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Representações de gênero de docentes do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Pelotas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Faculdade de Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação

Tese

Representações de gênero de docentes do Instituto de Artes e Design da

Universidade Federal de Pelotas

Carmen Regina Bauer Diniz

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REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO DE DOCENTES DO INSTITUTO DE ARTES E DESIGN DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Márcia Ondina Vieira Ferreira

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Banca Examinadora:

... Profª. Drª. Ana Maria Colling

... Profª. Drª. Eliane Teresinha Peres

... Profª. Drª. Eliane Terezinha do Amaral Campello

... Profª. Drª. Madalena Klein

... Profª. Drª. Márcia Ondina Vieira Ferreira

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Ofereço este trabalho a meus filhos, noras, netos e netas.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Carlos pela presença constante e apoio em minha trajetória de pesquisa, assim como pela revisão de meu trabalho.

À Profª Drª Márcia Ondina Vieira Ferreira cuja orientação permitiu-me a concretização desta tese.

A Ironi dos Santos Caldeira, funcionária e amiga de muitos anos, que com seus cuidados tem possibilitado que eu realize as minhas caminhadas.

Aos meus queridos filhos, noras, netas, netos, amigos e amigas, por compreenderem as minhas ausências ou impossibilidades.

Ao meu colega e amigo Nicola Caringi Lima, pela leitura atenta de meu trabalho.

Aos meus colegas do Departamento de Artes e Comunicação que me substituíram em minhas atividades didáticas no período em que estive afastada.

Aos professores, professoras e colegas do Programa de Pós-Graduação em Educação com quem tive o prazer de conviver.

Às minhas colegas e meus colegas do Instituto de Artes e Design que participaram como sujeitos de minha pesquisa, contribuindo decisivamente para a constituição desta tese.

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[...] esta estrutura de dominação se estabelece, se ‘naturaliza’ e assim se eterniza, perdendo-se de vista ser parte de um processo histórico e, como tal, passível de mudanças que esbarram num trabalho incessante, ou seja, igualmente histórico, de reprodução, pelos homens e instituições - Família, Escola, Igreja, Estado -, lugares de elaboração e imposição de princípios que fundamentam um acordo das estruturas sociais e das estruturas cognitivas e se reforçam com a violência simbólica, pela qual as estratégias e práticas determinam a construção social dos corpos e fazem do corpo uma realidade sexuada e depositório dos princípios de visão e de divisão sexualizantes.1

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Resumo

DINIZ, Carmen Regina Bauer. Representações de gênero de docentes do

Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Pelotas. 2011. 324f.

Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.

Esta tese tem como foco a investigação sobre as representações de gênero de docentes do Instituto de Artes e Design (IAD) da Universidade Federal de Pelotas, procurando avaliar as influências que uma escola de arte pode exercer para (re) constituir e (re) produzir uma estrutura simbólica de diferenças e desigualdades entre homens e mulheres. Representações são os significados que sujeitos, objetos, eventos, reais ou fictícios, passam a ter culturalmente e que são constituídos no decorrer da história da humanidade. A base teórica desta pesquisa é o estudo de gênero que trabalha com a concepção de que as identidades masculinas e femininas são construídas nas relações de poder entre os dois sexos e nas relações com a sociedade. A investigação sobre gênero e educação destacou as experiências escolares, avaliando o seu papel para a constituição e reprodução das diferenças sociais entre os sexos. Na abordagem sobre gênero e arte foram desenvolvidos dois aspectos da História da Arte referentes à mulher: sua exclusão como artista e produtora desta História e a forma de representação de imagens femininas idealizadas. O objetivo geral desta pesquisa foi o de investigar quais são e como foram constituídas as representações de gênero presentes nas concepções de docentes do IAD. Os demais objetivos foram os de identificar quais são as relações entre as representações de gênero adquiridas durante a trajetória pessoal e aquelas perceptíveis na trajetória de formação profissional; analisar qual é a contribuição da formação docente em artes visuais para a construção das representações de gênero apresentadas pelas professoras/es; analisar a percepção das/os professoras/es sobre as representações de gênero nos conteúdos desenvolvidos nos cursos de Licenciatura e Bacharelado no IAD; identificar as razões que levaram as/os docentes do IAD a escolher a formação e o trabalho docente numa escola de artes visuais. A metodologia de caráter qualitativo composta por entrevistas semi-estruturadas, tendo como sujeitos de pesquisa quatro professoras e três professores, permitiu investigar suas trajetórias de vida, desde as situações familiares, vivências escolares, interações em outros campos sociais, até chegar às experiências no IAD. Com isso, foi possível concluir que uma escola de artes visuais (IAD) participa na (re) construção e (re) produção das representações de gênero de suas/seus docentes, numa ação que não é isolada, uma vez que representa a continuidade de todo um processo de constituição das identidades de gênero, iniciado na família e

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que permitiu verificar que essa constituição esteve calcada nas ações de instituição das diferenças do que é ser homem e do que é ser mulher.

Palavras-chave: Representações de gênero. Identidades de gênero. Educação e relações de gênero. Arte e gênero.

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ABSTRACT

DINIZ, Carmen Regina Bauer. Gender representation of teachers from the Arts

and Design Institute at the Federal University of Pelotas. 2011. 325f. Thesis

(Doctoral Degree) - Post Graduation Program in Education, Federal University of Pelotas, Pelotas.

This thesis focuses on the investigation regarding the representation of gender from teachers at the Arts and Design Institute at the Federal University of Pelotas. It aims to assess the influences that an art school may have in order to compose and (re)produce a symbolic structure of the differences and inequalities between men and women. Representations are the meanings that subjects, objects, events, real or fictions, have and which are made along the history of mankind. The theoretical basis for this research is the study of gender which deals with the conception that male and female identities are built in the relationships of power between the two genders and in the relationships with the society. The investigation about gender and education highlighted school experiences, assessing its role for the formation and reproduction of social differences between genders. In the approach about gender and art, two aspects from the History of Art regarding women were highlighted: their exclusion as an artist and producer of this History and the way female image representation was idealized. The overall aim of this research was to investigate which are how the gender representations were built in the conceptions of the teachers from Arts and Design Institute. The other aims were to identify what are the relationships among all the gender representations acquired along their personal life and those noticeable in their professional training ; analyze what the contribution of the teaching formation in visual arts is in order to build the representations of gender presented by the teachers; analyze the perception from the teachers about the representations of gender in the contents developed in Teaching and Bachelor degree courses in the Arts and Design Institute; identify the reasons which led teachers from the Arts and Design Institute to choose the formation and work as a teacher in a school of visual arts. This investigation was enabled by the qualitative research methodology, made up of semi-structured interviews, having the result of empiric work, carried out with four female teachers and three male teachers, allowing the analyses of family situations, school experiences, interactions in other social areas up to the moment it reaches experiences in Arts and Design Institute. As a result, it was possible to come to the conclusion that a school of visual arts is active in the (re)construction and (re)production of the gender representations and its teachers; however this

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different areas of subject interaction. This process, which is not clearly realized by the teachers, became visible in their discourses which allowed verifying that this construction has always been based on institutional actions of the differences of being a man and being a woman.

Key words: Gender representation. Gender identity. Education and gender relationship. Art and gender.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Quadro com a relação de docentes dos cursos de Artes Visuais, atuantes e formados no IAD... 185 Figura 2 - Quadro com a relação de docentes dos cursos de Artes Visuais,

selecionados para as entrevistas entre os quinze demais docentes do IAD... 188

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

EBA - Escola de Belas Artes

ECA - Escola de Comunicação e Artes FaE - Faculdade de Educação

FAAP - Fundação Álvares Penteado IAD - Instituto de Artes e Design ILA - Instituto de Letras e Artes

MALG - Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo UCPel - Universidade Católica de Pelotas UFPel - Universidade Federal de Pelotas

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ... 15 1.1 Origem da pesquisa ... 18 1.2 Relevância do tema... 21 1.3 Problema e objetivos ... 21 1.4 Estrutura da tese ... 23

2 GÊNERO: DAS DIFERENÇAS SEXUAIS ÀS DESIGUALDADES ... 27

2.1 O que são representações? ... 28

2.2 Significado do conceito de gênero... 30

2.3 Campo simbólico e relações de gênero na teoria de Pierre Bourdieu ... 44

2.4 Conceito de gênero no transcorrer do tempo ... 51

2.5 História das mulheres e a constituição de uma história de gênero ... 57

2.5.1O caráter político das manifestações feministas ... 68

2.5.2Do político para uma história das mulheres ... 72

2.6 Teorias feministas... 76

2.7 Representações de gênero e formação de identidades generificadas ... 83

3 GÊNERO E EDUCAÇÃO ... 95

3.1 Posições teóricas sobre escola e educação ... 95

3.2 Atuação da escola na pedagogia da sexualidade ... 104

3.3 Identidades escolarizadas ... 109

3.4 Espaço social da escola: exercício da separação entre meninos e meninas ... 113

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estabelecem e reforçam as diferenças ... 137

4 ARTE E GÊNERO ... 143

4.1 Reflexões sobre o ensino das Artes Visuais ... 143

4.2 Uma primeira questão: a invisibilidade da mulher como produtora de Artes Visuais ... 145

4.2.1 A invisibilidade da mulher ou o silêncio das fontes? ... 150

4.2.1.1 O Renascimento como primeiro ato ... 153

4.2.1.2 O século iluminista ... 155

4.2.1.3 Campo da arte: nova realidade para as mulheres artistas ... 159

4.2.1.4 Atuação do movimento feminista para mudanças de discursos ... 163

4.3 Um olhar masculino construindo formas femininas ... 167

4.3.1 A imagem que nos fala e nos produz ... 174

5 A IMPORTÂNCIA DA METODOLOGIA ... 180

5.1 A pesquisa qualitativa como meio de investigar o universo das representações simbólicas ... 180

5.2 A seleção das/os docentes ... 184

5.3 Refletindo sobre a análise dos discursos ... 189

5.3.1O discurso das/os docentes do IAD ... 192

6 EM BUSCA DE RESPOSTAS ... 194

6.1 A escola de arte onde investigar: um breve histórico ... 194

6.2 As mulheres da Escola de Belas Artes ... 197

6.3 A minha história de gênero ... 201

6.4 Desvelando o universo das/os docentes ... 206

6.4.1 A constituição das representações de gênero na socialização familiar ... 210

6.4.1.1 A atuação dos pais na definição da identidade de gênero ... 210

6.4.1.2 As relações entre irmãos e irmãs ... 229

6.4.1.3 Posturas diferenciadas na educação familiar ... 234

6.5 As representações de gênero na vida escolar ... 239

6.5.1 A construção das relações de gênero através da atuação das/dos docentes em sala de aula ... 240

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6.6 Influências de outros campos sociais na formação das identidades ... 255

6.6.1 Encaminhamentos familiares e interações de gênero além da casa e da escola ... 256

6.6.2 Relações entre meninos e meninas em outras áreas de convívio social ... 262

6.7 Representações de gênero numa escola de artes visuais ... 268

6.7.1 Papel da História da Arte na reprodução da hierarquia de gênero ... 276

6.7.2 Ausência da mulher como produtora artística ... 277

6.7.2.1 O significado das imagens artísticas no reforço do habitus de gênero ... 284

6.8 O que pensam e como atuam algumas/uns docentes em relação às questões de gênero ... 287

6.8.1 Avaliação da mulher e do homem no mundo acadêmico ... 287

6.8.2Atuação das/os docentes do IAD em sala de aula ... 291

7 CONCLUSÃO ... 295

REFERÊNCIAS ... 311

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1 INTRODUÇÃO

Um projeto de pesquisa é constituído pela síntese de inúmeros esforços intelectuais “que se contrapõem e se complementam: de abstração teórico-conceitual e de conexão com a realidade empírica, de exaustividade e síntese, de inclusões e recortes, e, sobretudo, de rigor e criatividade” (DESLANDES, 2008, p.31).

Sua organização envolve intensas reflexões teórico-metodológicas com o intuito de torná-lo viável, permitindo que os objetivos propostos sejam atingidos. Na sua execução vivem-se momentos de alegrias, pelas descobertas teóricas que podem servir para a condução das investigações, e de indecisões, aflições e incertezas de não se estar projetando adequadamente o que se pretende realizar.

Teixeira (2003, p.82), ao escrever sobre a pesquisa em Sociologia da Educação, afirmou que

a pesquisa social é como uma arquitetura. Precisa ser edificada por entre planos, vigas e eixos devidamente escolhidos e combinados que assegurem sua criação - a construção do conhecimento que lhe é peculiar. É como uma arquitetura trançada no objeto de estudo, um objeto científico erigido mediante a combinação de fatos, questões, observações, teorizações, análises, raciocínios. É preciso problematizar a realidade reconstruindo-a sob a forma de uma questão sociológica, delimitando um objeto científico.

Esta relação que a autora estabelece entre a construção teórica de um projeto e a construção arquitetônica é bastante adequada porque auxilia-nos a materializar como nos sentimos ao organizar um projeto de pesquisa. É um processo em que teorias, conceitos, investigações e metodologia entrelaçam-se, semelhante à construção de um edifício, visando com isso a que o objeto projetado teoricamente atinja a dimensão proposta.

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Na organização de minha pesquisa de Doutorado intitulada Representações de Gênero de Docentes do Instituto de Artes e Design (IAD)2 da Universidade Federal de Pelotas, tentei tornar minhas propostas de investigação bem delimitadas, assim como o problema, os questionamentos e objetivos. Busquei tornar bastante claras as correntes teóricas a que os conceitos estão filiados, assim como dei especial atenção ao desenvolvimento da metodologia que pareceu ser a mais adequada para a realização do processo de pesquisa. Espero ter alcançado a forma clara e precisa de exposição, para que a compreensão seja facilitada.

Ao investigar as representações tive oportunidade de ver, como se verá adiante, o processo de constituição das identidades de gênero das/os docentes em suas trajetórias de vida, e, sobretudo, investigar as influências que uma escola de artes pode exercer para (re) construir e (re) produzir as diferenças entre os sexos, ou, melhor dizendo, as identidades generificadas.

A origem desse trabalho encontra-se no encadeamento de uma série de fatos, que serviu para estruturá-lo e que tem como foco a relação das artes visuais com os estudos feministas, sob o ângulo dos estudos de gênero, cujas teóricas, como Scott (1995), consideram que as identidades de homens e mulheres são decorrentes de construções sociais baseadas nas diferenças biológicas entre os sexos. Essas diferenças vão sendo processadas nas relações sociais, desde o início da socialização dos sujeitos e, posteriormente, em todos os contextos por onde eles transitarem. Um artigo escrito por Scott, em 1985, publicado no Brasil em 1990 e, posteriormente, em 19953, foi responsável por promover uma sistematização de como poderia ser encaminhado o estudo de gênero como categoria histórica. Nele está contida a base da teoria desta autora para a constituição de uma história das mulheres como História de Gênero. Ao ressaltar que “gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos” (1995, p.86), representando uma forma primária de dar significado às relações de

2 Conforme a portaria nº 1.718 de 04 de novembro de 2010, o Instituto de Artes e Design/IAD foi

integrado ao Conservatório de Música de Pelotas, ocorrendo a fusão dessas duas instituições, o que deu origem ao Centro de Artes. Como as entrevistas com as/os docentes, assim como a escrita de grande parte de minha tese, foram realizadas no ano de 2010, quando o nome ainda não havia mudado, decidi manter, por uma questão de funcionalidade, a denominação antiga da Instituição.

3 Consta na primeira página do artigo, publicado em 1995, que sua versão foi consideravelmente

revisada, com consulta ao texto em inglês, se comparada àquela que foi publicado na revista Educação & Realidade julho/dezembro de 1990. A responsável por esta última tradução, da versão em francês, foi a professora Guacira Lopes Louro, e a revisão foi de responsabilidade de Tomaz Tadeu da Silva, de acordo com o original em inglês.

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poder, Scott abriu possibilidades aos investigadores para proceder à análise de como se dá a construção de identidades generificadas, na relação com os discursos de cada época, decorrentes das mudanças históricas.

O seu artigo significou uma orientação para muitas investigadoras, que tinham dúvidas de como conduzir pesquisas que abordariam questões de gênero. Esse conceito, que se refere à organização social das relações entre os sexos, interagindo com as relações de poder, foi utilizado, principalmente, entre as feministas estadunidenses, “que queriam enfatizar o caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo” (SCOTT, 1995, p.72). Com esta forma de encaminhamento, “ainda que os estudos continuem priorizando as análises sobre as mulheres, eles estarão agora, de forma muito mais explícita, referindo-se também aos homens” (LOURO, 1997, p.22), o que denota o caráter desse tipo de pesquisa que tem um forte apelo relacional, uma vez que no âmbito das relações sociais é que são constituídos os gêneros.

A tese abrange, no seu amplo espectro, a relação entre representações, gênero e artes visuais. Arte, porque este é o meu território. Mais precisamente, artes visuais, na condição de professora de História da Arte há vinte e cinco anos no IAD. Foi em minhas atividades como docente desta Instituição, através das investigações sobre arte contemporânea e suas manifestações artísticas, que passei a interessar-me pelos estudos feministas. Isso porque, pela priinteressar-meira vez, a arte realizada pelas mulheres, a partir da década de 1960, passou a ser incluída nos livros de História da Arte. Gênero, porque este foi o encaminhamento que me pareceu mais condizente para estudar os docentes do IAD, e representação que, com suas múltiplas linguagens, tem ajudado a perpetuar as desigualdades entre homens e mulheres.

Considero que o conceito de representação desenvolvido por Hall (1997a) é o que parece ser mais compatível teoricamente com a minha proposta de pesquisa. Para esse teórico, “representação significa usar a linguagem para dizer algo com sentido sobre, ou para representar de maneira significativa o mundo para outras pessoas” (p.15). Logo, representação é parte essencial do processo mediante o qual se produz sentido entre os membros de uma cultura, definindo as identidades de seus componentes.

Afirma Hall (1997a) que é somente através da linguagem que o significado é possível, uma vez que a linguagem constrói significados, sustenta diálogos entre os membros de uma mesma sociedade, possibilitando, assim, a construção de uma

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cultura de entendimentos compartilhados e de interpretações de mundo semelhantes.

1.1 Origem da pesquisa

As razões de minha escolha são resultados de uma série de circunstâncias que, no seu entrelaçamento, apontaram para o estudo de gênero.

Inicialmente, devo destacar a minha indicação, em 1998, para participar do convênio/Projeto Intercampus que a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) mantém com universidades espanholas. A Universidade selecionada foi Jaume I, na cidade de Castellón de La Plana, e nela permaneci durante três meses, sob a tutoria de um professor espanhol, pesquisando arte espanhola, assistindo a seminários ministrados por professoras/es visitantes e algumas palestras. Minha contrapartida foi realizar um seminário sobre Arte Brasileira no século XX. Nesta série de atividades tive a oportunidade de assistir a uma palestra ministrada pela professora Rosália Torrent, responsável pela disciplina Las Mujeres en la Historia Del Arte-II, do Doutorado em História daquela Universidade, ocorrendo, ali, o meu primeiro contato efetivo com estudos feministas. Em suas explanações, Torrent mostrava como a mulher havia sido esquecida pela História da Arte, como produtora de obras de arte, e como ela estava reagindo a essa invisibilidade no século XX. Mostrava, também, como as artistas ligadas aos movimentos feministas das décadas de sessenta e setenta estavam reagindo às formas pelas quais as mulheres eram representadas na arte ocidental, com corpos e posturas idealizados, reduzidas a meros fantoches. Nesta ocasião, tive a oportunidade de conhecer algumas obras, como a instalação denominada ‘O Jantar’,4 concebida por Judy Chicago, artista estadunidense, assim como performances realizadas por Carolee Schneemann, através das quais elas criticavam o esquecimento a que as artistas de todas as linguagens haviam sido

4 A instalação de Judy Chicago, realizada entre 1974 e 1979, é composta por uma imensa mesa de

jantar, de formato triangular, na qual estão colocados 39 pratos, que sugerem o aparelho genital feminino, representado de forma estilizada, tendo o nome das convidadas bordado próximo ao prato. As personagens homenageadas são tanto figuras de mulheres conhecidas como, por exemplo, Virginia Woolf, entre outras, assim como figuras da mitologia. A realização desta obra contou com a participação de uma equipe, que atuou nas atividades de cerâmica, escultura, pintura e bordado, ajudando na concretização do importante trabalho concebido por Chicago, naquele momento em que o movimento feminista ganhava força e se manifestava através de diferentes linguagens.

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relegadas, assim como as formas de representação do corpo feminino. Esta experiência foi positiva e colocou-me em sintonia com a arte contemporânea que, em decorrência das conquistas do movimento feminista, passara, também, a discutir essas questões.

Porém, o meu interesse pela pesquisa sobre a mulher, com suas marcas, atuações, esquecimentos, rejeições, na história ocidental, é bem mais recente: foi despertado quando trabalhávamos, eu e um grupo de alunos do Instituto de Artes e Design, num projeto de pesquisa intitulado “Leituras Paralelas: estudo de textos sobre arte moderna e contemporânea”.5 Este projeto, posteriormente, foi alterado e passamos a investigar arte moderna e contemporânea em Pelotas. Chegamos, assim, a um componente novo, até então esquecido, ao qual o campo da arte estava dando especial atenção: a arte realizada pelas “minorias”. Consequentemente, à arte feminina.

Buscando identificar, nas artes visuais, as diferenças entre os movimentos da modernidade e da pós-modernidade, deparei-me com inúmeras teóricas, em diferentes áreas, que estavam tendo como foco de estudos a figura da mulher, em sua grande maioria, falando de sua ausência como produtora de conhecimento.

Na decorrência das atividades do grupo de pesquisa, realizei, no seminário de História da Arte/IAD, em 2003, uma palestra sobre a mulher na arte contemporânea. Foi uma das oportunidades para trazer à reflexão do grupo o tema da ausência da mulher artista na História da Arte, como criadora, e a presença constante de seu corpo, com formas e posturas concebidas pelo olhar masculino.

No ano de 2006 fui convidada para participar do encontro de ‘Filosofia e Ensino’, promovido pela Faculdade de Filosofia da UFPel, realizando uma palestra,

5 O projeto de pesquisa ‘Leituras Paralelas: estudo de textos sobre Arte Moderna e Contemporânea’,

passou a fazer parte do Grupo de Pesquisa: Arte, Teorias, História da Arte, Crítica de Arte e Patrimônio Cultural, e foi aprovado pelo COCEPE em 28/03/2003, sob o código nº 8.03.10.006. Participavam do Grupo os alunos do curso de Licenciatura em Artes Roberto Heiden, Vanessa Caldeira Leite, Daniela Mendiondo Pinto, Paula Alessandra Lleling Vilela Martins. A coordenação era de responsabilidade da professora Carmen Regina Bauer Diniz, com a participação da professora Lélia Caetano Martins Borges. Atuava como bolsista do projeto a aluna do curso de Bacharelado em Artes Roselaine Sant’ Anna. Esse projeto foi, posteriormente, modificado, passando a constar como um sub-projeto do anterior, com o nome ‘Artistas Pelotenses Modernos e Contemporâneos’. O código junto ao COCEPE permaneceu o mesmo, assumindo como nova bolsista a aluna do curso de Licenciatura Paula Alessandra Lleling Vilela. A proposta de duração era de agosto de 2003 a agosto de 2005. Professoras e alunos/as do grupo participaram de diversas atividades de divulgação do projeto, como palestras seminários de História da Arte e de Metodologia do Ensino da Arte, Seminário de Arte/Educação em Montenegro, Congresso de Iniciação Científica. É um projeto que não foi totalmente concluído, não havendo, por isso, resultados para divulgação.

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juntamente com a professora de Filosofia da Universidade de Brasília, Ana Miriam Wuesnsch, que tratou da ausência das mulheres na filosofia. O tema por mim desenvolvido foi “A Mulher na História da Arte: ausências e presenças.” Na organização desta palestra, um dos livros consultados foi Historia de las mujeres. La Antiguedad. Modelos femeninos, escrito sob a coordenação dos historiadores franceses Georges Duby e Michelle Perrot. No prefácio, de autoria desses dois historiadores, deparei-me com a seguinte afirmação que muito me sensibilizou:

As mulheres são representadas, antes de ser descritas, ou de se falar delas, e, muito antes de que elas mesmas falem. As deusas povoam o Olimpo de cidades sem cidadãs, a Virgem reina em altares onde quem realiza o ofício são os sacerdotes (DUBY; PERROT,1993, p.8).

Em dezembro de 2006, participei como comunicadora do V Seminário de Educação e Comunicação, apresentando a síntese do artigo de Joan Scott, “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. O nome que dei ao trabalho apresentado foi: “Gênero como categoria de análise nas atividades acadêmicas: origem e evolução”. O contato com o artigo de Scott foi muito importante para mim, pois tive a impressão que com ele eu teria meios de estruturar a minha pesquisa. Não sabia bem como fazê-lo, mas o aprofundamento teórico do estudo de gênero deu-me a certeza de que esse seria o melhor encaminhamento para o meu trabalho.

Logo em seguida, inteirei-me, ao consultar o livro de Heartney (2002, p.52), do questionamento da historiadora norte-americana Linda Nochlin, que interrogava veementemente: “Por que não existem mulheres geniais na História da Arte?”

Na verdade, não se tratava somente de não apontar artistas excepcionais, pois o problema era muito maior, uma vez que a maioria das/os historiadoras/es de arte ignoravam totalmente a existência de mulheres artistas.

Com a soma desses fatos e informações, cada vez mais me sentia envolvida pelas questões sobre artes visuais e mulher.

Com o ingresso no doutorado na FaE, iniciei as buscas para definir o encaminhamento mais adequado para realizar o projeto de pesquisa a ser desenvolvido. Depois de muitas reflexões, optei por estudar as representações de gênero entre as/os docentes do IAD. O Doutorado proporcionou-me o conhecimento de outros autores, permitindo uma maior reflexão e amadurecimento a respeito do que me propunha como projeto de pesquisa.

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1.2 Relevância do tema

Considero que a realização deste projeto possibilitou-me investigações e análises sobre as representações que são introjetadas nos processos de construção de identidades, e depois tomadas como modelo de julgamento, reproduzindo-se num inesgotável círculo vicioso. Representações que estão presentes e fazem parte dos pressupostos que norteiam as atuações dos docentes do IAD, manifestando-se, também, nas atividades artísticas ou nos discursos sobre arte. Estudá-las, significa dar alguma visibilidade ao que não se mostra nos cursos de artes visuais do IAD. Sua divulgação servirá para incentivar a reflexão e posteriores pesquisas sobre a atuação de mulheres e homens que trabalham com artes visuais, no que se refere à construção e reprodução das questões de gênero.

Os docentes com desempenho profissional nos cursos de formação de professoras/es (Licenciatura) e de artistas (Bacharelado) poderão adicionar, ao estudo das teorias e técnicas de criação artística, a discussão dos processos de construção e reprodução das citadas representações. Enfim, inserção de subsídios para atuações docentes mais reflexivas, promovendo discussões sobre esse tema que está presente em qualquer instituição ou campo social e, consequentemente, no Instituto de Artes e Design. A preocupação de colocar docentes e alunos, frente a frente com essas questões, visa a prepará-los para determinadas contingências, seja enquanto estudantes, seja, mais tarde, como professoras/es.

1.3 Problema e objetivos

No momento em que decidi o tema de minha pesquisa, foi necessário definir o problema que serviu para orientar as investigações.

A escolha das/os docentes que trabalham no IAD, e ali se graduaram, não foi casual, aleatória, mas embasada em fatos que estão presentes em escolas de formação de professoras/es de arte, que trabalham com História da Arte e com imagem em suas variantes (pintura, escultura, gravura, fotografia). A constatação de que as imagens não são neutras, e que atuam discursivamente sobre as pessoas, reforçou meu interesse em verificar como se dá o processo de constituição das representações e quais são os seus efeitos na formação das identidades de gênero.

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Enfim, saber se pelo fato de trabalhar intensamente com imagens uma escola de artes visuais pode atuar como indutora e reprodutora de representações de gênero? O conhecimento da maneira como as formas femininas foram concebidas através dos tempos dá-se, sobretudo, através da História da Arte. Por meio dela é que podemos tentar entender os discursos que se escondem no meio de suas formas e cores.

Desde a década de 1970, uma das questões que tem sido levantada pelas feministas sobre a História da Arte ocidental, refere-se à ausência de mulheres artistas como produtoras de arte e a forma de representação das mulheres a partir de um olhar masculino. Estas duas realidades estão presentes como formas de discurso sobre o sexo feminino, e também do masculino, que acompanham os percursos históricos.

Estas questões serviram para estruturar o problema de minha pesquisa que buscou investigar se a formação obtida em cursos de Artes Visuais pode reforçar ainda mais as oposições binárias típicas das representações de gênero?

Para responder ao problema da pesquisa, busquei possíveis respostas às seguintes questões:

1. As construções de gênero de suas trajetórias pessoais interagem com as percepções de gênero havidas numa escola de artes?

2. Como esses docentes narram suas trajetórias tendo como referência as questões de gênero?

3. Como os docentes percebem as influências das representações de gênero nos conteúdos dos cursos do IAD?

4. Por que razões os docentes pesquisados optaram por realizar seu curso superior numa escola de artes?

Partindo do problema de pesquisa e dos questionamentos dele derivados, cheguei, então, à definição dos objetivos. O objetivo geral desta pesquisa foi o de investigar quais são e como foram constituídas as representações de gênero presentes nas concepções de docentes do IAD.

Os objetivos específicos são os seguintes:

1. Identificar qual a relação entre as representações de gênero adquiridas durante a trajetória pessoal e aquelas perceptíveis na trajetória de formação profissional.

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2. Analisar qual é a contribuição da formação docente em artes visuais para a construção das representações de gênero apresentadas pelas professoras/es.

3. Analisar a percepção das/os professoras/es sobre as representações de gênero nos conteúdos desenvolvidos nos cursos de Licenciatura e Bacharelado no IAD.

4. Identificar as razões que levaram as/os docentes do IAD a escolher a formação e o trabalho docente numa escola de artes visuais.

1.4 Estrutura da tese

Ao decidir-me por pesquisar as representações de gênero de docentes do IAD, considerei que a perspectiva do estudo de gênero, sistematizada por Scott (1995) para investigar o processo de construção social das identidades, oportunizaria verificar num amplo espectro a caminhada em que elas foram sendo constituídas. Esta autora fala do percurso que é comum que seja percorrido nos diferentes campos sociais (lar, escola, outros campos sociais, faculdade) para a formação dessas identidades. No desenvolvimento desta tese procurei focar, dentro do possível, esses campos, para analisar como eles influenciaram com suas representações o processo de inculcação das diferenças de gênero entre as/os docentes do IAD.

No início do segundo capítulo, busquei caracterizar o que sejam as representações, principalmente as de gênero, perquirindo como elas atuam na produção de sentido dentro de uma cultura. Na sequência deste capítulo, analisei a teoria de gênero, a partir da proposta de Scott (1995). Logo após, foi destacada a posição teórica, desenvolvida por Laqueur (2001), sobre o significado de gênero como diferença sexual com o intuito de estabelecer um contraponto entre os dois conceitos: o de diferença sexual e o de construção social das identidades de gênero a partir das diferenças sexuais. Na continuidade do capítulo foi abordada a teoria de Bourdieu (2005b) sobre a formação e atuação do campo simbólico por meio do habitus ou disposições incorporadas, que explicam, segundo este autor, o processo de constituição e reprodução das representações em uma sociedade. Também neste capítulo foram avaliadas as atuações das mulheres em suas lutas reivindicatórias, desde o século XVIII, marcado pelo pensamento iluminista, até

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chegar à metade do século XX, que representou, com suas mudanças sociais, a oportunidade de conquistas palpáveis do movimento feminista, em suas reivindicações de igualdade frente ao homem. Foram também destacadas três teorias, constituídas na busca de respostas para as desigualdades das mulheres frente aos homens – Patriarcado, Socialista, Psicanalítica –, consideradas por Scott (1995) como as mais significativas entre as demais. A última abordagem deste capítulo trata das representações de gênero e constituição das identidades generificadas, tendo como base teórica Stuart Hall (1997a), Tomaz Tadeu da Silva (2008), cujas contribuições sobre identidade e representação devem ser destacadas, assim como as de Pierre Bourdieu (2005a, 2005b), para a compreensão de como as representações de gênero, dispersas pelas culturas, são introjetadas, assim como para entender o seu poder de atuação.

A teoria de Bourdieu (2005a, 2005b) está presente na reflexão, avaliação e análise dos diferentes enfoques desta tese: desde a teoria da origem da organização simbólica de uma hierarquia de gênero, até a atuação das várias instâncias sociais, onde se constituem as identidades, dando ênfase à escola, tida por ele como fomentadora e reprodutora das hierarquias de classe e gênero.

A atuação da escola foi discutida no terceiro capítulo, a partir de teóricas/os como Bourdieu, Apple (1986), Louro (1997), e pelas avaliações de pesquisas empíricas apresentadas por teóricas como Auad (2006), Walkerdine (1983), Lusa; Ferreira (2011), e outras/os que veremos na sequência do capítulo citado.

No quarto capítulo, trabalhei com Arte e Gênero, procurando destacar a relação entre a história da mulher, repleta de proibições, falta de liberdade, tendo suas vidas dominadas e administradas pelos homens, e as possibilidades de se tornarem artistas neste tipo de sociedade. Este enfoque trabalha com dois eixos: a ausência da mulher como produtora artística na História da Arte, que foi constituída no século XIX, e o uso constante de seu corpo como figuração desta história, num verdadeiro jogo de ausências e presenças. Ao analisar esses dois enfoques, procurei relacioná-los com as mudanças sociais, inclusive a constituição de um campo da arte (Bourdieu, 2005b), para constatar se essas mudanças foram favoráveis às mulheres em suas conquistas artísticas.

Entre as teóricas selecionadas, encontra-se Linda Nochlin (1976, 1988, 1991), estadunidense e responsável por ter ‘acordado’ literalmente muitas historiadoras feministas ao questionar sobre a falta de grandes artistas mulheres na

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História da Arte. Há também a inglesa Lynda Nead (1998), que estudou a forma de representação do corpo feminino na arte. Entre as investigadoras gaúchas, deve ser mencionada Luciana Loponte (2005), que trabalha com feminismo, docência e arte.

O foco do quinto capítulo é a metodologia utilizada na investigação sobre as representações de gênero entre as/os docentes do IAD. A escolha recaiu sobre a pesquisa qualitativa com entrevistas semi-estruturadas. Para trabalhar com este tipo de investigação, tomei como referências Bauer e Gaskell (2002), que afirmam a importância da pesquisa qualitativa nas ciências sociais empíricas, uma vez que a utilização de questões semi-estruturadas possibilita ao pesquisador um maior aprofundamento nos assuntos que são alvo de questionamentos e que não são quantificáveis, (no caso de minha tese, as questões sobre representações de gênero). Outra referência teórica foi a de Minayo (2008), que tem destacado a importância da pesquisa qualitativa uma vez que possibilita investigar um nível de realidade que não pode ser quantificado, como o universo dos significados, das concepções, das representações.

O sexto capítulo contém o núcleo de minha tese, ou seja, o resultado das leituras de discursos contidos nas respostas às entrevistas semi-estruturadas das/os docentes do IAD. Inicialmente, destaquei o local investigado, aquela escola de artes onde atuam as/os docentes pesquisados. Como o IAD não surgiu ao acaso, foi necessário mostrar a relação existente entre esse instituto e a primeira escola de artes, que foi fundada há 62 anos. Neste retorno histórico, mostrei a trajetória da Escola de Belas Artes em sua constituição inicial, assim como a mentalidade das mulheres que atuaram diretamente em sua organização, destacando a mudança para Instituto de Artes, em 1972, até chegar, em 2002, a Instituto de Artes e Design.

Achei necessário mostrar as conquistas alcançadas, assim como as mudanças a que ela esteve sujeita no decorrer desses anos todos, até chegar ao estágio atual do ensino da arte.

No decorrer deste capítulo, eu incluí a síntese de minha história de gênero, tendo em vista que sou professora atuante neste local há 25 anos.

Finalmente, a maior parte deste capítulo concentra-se nas análises dos discursos, expressos nas entrevistas das/os sete sujeitos de minha pesquisa, que me proporcionaram tangenciar algumas respostas sobre as representações de Gênero, que podem servir como indutoras ou reprodutoras das diferenças e separações entre os sexos, nas suas atuações como docentes. Para analisar as

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entrevistas, tive que considerar a construção social das estruturas cognitivas que organizam os atos de constituição do mundo, para tentar entender os significados ocultos que um discurso traz nos seus enunciados. Para que a construção prática dessas falas fosse bem avaliada, tive que manter a convicção de que, longe de ser um ato intelectual consciente, livre, deliberado, de um ‘sujeito’ isolado, ela é resultado de um poder que foi inscrito, inculcado no corpo dos agentes (homens e mulheres) sob forma de esquemas de percepção e de disposição duradouras, que os tornam sensíveis “a certas manifestações simbólicas de poder” (BOURDIEU, 2005a, p.53).

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2 GÊNERO: DAS DIFERENÇAS SEXUAIS ÀS DESIGUALDADES

A estrutura deste capítulo foi composta visando abranger aspectos teóricos que foram significativos para dar respostas sobre as representações de gênero entre as/os docentes do IAD. Para concretizar a pesquisa e efetuar as análises sobre essas representações foi necessário investigar e analisar o seu significado, para chegar à compreensão de como elas atuam na constituição das identidades generificadas. A escolha de como encaminhar teoricamente a investigação nas diferentes instâncias sociais, recaiu sobre os estudos de gênero (SCOTT, 1995), cuja teoria repousa na concepção de que as identidades diferenciadas de gênero são construídas nas relações sociais, a partir das diferenças sexuais.

Todas as abordagens deste capítulo foram selecionadas pelas possibilidades de contribuírem para um conhecimento mais abrangente do mundo simbólico das representações e suas atuações, ou do processo que levou à constituição do estudo de gênero como construção social. Ao mostrar a posição de Laqueur (2001) de como foi construído o conceito de gênero como diferença sexual, que começou a vigorar no século XVII, tendo chegado ao século XX com a mesma definição, tive como objetivo fazer um contraponto entre os dois conceitos, para que ficassem claras as diferenças conceituais que os embasam.

Como a orientação da pesquisa de gênero, sistematizada por Scott (1995), ressalta a importância da construção das identidades, as quais estão sujeitas às constantes interpelações do mundo real e do mundo simbólico, o trabalho de Bourdieu (2005b) foi aquele que me possibilitou inúmeras respostas de como este mundo chega até nós, e como ele atua na construção de representações.

Para entender o processo de constituição do estudo de gênero como categoria analítica, achei necessário refazer os passos dos estudos feministas, porque foi a partir deles, e da insatisfação com as teorias ali geradas, que surgiu o

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encaminhamento de gênero para dar respostas às questões das mulheres. Esta mudança de rumo fez com que a análise sobre a atuação das representações para a construção de identidades generificadas, bastante influenciada pelos pós-estruturalistas e pela virada cultural6, passasse a desempenhar um papel consistente para a avaliação e análise entre as/os docentes do IAD.

2.1 O que são representações?

Representação, segundo Hall (1997a, p.15) significa usar a linguagem para dizer algo com sentido sobre alguma coisa, ou “representar de maneira significativa o mundo para outras pessoas”, estabelecendo o vínculo entre conceito e linguagem, numa relação que nos capacita a que nos refiramos tanto ao mundo real, dos objetos, de pessoas ou eventos, quanto aos mundos imaginários dos objetos, de pessoas e de eventos fictícios. Para que ocorra a produção de sentido dos conceitos em nossas mentes, por meio da linguagem, é necessário que haja a relação entre coisas, conceitos e signos. Com a vinculação entre estes três elementos, convertendo-os em um conjunto, temos aquilo que se chama representação. Os signos – sons, imagens, palavras que portam sentido – estão organizados em linguagens e a existência de linguagens comuns entre as pessoas é o que permite que seus pensamentos (conceitos) sejam traduzidos, expressando sentidos e comunicando pensamentos a outras pessoas. É através da linguagem que os significados são construídos e compartilhados num grupo ou sociedade, porque ela opera como um sistema de representações que servem para transmitir “ou representar às outras pessoas nossos conceitos, idéias e sentimentos” (HALL, 1997c, p.1). O domínio de um código de representação comum é imprescindível para que haja a comunicação.7

6 A virada cultural nas ciências sociais e humanas, com destaque para os estudos culturais e para a

sociologia da cultura, teve como tendência, segundo Hall (1997c, p.2), “enfatizar a importância do significado para a definição da cultura”, que é considerada “não tanto um conjunto de coisas [...] mas um processo, um conjunto de práticas” (HALL, 1997c, p.2), tendo como preocupação primária a produção e a troca de significados entre os componentes de um mesmo grupo social.

7 Segundo Hall (1997a, p.19), “no coração do processo de sentido dentro da cultura há [...] dois

‘sistemas relacionados de representação’. O primeiro permite-nos dar sentido ao mundo mediante a construção de um conjunto de correspondências ou uma cadeia de equivalências entre as coisas- gente, objetos, eventos, idéias abstratas, etc. – e nosso sistema de conceitos, ou mapas conceituais. O segundo depende da construção de um conjunto de correspondências entre nosso

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Esta teoria que coloca a linguagem como produtora de sentidos no interior de uma cultura chama-se construtivista, e é considerada como a de maior impacto sobre os estudos culturais desenvolvidos nos últimos anos.

As representações de gênero, que conceituam o que é ser homem ou ser mulher, e que definiram atributos, funções, que marcaram a formação de uma hierarquia androcêntrica, remonta há muitos séculos, aos tempos de antigas civilizações, quando o homem passou a ter o poder de mando na família. Desde então, a partir de fatos reais, foram sendo constituídas representações, que passaram a fazer parte de um campo simbólico, que atua culturalmente, reproduzindo-as, até os nossos dias. Bourdieu (2005a, 2005b) foi um pesquisador obstinado em desvelar os mecanismos ocultos, por meio dos quais a dominação masculina é perpetuada. Através de sua teoria que trata do processo de incorporação de habitus (disposições incorporadas), que será tratada na sequência deste capítulo, podemos encontrar respostas para o processo de reprodução de representações de gênero, que começa com a socialização de homens e mulheres no âmbito familiar. O habitus

constituído por um conjunto de disposições para a ação, é a história incorporada, inscrita no cérebro e também no corpo, nos gestos, nos modos de falar, ou em tudo o que somos. É essa história incorporada que funciona como princípio gerador do que fazemos ou das respostas que damos à realidade e na realidade social (CATANI, 2007, p.20).

As representações de gênero, sempre presentes nas culturas, manifestam-se de diferentes modos, e com diferentes linguagens, manifestam-servindo para atuar na produção e reprodução das oposições entre homens e mulheres, que marcam uma sociedade que simbolicamente ainda mantém uma hierarquia de gênero, que caracteriza uma sociedade patriarcal.

Ao tomar como exemplo palavras como mulher e homem, rapidamente assomam à nossa mente uma série de representações que as significam. A palavra, inicialmente, pode ser usada para designar o objeto real no mundo (homens e mulheres), mas logo esta percepção visual é decodificada a partir de um conceito que está em nossa mente, passando a referenciar uma série de atributos ou

mapa conceitual e um conjunto de signos, organizados ou arrumados em várias linguagens que estão por ou representam estes conceitos”.

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representações do que é ser homem e mulher. Este sentido dado às coisas do mundo, a objetos e eventos processa-se através da linguagem, assim como a capacidade de expressar um pensamento complexo a outras pessoas de maneira que elas entendam. Nas diferentes linguagens são utilizados sons, palavras escritas e faladas, imagens produzidas eletronicamente, notas musicais que servem para afirmar ou para representar conceitos, concepções e sentimentos, constituídos nas culturas, pois como afirma Hall (1997c, p.1),

a linguagem é o meio privilegiado através do qual nós ‘damos sentido’ às coisas, na qual o significado é produzido e intercambiado. [...]. Assim, a linguagem é fundamental para o significado e para a cultura e tem sido considerada como a chave-mestra de valores e significados culturais.

As representações, que produzem significados através das diferentes formas de linguagem, atuam na formação das identidades dos sujeitos.

2.2 Significado do conceito de gênero

Gênero, na linha de pesquisadoras que o consideram como resultado de construções sociais baseadas nas diferenças perceptíveis entre os sexos, chegou ao Brasil através de trabalhos realizados por teóricas estadunidenses que utilizaram esta palavra para enfatizar “as origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e mulheres” (GROSSI, 1998, p.4), ou, como forma de indicar as “construções culturais” (SCOTT, 1995) dessas identidades. Com essas definições, o termo passou a ser utilizado para explicitar as relações sociais entre os sexos, rejeitando com isso qualquer explicação biológica, “como aquelas que encontram um denominador comum, para diversas formas de subordinação feminina, nos fatos de que as mulheres têm capacidade para dar à luz e de que os homens têm uma força muscular superior” (SCOTT, 1995, p.75).

Portanto o conceito de gênero reforça a idéia de que ninguém é por natureza homem e mulher, pois esses significados são socialmente construídos através de diferentes processos iniciados na família, através das relações de parentesco, no processo educacional, com decisiva atuação, e em todas as demais atividades culturais as quais atuam para moldar as identidades de gênero.

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Por essas razões, “a construção e as expressões da masculinidade e feminilidade são variáveis e plurais no espaço (conforme a classe social, religião, etnia, região) e no tempo (conforme a época histórica e a fase da vida individual)” (CARVALHO, 2004, s/p), o que serve para mostrar que feminilidade e masculinidade não tem significado fixo uma vez que são representações que estão sujeitas a disputas políticas que visam à atribuição de significados.

Com teóricas/os como Scott (1992, 1995, 2002), Lauretis (1994), Bourdieu (2005a, 2005b), Laqueur (2001), Hall (2000), Louro (1997), para citar somente alguns nomes, entre brasileiras e estrangeiras/os, temos o reforço da idéia de que não existe uma determinação natural que explique comportamentos específicos para homens e específicos para mulheres, que seria responsável pela existência de uma oposição binária constante, produzida e reproduzida no transcurso da história. Existe, sim, uma construção cultural, determinando as diferenças de gênero, a partir de representações.

Teresa de Lauretis (1994), ao escrever sobre gênero sob a perspectiva de construção social, fez um retrospecto sobre esse conceito que era veiculado nos escritos feministas das décadas de 1960 e 1970. Nessa retomada, ela constatou que, naquela época, o que estava no centro de muitas críticas e discussões era o conceito de gênero como diferença sexual.

Lauretis considera que esse conceito, caracterizado como diferença sexual, assim como os conceitos dele derivados, tais como, a cultura da mulher, a maternidade, a escrita feminina, “acabaram por se tornar uma limitação, como que uma deficiência do pensamento feminista” (LAURETIS, 1994, p.206).

Este posicionamento é expresso quando ela afirma que o conceito de diferença sexual

confina o pensamento crítico feminista ao ‘arcabouço conceitual de uma oposição universal do sexo (a mulher como a diferença do homem, com ambos universalizados: ou a mulher como diferença pura e simples e, portanto, igualmente universalizada), o que torna muito difícil, se não impossível, articular as diferenças entre mulheres e Mulher, isto é, as diferenças entre as mulheres ou, talvez mais exatamente, as diferenças nas mulheres (LAURETIS, 1994, p.207).

Deste modo, o que se verifica é que as mulheres não teriam diferenças entre si e seriam todas diferentes personificações de alguma essência ‘arquetípica’ (expressão de Lauretis) da mulher.

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Para esta autora, uma segunda limitação do conceito de diferença sexual é que há uma tendência a reacomodar ou recuperar o potencial epistemológico radical do pensamento feminista, “sem sair dos limites da casa patriarcal” (metáfora usada por Audre Lorde, segundo Lauretis, 1994, p.208). O que ela considera potencial epistemológico radical é a possibilidade de conceber o sujeito social e as relações de subjetividade com a sociabilidade, de forma diferente. Seria “um sujeito constituído no gênero, mas não apenas pela diferença sexual, mas também através de códigos linguísticos e representações culturais” (LAURETIS, 1994, p.208). Enfim, “um sujeito engendrado não só nas experiências de relações de sexo, mas, também, nas de raça e classe: um sujeito, portanto, múltiplo em vez de único, contraditório em vez de simplesmente dividido” (LAURETIS, 1994, p.208).

A mesma autora, para poder especificar este tipo de sujeito, articulando-o com um campo social heterogêneo, pondera ser necessário que se tenha um conceito de gênero que não esteja tão preso à diferença sexual a ponto de se confundir com ela. Este conceito de gênero deve se caracterizar por um lado como uma derivação da diferença sexual, e por outro, por incluir a diferença sexual como um efeito de linguagem ou como puro imaginário, desvinculado do real.

Este conceito é o que ganha corpo e se desenvolve a partir da década de 1980, e sua essência pode ser constatada quando Scott (1995, p.75) afirma que gênero

torna-se uma forma de indicar ‘construções culturais’ - a criação inteiramente social de idéias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e mulheres. ‘Gênero’ é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado.

Esta autora participou de um período de intensas discussões sobre as questões feministas, bem como das propostas de rupturas epistemológicas nas ciências humanas e sociais. Essas suas vivências levaram-na a intensificar seus estudos sobre as mulheres, o que lhe permitiu chegar a uma proposta de constituição de uma história das mulheres como história de gênero. Em razão disso, ela foi precursora nas respostas às perguntas de como encaminhar teórica e metodologicamente as questões de gênero para compor esta história, fundamentando, assim, o processamento e a constituição desta pesquisa, para que

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ela deixe de ter caráter a-histórico, porque avaliada a partir de representações assentadas em princípios de caráter imutável, baseadas nas diferenças biológicas (natureza ou essência).

Foi neste universo multidisciplinar que muitas teorias feministas foram gestadas ou reforçadas e que a teoria de gênero expandiu-se e congregou cada vez mais estudiosas/os.

Scott (1995) afirmou ter notado que na década de 1970 havia duas posturas dos filósofos em relação ao encaminhamento das pesquisas: de um lado, a idéia de utilizar a linguagem e que considerava os textos como textos, e de outro, o de insistir sobre a realidade da experiência e falar sobre essa experiência fora de qualquer contexto de linguagem, de discurso. Estes filósofos consideravam a experiência como um tipo de verdade fora do alcance de uma análise linguística. Como forma de discutir tais pontos de vista, Scott (1995) escreveu o artigo ‘Experiência’, para reforçar a idéia de que mesmo a experiência mais banal, ainda é experiência “que se

traduz por idéias organizadas, por conceitos culturais, conceitos que possuem, eles próprios, uma história” (GROSSI,1998, p.118). Essa é a melhor maneira de escrever uma história das mulheres investigando a experiência, além da mera visibilidade, que está entremeada nos processos históricos que se manifestam através dos discursos, constituindo os sujeitos e suas experiências.

Ao contrário disso, o projeto que se preocupa em somente tornar a experiência visível, avaliando as aparências externas, impede a análise do funcionamento do sistema e de sua historicidade. Sabe-se que ela existe, mas não como se deu sua construção. Scott afirmou que sua existência possibilita uma crítica das práticas normativas, mas não o aprofundamento dessa crítica. A experiência de tornar visível o comportamento de

um grupo diferente expõe a existência de mecanismos opressores, mas não seu funcionamento interno ou sua lógica; sabemos que a diferença existe, mas não entendemos mas como constituída relacionalmente. Para tanto, precisamos dar conta dos processos históricos que, através, do discurso, posicionam sujeitos e produzem suas experiências. Não são os indivíduos que tem experiência, mas os sujeitos é que são constituídos através da experiência. A experiência, de acordo com essa definição, torna-se, não a origem de nossa explicação, não a evidência autorizada (porque vista ou sentida) que fundamenta o conhecimento, mas sim aquilo que buscamos explicar, aquilo sobre o qual se produz conhecimento (SCOTT, 1999, p.27).

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Para Scott (1999, p.27), pensar a experiência desse modo “é historicizá-la, assim como as identidades que ela produz”.

Scott (1999) afirmou ter escrito o artigo em que o estudo de gênero foi sistematizado sob a influência da ‘virada linguística’ e das amigas literatas da Brown

University. Em entrevista8 realizada em 1998, em Paris, ela afirmou que se

classificaria como “uma pós-estruturalista foucaultiana que adotou o linguístic turn” (SCOTT, 1998), uma vez que, na busca de soluções para encaminhamentos teóricos, procurou trabalhar com conceitos que pudessem abordar os problemas de gênero, de forma semelhante à teoria linguística e o estruturalismo. O pós-estruturalismo colocava no centro das atenções o discurso, “provocando uma ‘virada linguística’, [...] afirmando que a linguagem não seria propriamente uma representação da realidade feita pelos sujeitos, mas sim constituidora dos sujeitos e da realidade” (LOURO, 1995, p.110).

Considerava Scott (1999) que com o pós-estruturalismo tornava-se possível encontrar respostas àquela pergunta chave a respeito do papel do/da historiador/a quando estuda relações de gênero, ou seja, como as hierarquias de gênero são construídas e legitimadas ao longo do tempo, e em diferentes contextos. Assim, ela reforçava a idéia de que há necessidade de aprofundamento das discussões, com análises rigorosas sobre o processo de como se dá e porque se reproduz a invisibilidade da mulher. Assim procedendo é que se tem possibilidade de encaminhar o conceito de gênero como categoria útil de análise. Ainda na entrevista de 1998, essa idéia de que as questões de gênero fossem colocadas em termos históricos foi reforçada. Para tanto, seria necessário

perguntar como as relações entre os sexos foram construídas em um momento histórico, por que razão, com que conceitos de relação de forças, em que contexto político. Este é o verdadeiro problema: historicizar a idéia homem/mulher e encontrar uma forma de escrever uma verdadeira história das relações homens/mulheres, das idéias sobre a sexualidade (GROSSI, 1998, p.123).

Ao avaliar a relação de Scott com o pós-estruturalismo, Louro (1995) afirmou que esse movimento surgiu num contexto de rebelião, que buscava mudanças,

8 A entrevista foi concedida em 2 de fevereiro de 1998, em Paris, para três antropólogas brasileiras

Miriam Grossi, Maria Luiza Heilborn e Carmen Rial, por ocasião do lançamento do livro de Joan Scott, A cidadã paradoxal.

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sendo contemporâneo dos movimentos feministas, que também viviam seus momentos de rebeldia, e busca de respostas às questões sobre as mulheres. Assim como os pós-estruturalistas, o movimento feminista tinha “muito da decepção com as ‘grandes’ teorias, por sua ausência de respostas às questões feministas” (LOURO, 1995, p.109), por isso atuou como catalisador desses sentimentos, que buscavam uma nova orientação para o encaminhamento das pesquisas na área das ciências humanas.

Louro (1995) afirmou que é necessário observar-se o contexto histórico para tentar entender os limites e potencialidades da pesquisa de gênero, no momento em que foi gerada. O fato de movimentos feministas e pós-estruturalistas serem contemporâneos não foi uma simples coincidência. Os pós-estruturalistas, ao manifestarem seu desencanto com as grandes teorias, traziam consigo a proposta de “desconstrução’ dos princípios fundantes sobre os quais se construíam os tradicionais sistemas de pensamento. Considerando tais sistemas como metafísicos, iriam tentar desconstruir as ‘oposições binárias’ que os sustentavam” (LOURO, 1995, p.110).

Para esta teórica, a proposta de desconstrução tornou possível uma aproximação entre o pensamento das feministas e dos pós-estruturalistas, posição que Scott (1995, p.110) demonstrou ao afirmar que

essa proposta talvez pudesse permitir uma abordagem muito mais radical a uma das oposições binárias mais solidamente instaladas no pensamento e na prática ocidental, ou seja, a oposição homem/mulher, masculino/feminino, oposição essa entendida como natural e imutável, reveladora e desencadeadora de uma hierarquia aparentemente universal e eterna.

Dessa forma, a pesquisadora teria a possibilidade de rejeitar o caráter fixo e permanente da oposição binária entre os sexos, trabalhando com uma historicização e uma desconstrução genuína dos termos da diferença sexual, conforme posição de autoras, como Lauretis (1994).

Ao trabalhar a relação sexo/gênero, Scott (1995) destaca algumas questões que têm marcado as discussões históricas dentro dos estudos feministas nas academias. Na sua conceituação sobre gênero, ela trabalha com a diferença entre sexo e gênero, definindo o gênero como culturalmente constituído e sexo como um dado biológico, natural.

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Sua teoria de gênero estrutura-se sobre duas premissas, e mais alguns subconjuntos, que se inter-relacionam, mas que devem ser analiticamente diferenciados. O núcleo de sua definição repousa “numa conexão integral entre duas proposições: (1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos. Essa concepção serve para enfatizar “o aspecto relacional das definições normativas da feminilidade” (SCOTT, 1995, p.5), originário das construções sociais, culturais e históricas; (2) Gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, p.86). As relações de gênero são constituídas nas oposições entre masculino e feminino, nas quais se processa a primeira experiência das relações de poder, isso porque entra em jogo a hierarquia que situa o homem num patamar superior ao da mulher, fazendo com que o princípio masculino seja tomado como “medida de todas as coisas” (BOURDIEU, 2000, p.23). Scott dá especial destaque à atuação do poder na constituição das relações de gênero, considerando gênero como o campo primário onde o poder é articulado de forma persistente na luta dos opostos.

No Prefácio a Gender and politics of history’, Scott conceitua gênero como o saber a respeito das diferenças sexuais, ou “o saber que estabelece significados para as diferenças sexuais” (1994, p.12). Trata-se de uma definição de saber baseada em Foucault, que o considera como a compreensão produzida pelas culturas e sociedades sobre as relações humanas, um saber pensado como relativo, cujos significados são resultado de uma disputa política: são os meios pelos quais as relações de poder são construídas. Esta é a forma como Scott articula a construção de saber com a relação de poder em sua definição de gênero.

Para ela, somente trabalhar com a idéia de que as relações entre os sexos resultam de construções sociais, não explica como essas relações são construídas de forma desigual, privilegiando os homens. O encaminhamento de construção social já fora defendido por muitas outras teóricas. Por isso, Scott articulou a idéia de construção social com a noção de poder, presente nessa construção. Afirmava, assim, que as mudanças na organização das relações sociais correspondem a mudanças nas relações de poder.

Para desenvolver o estudo de gênero a partir da afirmação de que gênero é constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças, Scott considerou a necessidade de trabalhar com quatro elementos inter-relacionados.

Referências

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