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Breve histórico do jornalismo em Cuba: algumas reflexões sobre o conceito de liberdade de imprensa

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Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

Centro de Filosofia e Ciências Humanas – CFCH

Escola de Comunicação – ECO

Breve histórico do jornalismo em Cuba: algumas reflexões

sobre o conceito de liberdade de imprensa

Larissa Limeira Grutes da Silva

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Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Escola de Comunicação

Breve histórico do jornalismo em Cuba: algumas reflexões

sobre o conceito de liberdade de imprensa

Monografia submetida à Banca de Graduação como requisito para obtenção do diploma de Comunicação Social/ Jornalismo.

LARISSA LIMEIRA GRUTES DA SILVA

Orientador: Prof. Dr. Mohammed ElHajji

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Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Escola de Comunicação

TERMO DE APROVAÇÃO

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, avalia a Monografia, Breve histórico do

jornalismo em Cuba: algumas reflexões sobre o conceito de liberdade de imprensa , elaborada

por Larissa Limeira Grutes da Silva. Monografia examinada:

Rio de Janeiro, no dia .../.../... Comissão examinadora:

________________________________________________________ Orientador, Prof. Dr Mohammed ElHajji.– ECO/UFRJ

________________________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Granja Coutinho – ECO/UFRJ

________________________________________________________ Prof. Dr. Fernando Mansur – ECO/UFRJ

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Breve histórico do jornalismo em Cuba: algumas reflexões sobre o conceito de liberdade de imprensa

.

Rio de Janeiro, 2007.

Monografia (Graduação em Comunicação Social/ Jornalismo) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Escola de Comunicação – ECO.

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Janeiro: UFRJ/ECO. 2007. Projeto Experimental (Habilitação em Jornalismo).

RESUMO

Este trabalho pretende traçar um histórico da imprensa em Cuba e apresentar dados relativos ao exercício da profissão no país buscando pesar seu arraigamento nas idéias de personagens como José Martí, suas principais mudanças pós-Revolução e seu papel no desenvolvimento e na manutenção do socialismo na ilha. De forma análoga, objetiva problematizar as acusações da grande mídia a respeito da imprensa cubana, que se assentam, de maneira geral, no pressuposto de um jornalismo amordaçado. Assim, propõe-se aqui uma pequena reflexão sobre instituições defensoras da liberdade de imprensa, exemplificadas pela organização sem fins lucrativos, Repórteres Sem Fronteiras, cujo discurso tem grande aceitação nos principais veículos de comunicação. Sobretudo, o presente trabalho procura expor aspectos pouco divulgados na grande mídia acerca deste tema e dar espaço à visão de jornalistas cubanos que trabalham em favor de um jornalismo engajado manutenção da soberania e das conquistas adquiridas com a Revolução de 1959.

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recobrado voces por harto tiempo acalladas. Frente a mí pasaron algunos con el puno en alto: “¡Viva la Revolución!” – “¡Viva!” – dije. – “Más alto: no se la oye” – me dijo el médico. – “¡Viva la Revolución!” – grité, esta vez alzando una mano abierta, blanda indecisa. – “Así, no. Es con el puno cerrado. Fíjese: haga como yo”. Acabé por levantar el puno a la altura de la sien, recordando que así hacían Gaspar e Enrique – y acaso también Calixto, ahora. – “Bien” – dijo el médico: “A la una, a la dos, a la tres: ¡Viva la Revolución!” – clamamos los dos en unísono. – “¡Viva!” – respondió la calle entera.

Vera, personagem de Alejo Carpentier em La Consagración de la Primavera .

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Ao meu orientador, Mohammed El Hajji. Aos meus pais. À minha avó. Ao meu tio José Eduardo, pelos livros roubados desde a infância. À Irene Cristina, ao Vitor Iorio e ao João Máximo, pela amizade e pelo apoio durante toda a graduação. Ao Ricardo Quiroga, pelo material para este trabalho. Ao Alejandro Alfonso, por ter me ajudado a entender um pouco sobre Cuba.

À Mayka Castellano, pelos anos de paciência e de amizade. À Loyana Leal, sobretudo pelas gargalhadas. À Vania Cury, Ana Julia Cury, Izabel Cury e Fernanda Cury: condição sine qua non para este

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1- Introdução

2 – Breve histórico da imprensa cubana 2.1. Primeiras publicações

2.2. José Martí

2.3. A Imprensa Republicana

3- Imprensa escrita pós-Revolução 3.1. Primeiras mudanças

3.2. Criação da Prensa Latina 3.3. Principais jornais

3.4. Transformações no jornalismo cubano

4- Liberdade de imprensa

4.1. Liberdade de imprensa em perspectiva

4.2. Considerações sobre liberdade de imprensa em Cuba 4.2.1. Os Repórteres Sem Fronteiras

5- Considerações finais Referências Bibliográficas

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1. Introdução

A República de Cuba localiza-se na parte mais ocidental do Caribe. O navegador Cristóvão Colombo atracou na ilha em 1492 e, oito anos depois, a Espanha passou a colonizá-la: entretanto, o país é habitado há pelo menos dez mil anos. A dominação espanhola durou até 1898, quando Cuba passou a ser uma República em princípio independente; em realidade, sob o jugo dos Estados Unidos: uma contínua intervenção política e militar estadunidense marcou este período da história do país. Com pouco mais de 110 quilômetros quadrados e de onze milhões de habitantes, a pequena ilha caribenha não chamaria tanto a atenção do mundo não houvesse protagonizado uma Revolução socialista em 1959.

Portanto, desde 1961, quando se declarou o caráter socialista da Revolução, a grande mídia, que havia dado espaço aos revolucionários cuja luta perdurou por meses a fio, passou a rechaçar o novo regime e seu líder Fidel Castro. Os Estados Unidos impuseram um bloqueio econômico, comercial e financeiro; Cuba foi expulsa da Organização dos Estados Americanos (OEA), acusada de não ser uma democracia, e alinhou-se à União Soviética como garantia de proteção contra o imperialismo estadunidense. Com a desintegração da URSS em 1991, mesmo que sem apoio algum, a ilha se manteve socialista: de forma análoga, conservaram-se as críticas publicadas em jornais de todo o mundo: uma das principais acusações ao país constitui a falta de liberdade de imprensa.

Diante de tais dados, este trabalho pretende refletir sobre como tal crítica atrela-se ao discurso liberal e dissimula a defesa de interesses político-econômicos antagônicos à autonomia de Cuba e de seu êxito social. Parte-se do princípio que a imprensa dos países liberais é livre e que esta deve exercer um papel fiscalizador; logo, considera-se amordaçado um jornalismo com outros valores e cuja defesa não é a do capital, mas sim a da soberania e das conquistas sociais de um país. Dessa forma, jornais e instituições sem fins lucrativos, como os Repórteres sem Fronteiras, cujo propósito consiste lutar por tal liberdade, procuram deslegitimar a imprensa cubana, bem como seu regime e seu presidente, fazendo coro ao discurso de seu principal opositor de Cuba, os Estados Unidos, que há 47 anos investem milhões em ações terroristas e contrapropaganda para derrubar o socialismo na ilha.

Com o fim de cumprir o intento de tal reflexão, darei voz, neste trabalho, ao que pesquisaram e ao que debateram alguns jornalistas cubanos – como o célebre José Benitez e Bertha Verdura Marino, professora da Escola de Comunicação de Havana – sobre a imprensa em seu país. Obtive acesso apenas a um destes jornalistas militantes residentes no Brasil, Rolando de la Ribera, correspondente da agência de notícias Prensa Latina; no entanto, utilizarei jornais publicados na ilha, textos e páginas na Internet elaboradas pela Unión de Periodistas de Cuba, e lançarei mão da

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própria visão do presidente Fidel Castro sobre a imprensa de seu país. A fim de contextualizar o objeto desta pesquisa, o trabalho do historiador inglês Richard Gott (2001) será constantemente mencionado, do mesmo modo que, com certa freqüência, farei uso das produções de Eric Hobsbawm e da Enciclopédia Latinoamericana, coordenada, entre outros autores, por Emir Sader.

Em sua breve contribuição acerca da imprensa em Cuba, esta monografia procurará se ater ao jornalismo escrito, discorrendo sobre sua história e sobre dados que dizem respeito ao exercício da profissão no país. Sobretudo, desvelar-me-ei para contribuir no debate sobre o papel desta imprensa no desenvolvimento e na manutenção da sociedade socialista da ilha. Por meio de uma argumentação baseada em estudiosos do setor da mídia, como Jürgen Habermas e Muniz Sodré, bem como na proposição de liberdade de imprensa elaborada por Karl Marx, buscarei levantar questionamento sobre tal conceito, em especial, no que concerne às críticas atinentes à falta desta liberdade nos veículos de comunicação de Cuba. Utilizarei o exemplo da organização sem fins lucrativos Repórteres Sem Fronteiras para problematizar o aparente consenso de que tal liberdade se faz presente nas sociedades liberais.

Pretendo, assim, dispor do pouco divulgado discurso de jornalistas atuantes na ilha e de redes alternativas de imprensa, como a Voltaire. Trabalharei com a hipótese de que o pressuposto de que há imprensa livre numa sociedade de classes trata-se de falácia: tanto nas liberais, quanto na cubana, há restrições ao seu pleno exercício. Nesta última, no entanto, deliberadamente construiu-se um jornalismo comprometido com a primordial defesa da independência e da justiça social conquistadas com a Revolução. Diante das dificuldades econômicas, que têm como conseqüência, para citar um dos mais graves problemas, a escassez de papel, e da constante ameaça imperialista dos Estados Unidos, cabe a tal imprensa, muitas vezes, atuar em posição defensiva, como explica Benitez (1990).

Conforme exposto, a bibliografia consultada para esta monografia, de maneira deliberada, visa a apresentar apenas um lado das questões levantadas, de sorte a contrapesar o conteúdo acusatório em curso diariamente na maior parte veículos de comunicação. Nesse sentido, abordar tal controvertido tema faz-se necessário para que alguns sofismas construídos pela grande mídia no que concerne a imprensa cubana sejam desfeitos e para que se possa considerar o ponto de vista dos reais agentes desta, e não o que os jornalistas de outras partes do mundo pensam a seu respeito.

Deste modo, no primeiro capítulo proporciono ao leitor uma base contextual para acompanhar o desenvolvimento dos argumentos apresentados ao longo do texto. Resumidamente, exponho os principais traços da imprensa em Cuba na sua fase colonial e de República para entender o processo que levou à Revolução de 1959 e à tomada do país pelos trabalhadores, conduzidos pelos guerrilheiros liderados por Fidel Castro e que, assim, ocasionou mudanças

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profundas em todos os âmbitos da sociedade. Travou-se, a partir de então, uma batalha de idéias com o objetivo de combater o pensamento dominante e o apresentar ao mundo uma outra maneira de se viver e uma mentalidade distinta da capitalista.

De uma imprensa colonial censurada pela metrópole e destinada a noticiar atividades comerciais, os jornais cubanos passaram a uma imprensa opinativa e, com isso, a formar uma consciência nacional embrionária. Ao lado das lutas de independência, as publicações, ora clandestinas, ora legais, constituíram parte do combate contra a metrópole e revolucionários, como José Martí, destacaram-se como grandes jornalistas neste período.

Da mesma forma, havia uma série de publicações prósperas cujo propósito tratava-se do resguardo da posição do país como colônia. Durante a República, tais veículos propalaram-se pela ilha; contudo, desta vez, seu objetivo consistia manter a subordinação à nova metrópole: os Estados Unidos. Por muito tempo este tipo de imprensa privada, nas mãos de poucas famílias, e cuja defesa dos seus interesses em detrimento dos da maioria da população estampava-se regularmente nos jornais e revistas, tomou conta de Cuba.

Nos anos 1950, entretanto, tal imprensa burguesa dividiu espaço com uma série de publicações que, retomando os ideais de José Martí segundo os quais o jornalismo deveria ser uma arma política e um aliado da população, defendiam, mais uma vez, a independência de Cuba. Por meio de tais publicações, os rebeldes que viriam a aglutinar os trabalhadores do país e, assim, a tornar vitoriosa uma Revolução, clamavam pelo fim da corrupção, das injustiças sociais e do imperialismo estadunidense a que a ilha estava subjugada.

Versarei sobre este jornalismo revolucionário no segundo capítulo: nele, buscarei fazer uma breve análise das principais mudanças dos meios de comunicação pós-Revolução de 1959, que pouco se modificaram nos dias de hoje. Apresentarei de modo geral como os três principais jornais de caráter nacional e a agência de notícia Prensa Latina surgiram e em que circunstâncias funcionam atualmente. Considerando a fundamental importância dos meios de comunicação para a mobilização social, indicarei, orientada pelo discurso de Benitez (1990), como foram criadas as condições para a manutenção da sociedade socialista vigente até hoje.

Influenciada teoricamente pela escola russa de jornalismo, sobretudo devido à aproximação com a União Soviética, a imprensa cubana, no que tange às técnicas, adotou a escola estadunidense. No entanto, Cuba desenvolveu seu próprio modo de fazer jornalismo, assim como adaptou os princípios socialistas à sua realidade: seus meios de comunicação procuraram associar-se ao jornalismo de opinião do século XIX, voltar-se para o discurso de seus libertadores como José Martí e jamais aproximar-se da mídia tal qual a produzida pelas sociedades liberais.

A afirmação de tais preceitos transforma Cuba em constante alvo da imprensa destes Estados que a acusam de desrespeitar o aparentemente consensual conceito de liberdade de

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imprensa. Este assunto será abordado no terceiro capítulo desta monografia em que tentarei compreender a razão pela qual tantas acusações são feitas à ilha socialista enquanto outros países em que, por exemplo, os direitos humanos são desrespeitados, não merecem tanto destaque na mídia internacional. Além disso, buscarei a origem da concepção deste tipo de liberdade e examinarei se este se aplica a Cuba e se acaso é aceito pelos seus jornalistas.

Ao final do capítulo, propõe-se uma reflexão sobre instituições defensoras da liberdade de imprensa, exemplificadas pela organização sem fins lucrativos, Repórteres Sem Fronteiras, cujo discurso tem grande aceitação nos principais veículos de comunicação. Buscarei demonstrar como tal instituição, a despeito da retórica de imparcialidade, se cala diante de crimes cometidos pelos Estados Unidos e fomenta as campanhas promovidas por este país, um de seus grandes financiadores, contra Cuba.

Por último, discorro nas considerações finais sobre como a crítica destes veículos de comunicação representantes do capital financeiro e defensores do liberalismo decorrem também de um incômodo causado pela sociedade socialista cubana, capaz de alcançar um êxito social ausente na maioria dos países capitalistas. Em conseqüência disso, a mídia utiliza-se de todas as diferenças, apontadas como erros, entre a sociedade liberal e a socialista para propor o fim deste sistema. A sustentação de um regime que o mundo capitalista não aprova acarreta como conseqüência ferozes acusações ao jornalismo cubano multiplicadas pelas principais publicações do mundo.

Procurarei, assim, expor aspectos pouco divulgados na grande mídia sobre a realidade da imprensa cubana, visando a dar espaço à opinião de jornalistas que trabalham na ilha em favor de um jornalismo engajado social e politicamente. Da mesma maneira, pretendo aqui lançar luz sobre alguns âmbitos deste tema ainda que por meio de uma abordagem limitada.

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2. Breve histórico da imprensa cubana

Neste primeiro capítulo, apresentarei um breve histórico da imprensa cubana, de modo a fornecer ao leitor uma base contextual que o permita acompanhar o desenvolvimento dos argumentos e das idéias apresentados ao longo do trabalho. Procurarei expor, de maneira sucinta, os principais traços da imprensa em Cuba, desde o seu surgimento até a Revolução de 1959, bem como tratar dos jornalistas mais destacados e dos periódicos mais relevantes. A opção por dedicar um capítulo à história da imprensa cubana se justifica na medida que é imprescindível levar em conta o processo histórico de formação de um determinado objeto de estudo na construção de qualquer análise, sob qualquer recorte, de tal objeto.

O desenvolvimento da imprensa na ilha no século XIX constata o processo de gestação da identidade nacional: durante este período, desenvolveu-se um pensamento anticolonialista, antiescravagista, patriótico e independentista. Conhecer esta fase do jornalismo em Cuba, ainda que brevemente, significa entender a que valores a imprensa da atualidade recorre. Da mesma maneira, estudar a trajetória e o pensamento do herói e um dos maiores jornalistas da história do país, José Martí, elucida a preocupação da imprensa atual cubana em usar o jornal como meio de organização social, como instrumento de educação e de formação de consciência crítica por meio de análises da situação político-econômica de Cuba e artigos sobre literatura, arte, ciências e esportes (BENITEZ, 1990, p. 26). A referência constante a Martí traduz o esforço em manter-se uma imprensa nacionalista – jamais jingoísta – e panfletária, cuja radicalidade sustentada não é mais a da independência de Cuba, mas a da subversiva manutenção da autonomia e da dignidade conquistadas no país em 1959 com a Revolução.

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pseudo-republicana por alguns autores, como Benitez (1990) – foi marcada pela difusão de dezenas de publicações que, em geral, manifestavam o ponto de vista liberal e estavam concentradas nas mãos de poucas famílias ricas como os Rivero, donos do extinto jornal conservador Diario de la Marina. Nos anos 1950, havia quase trezentos periódicos e estações de rádio, seis canais de televisão e 13 jornais cinematográficos, nacionais e estrangeiros (JAKOBSKIND, 1985).

Existia, no entanto, uma fecunda imprensa revolucionária cuja razão de ser era a propagação dos ideais da Revolução que eclodiria em 1959 sob a liderança de Fidel Castro. Com a colaboração de Sierra Maestra, El Cubano Libre, Alma Mater, Revolución, Son Los Mismos e El

Acusador, que, sem dúvida, resgataram os ideais de Martí, e ainda dos meios de comunicação de

grande circulação, apesar de o espaço ser muitas vezes limitado, difundiu-se um espírito militante na sociedade e determinou-se um padrão de jornalismo que dura por quase cinqüenta anos e que Fidel Castro definiu, em um debate sobre cultura na ilha em 1961, da seguinte forma: “Significa que dentro da Revolução existe tudo; contra a Revolução, nada” (apud FURIATI, 2001, p. 448). A imprensa, para grande parte dos jornalistas da ilha, deve servir como instrumento de difusão de educação, de criação de consciência crítica e “desenvolver o espírito internacionalista, de compreensão humana, de amor aos valores históricos e culturais de um povo” (BENITEZ, 1990, p. 26). No entanto, na pequena ilha caribenha, em constante conflito com os Estados Unidos e sob bloqueio econômico imposto por este, a imprensa não pode servir para difundir a ideologia do país vizinho, dominante em quase todo o mundo, que não aceita a existência de uma ilha soberana, autônoma e socialista a poucos quilômetros do seu território, que demonstra “com conquistas, realidades, insuficiências e problemas, que é possível viver de maneira mais humana e que os países podem ser outra coisa que não lugares de contrastes inaceitáveis, frustrações e iniqüidades” (SADER, 2006, p. 384).

2.1. Primeiras publicações

Em consonância com muitas colônias espanholas na América Latina, como México, Peru e Guatemala, a imprensa em Cuba surgiu ainda na primeira metade do século XVIII. Em 1723, produziu-se o folheto mais antigo editado em uma gráfica em Havana (LEUCHEIRING apud MARINO, 2001). E até 1763, as gráficas licenciadas pelo governo espanhol submetiam-se à apreciação espanhola e serviam essencialmente para comunicar tarifas de preços comerciais no El

almanaque anual de la Isla. O primeiro jornal oficial – semanal, criado em maio de 1764,

composto de quatro páginas e editado na tipografia da Capitania Geral (Id. ibid.) –, da mesma forma, cumpria a função de imprensa colonial: noticiar compras e vendas e atividades portuárias.

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Por sua vez, La Gazeta de la Havana, mais antigo periódico das autoridades espanholas, editado em 1782, acolhia, em geral, o pensamento da metrópole e seguia publicando anúncios sobre entrada e saída de portos de Havana. Temas médicos, agrícolas e filosóficos também permeavam suas páginas (BENITEZ, 1990).

Oito anos mais tarde, surge El Papel Periódico, considerado o primeiro jornal relevante de Cuba (MARINO, 2001), cujas quatro páginas já demonstravam o caráter patriótico ostensivo recorrente na imprensa cubana dos dias de hoje. Tal fundação deveu-se à mudança de governo na ilha: ao assumir o comando da ilha em julho de 1790, o novo capitão-geral, Luis de las Casas y Aragorru, concebeu a criação de um jornal para publicar notícias oficiais.

Mudanças em Cuba nesta época relacionam-se diretamente com as transformações na Espanha. Depois de dez meses de ocupação britânica, na área de Havana até Matanzas, em 1763, e da derrota formal da Espanha na Guerra dos Sete Anos (1756-1763), em que era aliada da França, Cuba começa a se beneficiar do “despotismo esclarecido”, forma de governar inspirada nos ideais do Iluminismo, que o imperador espanhol Carlos III já havia implantado na Europa (VITIER, 1990). Na metrópole, Sociedades de Amigos del País estabeleceram-se com o objetivo de promover a economia e a pesquisa social; nas colônias, expedições científicas buscavam explorar regiões desconhecidas e vislumbrar possibilidades econômicas (GOTT, 2006).

Tal qual na Espanha, fundou-se em Havana a Sociedad Económica de Amigos del País, cujos integrantes eram empreendedores, magnatas do açúcar e outros membros da elite cubana – coordenados pelo capitão-geral. Na esteira desta instituição – criada em 1793 e que servia politicamente para dar à elite colonial a ilusão de participação na administração do país – formou-se no mesmo ano uma série de instituições que colaboraram para a modernização de Cuba, como o Consulado Real de Agricultura, Indústria e Comércio. El Papel Periódico passou então a ser coordenado pela Sociedad. Em suas páginas, escreveram padre Agustín Caballero, o cientista Don Tomas Romay, intelectuais combatentes do escolasticismo decadente, e a favor da introdução da filosofia eclética moderna e as ciências experimentais (MARINO, 2001). Assim como Caballero e Don Tomas, escreveram outros célebres pensadores da ilha, uma vez que a atividade intelectual em Cuba, assim como em outras colônias espanholas, desenvolveu-se razoavelmente cedo, com a criação da Real Pontifícia Universidade de San Jerónimo em 1728 (VILTER, 1990). Além disso, a Sociedade promoveu diversas pesquisas nas áreas de botânica, matemática, e impulsionou avanços tecnológicos, sobretudo na área do açúcar e do tabaco e, de acordo com Gott (2006, p.60): “para uma pequena ilha caribenha, essa extensa atividade intelectual foi certamente uma realização. A Sociedad foi, com efeito, o veículo que trouxe o Iluminismo europeu a Cuba”.

Apesar da notável contribuição do jornal para a literatura nacional, para a crítica dos costumes, para a difusão do conceito de pátria e para a reforma na educação cubana, a reprodução

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do ideário escravagista da Sociedad Económica, que por sua vez representava os interesses de uma elite açucareira, fazia-se presente nas edições diárias de El Papel Periódico. Há, entretanto, registros de artigos publicados em defesa dos escravos, em geral a favor de melhores tratamentos, como alguns de maio de 1791, publicados quando o jornal passou a se chamar La Gaceta de La

Habana (após sucessivas mudanças de nome), em 1848 (MARINO, 2001; VITIER, 1990).

Outrossim, as editorias de La Gaceta de La Habana eram compostas por intelectuais como redatores que debatiam acerca de temas como medicina (fortemente presente no jornalismo cubano até hoje), história, geografia, entre outros assuntos; contudo, destacavam-se as polêmicas literárias e as poesias publicadas que chegavam ao jornal – tudo assinado com pseudônimos, assim como ocorria em El Papel Periódico.

A elaboração das primeiras técnicas de jornalismo na ilha ficou por conta de Pascual Ferrer, editor de Regañon de La Havana, de 1800, em seus curtos dois anos de existência. Diante disso, deve-se justificar a pouca variedade de assuntos desta publicação pela forte censura imposta pela metrópole durante todo o período colonial, bem como estabelecida a El Papel Periódico, que, por mais progressista que possa ter sido, esbarrava em interesses das elites colonial e espanhola (MARINO, 2001).

Somente em 1812, com a promulgação da Constituição da Espanha, concessões e liberdades foram feitas aos colonos, entre elas a primeira lei de liberdade de imprensa. Em conseqüência disso, emergiram publicações periódicas de todo o tipo: durante vinte anos, mais de duzentos jornais espalharam-se por Havana e pelo interior da ilha. Afrouxadas as mordaças, em periódicos como El Revisor Político y Literário, que publicou 71 números até 1823, intelectuais difundiram ideais da aristocracia criolla: davam forma, portanto, ao nacionalismo cubano. Graças a discussões suscitadas em instituições acadêmicas sobre a independência de Cuba, essa publicação foi fechada por autoridades espanholas (PEZUELA apud MARINO, 2001).

A favor da independência de Cuba também escrevia o filósofo e sacerdote Felix Varela, redator do El Habanero – entre outras publicações –, considerado o primeiro jornalista revolucionário da ilha e um dos propulsores da consciência nacional (MACHÍN, 1978). Nos sete números do jornal fundado em 1824, suas idéias, principalmente da independência e da autodeterminação de Cuba, foram muito repercutidas: quem recebia um exemplar do exterior, se encarregava de reproduzi-lo. Depois de seu terceiro número, o jornal foi proibido de circular e só entrava na ilha clandestinamente, em bagagem de viajantes. Na edição de número quatro, Varela desafia com “franco, decidido e vibrante espírito revolucionário” (LEUCHENRING apud MACHíN, 1978, p.6):

Continuem perseguindo El Habanero, porque diz estas verdades. Repitam, como vêm fazendo até agora, que seu autor é um homem prejudicial, que somente

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trabalha para arruinar o país; em uma palavra: digam tanto quanto seu furor puder inspirá-los (...) (VARELA apud MACHÍN, 1978, p.13).

Em conseqüência da defesa dos seus ideais, os mesmos daqueles que iniciaram a primeira guerra de independência em 1868, Varela sofreu uma tentativa de assassinato e é até hoje lembrado como “primeiro intelectual cubano a colocar seu talento e sua pena a serviço da liberdade de sua pátria” (MARINO, 2001, p.4).

O jornalismo cubano do século XIX também contou com uma série de publicações conservadoras como El Siglo, porta-voz do Partido Reformista, fundado em 1862, composto por donos de engenhos e de escravos. Suas bandeiras eram autonomia da política colonial, igualdade de direitos para cubanos e espanhóis, liberdade de cultos e uma moderada defesa da proibição do trafico de escravos. Negadas as solicitações pela metrópole, o movimento reformista se encerrou e com ele o jornal.

Fazendo frente ao The New York Herald e La Crónica, jornais estadunidenses em que espanhóis espalhavam campanhas difamatórias, La voz del pueblo cubano, escrito por Juan Bellido de Luna nos Estados Unidos, saiu em defesa da independência de Cuba e denunciava abusos cometidos pelos chapetones, em junho de 1852. Vários jornalistas foram presos e perseguidos e, dois meses depois de sua primeira edição, a sede foi invadida devido a uma delação e o tipógrafo Eduardo Fasciolo y Alba assumiu a edição do jornal (o editor havia conseguido escapar) e acabou fuzilado um mês depois, transformando-se no primeiro mártir do jornalismo cubano (MARINO, 2001).

Já no primeiro editorial, o jornal profetizava seu destino e demonstrava o forte patriotismo vigente na época:

Este jornal tem por objetivo representar a opinião livre e franca dos criollos cubanos e propagar o sentimento nobre de liberdade que um povo culto deve ter. Não tememos ser denunciados por uma infame delação. Morreremos, mas somente depois de ver prestado tão importante serviço à santa causa de nossa querida pátria (MARINO, 2001, p. 3).

Jornais revolucionários não faltaram durante a luta por independência e o mais notável foi o El Cubano Libre, inspirado por Carlos Manuel de Céspedes e editado na cidade de Bayamo, ao leste da ilha, em 1868. Em outubro deste ano, Céspedes anunciou o início de um movimento pela independência de Cuba, episódio conhecido como Grito de Yara, disparando também a Guerra de Dez Anos, que se configurou em uma guerra racial: escravos e negros livres lutaram ao lado de proprietários de terra contra os colonizadores brancos racistas (GOTT, 2006). Durante dois meses, o El Cubano libre divulgou notícias dessa guerra e notas redigidas por Céspedes prometendo segurança à população; publicou, ainda, as duas primeiras estrofes de La Bayamesa, atual hino

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nacional cubano, cuja autoria pertence a um dos oficiais que lutaram contra a invasão espanhola à Bayamo, Perucho Figueredo. A interrupção na edição do jornal deveu-se a essa invasão e ao incêndio da cidade, ateado pela população que se negou a entregá-la. Segundo GOTT (2006, p. 92), “morrer pela pátria tornou-se uma tradição que agitaria o país por mais de um século”.

Para Benitez (1990), não se pode falar em imprensa revolucionária editada por setores crescentes das classes trabalhadoras a não ser a partir do Grito de Yara: o despotismo metropolitano não permitia o surgimento de outro tipo de jornalismo. Excetuam-se, na visão do autor, os mais de 46 jornais editados no exterior, principalmente nos Estados Unidos, cujo maior objetivo consistia defender a causa da independência, e os clandestinos, que circularam com considerável irregularidade e eram distribuídos gratuitamente no campo, na cidade e entre os emigrantes por meio das agências de correio: tal imprensa clandestina ficou conhecida como imprensa mambí.

Em janeiro de 1869, na tentativa de combater o independentismo, o governo espanhol permitiu certa liberdade de imprensa; no entanto, recuou pouco mais de um mês depois, decretando novamente a censura.

Na segunda guerra de independência, em 1895, Antonio Maceo, capitão negro de 20 anos que surgira como líder rebelde dos que apoiavam Céspedes, clandestinamente reeditou El Cubano

Libre durante três anos, tempo em que escreveram célebres intelectuais da época em defesa da

liberdade da pátria. Então definido por Maceo como um corpo de exército de doze colunas e um reforço de quinhentos homens, El Cubano Libre, depois de conquistada a independência, tornou-se um instrumento de severa crítica à ocupação militar dos Estados Unidos, país que libertou Cuba do controle espanhol em três semanas incompletas. Contudo, tal interferência deu-se somente depois de mais três anos na guerra contra a Espanha iniciada em 1895, e trinta anos de luta dos cubanos pela independência: “desolados, eles (os cubanos) assistiram da calçada a vitória lhes ser tirada” (GOTT, 2006, p.118).

No que concerne à imprensa operária, La Aurora, ligado aos reformistas de El Siglo, foi fundado por artesãos em 1865 depois de uma onda de greves dos tabaqueiros em Havana. Destacou-se denunciando donos de fábricas de tabaco, más condições sanitárias dos locais e abusos e maus-tratos sofridos por operários. Devido à repressão da Espanha, era difícil utilizar o jornal como instrumento de organização do movimento operário; deste modo, os editores preferiam se concentrar na educação dos artesãos: uma de suas primeiras campanhas foi promover a leitura de livros e jornais durante a jornada de trabalho nas fábricas de tabaco. Com isso, os artesãos de Havana fundaram escolas para sua própria educação e a de seus filhos e tornaram hábito em quase todas as fábricas de La Habana e subúrbios a leitura em voz alta, que se dava da seguinte maneira: havia um trabalhador responsável por ler em voz alta enquanto os outros trabalhavam na confecção

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de charutos, tradicionalmente um grande produto de exportação no país. Tal costume configurou-se na instituição cultural mais importante entre os tabaqueiros por quase um século.

Havia ainda espaço para artigos de cultura geral. Entretanto, trazer notícias do mundo para a ilha cabia às revistas, entre as mais conceituadas, Revista de Cuba, Revista Cubana e Hojas

Literárias – esta última lançada em 1803 e com grande difusão nacional e mundial até seu fim, em

1893, devido à censura espanhola. Para José Martí, Hojas Literárias foi uma tribuna onde Manuel Sanguily, seu editor, enfrentava o inimigo e vociferava contra todas as injustiças.

2.2. José Martí

Em bustos, em cartazes, em nomes de escolas, ruas e praças e no discurso das pessoas, evoca-se a memória de José Martí, de Havana a Guantánamo, extremo leste da ilha. Na capital, um prédio de 139 metros de altura, o Memorial José Martí, destaca-se no meio da Praça da Revolução, onde também funciona um museu em homenagem ao chamado Apóstolo da independência de Cuba, cuja luta se estendia à América Latina. Ativista revolucionário, teórico político, escritor, poeta, orador e jornalista, Martí dedicou grande parte de sua vida escrevendo artigos em defesa de sua maior causa. “De América soy hijo y a ella me debo”, uma das mais conhecidas frases escritas pelo intelectual, sintetiza a maior razão de ser de sua luta, a América Latina e seus problemas recorrentes: “democracia e ditadura, reforma e revolução, e o choque entre os colonizadores brancos e os povos indígenas” (GOTT, 2006, p.103). Mais que nem um outro, Martí constitui-se o maior herói, e jornalista, para os cubanos.

Sua atitude diante do jornalismo caracterizou-se por contradições em aparência: grande parte do seu trabalho definia como “trabalho de ganha-pão, para a honradez de forças... especialmente o mesquinho dessas ocupações, na forma incompleta em que as tenho, me pesa como culpa, e padeço do pouco que faço” (MARTÍ apud UREÑA, 1973, p. 9) ; outras vezes, admitia que amava o jornalismo como missão e o repelia como distúrbio (Id. ibid., p. 5) . Distúrbio eram para ele a baixeza e a pequenez filhas da ambição e da ignorância; a demanda por notícias soltas, comentários sem substância, que reduziam suas possibilidades como colaborador: “que maior tormento que se sentir capaz do grandioso e viver obrigado ao pueril”.

O objeto da imprensa, em sua visão, deveria ser conforme escreveu em um de seus artigos:

Não é trabalho da imprensa periódica informar ligeira e frivolamente sobre o que acontece, ou censurar com maior soma de afeto ou de adesão. Cabe à imprensa encaminhar, explicar, ensinar, guiar, dirigir; cabe a ela examinar os conflitos, não estimulá-los com um julgamento apaixonado; não provocá-los com alarde de adesão inconveniente; cabe a ela, enfim, estabelecer e fundamentar ensinos, se pretende que o país a respeite, e, conforme seus serviços e merecimentos, a proteja e a honre. Tem a imprensa periódica altíssimas missões: é a luta fortalecer

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e aconselhar. A imprensa não é aprovação bondosa ou ira insultante; é proposição, estudo, exame e conselho (MARTÍ apud UREÑA, 1971, p. 45).

La Pátria Libre – Semanario democrático-cosmopolita foi o primeiro jornal, de uma só

edição, idealizado por Martí ao lado de Rafael María Mendive, em janeiro de 1869 (curto período sem censura), em que publicou o poema Abdala no qual apresenta sua luta pela independência de Cuba e prenuncia sua vitória. Dias antes, havia editado mesmo poema em El Diablo Cojuelo.

Seu trabalho foi interrompido quando foi preso, condenado a trabalhos forçados numa pedreira em Havana e, em 1871, exilado para a Espanha, onde escreveu em diversos jornais a fim de criar um ambiente favorável à causa cubana, como em La Cuestión Cubana, de Sevilha. Neste jornal, seus artigos se destacavam por enérgica defesa separatista, deixando claro que medidas paliativas não fariam Cuba desistir de seu propósito. Na Espanha, estudou filosofia e direito e influenciou-se por Julián Sanz del Rio, tradutor e propagador do trabalho de Karl Krause, humanista alemão contemporâneo de Hegel. A preocupação especial de Martí com a educação – desvelo permanente em Cuba até hoje – acredita-se vir do contato inicial com esta escola de pensamento (GOTT, 2006).

Quatro anos mais tarde, Martí se muda para o México, onde seus pais já viviam exilados, e continuou escrevendo sobre a causa cubana em periódicos, como a revista Universal. Seu primeiro artigo foi a respeito de uma tradução de Victor Hugo e os demais, sobretudo tratavam da independência, em tom mais moderado; alguns, entretanto, causaram hostilidade entre os espanhóis residentes no México, o que levou a revista a publicar editorial solidarizando-se com a opinião de Martí. O Apóstolo comentava ainda atualidades literárias, políticas e sociais do México, mas, para isso, assinava com o pseudônimo de Orestes. No país, impressionou-se com o choque entre colonizadores brancos e indígenas, o que o fez tomar consciência do que chamou de Nossa América. Martí percebeu mais claramente a diferença entre o caráter europeu e o americano e criticou com veemência a reprodução de tudo que vinha da Espanha: “As mãos que surgiram de uma terra virgem não foram feitas para aplaudir as decadências de uma terra cansada e moribunda” (MARTÍ apud UREÑA, 1971, p.15).

Já na Guatemala, para onde se mudou em 1877, Martí preparou o projeto de uma revista que não chegou a existir, a qual se chamaria La Revista Guatemalteca. No mesmo período, escreveu artigos para a revista da universidade em que trabalhava.

O Apóstolo da independência voltou a Havana devido ao Pacto de Zanjón – que deu fim à primeira guerra de independência, também conhecida como Guerra dos Dez anos, em 1878 –, que incluiu uma anistia aos exilados. Todavia, não trabalhou como jornalista. Um ano mais tarde, foi condenado ao exílio novamente, acusado de conspiração. Voltou à Espanha, mas logo se transferiu para Nova York, onde estava sediado o movimento de independência e onde viveu por quinze anos

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trabalhando na Segunda Guerra de Independência. Lá escreveu para o The hour como crítico de arte. Em viagem à Venezuela, de 1881 a 1889, produziu artigos para o The Sun e editou sua primeira revista, a Revista Venezoelana, baseada no projeto desenvolvido na Guatemala, mas fechada meses depois (UÑEDA, 1973).

A memorável revista La Edad de Oro reuniu em suas quatro páginas poesias, ilustrações, contos e artigos educativos: tudo voltado para crianças. Na primeira de suas quatro edições, publicadas em Nova York em 1889, Martí demonstrava grande preocupação em falar diretamente com os meninos – e com as meninas: “para os meninos é este jornal, e para as meninas, é claro” . A Ilíada de Homero, e a história de heróis que lutaram pela independência de países latino-americanos como o argentino San Martín, o venezuelano Simon Bolívar e o mexicano Miguel Hidalgo foram contadas a fim de tornar os personagens conhecidos do público infantil e despertar o interesse das crianças pelo mundo, conforme o próprio Martí escreveu liricamente, em forma de dedicatória, no editorial do primeiro número de La Edad de Oro:

Para isso se publica La Edad de Oro: para que as crianças americanas saibam como se viveu antes e como se vive hoje na América e nas demais terras; e como se fazem tantas coisas de cristal e de ferro, e as máquinas a vapor, as pontes suspensas, a luz elétrica; para que quando a criança veja uma pedra colorida saiba por que a pedra tem cor, e o que significa cada cor; para que a criança conheça livros famosos em que se contam as batalhas e as religiões de povos antigos. Falaremos a eles de tudo o que se faz nas oficinas, onde acontecem coisas mais raras e interessantes que nos contos de magia, e são magia de verdade, mais linda que a outra: e lhes diremos o que se sabe do céu, do fundo do mar e da terra: e lhes contaremos contos engraçados e histórias de crianças, para quando tenham estudado muito, ou brincado muito, e queiram descansar. Para as crianças trabalhamos porque são as crianças que sabem querer, porque as crianças são a esperança do mundo. E queremos que nos queiram, e que nos vejam como coisa de seu coração.

Ainda de Nova York, continuou colaborando com oito crônicas por mês em La Opinión

Nacional, da Venezuela, e com outros jornais na Colômbia, Honduras, México, Montevidéu e o La Nación da Argentina, onde publicou aproximadamente duzentas crônicas aproximadamente. Ainda

constam artigos em La América, editada nos EUA, embora circulasse em toda a América, e na qual o pensamento de Martí sobre assuntos econômicos e comerciais e o seu americanismo puderam se tornar conhecidos.

Em 1891, Martí renunciou a todas as colaborações e dedicou-se à formação do Partido Revolucionário Cubano. Ao lado de seus colaboradores e visando a difundir as mensagens do partido, o jornal Patria, com quatro páginas, editado em Nova York e distribuído via correio todos os sábados, foi fundado em março de 1892. A direção ficava por conta de Martí e o financiamento sob a responsabilidade de tabaqueiros em Tampa, Cayo Hueso e parte da população de Cuba e Porto Rico. Novamente, antiimperialismo e americanismo estavam presentes em suas quatro

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páginas que objetivavam alertar e informar os cubanos sobre a guerra e invocar apoio das nações hispano-americanas e do povo estadunidense. Em seu primeiro número, o Apóstolo escreve: “Este jornal nasce na hora do perigo, com o objetivo de contribuir para que suas forças sejam invencíveis pela união, e para evitar que o inimigo mais uma vez vença por culpa de nossa desordem (apud MARINO, 2001, p.8)”.

Patria também combateu a anexação de Porto Rico, o escravagismo, o caráter falacioso de

uma guerra de raças e tratou de problemas sociais cubanos. Quando Martí morreu, o jornal publicou quase um mês depois da morte do Apóstolo que “não existia mais o apóstolo exemplar, o mestre querido e o abnegado José Martí”. Seu pensamento continua vigente no jornalismo pós-Revolução e a importância desse jornal pode ser ratificada pela escolha do dia da imprensa, em Cuba: 14 de março, o mesmo da fundação de Patria.

Neste diário, Martí desenvolve sua idéia do que deveria ser a função de um jornal:

Que não haja uma manifestação da vida cujos diários acidentes não surpreendam o jornaleiro: – isto é fazer um bom jornal. Dizer o que a todos convém – e não deixar de dizer nada que a alguém possa convir. Que todos encontrem no diário o que possam necessitar e saber. E dizê-lo com uma linguagem especial para cada espécie: – escrevendo em todos os gêneros, menos no fastidioso de Boileau, desdenhando o inútil e vestindo sempre o útil elegantemente. Um jornal deve estar sempre como os correios antigos, com o cavalo ajaezado, o fuste na mão e a espora no calcanhar. Ao menor acidente, deve saltar sobre a sela – sacudir o fuste e sair logo com o cavalo, para que ninguém chegue antes que ele. Deve, resumindo livros, facilitar a leitura aos pobres de tempo – ou de vontade ou de dinheiro (MARTÍ apud UÑEDA, 1973, p. 61).

Para Machín (1978), Patria cumpre a missão de um periódico conforme Lênin a propôs: não se limitou a difundir idéias, educar politicamente e atrair aliados políticos. Um jornal, segundo Lênin, não é somente um propagandista, mas também um organizador coletivo. Nesse sentido,

Patria aglutinou e organizou forças em nome da independência cubana. Em seu primeiro artigo no

jornal argentino La Nación, Martí reitera sua posição, e a do revolucionário russo, diante da imprensa, afirmando: “a imprensa não pode ser mero veículo de notícias, nem simples escravo de interesses, nem escape exuberante e pomposa imaginação” (MARINO, 2001, p.7).

Martí também foi um grande defensor dos negros e da harmonia racial. Afirmou certa vez que antes da solução da questão política, a independência, Cuba precisava de uma solução social, inalcançável sem o amor e o perdão recíprocos entre as duas raças (GOTT, 2001).

2.3. Imprensa Republicana

Depois da ocupação estadunidense na ilha, em 1898, com o objetivo de interferir na segunda guerra de independência iniciada pelos cubanos três anos antes, Cuba se torna refém de

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outro imperialismo. Terminada a ocupação, em 1902, restaram a República – chamada de pseudo-República por alguns historiadores cubanos – e a humilhação, metonímia da Emenda Platt, emenda à constituição dos Estados Unidos cujo objetivo era consolidar seu imperialismo sobre Cuba. Para isso, seus sete parágrafos garantiam que a ilha não poderia nem permitir bases estrangeiras em seu território, nem negociar com outros países sem autorização de seu algoz. Todas as finanças deveriam ser supervisionadas pelos Estados Unidos, que poderiam intervir em Cuba quando julgasse necessário. Além disso, segundo seu texto original, todos os atos durante a ocupação militar não poderiam ser questionados e Cuba deveria arrendar ou vender terras para a construção de uma base naval, a fim de permitir aos Estados Unidos se proteger e garantir a permanência da independência do país.

Apesar de vítima da doutrina Monroe reformulada em forma de Big Stick, Cuba era formalmente uma República, proclamada em 20 de maio de 1902 pelo governador militar Leonard Wood, que entregou o país ao presidente Estrada, cidadão cubano nascido nos Estados Unidos. Tratava-se, ainda que restrita, de uma conquista legítima, fruto de uma vitória do patriotismo iniciado na primeira guerra de independência em 1868 e de muito sacrifício de “um povo que já possuía uma poderosa consciência política nacionalista de caráter predominantemente popular” (SADER, 2006, p. 371). Todavia, durante quase sessenta anos Cuba continuou uma sociedade colonial, com colonizadores brancos no poder, e sua política foi marcada por gangsterismo, violência incessante, grave corrupção, revoltas militares e intervenção militar dos Estados Unidos, bem como um crescimento econômico e uma determinada prosperidade para uma parcela da população (GOTT, 2006).

Em relação ao jornalismo, publicações de todo tipo foram produzidas: do mais jornal conservador, o Diario de La Marina – que circulou por mais de cento e trinta anos representando os espanhóis e os interesses da elite –, ao jornalismo militante que se desenvolveu na legalidade e semi-legalidade, à exceção dos regimes ditatoriais de Geraldo Machado, de 1925 a 1933, e de Fulgêncio Batista, de 1934 à Revolução de 1959 (Id. ibid.).

O surgimento do Diario de la Marina resultou da mudança de nome, em 1844, de

Noticioso y Lucero, criado onze anos antes pelo espanhol Isidoro Araújo de Lira. Sempre

defendendo interesses oligárquicos, no século XX, passou a ser propriedade da rica família espanhola Rivero (também proprietária de Avance e Alerta) e funcionou até 1960, quando os donos abandonaram o jornal e o país. Apesar do caráter extremamente elitista e conservador, contribuiu com seus suplementos para a difusão de obras literárias, em particular, Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, publicado semanalmente durante um ano em capítulos de dezesseis páginas cada um.

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com força na década de 1930, embora em 1924 o primeiro jornal socialista, Lucha de Classes, tivesse sido fundado. El Trabajador, nascido em 1931, mais tarde substituído por Bandera Roja, configurou-se no órgão do primeiro partido marxista-leninista de Cuba. Também por essa época, quando o militar Fulgêncio Batista tomou o poder em 1934, El Centinela era editado visando às células comunistas do Exército e da Marinha de Guerra.

No governo de Charles Magoon (1906-1909), quando começaram as discussões sobre reforma no sistema eleitoral, numerosos veteranos negros (chamados de “homens de cor”) começaram a pensar em formar um partido, insatisfeitos com sua posição na sociedade. Afinal, lutaram a favor da independência, contra a Emenda Platt, e como resposta a seu heroísmo foram privados de suas posições e transformados em párias políticos. Em 1907, Evaristo Estenoz fundou o Partido de Cor Independente. Para defender suas causas, criaram um jornal cujo símbolo era um cavalo representando Xangô, O Previsión, no qual passaram a desenvolver o que veio a se chamar de consciência negra.

O jornal atacava a obsessão dos brancos cubanos com a sua origem européia e levantava a questão da herança africana de Cuba, salientando que a Espanha fora colonizada pelos africanos na era muçulmana. Ele reivindicava o abandono da política de imigração só de brancos, e a anulação da imigração negra (GOTT, 2006, p. 144).

O jornal foi recolhido em 1910; Estenoz foi preso, bem como centenas de negros por todo o país, sob a acusação de promover o racismo negro. Jornais de toda a ilha publicaram relatos alarmistas, incitando o temor de uma revolução como a do Haiti, que, depois de uma rebelião escrava, tornou-se o primeiro Estado soberano da América Latina, em 1804. Para Diario de La

Marina, as prisões em Cuba haviam sido justas, pois os negros estavam ameaçando os brancos e,

mais precisamente, as mulheres brancas (Id. ibid.). Em decorrência disso, foi criada no congresso a Lei Morúa, proibindo a formação de movimentos políticos a partir de uma base de cor. Assim, o Partido foi também fechado no mesmo ano. Estenoz foi solto no fim de 1910 e dois anos depois lançou um protesto armado para a revogação da lei: contudo, com a intervenção dos Estados Unidos, o protesto foi subjugado e cerca de três mil negros foram mortos. Depois do massacre, quase nunca os negros tomaram parte na política novamente, à exceção do mulato Fulgêncio Batista, “líder revolucionário, presidente eleito, ditador militar e milionário defensor da Máfia” (Id.

ibid., p.165).

Em 1925, Julio Antonio Mella, líder estudantil, um dos fundadores do primeiro Partido Comunista Cubano (fundado no mesmo ano), escrevia em Justicia, órgão da Agrupación Comunista da cidade de Havana. Mella usava o jornalismo como arma política, o que não significava que sua prosa direta e categórica não tivesse um estilo franco e ameno e possuísse um

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agudo sentido crítico, segundo seu biógrafo Éramos Dumpierre (apud MACHÍN, 1978). Escreveu sobre diferentes temas, no entanto. Inaugurou a revista Alma Mater em 1922, órgão dos estudantes universitários de Havana que, um ano mais tarde mudou de nome para Juventud; e em 1923 foi chefe de redação do boletim da Federação Estudantil Universitária (FEU). Trabalhou para diversos jornais militantes e fundou mais três no México, onde morou depois de ser preso por suas atividades revolucionárias em Cuba e por suas incômodas denúncias ao governo de Gerardo Machado, ao imperialismo estadunidense e aos abusos das oligarquias, para citar alguns exemplos de sua luta. Morreu em território mexicano, em 1929, a mando de Machado (MACHÍN, 1978).

A juventude socialista cria Mella em 1944, em homenagem ao revolucionário. Alma Mater é reeditado em 1952 pela FEU, que passa a editar anos mais tarde o boletim Trece de Marzo. Como estes, La Palabra, Massas e Mediodia foram alguns dos periódicos revolucionários que tiveram vida curta: a repressão política os silenciou e seus diretores ou foram presos e mandados para o exílio ou foram para a luta clandestina.

Noticias de Hoy, de 1938, órgão do Partido Socialista Popular, teve grande importância no

jornalismo comunista cubano: em etapas semidemocráticas era legalizado, mas sofreu censura, assalto e perseguição por parte da polícia. Fechou em 1953 e ressurgiu em 1959 com o triunfo da Revolução. Durante este espaço de tempo, Hoy foi substituído por Carta Semanal, que organizava os contatos com os líderes do Partido Socialista Popular e divulgava informações sobre o desenvolvimento do movimento revolucionário em Cuba e no mundo. Hoy foi editado por Joaquín Ordoqui, assim que o Partido Comunista teve permissão para atuar legalmente, e certa vez publicou: “as pessoas que estão trabalhando para derrubar Batista já não estão mais agindo em nome dos interesses do povo cubano”. A aliança entre os comunistas e Batista fazia-se compreensível nas circunstâncias da época; entretanto, até muito depois de 1959, aviltavam o Partido Comunista acusando-o de deslealdade (GOTT, 2006).

Também no final dos anos 1930, o Congresso dos Estados Unidos investiu mais de dez milhões de dólares no “Escritório de Coordenação Comercial e Cultural”, cujo diretor era Nelson Rockefeller. O projeto visava a fazer uma ampla campanha baseada em filmes, subvenções a jornais e revistas latino-americanos:

Naquela ocasião, a imprensa latino-americana aderiu ao imperialismo ianque. A alienação produziu um entorpecimento que impedia que os beneficiados reconhecessem seu próprio distanciamento. Os jornais que buscaram uma postura crítica tiveram vida precária ou clandestina (BENITEZ, 1990, p. 11).

A conquista de mais capital era o propósito das sociedades mercantis proprietárias dos grandes órgãos de imprensa. Assim, o Diario de la Marina, Información, El Crisol, Prensa Libre serviam às famílias Rivero, Barletta e Mestre, respectivamente. Para Benitez (1990), essas

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publicações prestavam-se aos interesses das empresas privadas nacionais e estrangeiras, à oligarquia nativa e internacional, ao governo do momento, ao imperialismo estadunidense.

Os ricos, os latifundiários, os patrões, além do direito, têm o modo prático de agir, têm o capital suficiente para montar grandes rotativas, para importar papel, para contratar os serviços de agências estrangeiras de notícias, para pagar telefonemas e telegramas de seus correspondentes, para pagar aos jornalistas que mais brilhante e atrativamente saibam fazer a propaganda de seus interesses e defender o sistema latifundiário burguês semicolonial (ROCA apud BENITEZ, 1990, p. 12).

Ainda segundo Benitez (1990), tudo se ajustava aos interesses da empresa: por meio dos editoriais, em razão do conteúdo anticubano nos jornais,; pelo abandono dos interesses culturais e pela inexistência de propósitos educativos ou de superação cultural, e pela exploração da imprensa marrom. Isto quer dizer que eram jornais de circulação de massa competitivos, sensacionalistas e muitas vezes antiéticos. Son los Mismos e El Acusador, de maneira oposta, contrapunham do mesmo modo o poder e contavam com artigos do hoje Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros do Governo Revolucionário, Fidel Castro.

De início, somente Son los mismos era editado. No entanto, Fidel sugeriu a criação, em junho de 1953, de El Acusador (e o título, por considerar um nome de mais garra) e convenceu os outros companheiros a pararem de editar os dois jornais para se dedicarem somente ao novo, que não era suficiente:

Temos muito a dizer, muito há que denunciar e são muitos a captar! A linha consiste em juntar gente jovem, sem os vícios da política! (...) El Acusador não será suficiente. Precisamos de um programa de rádio para propaganda. Não importa que as emissoras não cedam seus horários. Os recursos dependem do esforço, da dedicação e da tenacidade... Vamos criar nossos meios. Derrotar, pela violência, partindo da base popular, as baionetas (CASTRO apud FURIATI, 2001, p.178).

Fidel escrevia em El Acusador com o pseudônimo de Alejandro e o exemplar era vendido a cinco centavos. Sua tiragem variou de quinhentos exemplares, na primeira edição, a dez mil. Seus artigos tratavam de problemas em Cuba, mas seu real objetivo era desfigurar o regime de Batista. Logo, agentes do ditador descobriram onde El Acusador era impresso, fecharam o jornal e prenderam responsáveis, soltos após interrogatório e coleta de impressões digitais. Sob o pseudônimo de Alejandro, Fidel também escreveu para o jornal universitário Alma Mater (FURIATI, 2001).

Como porta-voz de Fidel, funcionava o vespertino La Calle, dirigido por Luiz Orlando Rodríguez. Durante o ano de 1955, e apesar do déficit e da eterna ameaça de fechamento, até o triunfo da Revolução, Fidel comparecia todas as tardes à redação para escrever – à exceção dos

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domingos, em que não havia edição (FURIATI, 2001).

Fidel escreveu também em Bohemia, a revista semanal mais antiga ainda em circulação, fundada em 1908. Vendia em torno de duzentos mil exemplares e diz-se que tenha alcançado milhão de exemplares vendidos, nos anos 1940 e 1950, auge também das revistas ilustradas nos Estados Unidos, como a Life, e no Brasil, como O Cruzeiro. Fundada por Miguel Angel Quevedo,

Bohemia era vendida por toda a ilha, estendendo sua distribuição ao mercado estrangeiro. Em

1927, seu filho de mesmo nome torna-se o diretor e propõe mudanças de conteúdo, agora mais amplo, cobrindo toda a sorte de atualidades em Cuba e no mundo. Entre os principais fatos de sua cobertura, destaca-se a vitória de Fulgêncio Batista em Cuba, o começo da Segunda Guerra Mundial e a vitória da Revolução Cubana em 1959.

Apesar de declarar alguns artigos impublicáveis, Bohemia permitiu que saíssem alguns textos de Fidel Castro nos anos 1950. Além disso, intercedeu junto ao governo Batista por meio do chamado Bloco Cubano de Imprensa, do qual faziam parte o Diário de la Marina, El País,

Avance, Prensa Libre, Alerta, El mundo e Bohemia, para a libertação dos presos do assalto ao

quartel La Moncada, em Santiago de Cuba – a primeira tentativa, em 26 de julho de 1953, de acabar com o regime de Fulgêncio Batista, que levou preso Fidel Castro – na época advogado, militante político pelo Partido do Povo Cubano (ortodoxo) e líder de um movimento que veio a ser batizado com o nome da data do assalto (FURIATI, 2001; SADER, 2006).

Por mais que a revista tenha dado espaço ao Movimento Revolucionário 26 de julho (MR-26-07) e à organização para a luta armada popular fundada por revolucionários (que participaram do fracassado assalto ao quartel La Moncada) – e apesar de em várias ocasiões anteriores a 1959 ter sido censurada pelo governo do momento –, não se pode negar seu tom liberal: em 1956, por exemplo, desconfia de Fidel Castro e faz coro à imprensa conservadora que denunciava o líder como representante de um movimento com apoio estrangeiro contra a “nação”. Em artigo intitulado “A Pátria não é de Fidel”, Bohemia expõe as dúvidas sobre o que Fidel poderia fazer com o dinheiro que os emigrantes cubanos estavam lhe destinando (FURIATI, 2001). Apesar de os anos 1950 constituírem um período fértil para mudanças nas técnicas do jornalismo – desde os anos 1930 baseadas na escola estadunidense, segundo a qual, para citar o exemplo mais conhecido, se deve concentrar as informações mais importantes no primeiro parágrafo das matérias (lead) – o fato de ele não ser um instrumento cujo objetivo é satisfazer necessidades sociais, mas sim solucionar negócios privados, trouxe, como conseqüência, a multiplicação de meios de comunicação, de acordo com Benitez (1990). Na década de 1950, havia 142 jornais e revistas, 135 estações de rádio, seis canais de televisão e 13 jornais cinematográficos, nacionais e estrangeiros. Da mesma maneira, este se constituiu como o maior período de distanciamento dos interesses populares: “Batista, amigo íntimo de Nelson Rockfeller,

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concedeu-lhe privilégios para roubar e explorar, como retribuição à sua medrosa docilidade” (BENITEZ, 1990, p.14).

Pesquisas feitas pós-Revolução contabilizaram que o volume da imprensa em Cuba chegava a aproximadamente 60 milhões de pesos, dos quais 40 milhões correspondiam a anúncios e o restante a negócios ilícitos, apadrinhamentos e incentivos.

As contradições nacionais e internacionais que permeavam esse estado de coisas, soterradas e mudas no começo, tornaram-se agudas e terminaram por explodir. A imprensa burguesa quebrou, transtornada e decomposta no meio de suas façanhas. Sob a influencia da Revolução triunfante abriu-se então o pórtico das possibilidades da cultura e da informação como atores de desenvolvimento e iniciou-se a conquista popular dos meios de comunicação. O jornalismo adquiriu sua dignidade (BENITEZ, 1990, p. 14).

Em contraposição a tais veículos chamados de burgueses por Benitez e muitos jornalistas e historiadores cubanos, existia a imprensa revolucionária representada por Vanguardia Obrera, visando à organização e propaganda entre os trabalhadores, Sierra Maestra e Revolución, jornais mantidos pelo Movimento Revolucionário 26 de julho. Depois do desembarque do Granma, pequeno iate conseguido com fundos arrecadados no México, em 2 de dezembro de 1956, o Movimento 26 de julho editou o Boletín Informativo, que logo saiu com o nome de Últimas

Notícias e, mais tarde, transformou-se no Sierra Maestra, editado até hoje, cujo título deu-se em

homenagem às montanhas no Oriente de Cuba que se tornaram abrigo para o Exército Revolucionário na luta contra a ditadura de Batista.

Revolución também surgiu a partir de dezembro de 1956 e circulou desde a chegada do Granma até depois da Revolução. Bateu recorde de tiragem na greve geral de 9 de abril de 1958,

convocada pelo Exército Rebelde para acelerar a queda de Batista: milhares de exemplares passaram de mão em mão por todo o país.

Ao mesmo tempo, também de Sierra Maestra, o comandante Ernesto Che Guevara dava vida ao Cubano Libre:

Era a continuação de um jornalismo beligerante, e por isso essencialmente crítico, que começou com as primeiras censuras de imprensa (...). Era um jornalismo herdeiro da imprensa panfletária, que tinha culminado em Patria, dirigido por Martí, herdeiro da imprensa operária e comunista, revolucionária (“...)” (BENITEZ, 1990, p. 128).

Em El Cubano Libre, o mesmo nome do jornal fundado por Céspedes e reeditado por Maceo, bem como em Verde Olivo, publicação das Forças Armadas Revolucionárias, Che escrevia, depois de 1959, sobre suas viagens, a Revolução e sobre política externa, na condição de representante de Cuba no exterior. Muitas vezes, no entanto, assinava com o pseudônimo de El

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Francotirador. Por sua vez, sob o comando de Raúl Castro, a Segunda Frente “Frank País” (uma

das frentes guerrilheiras criadas por Fidel Castro em 1958 para tomar as cidades do Oriente de Cuba durante a Revolução Cubana) criava Surco, inspirado nos mesmos princípios revolucionários. Também sob as ordens de Che, imprimiam-se Ciro Redondo, Patria (órgão do exército rebelde) e

Milicianos (órgão das milícias do Movimento 26 de Julho).

Essa imprensa revolucionária, assim como os jornais murais espalhados pelas escolas e fábricas do país, esteou a criação do espírito combativo de massas, colaborando de maneira decisiva para o triunfo da Revolução em 1º de janeiro de 1959, quando Batista fugiu do país com sua família e fortuna.

O papel da imprensa neste período em Cuba foi determinante tanto para a subjugação da colônia – com a contribuição de jornais como Diario de La Marina, representantes dos interesses espanhóis e, mais tarde, estadunidenses – quanto para a conquista da independência em 1898 e da soberania e dignidade em 1959 para a qual também contribuíram publicações liberais como

Bohemia, Prensa Libre e El mundo. Pode-se ainda dizer que a percepção do papel central dos

meios de comunicação na formação da cultura de uma sociedade alicerçou a construção de um diálogo com o povo cubano, base de sustentação do regime socialista até os dias de hoje.

3- Imprensa escrita pós-Revolução

Neste capítulo tratarei das principais mudanças da imprensa escrita em Cuba após a Revolução de 1959. A partir deste ano, transformaram-se na ilha a forma de fazer jornalismo, que recorreu à antiga imprensa panfletária da época dos grandes heróis da história do país, bem como as relações de produção e o pensamento da sociedade:

Em um país da América Latina, começou a se criar uma nova maneira de viver e uma nova sociedade. O tempo se tornou denso e se transformaram as idéias, as crenças e os sentimentos a respeito de toda a vida cívica e de grande parte da vida cotidiana. Os antigos donos de Cuba foram expropriados e o povo perdeu o respeito pela propriedade privada. As pessoas se apoderaram do país, aprenderam a se encarregar de seu funcionamento e a viver nele de outra maneira, e tiveram acesso aos bens materiais disponíveis ao mesmo tempo que assumiriam a dignidade humana, a palavra escrita e o maior controle sobre a própria vida. Começou-se a edificar uma pacificação da existência (SADER, 2006, p. 375).

A análise deste período inicial de transformações na sociedade cubana faz-se premente, uma vez que seus fundamentos ideológicos permanecem os mesmos, bem como houve poucas mudanças em sua legislação e em sua forma de governo desde a vitória revolucionária. Considerando estes fatores, procurarei versar sobre como tais mudanças afetaram a imprensa escrita e apresentarei uma visão geral do funcionamento dos principais jornais e a agência de

Referências

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