idéias, achados, ensinamentos, o orientador vai retirando o fluxo criativo do

orientado do campo do direito autoral, e dirigindo-o para outras regiões.

Mas não haveria então originalidade nessas novas idéias e achados? Provavelmente sim, do

ponto de vista científico e acadêmico; não, do ângulo estrito do direito da propriedade

intelectual. O tema é difícil. Obras recentes (como a de Xavier Strubel no direito francês

9

)

apontam para os impasses do conceito da originalidade, principalmente depois que o direito

autoral passou a cobrir, a contragosto, o software.

A questão é que o discurso acadêmico, inclusive para manter suas liturgias de objetividade

aparente, refuga os rasgos pessoais e criativos. O ideal acadêmico seria o dizer impessoal e

denotativo, o res ipsa loquitur – o tema se expressando por si mesmo, sem a mediação

duvidosa do autor. Vedada assim a originalidade textual e excluídas as idéias e achados do

campo autoral

10

, o que restaria? Talvez o que a doutrina mais recente denomina elementos

não literais da criação

É exatamente no campo do software que uma importantíssima e recente tese de doutorado

brasileira aponta para o problema dos elementos não literais da obra. Aponta Manoel

Joaquim Pereira dos Santos

11

que:

“No direito europeu, desenvolveu-se desde Kohler a tese de que, ao lado da forma

diretamente perceptível através da qual a obra se exterioriza (“äussere Form”), existe uma

forma interna (“innere Form”) que representa a estrutura da criação final. Existem, pois, três

elementos básicos em toda obra intelectual: o tema, a forma interna e a forma externa

12

. A

expressão “forma interna” recebeu no direito francês o termo “composição” (Debois).

Alguns autores, porém, consideram difícil separar a forma interna protegida do conteúdo

não protegido

13

e, evidentemente, distingui-los é uma das tarefas mais difíceis no Direito de

Autor

14

. Como um corolário desse princípio, desenvolveu-se também o conceito de que,

assim uma parte da forma interna da obra - sua composição. É tarefa difícil.

9

La Protection des oeuvres scientifiques em droit d’auteur français, CNRS Droit 1997.

10

Uma pergunta interessante: sobre essa criação de substância não protegida pelo direito autoral caberiam direitos

morais? O de paternidade e o de nominação, por exemplo? Entendo que sim. Os direitos morais de criação transcendem o

direito de autor, existindo até no campo das patentes, e têm como fundamento dispositivos constitucionais diversos dos que amparam a propriedade intelectual, sem falar nos parâmetros supra-normativos dos direitos do homem. Assim, pertinentes os reclamos de quem teve a sua produção intelectual usada sem atribuição de autoria, mesmo nas muitas hipótese em que não exista patrimônio a defender, pois não ocorre patente nem direitos exclusivos de autor. Mas atente-se que tais direitos morais não correspondem em sua integridade aos previstos pelas leis autorais, excluídas, por exemplo as pretensões relativas à imutabilidade da obra.

11

Objeto e Limites da Proteção Autoral de Programas de Computador, tese de doutorado defendida em agosto de 2003 na Faculdade de Direito da USP.

12

[Nota do original} Vide Paola A. E. Frassi, Creazioni utili e diritto d’autore: programmi per elaboratore e raccolte di dati, p. 322-324.

13

[Nota do original} Cf. Piola Caselli, Codice del diritto d’autore, p. 182, cit. por Paola A. E. Frassi, Creazioni utili e diritto d’autore: programmi per elaboratore e raccolte di dati, p. 324/325.

14

[Nota do original} Um dos primeiros testes para esse fim foi introduzido nos Estados Unidos no caso Dymow v. Bolton, 11 F.2d 690 (2d. Cir. 1926): “[I]f the same idea can be expressed in a plurality of totally different manners, a plurality of

(5)

quando há limitação na forma de expressão de uma idéia, a expressão também não é

protegida pois a exclusividade quanto a uma forma expressiva impediria que outro

exprimisse a mesma idéia. Trata-se do princípio da identidade idéia-expressão

15

, bastante

aplicado pela jurisprudência norte-americana

16

.

No tocante ao nosso tema específico, diz ainda o autor:

“Não obstante, cabe distinguir-se na proteção de elementos não-literais entre uma obra de

ficção e uma obra factual ou científica, estando essa distinção baseada na diversidade da

expressão da idéia. Numa obra histórica ou científica, a criatividade na expressão formal é

pequena, visto residir o mérito da obra no seu conteúdo, de forma que a proteção para os

elementos não-literais deveria ser menor.”

Tomando aqui a hipótese marginal que pudesse haver originalidade na criação não-literal,

agora sim entraria em questão uma teórica co-autoria do orientador. Se não fosse autor do

texto literal, o orientado falsearia sua posição acadêmica; tomemos aqui como dogma que

cada vírgula do texto submetido ao exame de sua banca é originado pelo examinando, sem

quaisquer fantasmagorias.

A obra, assim, seria daquelas em co-autoria, que nossa lei define como sendo a criada em

comum, por dois ou mais autores. O delinqüente principal, o orientado, cometeria o texto

em sua literalidade, e exerceria as opções últimas que, enfim, o expõem ao julgamento da

banca. Mas seu cúmplice, master mind, e instigador atento seria o orientador. Ambos em

grau e extensão diversas, culpados do mesmo crime.

Não obstante o fascínio intelectual de tal argüição, tenho como improvável e contraditória a

proposta. Há certamente orientadores que escolhem o tema e dirigem tiranicamente a

pesquisa, a ponto de fazer do orientado sua longa manus (já fui responsável por

transgressões desse tipo). Mas a diretriz e decisão final da tese (sempre sob o dogma

acadêmico do livre arbítrio do examinando) é do orientado. Tal entendimento tem a sanção

da jurisprudência e da doutrina estrangeira

17

.

Quem é autor

À primeira vista, seria um truísmo horripilante se indagar do direito de autor quem é...

15

[Nota do original} Vide Idelle R. Abrams, Statutory Protection of the Algorithm in a Computer Program..., p. 139.

16

[Nota do original} Morrissey v. Procter & Gamble Co., 379 F.2d 675 (1st. Cir. 1967); Herbert Rosenthal Jewelry Corp. v. Kalpakian, 446 F.2d 738 (9th. Cir. 1971); Sid & Mary Korfft Television Prods. Inc. v. McDonald’s Corp., 562 F.2d 1157 (9th. Cir. 1977).

17

Alain Marter, A propos du droit d'auteur sur les mémoires et les thèses, « Toutefois, la jurisprudence a considéré que le rédacteur d'un mémoire, d'une thèse, d'un article, malgré le contrôle d'un enseignant, devait en être considéré comme l'auteur unique. (CA Paris 4e Chambre 20 avril 1989, Koukai/Rihani dans le domaine voisin d'un étudiant styliste ayant réalisé un chapeau dans le cadre d'un cours, et très directement CA Paris 4e Chambre 20 avril 1989 Mortueux de Fauds/Distrivet, en matière de thèse, décisions relevées par Monsieur Bertrand in le Droit d'auteur et les droits voisins). », encontrado em http://www.enssib.fr/article2.php?id_cat=&idx=39 , visitado em 28/10/03. Um documento da Universidade de Paris - Jussieau também indica a mesma posição: “Un auteur unique : l’étudiant. Une thèse est le fruit

d'un travail de toute une équipe autour du doctorant: qui doit être considéré comme l'auteur de la thèse? La

jurisprudence a tranché, considérant que le rédacteur d'une thèse doit en être considéré comme l'auteur unique. Malgré le contrôle qu'ils exercent parfois sur la rédaction, ni le directeur de thèse, ni le directeur de laboratoire ne peuvent prétendre à un droit quelconque sur la thèse. La thèse est une oeuvre, un document protégé par le Code de la Propriété Intellectuelle. L’auteur d’une oeuvre bénéficie de toutes les dispositions prévues par la législation du droit d’auteur. L'auteur, titulaire de droits moraux sur cette thèse, peut en autoriser expressément la diffusion ou au contraire la restreindre ou l'interdire. En l'absence d'autorisation de l'auteur, la thèse ne sera pas diffusé », encontrado em

web.ccr.jussieu.fr/urfist/these/pb.htm

, visitado em 28/10/03.

(6)

autor. A doutrina e a jurisprudência, nacional e estrangeira, na verdade, cala-se sobre a

noção de quem é o autor. Tratados polpudos e consagrados resvalam na conceituação de

uma questão tão central quanto essa

18

.

Um ponto em que parece haver consenso entre todos os doutrinadores modernos e que

apenas o ser humano, pessoa natural, pode ser criador de obra e, portanto, autor

19

. No atual

sistema de proteção dos direitos autorais (art. 11)

20

, o titular originário dos direitos é

necessariamente uma pessoa natural; autor é sempre uma pessoa humana:

"O titular originário do direito de autor não pode ser outro senão o criador da obra

intelectual, ou seja, o autor, 'pessoa física'. Esse entendimento é pacífico

21

"

Assim não existe, no atual direito, possibilidade de direitos autorais – por exemplo - sobre o

resultado de um funcionamento automático de um engenho captador de imagens por

satélites

22

. Não se argumente que os comandos para direcionar a captação para um ou outro

objeto sejam em algum grau, resultantes de decisão humana. Tal decisão, se houver, é de

natureza meramente técnica, e não importa em criação autoral.

A lei distingue o autor e o titular – mesmo originário – da obra:

Art. 11. Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica.

Parágrafo único. A proteção concedida ao autor poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos

casos previstos nesta Lei.

De outro lado, é um direito moral essencial o de ser reconhecido como autor.

Nada disso resolve, porém, nossa preocupação quanto à autoria na relação

orientado/orientador. A questão não é de autoria de pessoa natural (eis que ambos o são),

nem de titularidade. O problema é estabelecer o nível a partir do qual um interveniente no

processo de formação da obra se faz autor, ou co-autor.

O primeiro ponto a considerar na relação orientador/orientado é a natureza do aporte da

18

Como advogado, atuei num caso judicial em que se questionava a autoria das obras de Roberto Carlos. Surpreso, percebi como é jurídica e factualmente difícil determinar quem é o autor, além das presunções legais. Nota Manoel Joaquim Pereira dos Santos: A Convenção de Berna coloca o autor em posição central, mas não o define, embora se infira que autor é o criador intelectual. Em outras palavras, a Convenção não trata especificamente de questões como atribuição de autoria e alocação de direitos ou titularidade (v Cf. Cornish, o.c., pág. 192. No mesmo sentido a opinião de Jane Ginsburg (cf. Examen des Frontieres du Droit d’Auteur, Colloque Mondial de l’OMPI sur l’Avenir du Droit d’Auteur et des Droits Voisins, Geneve, 1994, p. 239/240). A matéria, contudo, é regulada em diversas legislações nacionais. 19 No mundo de hoje, talvez seja essa uma das questões mais candentes dos Direitos Autorais. Concebidos os seus contornos ao longo dos séculos XVIII e XIX, viu-se o Direito Autoral a regular relações que não se enquadram mais naquelas concepções antigas - e muitas vezes romanticamente enganadas - tais como a de "centelha criativa do autor", a de "concepção, geração e nascimento da obra"; sem contar que também os meios de publicação, divulgação, enfim de utilização da obra, modificaram-se essencialmente, causando discussões que deixariam perplexos os autoralistas de antanho.

20 A lei anterior, em seu art. 15, referia-se a possibilidade de autoria originária de pessoa moral. Parte considerável da doutrina, porém apontava para a revogação do dispositivo, em face do texto da carta da República de 1988, art. 5º XXVII - (aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar).

21 Costa Neto, op. Cit., p. 60.

22 Não se suscita aqui a questão da natureza estética ou não da criação, objeto de tantos cuidados na doutrina anterior, especialmente quanto às fotografias, inclusive aquelas obtidas automaticamente. O que se suscita é a existência de qualquer criação humana, ou mais precisamente, a existência de um sujeito ativo originário do direito autoral.

(7)

colaboração; conselhos, orientações, sugestões, não constituem autoria. Inspirações,

estímulos, ensinamentos, nada disso compõe o conceito jurídico de autor

23

. Disse Antonio

Chaves

·:24

"Para que a cooperação dê a qualidade de autor é necessário, acentua-se, que ela tenha certa

importância e dignidade intelectual, não sendo reputado co-autor quem somente contribuiu

com conselhos para a formação da obra, nem o artífice que sob a direção do escultor deu a

um bloco de mármore, de onde surgirá uma estátua, o primeiro desbaste."

Também nesse passo, citando Manoel Joaquim Pereira dos Santos

25

:

No caso Whelan v. Jaslow

26

, o tribunal norte-americano examinou uma questão bastante

interessante a respeito de co-autoria, mas diretamente relacionada com a problemática do

âmbito de proteção autoral. O juiz entendeu que, embora o réu tenha fornecido ao autor

considerável orientação e informações a respeito do que o sistema deveria fazer, ele não

poderia ser considerado co-autor

27

. Isto significa que definir a funcionalidade do programa

não é parte da autoria do programa. Do contrário, estar-se-ia reconhecendo um direito sobre

a funcionalidade ou sobre conceitos, o que não é possível.

No mesmo sentido foram as decisões proferidas nos casos S.O.S. v. Paydat

28

e Ashton-Tate

v. Ross

29

. Em ambas as hipóteses, o tribunal norte-americano se baseou no conceito de que

as contribuições dos supostos “co-autores” refletiam elementos não protegíveis pelo Direito

de Autor : funcionalidades e processos.

Supõe-se que a atividade do orientador tenha a importância e dignidade intelectual

relevante; mas não será, no caso, como veremos, um desprestígio a tal dignidade negar-se

ao orientador a condição de co-autor.

23

Lei 9.610/98. Art. 11. Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica. Art. 15. (...) § 1º Não se

considera co-autor quem simplesmente auxiliou o autor na produção da obra literária, artística ou científica, revendo-a, atualizando-a, bem como fiscalizando ou dirigindo sua edição ou apresentação por qualquer meio.

24

Criador de Obra Intelectual, Rd. LTr, 1995.

25

Op. cit.

26

[Nota do Original] Whelan Associates, Inc. v. Jaslow Dental Laboratory, Inc., 609 F. Supp. 1307, motion granted in part, motion denied in part, 609 F.Supp. 1325 (E.D. Pa. 1985), aff’d, 797 F.2d 1222 (3d Cir. 1986), cert. denied, 479 U.S. 1031 (1987)..

27

[Nota do Original] “Rand Jaslow’s claim of co-authorship stems from his claim that he originated the concept of

developing an overall computer program that could accommodate the business needs of a dental laboratory, that he disclosed to Elaine Whelan in detail the operations and methods of Jaslow Laboratory in conducting its business, that he explained to Elaine Whelan the functions to be performed by the computer and helped design the language and format of some of the screens that would appear on the computer’s visual displays .... [I]t was nevertheless Strohl Systems through Elaine Whelan alone that was the author of the source and object codes and the designer of the system.... [Rand Jaslow’s activities were] similar to an owner explaining to an architect the type and functions of a building the architect is to design for the owner. The architectural drawings are not co-authored by the owner, no matter how detailed the ideas and limitations expressed by the owner”. (id. at p. 1318-19, apud Lundberg, Sumner & Gates III, Identifying Uncopyrightable

Computer Implemented Processes and Systems, p. 10/11).

28 [Nota do Original] S.O.S., Inc. v. Paydat, Inc , 886 F.2d 1081 (9th. Cir. 1989). “...[a] person who merely describes ...

what the commissioned work should do or looko like is not a joint author for purposes of the Copyright Act” (id. at 1087,

apud Lundberg, Sumner & Gates III, o.c., p. 11).

29

[Nota do Original] 728 F.Supp. 597 (N.D. Cal. 1989), aff’d, 916 F.2d 516 (9th. Cir. 1990). “All Ross gave to

Wigginton was a list of commands he thought should be included in the program. Ross did not contribute in any manner, including the drafting of the source code, in the implementation of his suggested commands. Ross merely told Wigginton what tasks he believed the interface should allow the user to perform. This list of commands is only an idea that is not protected under federal law” (Id., at 602, apud Lundberg, Sumner & Gates III, o.c., p. 11).

(8)

De outro lado, não se exige, para a autoria, que haja participação material da pessoa na

realização da obra. Diz o excelente Henry Jessen em seu Derechos Intelectuales

30

Para PIOLA CASELLI

31

la colaboración no exige una participación material en la

realización de la obra:

"Puede ocurrir que quien encarga a otro la elaboración de una obra le suministre también el

esbozo general, los materiales necesarios y oriente, vigile y corrija las diversas operaciones

intelectuales, de las cuales la prop i a obra, sea ésta un libro, una estatua, una pintura, etc.,

surgirá. En tal hipótesis, la ingerencia intelectual del comitente en la creación de la obra

puede tener tanta importancia, que él deba ser considerado un verdadero coautor".

Ese sería el caso de los contratantes de los "ghost writers", escritores anónimos que,

mediante remuneración, se encargan de dar forma literaria à las biografías de celebridades

que por falta de cultura o de tiempo, únicamente orientan la realización de la obra,

publicándola, no obstante, exclusivamente bajo su nombre.

Mas, a meu ver, o aspecto crucial e determinante de quem é autor, e quem não o é, embora

partícipe no processo, é o poder de escolha dos meios de expressão. Falando do “mito

romântico” do autor, Thomas Paris

32

indica certos elementos juridicamente relevantes da

autoria:

Néanmoins, dans une récente étude socio-économique à base de questionnaires, M.

Vessillier-Ressi a fait apparaître que la population des artistes répertoriés en France

partageait - et partageait avec les auteurs « mythiques » - un certain nombre de

caractéristiques constitutives de ce modèle. Charles Baudelaire déclarait que: « L'homme de

génie veut être un, donc solitaire » (Vessillier-Ressi, 1997, p. 36), Francis Saillart considère

que les artistes sont « des hommes et des femmes seuls, car la création nécessite notamment

la solitude et l'indépendance, aussi l'unicité, la liberté "totale"... qualités divines! » (ibid., p.

36). Comme Jean-Jacques Rousseau (« On s'imaginait que je pouvais écrire par métier

comme tous les autres gens de lettres, alors que je ne sus jamais écrire que par passion »

(ibid., p. 58)), Dana Bnggs ne conçoit pas la création comme une activité professionnelle («

Etre artiste n'est pas une profession. [...] L'Oeuvre personnelle d'un artiste ne peut pas être

produite dans les circonstances habituellement associées avec ce que l'on appelle la vie

professionnelle » (ibid., p. 58)). Et Pierre Henry fait écho à Pierre Boulez (« Pour lui,

créateur, donc égoïste, du moins égocentrique, l'ordre de priorité sera respecté d'abord

l'œuvre à faire » (ibid., p. 40)) lorsqu'il déclare: «Je n'ai jamais cherché à m'intégrer dans le

système et je l'ai beaucoup dit et écrit en son temps. Notre indépendance totale me semble

ce qu'il y a de plus important » (ibid., p. 40). Globalement, les artistes consultés se

reconnaissent donc dans ce modèle du créateur seul, marginal et indépendant.

Da imagem romântica, do criador só, marginal e independente, a noção de liberdade tem o

estofo jurídico mais pregnante. Em primeiro lugar, a noção constitucional de direito de

autor (por oposição ao direito à obra, que resulta da lei ordinária), se radica na liberdade de

expressão

33

. E a jurisprudência e doutrina tem sancionado esse entendimento. Uma vez

mais Henry Jessen:

Algunos tratadistas, sin embargo, consideran que el acto de la creación sólo se verifica

30

Editorial Jurídica de Chile, 1970., p. 54.

31

[Nota do original]Piola Caselli - Trattatto del Diritto di Autore e del Contratto di Ediziome - pág. 22.6'.

32

Le Droit d’auteur: L’Ideologie et le Système,PUF, 2002, p. 125.

33

(9)

cuando el autor dispone de absoluta libertad en la expresión de su pensamiento. La

subordinación a un tercero, el comitente, le quitaría la calidad de por carecer la obra

realizada bajo orientación de una de las condiciones esenciales para ser atribuida a ella: la

impregnación de su verdadera personalidad.

SATANOWSKY

34

, por ejemplo, entiende que el asalariado "no crea obra alguna" y añade:

"En principio, se dice que cuando se trabaja por dinero, se loca la industria, existe un

vínculo de subordinaci6n y se escribe una obra bajo un encargo u orden, el derecho

pertenece al que encargó la dirección o ejerce e l comando. Para nosotros ello es así siempre

que el q u e realice la obra no la impregne de su personalidad sin intervención del que la

ordenó".

Naturalmente ese tratadista pondera que en cada caso deberán ser analizadas las

circunstancias, en virtud de las características del derecho moral.

35 -Sea cual fuere, sin embargo, la participación de cada podrá ser considerada solamente

obra de colaboración aquella que resulte de una estrecha comunicación de ideas y

sentimientos, de la fusión total de los pensamientos de aquellos que la elaboran y que

redunde en un todo armónico y homogéneo, dentro del cual sea imposible distinguir la parte

de inspiración que correspondió a uno de la parte de materialización que correspondió al

otro.

E completa a jurisprudência francesa, na descrição de Claude Colombet

35

:

La pratique revele 1'existence d'un autre genre d'oeuvre de collaboration ; dans 1'affaire

Renoir contre Guino, les juridictions saisies

36

ont consideré que les sculptures, dont Renoir

avait

eu

1'idée et qui furent executees par Guino sous la direction et le controls du peintre

etaient des oeuvres de collaboration, et

non

des oeuvres collectives dont Renoir aurait etc le

seul createur; Renoir, decrivant par la parole l'oeuvre d'art -faisait oeuvre créatrice dans

1'ordre literaire

37 -

oeuvre orale -, le sculpteur, conservant d'ailleurs une part de liberté,

faisait oeuvre creatrice dans 1'ordre artistique. Aussi bien, ainsi qu'un

a

pu le faire

observer

38

,

apparait ici une variets d'oeuvre de collaboration, oii 1'un des coauteurs cree au

stade de la composition, 1'autre au stade de 1'expression.

La meme remarque s'applique a la creation de tapisseries

,

avec cette difference que le

cartonnier realise un dessin, en lui-meme oeuvre artistique, qui est le point de depart de la

tapisserie

39

, dans la realisation de laquelle la part du lissier ne peut etre negligee, des

1'instant qu'il conserve une certaine liberte creatrice, notamment dans le choix des couleurs.

Par contre, il a été jugs, à propos d'une oeuvre cinematographique, qu'un artiste prétendant

34

[Nota do original] Isidro Satanowsky - Op. tit. - T. I - pigs. 269-270: (47)

35 Propriété Litteraire et Artistique et droits voisins, 7e. Ed. Dalloz, 1994, p. 87. 36

[Nota do original] Tribunal de la Seine 16 mai 1966, RJ.D.A., 1967, tome 53, p. 47. En cas d'action en

contrefaçon, la mise en cause de tous les coauteurs est indispensable (Case. civ, 2°, 4 pa, 19$8, R. T.D. com.1990, p. 32, obs. Franpon; D.1989.482, note P. Y. Gautier, D.1989.S.C.50, obs. Colombet). 2. Trib. gr. inst. Paris (3e ch.), 11 janv. 1971, J.C.P. 1971.16.697; Paris, 9 juill. 1971, RLDA, avr. 1973, p. 160; Cass. civ., 13 nov. 1973, D. 1974.533, note Colombet. Comp. lee obs. de Me Edelman in La main et 1'esprit, D. 1980, chron., p. 43 et s.

37

[Nota do original] Cf. obs. DESBOIS, Rev. Trim. Dr. Con. 1971.698.

38

[Nota do original] .A. Françon, Cours de Propriété litteraire, artistique et industrlalle, 1989, Les Cours de Droit, p. 200.

39 [Nota do original] Cf. Case. civ., 4 juin 1971, D. 1971.489, concl. Lindon; J.C.P. 1971.11.1693, note Durand et Le

Tourneau; Rev. 7Yim: Dr. Com. 1972.97, obs. Desbois; et sur renvoi Limoges (Ire ch.), 51 mai 1976, RLDA., oet.1976, p. 173; Rev. Dr. Trim. Com. 1976.740, obs. Desbois.

(10)

avoir etc coauteur d'un scenario devait voir sa pretention repoussee (le scenario était en fait

inspire de la vie reelle de tiers) et alors que lee dialogues avaient ate mis au point par tous

lee comediens lors du tournage (cf. Paris,

Ire

eh., 16 janv. 1992, RLD.A., avr. 1992, p. 204).

Assim, pode-se entender que é autor aquele que exerce a liberdade de escolha entre

alternativas de expressão. O exercício dessa liberdade não só configura a criação, mas

indica seu originador

40

.

Face a certas obras, em que se permite a interatividade, o poder de escolha se define como

o da expressão formativa, e não da escolha no momento do uso. A expressão daquele que

origina, e não daquele que usa a obra. De novo Manoel Joaquim Pereira dos Santos:

A interatividade gera importantes questões de autoria. Nesse caso, é necessário distinguir

duas situações

41

:

(a)

quando a representação externa resulta automaticamente do uso do programa, o autor do

programa é geralmente o autor dessa criação e a reprodução desta pode ser considerada uma

reprodução do programa ou da criação autônoma representada pela representação, conforme

essa representação tenha ou não autonomia.

(b)

quando a representação externa resulta da intervenção do operador, este utiliza a “linguagem

de usuário” oferecida pelo programa para executar uma função, caso em que a forma de

expressão final foi gerada pelo usuário, pois ele selecionou e combinou os dados e recursos

existentes para produzir um resultado. Nestes casos a autoria tem sido atribuída ao usuário

ou operador do programa e a reprodução dessa criação não configura uma reprodução do

programa

42

.

Situação peculiar ocorre com os videojogos em que as telas resultam da interação entre o

usuário e o programa. Com efeito, o processo de interatividade que caracteriza os

videojogos permite que o usuário selecione dados e realize escolhas predeterminadas, de

forma que o efeito visual resulta da ação direta do usuário. A questão que se coloca consiste

em saber qual o impacto que a interação do usuário acarreta para a proteção legal da obra

gerada pelo programa.

A jurisprudência dos EUA se manifestou no sentido que essa contribuição do usuário e as

formas de expressão finais por ele geradas não afetam a proteção autônoma do programa de

videojogo

43

ou do próprio videojogo enquanto obra audiovisual. Portanto, a autoria do

40

A liberdade aqui é de escolha dos meios de expressão e não do objeto da expressão. Lembram Lucas e Lucas, Traité de la Propriété Litteraire et Artistique, Litec, 1994, p. 67 : « L'oeuvre de l'esprit peut-elle se limiter à un choix ? L'article L. 112-3 CPI (L. 1957, art. 4) incline à répondre par l'affirmative en accordant le bénéfice du droit d'auteur aux "auteurs d'anthologies ou recueils d'oeuvres diverses qui, par le choix et la disposition des matières, constituent des créations intellectuelles". On observera toutefois que, dans une interprétation littérale, le choix ne suffit pas ici à fonder la protection puisque l'activité créative doit également se manifester dans la "disposition des matières".-De manière générale, l'originalité de l'oeuvre se révèlera parfois dans les choix effectués par l'auteur, par exemple dans le domaine de la photographie, mais il n'est pas possible d'admettre que le seul choix constitue une oeuvre. On ne saurait donc en principe accorder protection à des objets trouvés (ready-modes) revendiqués par leur "inventeur" en tant qu'oeuvres d'art.

41

[Nota do Original Do ponto de vista meramente lógico, pode-se dizer que não há diferença entre as duas situações porquanto em ambas o programa gera uma tela que convida o usuário a interagir com o programa de uma maneira determinada. Vide John M. Conley e Robert M. Bryan, A unifying theory for the litigation of computer software copyright case, p. 102.

42

[Nota do Original Vide Nick Weston, Copyright and virtual reality technology: a bandaid on the bleeding edge, p. 79; Raymond T. Nimmer, The law of computer technology, p. 1-22.

43

[Nota do Original] Cf. Midway MFG. Co. v. Artic International, Inc., 704 F.2d 1009 (7th. Cir. 1983); Williams Electronics, Inc. v. Artic International, Inc., 685 F.2d 870 (3d. Cir. 1982); Stern Elecs, Inc. v. Kaufman, 669 F.2d 852 (2d. Cir. 1982), apud John M. Conley e Robert M. Bryan, A unifying theory for the litigation of computer software copyright

(11)

videojogo será sempre do programador.No mesmo sentido parece ser a jurisprudência

continental, sobretudo no direito italiano

44

e no direito francês

45

, com base no entendimento

de que as variações possíveis estão sempre contempladas no programa, tratando-se pois de

caso de execução.

Apesar da responsabilidade administrativa e científica do orientador, o rito da defesa de

tese reduz e concentra todo o poder final de decisão no orientado: ele, e só ele, decidirá o

que levar ao prélio, qual os limites de seu risco, o que expressar em sua obra.

A singularidade da posição do autor da tese, dissertação ou monografia é sua exposição à la

hora de la verdad: sozinho, em suas decisões, perante o touro em forma de banca. Num

espaço cada vez mais colaborativo

46

, o momento dessa justa singular, mais ritual que

funcional, fixa e categoriza o autor da tese como solitário.

A tese que dá patente

Note-se que solução similar seria adotada no tocante às patentes. Não obstante as inovações

da Lei 9.279/96 em matéria de criações de empregados e prestadores de serviços, deixou de

ser regulada a situação dos inventos produzidos na prática acadêmica das universidades e

escolas técnicas. Com a maior divulgação do sistema da propriedade industrial, inclusive

nas escolas técnicas e universidades, começam a surgir mais e mais problemas na proteção

das invenções de estudantes - simples alunos, não bolsistas nem estagiários

47

.

Não há, no Código da Propriedade Industrial, regras explícitas sobre o caso; as normas do

Art. 88 e seguintes não se aplicam, já pelo fato de que, no contrato de ensino, é a escola ou

universidade que presta serviços e o aluno quem os toma.

No entanto, certas características aproximam o contrato de ensino e o de trabalho, e

particularmente relevante para nosso raciocínio é a subordinação hierárquica que, numa

escola de nível médio, como corpo discente, em sua maioria, menor de idade, existe sobre o

aluno. No caso, é o tomador do serviço que se subordina, em reversão do que ocorre na

relação de emprego. A relação de um orientador sobre um mestrando ou doutorando não

faz alterar significativamente a questão, salvo se a pesquisa implica em relações mais

complexas com uma linha de pesquisa ou comunidade de pesquisadores.

Assim, mesmo sem haver tutela específica do aluno inventor, há que se proteger sua

case, p. 62 e 102; Raymond T. Nimmer, The law of computer technology, p. 1-21.

44

[Nota do Original] Cf. Ettore Giannantonio, Manuale di Diritto dell’informatica, p. 141.

45

[Nota do Original] Vide Renzo Ristuccia e Vicenzo Zeno-Zencovich, Il software nella dottrina, nella giurisprudenza e nel D.Lgs. 518/1992, p. 50/51.

46

Dreyfuss, Rochelle Cooper, "Commodifying Collaborative Research". The Commodification Of Information, Neil Netanel & Neva Elkin Koran, eds., Kluwer Law International http://ssrn.com/abstract=315020, “ Lost in this debate is the effect of technology on the ways that information and cultural goods are actually produced, particularly on the extent to which individual creativity has been replaced by collaborative effort. In fact, the artist starving in a garret, the scientist madly experimenting in the garage,and the reclusive professor burning midnight oil are all rapidly becoming myths. In a world of increasing technical complexity and intensifying specialization, interdisciplinary investigation has become crucial to progress.”

47 Chaves, Antonio, Direitos de autor e patentes de invenção dos professores e dos estudantes universitários.

Jurisprudência Brasileira, vol. 106 p 13 a 19 1986. Barbosa, Denis Borges, «Quando o aluno cisma de inventar”, in Patentes e problemas: cinco questões de direito patentário, RDM, nova série, vol. 28 n 76 p 27 a 48 out./dez 1989.

(12)

atividade dentro dos princípios gerais do Direito, em particular da regra sui cuique tribuere,

nemine laedere.

Como tivemos ocasião de escrever anteriormente, parece-nos que a regra geral na hipótese

é a do Art. 611 do Código Civil de 1916 (ou art. 1.269 do CC 2002), que diz que aquele

que “trabalhando em matéria prima, obtiver espécie nova, desta será proprietário se a

matéria era sua, ainda que só em parte (...).

Ora, tal artigo, embora claramente voltado à criação de bens físicos usando matéria prima

também física, representa o princípio de que, na especificação, predomina a atividade

inventiva sobre os recursos materiais. Quem inventa, ainda que usando recursos alheios em

parte, adquire propriedade sobre o que cria, ressalvado, porém ao proprietário dos bens

usados pelo criador o direito à indenização pelo desapossamento.

Como no caso os recursos utilizados pelo aluno são-lhes postos à disposição como parte do

contrato de ensino, não nos parece, no entanto, caber indenização. Em outras palavras, o

aluno adquire a propriedade de seus inventos.

Pode, porém, a escola alterar o contrato de ensino dentro das regras gerais de direito, para

fazer com que lhe caiba a meação dos inventos. Convém chamar também a atenção para o

fato de que, num contrato de adesão, o dever de boa fé e de equidade se acrescem, ao

encargo da parte mais forte. O contrato de participação coletiva em pesquisa em

colaboração, de outro lado, tem outro status e merece atenta consideração, como também o

contrato de bolsa de pesquisa.

Com todo o exposto, parece necessário explicitar o regime de propriedade dos inventos

que, a nosso entender, deriva do direito comum, de forma a melhor divulgar a produção

tecnológica entre os estudantes brasileiros.

A tese, ente administrativo

Como já se notou, a tese, monografia ou dissertação é um ente do direito administrativo

tanto quanto da propriedade intelectual

48

. Seja a instituição pública ou privada, a concessão

de grau universitário tem uma natureza de procedimento administrativo, denotada aliás pela

constituição da autoridade que o expede como sujeita à impetração de mandado de

segurança.

A relação orientador/orientado, que basicamente deriva dos estatutos das IES, é, desta

forma, não só uma questão apropriação dos resultados da produção intelectual, mas também

um requisito do iter acadêmico, regulada em alguma extensão pelo direito administrativo,

em alguma extensão pelos regulamentos universitários.

Constata-se, desta forma, que certas tradições universitárias, expressas ou não em norma

interna, fazem dos orientadores co-autores dos trabalhos orientados

49

. Já se viu que essa

48 Paris Jussieu, op. Cit., loc. Cit., « Cependant la thèse est aussi un document au statut "administratif" : la thèse n'est

pas une oeuvre libre mais un document régit par des règles. la thèse est un document dont le dépôt est obligatoire. Un arrêté du 25 septembre 1985 prévoit que les thèses soient librement communicables par les bibliothèques, librement reproduites et diffusées sur microfiches sans en référer à l'auteur. La diffusion des thèses sur Internet se doit donc de concilier les deux aspects du documents. »

49

Isso se dá especialmente nos trabalhos científicos anteriores à tese ou dissertação, em que se tece o conteúdo da própria tese. Esses textos frequentemente indicam como autor, além do orientado (“que carrega o piano”, no dizer de um professor da UFF), o orientador; algumas vezes, terceiros que tiveram idéias ou deram sugestões, sem além disso escrever

(13)

autoria, do ângulo da Propriedade Intelectual, é infundada. Para clareza técnica, pareceria

irregular e mesmo ilegal denominar co-autor quem, talvez, seria responsável

administrativo, ou científico, pela obra do orientado.

Responsável administrativo, pois em cada estatuto universitário, o orientador tem papel

essencial na satisfação dos requisitos para a concessão do grau. Havendo ou não

mecanismos mais complexos, mesmo coletivos, a função daquele que acompanha, fiscaliza,

induz, estimula, e, em algum ponto, aprova o trabalho antes de submeter ao julgamento, é

preponderantemente administrativa, e quase nulamente autoral.

Mencionamos a responsabilidade administrativa...e científica. Nas práticas do mundo

acadêmico, indicadas por Kenneth Dam sob a nota 6 deste trabalho, a publicação e a

apresentação de trabalhos são elementos cruciais da carreira acadêmica. Neste plano, e não

no estamento do direito autoral, a responsabilidade do orientador se configura quanto às

práticas metodológicas, estratégias heurísticas, e veracidade do produto intelectual.

Certamente a atuação do orientador, como descrita, é garante e escudo da validade

científica do trabalho. Mas isso, uma vez ainda, não é autoria.

Se for conveniente dar peso, num currículo acadêmico, à atividade do orientador, é errôneo

qualificá-lo como co-autor. Errôneo até as fronteiras do enganoso. Evocando a imagem de

Wittgestein no seu Tractatus, o papel do orientador é dar a escada ao orientado, e depois

tirar a escada. No instante exato da autoria, o orientado levita em soberana solidão.

Uma palavra final: o papel do orientador parece variar conforme a área acadêmica. Se a

responsabilidade administrativa sempre existe, a responsabilidade “científica” surge

enfaticamente atenuada em áreas acadêmicas como o Direito. A prática de designar-se

co-autor o orientador de um trabalho acadêmico é virtualmente desconhecida nas faculdades

de Direito, senão por modéstia nem decoro, qualidades não particularmente abundantes na

nossa profissão, mas por maior clareza do que são as verdades e levitações da real autoria.

Talvez não exista momento mais solitário, nos rituais acadêmicos, do que o do examinando

numa banca de Direito. Escolado nas contradições, refinado nos argumentos, o orientador

freqüentemente argúi em algoz, tostando e grelhando seu orientado num rigor raramente

visto em outras instâncias da academia. Na hora exata de sua verdade, o examinando não é

só autor de sua tese, mas é autor único de seu momento.

ou pesquisar. Não obstante a seriedade acadêmica que é de regra, a colabroração nesses trabalhos é descrita como “não muito diversa da parceria num samba”. Ao que vale citar Guilherme de Brito, falando de Nelson Cavaquinho: “Aí eu fiz a primeira parte de um samba, Garça, e muito sem jeito, cheguei perto dele e disse: "Nelson eu fiz a primeira parte de um samba, você quer ouvir?" Ele respondeu: "Canta meu filho." Eu cantei, ele gostou e fez a segunda parte”.

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