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Atuação do movimento feminista para mudanças de discursos

4.2 Uma primeira questão: a invisibilidade da mulher como produtora de

4.2.1 A invisibilidade da mulher ou o silêncio das fontes?

4.2.1.4 Atuação do movimento feminista para mudanças de discursos

O movimento feminista da década de 1960, ao envolver inúmeras mulheres artistas, ligadas à Segunda Onda do Feminismo, fez com que historiadoras/es acrescentassem aos conteúdos consagrados da História da Arte, aquilo que foi chamado de arte das minorias (arte negra, arte feminista, arte gay), ou como afirma

Lucie-Smith (1998) arte baseada num tema. A opção por um tema possibilitou à/ao artista contemporânea/o valer-se de sua arte para dar voz aos grupos que se sentiam desconsiderados socialmente em suas manifestações artísticas. Foi a partir deste novo encaminhamento do campo da arte (foco no conteúdo ou no tema) que se destacaram obras realizadas por artistas feministas, sendo algumas ligadas ao pós-estruturalismo. Para que se chegasse a essa nova realidade, na qual a mulher mostra-se relativamente visível, foi necessário que ocorresse a desconstrução da idéia de naturalização e de essencialismo; foram necessários quase dois séculos de feminismo, com intensas lutas de muitas mulheres e alguns homens em diferentes frentes. Como afirma Reverter-Bañon (2003, p.45),

num mundo com complexidades somente compreendidas a partir dos pressupostos pós-modernos, com uma globalização em fase inicial que nos desafia ao mesmo tempo que ameaça, [...] o feminismo foi diversificando enormemente sua agenda e perspectivas.

Em decorrência disso, a década de 1990 passa a ter um significado especial, uma vez que “começou a questionar o conceito de gênero e o sistema sexo/gênero organizado sobre ele” (REVERTER-BAÑON, 2003, p.45).

Considera esta autora que a filosofia construtivista da década de 1990 desenvolveu, de maneira cada vez mais clara e contundente, a noção de identidade como artefato construído em todas as suas dimensões. Porém, há reações entre os investigadores ortodoxos das academias que não atendem a este tipo de teorização dos últimos feminismos. Apesar das dificuldades presentes, frente aos novos encaminhamentos filosóficos, o mérito das teóricas feministas, como Scott (1996), parece ter sido fazer visível a idéia de construção de gênero ou de que as diferenças entre homens e mulheres são decorrentes de construções sociais baseadas nas diferenças entre os sexos.

Algumas teóricas/artistas pós-estruturalistas, como Bárbara Kruger, acreditavam que a tarefa da arte deveria ser a de revelar que o conceito de feminilidade é resultado de construções sociais. Com este posicionamento, elas reforçavam a idéia da feminilidade como uma máscara, resultante de um comportamento adotado para se adequar às expectativas da sociedade. Como pós- estruturalistas, rompiam com a idéia de uma essência feminina uma vez que a mulher seria resultado de um conjunto internalizado de representações presentes nos diferentes campos sociais.

A artista Bárbara Kruger escolheu trabalhar com imagens de mulheres na mídia, destruindo aquilo que, segundo ela, atuava como poder de sedução sobre os homens. Ao aproveitar suas habilidades gráficas, desenvolvidas quando elaborava layouts para revistas femininas, realizou uma obra na qual justapôs textos vigorosos a imagens fotográficas modificadas, que lhe permitiram realizar uma crítica contundente à manipulação da imagem feminina pela mídia.

Inúmeras artistas, na Europa e nos Estados Unidos, principalmente, filiaram- se a essa corrente crítica que se valeu da arte para avaliar e analisar a imagem feminina idealizada e concebida por um olhar masculino. Afirma Heartney (2002) que, durante a década de 1980, estas posições mais inflexíveis do feminismo pós- moderno, destacando entre outras coisas o seu desconforto com o prazer visual dos corpos femininos, começaram a ser contraproducentes para a expansão das idéias difundidas por essas teóricas. Consideravam algumas artistas que esse posicionamento teórico parecia ter alterado muito pouco a situação das mulheres, como provou a pequena participação de 10 % de mulheres no evento comemorativo de reabertura do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, após reformas, no ano de 1984, intitulado “Levantamento Internacional da Pintura e Esculturas Recentes”. Esse foi um fato que serviu para consolidar a impressão de descaso com que eram tratadas as artistas femininas estadunidenses, principalmente. A ele somaram-se outros fatos, que deram munição para que as teóricas feministas não baixassem a guarda quanto às suas reivindicações, como a ausência de exposições individuais de mulheres nos principais museus, assim como a escassa presença de artistas mulheres expositoras em galerias de arte de Nova York.

No Brasil, a partir de 1990, destacam-se os autores Tadeu Chiarelli e Kátia Canton, que enumeram significativo contingente de artistas mulheres ligadas à arte moderna e contemporânea. O mesmo não se pode dizer daqueles que escrevem sobre a situação da arte de início do século XX, onde a presença da mulher é de pouco significado quanto à quantidade, embora não se possa negar a importância e o destaque de que foram alvo duas artistas para a constituição do movimento modernista brasileiro, como Anita Malfatti (catalisadora dos anseios modernistas) e Tarsila do Amaral (atuante na consolidação do modernismo no Brasil). Nas décadas de 1940 e 1950, algumas mulheres tiveram seus nomes citados em livros de História da Arte no Brasil, como Regina Graz, considerada como uma das mais notáveis das artes decorativas do Brasil, e Maria Leontina, ligada ao grupo concretista de São

Paulo. A partir da década de 1960, houve um aumento significativo de artistas atuantes no eixo Rio/São Paulo, muitas ligadas à linguagem da gravura, como Fayga Ostrower, de origem polonesa, entre outras. Edith Behring, assim como Ana Letícia, tiveram importantes atuações como gravuristas e professoras no atelier do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Na década de 1950, outra mulher, Ligia Clarck, teve uma atuação marcante, realizando um trabalho criativo e de grande impacto no grupo dos concretistas cariocas. Ligada ao grupo Frente, movimento que era contra a arte voltada para a simples cópia ou recriação da natureza, pregavam a arte não-figurativa. Expressando-se numa linguagem geométrica despojada, encaminhou sua obra para a ruptura do espaço ótico da pintura do quadro para a conquista do espaço externo. A importância de sua obra fez com que tenha sido convidada para ministrar aulas na Sorbonne (Paris), entre 1970/1976.

O que se nota na História da Arte brasileira é que nos dois centros da região sudeste – Rio de Janeiro e São Paulo –, na primeira metade do século XX, mesmo havendo algumas artistas que se destacaram nos sistemas da arte desses locais, o número de artistas, nomeado pelos historiadores, foi pequeno diante da quantidade de nomes masculinos. As atuações de Malfatti, assim como a de Tarsila do Amaral, foram importantes, e bastante consideradas pela intelectualidade da época para a constituição de um movimento modernista no Brasil, assim como foi a de Lygia Clarck, anos depois. O reconhecimento das obras dessas artistas parece ter sido facilitado pelo fato de elas terem estudado na Europa: Malfatti, em Dresden, no início do século, Tarsila e Lygia, em Paris, com o artista Fernand Léger, embora em ocasiões bastante distantes: (a primeira na década de 1920 e a segunda na década de 1950).

Outra artista que passou a ter atuação destacada na arte brasileira foi a gaúcha Regina Silveira, que, desde 1973, quando voltou ao Brasil, começou a lecionar na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado) em São Paulo, e, mais tarde, na ECA/USP (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo). Ela, entre outras artistas, como Leda Catunda, segundo Canton (2001), tem sido muito prestigiada, e tem influenciado novas gerações de artistas. Hoje, entre as/os artistas que mais tem vendido no exterior, com obras de altos valores, estão Beatriz Milhases e Adriana Varejão.

Aparentemente, os livros que tem sido escritos mais recentemente por Canton (2001), Chiarelli (1999), Farias (2002), sobre a produção brasileira não se

furtaram de colocar nomes de artistas femininas. Tal fato parece demonstrar que as mulheres têm recebido tratamento semelhante aos dos artistas homens no campo da arte brasileiro. O que está claro é que não houve no Brasil, no terreno das artes visuais, movimentos artísticos feministas, com diferentes discussões teóricas, como aconteceu nos Estados Unidos, como já foi abordado anteriormente. Nesse país, teóricas, artistas plásticas, historiadoras atuaram e tem atuado intensamente para difundir as reivindicações e os anseios feministas. Inúmeras artistas usaram a linguagem das artes visuais para contestar as formas de representação da mulher, propondo novas formas, construídas a partir de um olhar feminino.

Ao fazer esta avaliação, considero que a historiografia da arte abriu um espaço na arte contemporânea, após a década de 1960, para a arte das mulheres. Ao trabalhar com a arte das chamadas minorias, cujo caráter é mais reflexivo, a História da Arte, de escrita mais recente, tem possibilitado a criação de espaços de discussões bastante variadas em relação a essas representações. A constância nessas discussões através da arte é uma ótima maneira de fortalecer o movimento feminista. Uma das reflexões bastante permanente nesta história é sobre a forma de representação de imagens do feminino, realizadas a partir de um olhar masculino, que se consagrou desde a Antiguidade, sendo reforçada no Renascimento e, segundo Nead (1998), permanecendo até hoje.