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Violênccia sexual contra crianças e adolescentes e os mecanismos legais protetivos: considerações críticas

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Academic year: 2021

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RAYANNA SOARES DOS SANTOS

VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES E OS MECANISMOS LEGAIS PROTETIVOS: CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS.

Ijuí (RS) 2018

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RAYANNA SOARES DOS SANTOS

VIOLÊNCCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES E OS MECANISMOS LEGAIS PROTETIVOS: CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS.

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DECJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador (a): MSc. Ester Eliana Hauser

Ijuí (RS) 2018

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Dedico este trabalho em memória a minha eterna afilhada Brenna Karla, um anjo que passou por esta terra, espalhando o verdadeiro sentido do amor, com apenas 4 anos de idade partiu para os braços do Senhor, em setembro deste ano de 2018.

A todas as Crianças e Adolescentes, vítimas de atos de violência e maus-tratos.

A minha Família e a todos que de uma forma ou outra me auxiliaram e ampararam-me durante estes anos da minha jornada acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, acima de tudo, pela oportunidade que me concedeu em obter conhecimento nesta área de Direito a qual foi um dos meus maiores sonhos desde criança, aflorada a partir de exemplos de pessoas muito especiais, amigos de meus pais, renomados operadores de direito. Pela força expressiva, manifestada e adquirida através da fé em cada momento de fraqueza ao decorrer dos anos, e em especial a coragem que conquistei à frente de dificuldades durante os cinco anos distante da família, sou grata por plantar em meu coração a sede de justiça, agradeço até mesmo pelas lágrimas, pois elas lavaram minha alma e me fizeram enxergar que enquanto há vida, há esperança.

A minha família, que apesar da distância sempre estiveram presentes, com palavras de incentivos, amor e carinho, pela confiança que depositaram em mim, pelo apoio a minha empreitada, em especial aos meus queridos pais Raimunda dos Santos, que tanto lutou pela minha felicidade e realização do meu sonho, pelo respeito à minhas escolhas, sendo um exemplo de vida e força, em que me espelhei, ao meu já falecido Pai Fernando Soares, pelos ensinamentos através de seus admiráveis atos de bondade ao próximo, sempre trabalhando em prol do bem comum, que me fizeram acreditar em uma sociedade igualitária, ao meu Padrasto Amaro Rodrigues pela confiança depositada e pelo esforço que desenvolveu através desses anos em favor da minha família. Não conseguirei agradecer o suficiente em palavras, pois serei eternamente grata por tudo o que fizeram ao meu favor.

A minha orientadora Ester Eliana Hauser, pela sua generosidade e disponibilidade, por ter aceitado o meu convite a orientar o meu tema, por acompanhar atentamente o desenvolvimento da pesquisa e assim concluir o trabalho, por sua simpatia e humildade que a cada dia me fizeram admirá-la ainda mais como ser humano, pelas palavras de apoio, incentivo e motivação em momentos difíceis, sem isso jamais teria conseguido, pela confiança e liberdade que me proporcionou ao longo dos meses, pela competência e responsabilidade em tornar possível esta tarefa extremamente importante, obrigada por ter me orientado com toda sua paciência e dedicação.

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“Devemos promover a coragem onde há medo, promover o acordo onde existe conflito, e inspirar esperança onde há desespero.”

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise sobre a realidade da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, avaliando esse triste fenômeno presente na sociedade brasileira. Busca identificar o perfil das vítimas e agressores, com base em dados estatísticos e examinar os mecanismos legais protetivos que buscam responder a essa realidade, oferecendo proteção e dignidade às vítimas. Enfatiza a importância do surgimento dos mecanismos legais como forma de proteção às vítimas contra a ação delitiva do agressor, momento em que se percebe números alarmantes de atrocidades cometidas contra crianças e adolescentes, devido a sua alta vulnerabilidade.

Palavras-Chave: Violência Sexual. Mecanismo legais. Violência infantojuvenil.

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ABSTRACT

This undergraduate thesis analyzes the reality of Sexual Violence Against Children and Adolescents, evaluating this sad phenomenon present in Brazilian society. It seeks to identify the profile of victims and aggressors based on statistic data, and to examine the legal protective mechanisms that seek to respond to this reality by providing the victims with protection and dignity. It emphasizes the importance of the emergence of legal mechanisms as a way of protecting the victims against the perpetrator’s criminal behavior in a period when the alarming numbers of atrocities committed against children and adolescents is noticeable due to their high vulnerability.

Keywords: Sexual violence. Legal mechanisms. Children and youth violence.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...09

1 VIOLÊNCIA SEXUAL E VITIMAÇÃO INFANTOJUVENIL NO BRASIL...12

1.1 O fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil: aspectos relevantes e dados estatísticos ... ...14

1.2 Violência, abuso e exploração sexual: questões conceituais e aspectos normativos, Lei n° 13.431, Lei 11.340/06 ... ...19

1.3 Violência Sexual, questões de gênero e cultura do estrupo ... ...22

1.4 Vitimização Primária e Vitimização Secundária ... ...24

2 VIOLÊNCIA SEXUAL E OS MECANISMOS LEGAIS PROTETIVOS ... ...28

2.1 A proteção à Infância a partir da CF/88 ... ...28

2.2 Doutrina da Proteção Integral no ECA ... ...30

2.3 Tipologia Penal da violência sexual ... ...34

2.4 Depoimento sem dano na Lei 13.431 ... ...40

2.5 Questões de Gênero, cultura do estupro e Instrumentos Legais Protetivos: Considerações críticas ... ...44

CONCLUSÃO ... ...50

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho propõe uma análise sobre a questão da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, apresentando e discutindo, a partir de estudos e dados estatísticos, a realidade em torno desta violência, que representa uma das formas mais nefastas de violação da dignidade humana. Procura identificar perfis de vítimas e agressores, bem como os meios de aplicação da responsabilização subjetiva ao autor da prática delitiva, examinando a efetividade dos mecanismos legais protetivos hoje vigentes, em especial a recente súmula 593 do STJ, que determina ser absoluta a vulnerabilidade sexual de crianças e adolescentes com até 14 anos incompletos.

Estatísticas indicam que crianças e adolescentes são as maiores vítimas de atos abusivos e maus-tratos devido à sua alta vulnerabilidade, esta que resulta da manifestação de cultura adultocêntrica, em que se percebe uma concentração de poder ao adulto em detrimento de crianças e adolescentes que, por estarem submetidas ao poder familiar, muitas vezes, se tornam vítimas fáceis, tendo afetados sua dignidade, direitos e cidadania.

Deste modo, a pretensão do estudo é responder aos seguintes questionamentos: Quais são os índices de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil? Quais são os perfis de vítimas e agressores e em que locais a violência sexual se manifesta preferencialmente? Em que medida os mecanismos legais protetivos dedicados aos direitos da Criança e do Adolescente mostram-se efetivos e eficientes na proteção destes grupos contra atos de violência sexual?

O estudo tem como objetivo compreender e analisar o fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, apresentando, a partir de estatísticas divulgadas por órgãos oficiais, o perfil de vítimas e agressores, bem como os aspectos jurídicos,

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biopsicossocial e protetivos, analisando em que medida os instrumentos normativos e as políticas públicas hoje existentes mostram-se efetivas e eficazes na proteção contra esta forma de violência.

Especificamente também busca apresentar e discutir dados estatísticos em torno do fenômeno da violência sexual contra criança e adolescentes no Brasil, verificando quais os perfis de vítimas e agressores; analisar, a partir de instrumentos normativos, o que se entende por violência, abuso e exploração sexual, avaliando em que medida a violência sexual contra crianças e adolescentes está relacionada à questões de gênero e à cultura do estupro; discutir os processos de Vitimização Primária e Vitimização Secundária a que a vítima é submetida durante a persecução penal e demostrar os mecanismos legais protetivos destinados a estes sujeitos, bem como sua efetivação.

Para discutir a temática, o trabalho foi dividido em dois capítulos. No primeiro, foi feita uma abordagem examinando questões conceituais como o chamado fenômeno da violência sexual e vitimização infantojuvenil no Brasil, uma vez que esta é uma realidade muito presente na sociedade brasileira desde décadas passadas, como um problema que foi e continua sendo ocultado e que precisa ser revelado.

No segundo capítulo, abordam-se temáticas relevantes, conteúdos que tratam o problema da violência sexual, o conceito de exploração sexual, questões de gênero e cultura do estupro, bem como o aspecto da vitimização primária e secundária. Contudo, o intuito de demonstrar o problema, como também às formas de combate a essa ação delitiva do sujeito, contribuindo com o aprimoramento dos mecanismos jurídicos, assegurando a igualdade de direitos e a efetivação da justiça, para que com a denúncia se providencie a aplicação das medidas cabíveis, amparadas pela lei e que deste modo haja uma diminuição da ocorrência desses casos.

Em suma, a partir da análise dos diversos tópicos supracitados, desenvolvidos posteriormente neste trabalho, notam-se as mudanças feitas ao decorrer do tempo, bem como essa anamorfose social e estrutural a qual o Estado e a sociedade se utilizou sob argumento para prevenção geral de possíveis casos que venham ocorrer. Deste modo, constata-se o surgimento de medidas de segurança, em combate a esta nefasta forma de violência contra

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crianças e adolescentes, conhecidas como os mecanismos legais protetivos, garantindo e protegendo os direitos deste grupo de pessoas devido a seu alto grau de vulnerabilidade.

A metodologia utilizada caracteriza-se como bibliográfica, tendo como método de abordagem o dedutivo, o qual parte do geral para o específico, ou seja, pesquisa sobre o tema, através de doutrinas e levantamentos bibliográficos, para após realizar a análise dos dados obtidos. Já como método de procedimento tem-se o analítico, que buscou construir e aprofundar de forma quantitativa e qualitativa a análise de tais dados. Finalmente, quanto à técnica da pesquisa, utiliza-se a documentação indireta, através da pesquisa documental, doutrinária e bibliográfica.

Deste modo a pesquisa é exploratória, utilizando no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Na sua realização foi utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo, observando os procedimentos, de seleção de bibliografia e documentos afins à temática e em meios físicos e na Internet, interdisciplinares, capazes e suficientes em concluir a pesquisa sobre o tema em estudo, respondendo o problema proposto, corrobore ou refute as hipóteses levantadas e atingindo os objetivos propostos na pesquisa, através de leitura e fichamento do material selecionado, reflexão crítica sobre o material selecionado, exposição dos resultados obtidos através do texto escrito monográfico.

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1 VIOLÊNCIA SEXUAL E VITIMIZAÇÃO INFANTOJUVENIL NO BRASIL

No período escravocrata do século XIX, a sociedade brasileira já evidenciava delitos cometidos contra crianças e adolescentes, porém na época este problema não era caracterizado um ato ilícito. A historiadora norte-americana Sandra Lauderdale Graham, ressaltou em sua obra sobre a realidade de mulheres na sociedade escravocrata brasileira, que esta foi marcada por relações violentas. A autora relata que os meninos brasileiros iniciavam sua vida sexual com as escravas dos pais, sem o consentimento das envolvidas e deste modo naturalizavam a violência sexual, sequer observando a idade destas. Estes atos de violência protagonizados durante a escravidão faziam parte da organização hierárquica, e garantiam, de um lado, “[...] que fosse preservada a honra das futuras sinhazinhas e legitimavam, por outro, o cometimento de violência sexual contra as escravas adolescentes”. (GRAHAM apud SILVA, 2014, p. 2).

Nesse sentido afirma Danielle Martin Silva (2014, p. 2), em seu artigo sobre o estupro de vulnerável no Brasil: “Dizia-se que meninos brasileiros tinham sua iniciação sexual com as escravas dos pais. Tal iniciação, obviamente, não considerava o consentimento das envolvidas, pouco importando sua idade”.

Referente ao século XIX, as famílias ricas dos Brasil permitiam as relações sexuais entre crianças e adolescentes, acobertadas pelo sacramento matrimonial, acordo realizado entre as famílias, que, não raras vezes, envolviam crianças com idade de dez a doze anos e amigos da família com cinquenta, sessenta anos de idade. A historiadora Mary Del Priore (apud SILVA, 2014, p. 3) menciona que naquele período era comum a aceitação destes matrimônios.

Se a jovem é rica – conta-nos Daniel Kidder – “está desde logo preparada para a vida e o pai apresenta-lhe alguns de seus amigos, com a consoladora observação: minha filha, este é teu futuro esposo”. O risco de um amor fora do matrimônio levou um viajante a prever: “Se os homens e mulheres

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casam-se com quem não amam, eles amarão aqueles com quem não se casam”. O matrimonio entre moças e velhos confirma a tese. E não eram poucos a unir mocinhas com homens quase senis. Muitas dessas uniões faziam pensar em um grupo constituído por avô, filha e netos, quando eram marido, mulher e rebentos. Indignados, os estrangeiros não se continham. Um deles, alarmado, registrou: “Uma brasileira me foi indicada hoje que tem doze anos de idade e dois filhos que estavam fazendo traquinagens a seus pés. Ela casou-se aos dez anos com um rico negociante de sessenta e cinco, uma violeta primaveril presa numa crespa rajada de neve. Mas as damas aqui se casam extremamente jovens. Elas mal se ocuparam com seus bebês fictícios, quando têm os sorrisos e as lágrimas dos reais.

A partir desse estudo, observa-se, na sociedade, uma aceitação desse interesse sexual precoce por crianças e adolescentes, o que deste modo integrou a cultura brasileira. No entanto o Código Penal de 1940 trouxe em seus artigos a caracterização de violência sexual como crime de estupro praticado contra menores de 14 anos de idade, já que anteriormente não era especificado e tipificado o crime praticado contra estes vulneráveis. Afirma Silva (2014, p. 4):

Até então, as descrições de crime de estupro constantes do Código Criminal de 1830 e do Código Republicano de 1890 não previam qualquer tipificação específica para o crime praticado contra menores de catorze anos, tampouco traziam hipóteses de agravamento de pena para tais situações.

Deste modo, Crianças e Adolescentes são consideradas as maiores vítimas de atos abusivos e maus-tratos devido à sua alta vulnerabilidade, esta que resulta da manifestação de cultura adultocêntrica, em que se percebe uma concentração de poder ao adulto em detrimento de crianças e adolescentes que, por estarem submetidas ao poder familiar, muitas vezes, se tornam vítimas fáceis, tendo afetados sua dignidade, direitos e cidadania.

Em 1988, a Constituição Federal, em seu artigo 227, determinou ser prioridade absoluta do Estado a proteção dos direitos da criança e do adolescente, reafirmando esta proteção com criação e vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei destinada especificamente para a proteção dos direitos das Crianças e Adolescentes, que inspirada na Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 e na Constituição Federal Brasileira de 1988, foi o primeiro grande passo para conquistar e garantir os direitos das Crianças e Adolescentes, uma vez que rompeu a invisibilidade destes e os reconhecendo como verdadeiros sujeitos de direitos.

O artigo 4°, do Estatuto da Criança e do Adolescente, determina, inclusive, a ampliação da proteção de crianças e adolescentes, já que devido à sua maior vulnerabilidade são as

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maiores vítimas de atos abusivos e maus-tratos. Contudo, o que se percebe na sociedade atual é o contraposto do que diz o Estatuto, uma vez que há um desequilíbrio desses direitos vigentes na sociedade brasileira.

Entretanto em que pese à consagração legal de princípios protetivos, observa-se, na dura realidade cotidiana, índices altíssimos de violência contra crianças e adolescentes, em especial a violência sexual, o que coloca em discussão a efetividade de tais normas, uma vez que, aparentemente, não reduzem os níveis de violações, sobretudo em razão do silêncio que ainda persiste dentro do âmbito familiar.

1.1 O fenômeno da violência sexual contra criança e adolescentes no Brasil: aspectos relevantes e dados estatísticos

A Violência Sexual é um crime que persiste na sociedade desde os primórdios, porém grande parte dela vem sendo ocultada devido ao medo das vítimas e até mesmo receio da discriminação enfrentado pelas famílias. No entanto houve um aumento significativo de denúncias em todos os Estados Brasileiros, conforme dados da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH, 2007).

As propostas de campanhas em prol dessa conscientização e combate ao silêncio das vítimas e familiares cresceu positivamente trazendo à sociedade, uma quebra de sigilo sendo externados por inúmeras denúncias feitas ao decorrer dos anos. Apesar desta evolução, ainda resta presente essa prática paradoxal, no âmago de inúmeras famílias.

Nesse sentido, segundo o entendimento de Souza e Adesse (2005, p. 86):

[...] o número de casos que chega ao poder judiciário é muito menor do que os que acontecem na realidade. O silêncio das vítimas é motivado pelo medo em relação ao agressor, medo de ter problemas, de não ser acreditado, dos efeitos sobre a família, dos efeitos sobre o perpetrador e pelo desconhecimento de que aquela era uma situação inadequada [...]

Desta forma, ainda são enfrentadasbarreiras que impedem que muitas denúncias sejam feitas, nas quais a porcentagem de informações aos órgãos competentes é deveras menor que a ocorrências deste ato libidinoso. A cofundadora e presidenta da Associação Juízes para a Democracia e magistrada no Tribunal de Justiça de São Paulo, Kenarik Boujikian (2013) ressalta que:

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Entre as razões apontadas por pesquisadores para que o registro não seja efetuado estão: vergonha, sentimento de autorresponsabilização, temor em enfrentar o fato perante os tribunais, carga emocional e física da agressão e desconfiança sobre o sistema, estimando-se que o procedimento judicial é ineficaz para esclarecer os fatos e passar por eles acarreta mais danos do que benefícios.

Destarte, a partir das realizações de movimentos sociais, idealizações de igualdade de direitos aos indivíduos, realizados através de lutas incansáveis ao longo dos anos, esse fenômeno que até o momento era invisível, passou a ser revelado na sociedade no início da década de 1990, como, por exemplo, a violência sexual comercial contra crianças.

Afirma Leal (2002, p. 5) que essa temática “adentrou a agenda brasileira, como resultado das CPIs do extermínio de meninos e meninas de rua em; 1991, da violência contra mulher em 1992; da CPI da prostituição infanto-juvenil em 1993”.

Com a prática de tais delitos, observa-se que as vítimas são altamente afetadas de diversas formas, tanto nos aspectos físicos como também desenvolvem problemas psicológicos, principalmente no momento da revelação e denúncia. Muitas vezes esses sintomas acabam por serem imperceptíveis no seio familiar, e quando externados, em inúmeros casos, são situações em que familiares não dão credibilidade à vítima.

Em 2014, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) desenvolveu uma pesquisa, realizando uma radiografia dos dados de saúde objetivando traçar os perfis dos casos de estupro no Brasil tendo como base informações de 2011 do Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde (SINAM). A maioria dos casos envolviam vítimas do sexo feminino, precisamente crianças e adolescentes, apresentando um número alarmante de casos a cada ano. (COMPROMISSO E ATITUDE, 2014)

Destaca o Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde (SINAN, 2014, p. 6):

Com base nesse sistema, a pesquisa estima que no mínimo 527 mil pessoas são estupradas por ano no Brasil e que, destes casos, apenas 10% chegam ao conhecimento da polícia. Os registros do Sinan demonstram que 89% das vítimas são do sexo feminino e possuem, em geral, baixa escolaridade. Do total, 70% são crianças e adolescentes. “As consequências, em termos psicológicos, para esses garotos e garotas são devastadoras, uma vez que o

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processo de formação da autoestima – que se dá exatamente nessa fase – estará comprometido, ocasionando inúmeras vicissitudes nos relacionamentos sociais desses indivíduos”, aponta a pesquisa.

Na maioria dos casos que envolvem crianças e adolescentes, há evidências que houve a prática de estupros anteriores, no entanto é preciso a criação de uma metodologia cuidadosa para a realização de entrevistas dessas vítimas, que muitas vezes em decorrência deste ato repugnante, causa em si constrangimento e o abalo psicológico. Conforme os dados estatísticos do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a maioria dos agressores pertencem ao âmbito familiar (IPEA, NOTA TÉCNICA, 2014, p. 6):

[...] 24,1% dos agressores das crianças são os próprios pais ou padrastos, e 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima. O indivíduo desconhecido passa a configurar paulatinamente como principal autor do estupro à medida que a idade da vítima aumenta. Na fase adulta, este responde por 60,5% dos casos. Em geral, 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima, o que indica que o principal inimigo está dentro de casa e que a violência nasce dentro dos lares.

No que concerne ao perfil das vítimas, nota-se através dos dados divulgados pelo SINAM em 2011 que 88,5% eram do sexo feminino, a maioria com menos de 13 anos de idade. Muitas vezes a subnotificação referente à violência sexual em parte, advém do descrédito da sociedade nas instâncias judiciárias, por medo e vergonha, por este motivo acredita-se que os números são superiores a este divulgado, demonstra-se na pesquisa realizada pelo Ipea, a presença da desigualdade social.

Condizente com a afirmativa acima, os dados do IPEA (2014, p. 7):

[...] 46% não possuía o ensino fundamental completo (entre as vítimas com escolaridade conhecida, esse índice sobe para 67%), 51% dos indivíduos eram de cor preta ou parda e apenas 12% eram ou haviam sido casados anteriormente.

Esses resultados indicam que o fenômeno da violência sexual continua presente de forma assustadora na sociedade brasileira, uma vez que havendo a dominação do agressor perante a vítima, os casos continuarão acontecendo, podendo até em muitos dos casos a possibilidade de novas ocorrências de estupro com a mesma vítima, já que os dados estatísticos indicam que a prática deste crime são recorrentes em sua própria residência.

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Com base em pesquisas recentes realizadas no Brasil, é possível constatar a existência de elevados índices de crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes, em especial mulheres que, em alguns casos, também envolvem questões de feminicídio, conforme os dados de 2011 e 2016, fornecidos no Atlas de Violência, referente a crimes de estupro (2018, p.5):

[...] Trouxemos dados estarrecedores sobre esse fenômeno bárbaro, em que 68% dos registros, no sistema de saúde, se referem a estupro de menores e onde quase um terço dos agressores das crianças (até 13 anos) são amigos e conhecidos da vítima e outros 30% são familiares mais próximos como país, mães, padrastos e irmãos. Além disso, quando o perpetrador era conhecido da vítima, 54,9% dos casos tratam-se de ações que já vinham acontecendo anteriormente e 78,5% dos casos ocorreram na própria residência.(ATLAS DE VIOLÊNCIA, 2018, p.5):

Embora o número de ocorrências de estupros registrados no Brasil se apresente de forma assustadora, nota-se que com base em dados divulgados, o índice de casos reais de estupro são deveras maiores, uma vez que a maioria dos casos não são notificados, resultado este advindo de uma ideologia patriarcal, fazendo com que as vítima muitas vezes não reportem a violência que sofreram. Em consonância com os casos registrados nas polícias brasileiras, segundo o Atlas de Violência (2018, p.57) observa-se que:

Em 2016, foram registrados nas polícias brasileiras 49.497 casos de estupro, conforme informações disponibilizadas no 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (tabela 6.5). Nesse mesmo ano, no Sistema Único de Saúde foram registrados 22.918 incidentes dessa natureza, o que representa aproximadamente a metade dos casos notificados à polícia. Certamente, as duas bases de informações possuem uma grande subnotificação e não dão conta da dimensão do problema, tendo em vista o tabu engendrado pela ideologia patriarcal, que faz com que as vítimas, em sua grande maioria, não reportem a qualquer autoridade o crime sofrido.

O Ministério da Saúde também divulgou dados de pesquisa revelando o perfil de vítimas e agressores em casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, confirmando que a maioria deles ocorre no âmago familiar. A pesquisa, construída com base em ocorrências situadas entre os anos de 2011 a 2017, evidencia que as notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes aumentaram em 83% no país neste período. Segundo Tatiana Coelho, em artigo publicado no site G1, Ciência e Saúde (Portal da Globo, G1 globo.com, 2018) esses números são assustadores pois:

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Entre 2011 e 2017, o Brasil teve um aumento de 83% nas notificações gerais de violências sexuais contra crianças e adolescentes, segundo boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde na segunda-feira (25). No período foram notificados 184.524 casos de violência sexual, sendo 58.037 (31,5%) contra crianças e 83.068 (45,0%) contra adolescentes.

De acordo com o que foi supracitado, a maioria dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes se dá no próprio lar, o que faz concluir serem crianças e adolescentes obrigadas a conviver com essas atrocidades, devido a sua alta vulnerabilidade. Segundo o Ministério da Saúde o perfil das vítimas é formado essencialmente por crianças, na faixa etária preferencial entre 1 e 5 anos (51,2%) e adolescentes, cuja faixa etária prioritária situa-se entre 10 e 14 anos (67,8%). (COELHO, 2018, s/p).

Por conseguinte, o Ministério da Saúde aponta que os negros e as mulheres, devido a sua vulnerabilidade são as maiores vítimas de violência sexual, conforme dados divulgados no site G1 (2018):

Negros e mulheres são maioria entre as vítimas. Tanto entre adolescentes quanto crianças, as vítimas negras tiveram a maior parte das notificações (55,5% e 45,5%, respectivamente). Segundo o Ministério, o resultado pode apontar para vulnerabilidades destes grupos. (COELHO, 2018, s/p).

Assim, também, crianças e adolescente do sexo feminino são as vítimas preferenciais, com percentual equivalente a 74,7% das ocorrências dos crimes de violência sexual contra crianças e 92,4% contra adolescentes.

Referente ao perfil dos agressores, é inegável dizer que os homens são os principais autores destes crimes. Dados do Ministério da Saúde divulgados pelo G1 (G1 globo.com, 2018) mostram que “[...] os homens são os principais autores de violência sexual tanto contra crianças quanto com adolescentes. Nos casos envolvendo adolescentes, em 92,4% das notificações o agressor era do sexo masculino. Nos casos envolvendo crianças, em 81,6%”.

Destarte, após a divulgação dos números alarmantes de crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes, divulgados através de dados estatísticos com base em casos que são denunciados, é notório verificar que ainda há muito a ser feito, para combater esta forma de violência, e um dos principais obstáculos diz respeito à quebra do silenciamento das vítimas, que por estarem na maioria dos casos submetidas a uma cultura patriarcal, não denunciam seus agressores, devido ao medo e discriminação, que possam vir a sofrer, bem como pelo próprio processo de revitimização e culpabilização.

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1.2 Violência, abuso e exploração sexual: questões conceituais e aspectos normativos

A violência sexual contra crianças e adolescentes é originária da relação de desigualdade de poder, essa desigualdade social como visto já fazia parte da cultura histórica social brasileira, fato este que contribui para a manifestação de abusadores e exploradores. Do ponto de vista conceitual mostra-se necessário trazer o conceito de violência sexual, dividindo-a em dois grupos: o abuso sexual e exploração sexual.

O primeiro refere-se a um ato de desrespeito a intimidade da criança e do adolescente, mediante violência com intuito de satisfação sexual de um adulto, podendo ser subdividido em intrafamiliar e extrafamiliar. Conforme Libório e Castro (2010, p.21):

[...] a violência sexual se configura como uma relação abusiva, com ultrapassagem de limites físicos, relacionados ao ato sexual (não restrito à penetração), bem como envolve um ato invasivo nas dimensões psíquicas, sociais e culturais. Pelo fato de o conceito e o fenômeno da violência sexual englobarem tanto o abuso como a exploração sexual [...].

O abuso intrafamiliar diz respeito às violências que ocorrem dentro do âmbito familiar, delito este cometido pelos pais, avós, tios, irmão etc, já o extrafamiliar é aquele praticado por quem tem acesso à família, cometidos por vizinhos e amigos. Este ato de abuso sexual pode ser efetuado de duas formas, com ou sem o contato físico sexual, sendo este último o caso do assédio sexual.

Referindo-se à questão da violência sexual contra crianças e adolescentes a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI, 2004) observa que esta forma de violência:

[...] tem origem nas relações desiguais de poder. Dominação de gênero, classe social e faixa etária, sob o ponto de vista social histórico e cultural, contribuem para a manifestação de abusadores e exploradores. A vulnerabilidade da criança e sua dificuldade de reagir aos ataques e o fato de a eventual revelação do crime não representar grande perigo para quem o comete são condições que favorecem sua ocorrência. (apud GUIA ESCOLAR, 2004, p. 23)

Reforçando tal afirmativa, importante a concepção de Habigzang (2005, p.341-348): A maioria dos abusos sexuais contra crianças e adolescentes ocorrem dentro das casas da vítima e configuram-se como abusos sexuais incestuosos, sendo que o pai biológico e o padrasto aparecem como principais perpetradores.

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Ocorre, também, uma maior prevalência em meninas, principalmente entre os abusos incestuosos.

A exploração sexual, no que lhe concerne, é a ocorrência de violência visível no sentido comercial. Libório Renata e Castro Bernardo (2010, p. 21) traduziram e citaram a definição elaborada pela ECPAT (End Child Prostitution, Child Pornography and Traffic of Children for Sexual Purpose, 2002), realizada no II Congresso Internacional contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, realizado em Yokohama no ano de 2001:

Consiste em práticas criminais que humilham, aviltam e ameaçam a integridade física e psicológica da criança. Há três formas principais e inter-relacionadas: prostituição, pornografia e tráfico para propósitos sexuais. Outras formas de exploração sexual incluem turismo sexual e casamentos forçados de crianças. A ESCA é uma violação fundamental de direitos humanos. O elemento indispensável dessa violação das crianças e de seus direitos se articula com a transação comercial, caracterizando-se como uma troca na qual uma ou mais partes obtém benefícios – nas formas de dinheiro, bens ou espécie –, através da exploração com propósitos sexuais de outra pessoa com idade inferior aos 18 anos. A relevância de considerarmos as transações em espécie não deve ser subestimada (...). Essa inclui casos nos quais a exploração sexual ocorre em troca da proteção, em troca de um lugar para dormir ou acesso à promoção. (…). O fator da remuneração distingue a exploração sexual do abuso sexual de uma criança, no qual o ganho comercial é aparentemente ausente, apesar de que exploração também é uma forma de abuso. Ao mesmo tempo, deve ser observado que há uma relação muito evidente entre formas não comerciais de abuso sexual e o aumento da vulnerabilidade da criança abusada à exploração sexual. (tradução nossa). (LIBÓRIO; CASTRO, apud ECPAT, 2010, p.21)

A recente Lei n° 13.431/17, que normatiza e organiza o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, é a primeira norma do direito pátrio que define claramente e distingue as categorias violência, abuso e exploração sexual, nos seguintes termos:

Art. 4o Para os efeitos desta Lei, sem prejuízo da tipificação das condutas

criminosas, são formas de violência: [...]

III - violência sexual, entendida como qualquer conduta que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não, que compreenda:

a) abuso sexual, entendido como toda ação que se utiliza da criança ou do adolescente para fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso, realizado de modo presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de terceiro;

b) exploração sexual comercial, entendida como o uso da criança ou do adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob patrocínio, apoio ou

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incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico; (BRASIL, 2017)

Atualmente, com a existência da proteção destinadas a essas vítimas, que tem por objetivo reprimir a conduta ilícita do agressor, bem como amenizar o sofrimento causado por estes, são chamados de mecanismos legais, prescritos no Código Penal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90), na Lei Maria da Penha (11.340/06), bem como na recente Lei n° 13.431/17, citada acima que trata do atendimento a criança e ao adolescente vítima de violência sexual, visando garantir os direitos a dignidade e igualdade deste determinado grupo afetado.

Diante disso, o Código Penal Brasileiro traz em seus artigos, inseridos no capítulo II, do título VI, a proteção aos vulneráveis contra crimes sexuais bem como o valor da dignidade sexual. No capítulo II, a partir da Lei n° 12.015, de 2009, o artigo 217-A passou a ser autônomo e compor apenas um tipo penal, que seria o Estupro de Vulnerável, esta alteração abrange os aspectos da conjunção carnal ou a prática de outro ato libidinoso, exigin do uma especial característica da vítima que diz respeito aos menores de 14 anos e portadores de deficiência mental conforme consta a seguir:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. § 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com

alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. § 3o Se da conduta resulta lesão corporal de

natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. § 4o Se da

conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (BRASIL, 2009)

Com a existência da Lei Maria da Penha Lei n° 11.340/06, voltado à violência doméstica familiar, também destacou a importância da efetivação dos direitos reservados as mulheres, conceito este expresso no Art. 5o da referida lei: “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Foi incluído também as medidas integradas de proteção, conhecida como Medidas Protetivas, como forma de coibir a violência e proteger a vítima.

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Inclusive a Lei Maria da Penha, traz em seu capítulo II. Das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, precisamente no artigo 7°, inciso III, o conceito de violência sexual, uma vez que se entende como sendo, qualquer conduta que constranja ou a participação à relação sexual contra a sua vontade.

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre

outras:

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; (BRASIL, 2006).

Nesse sentido, observa-se que a Violência sexual está intrinsecamente interligada, aos fatos sociais que se estabeleceram na sociedade ao longo do tempo, inclusive no âmbito familiar, baseados em um modelo patriarcal em que especificamente mulheres são tratadas como propriedade dos homens e o enfrentamento e combate a tal forma de violência exige medidas situadas em diversos campos, que transcendem a mera criação de mecanismos legais destinados a proteção e garantia dos direitos reservados aos vulneráveis, o que exige políticas públicas que atuem contra esse fenômeno multidimensional que ferem extremamente os direitos humanos.

1.3 Violência sexual, questões de gênero e cultura do estupro

O Brasil está entre os países com maior número de homicídios praticados contra mulheres no mundo, resultado este advindo da desigualdade de gênero presente na sociedade, na maioria desses casos as vítimas sofreram a prática de violência sexual seja antes ou depois dos homicídios. Dados do Mapa da Violência (2012) confirmam os índices alarmantes: “taxa de 4,4 assassinatos em 100 mil mulheres, o Brasil está entre os países com maior índice de homicídios femininos: ocupa a sétima posição em um ranking de 84 nações.” (apud CEBELA/FLACSO, 2012).

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Antigamente as mulheres eram vistas como intelectualmente inferiores, relativamente incapazes, fazendo com que estas não tivessem acesso ao mercado de trabalho, ao judiciário, liberdade de expressão e muito menos reivindicar direitos, pois já existia na sociedade em geral a desigualdade de gênero. Em 1993 com a Conferência Mundial dos Direitos Humanos, foi redimensionado o conceito de Direitos Humanos, incluindo as mulheres como sujeitos internacionais de direitos, garantindo também instrumentos de combate a todas as formas de violência, assegurando a dignidade da pessoa humana.

Apesar do fenômeno da violência sexual existir a muito tempo, continua sendo um problema universal que se estruturou nas relações sociais, afetando as mulheres as quais são vítimas dessa desigualdade de gênero.

A violência de gênero – somada às de raça-etnia e de classe –, enquanto fenômeno que estrutura as relações sociais, apresenta peculiaridades, porque se inscreve no domínio da história. É o estupro, enquanto violência de gênero, a mais grave violência sexual, que tem como vítimas mulheres de todas as faixas etárias. Entretanto, meninas, adolescentes e jovens mulheres são as vítimas preferenciais do estupro. (PIMENTEL, SCHRITZMEYER, PANDJIARJIAN, 1998, p.63).

Tal realidade evidencia uma espécie de cultura, também denominada cultura do estupro, se manifesta na sociedade não de forma esporádica, mas sim como uma violência simbólica, causando efeitos reais negativos na sociedade, porém de forma sutil, essa cultura se manifesta como uma justificativa para o cometimento de atos repugnantes como é o caso do estupro, instituindo através das palavras, filmes e propagandas, expostas na mídia sendo materializada em casos reais, estimulando a sexualidade das crianças precocemente. Essa cultura tem início desde o período colonial em que as escravas eram violentadas por seus Senhores, desrespeitando a sua dignidade. É evidente que a cultura do estupro, contribui com o impulso sexual ultrapassando os limites morais do patriarcado, criando uma erotização da infância causando a violência sexual.

Nesse sentido firma Oliveira (2017, p. 13):

Denota-se a presença do erotismo, percebendo como a cultura do estupro contribui para a manutenção da ideia de impulso sexual instintivo que não poderia ser contido pelo homem. Dessa forma, salienta-se que as regras morais e sociais não seriam capazes de impedir as violências sexuais na

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sociedade, em que a transgressão das regras sociais ultrapassaria os limites das interdições, que visam manter a perpetuação da espécie, inclusive, nem as morais, que estão arraigadas nos indivíduos, seriam capazes de impedir a satisfação dos impulsos sexuais, como verifica-se na opressão mantida pelos patriarcado para dominar o corpo da criança e da mulher, satisfazendo os desejos sexuais.

A cultura do estupro, parte da sociedade tem como objetivo a naturalização da violência sexual, de modo a transformar os acontecimentos desses crimes como algo comum, estimulando agressores ao cometimento de tais atos, justificando-os e responsabilizando a vítima pela violência sexual. Importante ressaltar a concepção de Oliveira (2017, p. 16):

Além disso, esse termo vem ganhando ambiente no ciberespaço, através das redes sociais, blogs e sites, denunciando as representações de um pensamento perverso que objetifica as mulheres e hiperssexualiza as crianças, principalmente as meninas, tornando o abuso sexual e a pedofilia como partes do instinto natural do ser humano e, portanto, justificáveis pelo ponto de vista do agressor, em que a vítima se torna responsável pela violência sexual. Inclusive, destaca-se o comportamento diferenciado que é esperado socialmente entre homens e mulheres na construção do masculino (agressividade) e do feminino (submissão e delicadeza) desde o nascimento, caracterizando uma marcação de gênero construído socialmente.

Mulheres, crianças e adolescentes, tem sido o alvo principal da violência, abuso e exploração sexual, essa triste realidade que até então era invisível, está cada vez mais se tornando algo comum, fazendo parte da cultura brasileira. desenvolvendo nas vítimas inúmeros problemas biopsicossociais, obrigando-as a conviver com as consequências dia após dia.

1.4 Vitimização Primária e Vitimização Secundária

A violência sexual cometida contra crianças e adolescentes torna-se ainda mais preocupante quando se percebe que esses vulneráveis são duplamente afetados pois, não raras vezes, além da vitimização primária, que ocorre quando a vítima é atingida diretamente pelo crime, produz-se uma espécie de vitimização secundária, em que a vítima é submetida a uma segunda violência com os meios inadequados de controle social. Sustenta Bitencourt (2007, p.12):

O processo de violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes pode ser entendido por vitimização primária e no âmbito procedimental,

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podemos verificar outro tipo de vitimização, onde a violência é causada pelo sistema de justiça que viola outros direitos, vitimizando novamente a criança ou adolescente, denominada vitimização secundária que outra coisa não é senão a violência institucional do sistema processual penal, fazendo das vítimas novas vítimas, agora do estima processual-investigatório; podendo dificultar (senão até inviabilizar) o processo de superação ou elaboração do fato, podendo ainda provocar uma sensação de impotência, desamparo e frustração com o sistema de controle social, provocando descrédito e desconfiança nas instituições de justiça criminal.

Ocorre que, com o processo de produção de provas criminais, a vítima sofre um novo dano em decorrência de seu depoimento, consequente do sistema processual penal brasileiro. O Estatuto da Criança e do Adolescente especifica e garante em seus artigos os direitos da criança e do adolescente, no Art. 18 assegurando que: “É dever de todos zelar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. Deste modo entende-se que a proteção dada a criança e adolescente por ser integral, é responsabilidade de todos.

A Constituição Federal, por sua vez, estabelece em seu Art. 217 a participação de diferentes Poderes Públicos e da sociedade na proteção à infância:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

A respeito dessa responsabilidade, é indispensável o entendimento de Junior Roberti (2015, p. 61) que diz o seguinte:

[...] surge nas legislações, o entendimento que a proteção integral e a garantia dos direitos da criança e do adolescente devem merecer prioridade absoluta, ficando condicionadas pelo princípio do melhor interesse da criança. Deste entendimento, o melhor interesse, é de responsabilidade, da família, da sociedade e do Estado condicionar estas instâncias assegurando os direitos desses sujeitos.

A fim de atender a doutrina de proteção integral dos direitos da criança e adolescente, está o depoimento sem dano, vítimas que ao se submeterem a esta produção de provas estariam enfrentando uma vitimização secundária, conforme Junior Roberti (2015, p. 63) ressalta que:

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Nesse sistema de administração da Justiça, envolve-se um processo amplo de produção de justiça. Veremos como a produção de justiça se insere na doutrina de proteção integral, diante da concepção da própria prática da escuta de crianças e adolescentes, traduzidas neste contexto para o “Depoimento sem Dano”. Convém assinalar a materialidade e a exterioridade de tais concepções que, não traduzem apenas a representação que o Estado tem acerca da doutrina da rede de “proteção integral”. O que está presente em um dos seus aspectos é a vinculação da escuta de crianças e adolescentes nos processos judiciais como procedimento obrigatório, dado a necessidade de produção da justiça penal.

Com a atual Lei n° 11.431/17 criaram-se mecanismos e medidas protetivas para prevenir novos casos de vitimização secundária, através do depoimento sem dano, destinado às crianças e adolescentes vítimas de violência:

Art. 4º Para os efeitos desta Lei, sem prejuízo da tipificação das condutas criminosas, são formas de violência:

[...]

IV - violência institucional, entendida como a praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive quando gerar revitimização.

§ 1º Para os efeitos desta Lei, a criança e o adolescente serão ouvidos sobre a situação de violência por meio de escuta especializada e depoimento especial.

§ 2º Os órgãos de saúde, assistência social, educação, segurança pública e justiça adotarão os procedimentos necessários por ocasião da revelação espontânea da violência.

§ 3º Na hipótese de revelação espontânea da violência a criança e o adolescente serão chamados a confirmar os fatos na forma especificada no § 1º deste artigo, salvo em caso de intervenções de saúde.

§ 4º O não cumprimento do disposto nesta Lei implicará a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). (BRASIL, 2017).

Em suma o fenômeno da violência sexual e vitimização infantojuvenil no Brasil, é uma realidade que está presente na sociedade brasileira desde décadas passadas, como um problema que foi e continua sendo ocultado e que precisa ser revelado. Nesse sentido há inúmeros problemas que contribuem para a concretização da violência sexual, como a existência de questões de gênero e cultura do estupro, problemas como a vitimização primária e secundária. Com a evolução da sociedade também se alteram as formas de violência sexual, em que as vítimas preferenciais dessas violências são as crianças e adolescentes, que por serem consideradas vulneráveis se tornam alvos fáceis.

No entanto, em decorrência desta evolução, surgiram novas formas de combate a essa ação delitiva do sujeito, que serão detalhadas a partir do segundo capítulo chamados de mecanismos legais protetivos, que contribuem com o aprimoramento dos mecanismos

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jurídicos, assegurando a igualdade de direitos e a efetivação da justiça, para que com a denúncia se providencie a aplicação das medidas cabíveis, amparadas pela lei e que deste modo haja uma diminuição da ocorrência desses casos.

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2 VIOLÊNCIA SEXUAL E OS MECANISMOS LEGAIS PROTETIVOS

Como visto no primeiro capítulo, a violência sexual representa uma das formas mais brutais de violação à dignidade de crianças e adolescentes no Brasil e esta se manifesta historicamente sendo, inclusive, justificada por uma espécie de cultura do estupro, que ainda é presente em nossa sociedade. O tema da sexualidade tem sido abordado com o viés repressivo, mas também é necessário dedicar-se as causas de violência, abuso e exploração de crianças e adolescentes de forma mais aprofundada, com base nos valores protetivos a esse grupo de vulneráveis. Esse é o sentido da recente Lei n° 13.431 de 4 de abril de 2017, muito ligada ao campo de atendimento as vítimas, que estabelece um sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente, em especial as vítimas ou testemunhas do ato libidinoso, alterando a Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA).

2.1 A proteção à Infância a partir da CF/88.

Anteriormente à Constituição de 1988, as crianças não eram vistas como sujeitos de direitos, no entanto com o surgimento da atual carta constitucional, houve um rompimento desta ideia assegurando a esse grupo uma Proteção Especial com a criação de diversas formas de combate a violência, bem como a proteção dessas vítimas.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, momento importante em que o Estado Brasileiro enfrentou a demanda de justiça social, liberdade e igualdade, visando assegurar a dignidade humana, também foram contemplados os direitos da Criança e do Adolescente, mais precisamente no artigo 227. Tais direitos estão relacionados com as garantias dos Direitos Humanos, em respeito à dignidade da pessoa humana.

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A proteção integral é referente às garantias que as crianças e adolescentes têm asseguradas como o desenvolvimento saudável, nos aspectos físicos, sociais, morais e psicológicos, reconhecendo as crianças e adolescentes como vulneráveis e que por isso necessita de proteção especial, responsabilizando não só a família, como a sociedade e o Estado para efetivação destes direitos como consta a seguir:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

Tais garantias, previstas na Constituição Federal 1988, foram fruto de movimentos sociais árduos em prol dos direitos das crianças e dos adolescentes, em uma luta incansável na busca do sucesso da efetivação dos direitos fundamentais voltados a este grupo, considerado mais vulnerável, por estar em condição de desenvolvimento físico e psíquico. Deste modo, crianças e adolescentes foram considerados, pela nova Constituição, como prioridade absoluta, elencando-se uma serie de garantias como também abrangendo aspectos gerais das necessidades especiais de alta relevância de proteção, vejamos a seguir no § 3° do referido artigo:

§ 3º O direito à proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;

II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas

III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;

VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins. (BRASIL, 1988).

Nesse sentido, observa-se o surgimento de um mecanismo de proteção aos aspectos relacionados à violência sexual que muitas crianças e adolescentes sofrem diariamente e muitas vezes passam despercebidas. Essa problematização advém nesses longos anos e

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persiste até os dias atuais, como um fenômeno que precisou da interferência do Estado para que fossem assegurados direitos e adequados instrumentos de proteção quanto às vítimas dessas atrocidades de atos abusivos e maus-tratos. Esse é o sentido do parágrafo 4° do art. 227, ao assegurar que “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.

As considerações feitas a esses direitos reservados as crianças e adolescentes têm como base a preservação da dignidade da pessoa humana, respeitando e reconhecendo estes como sendo verdadeiros sujeitos e assegurando a eles, dignidade e proteção especial devido sua condição de vulnerabilidade.

2.2 Doutrina da Proteção Integral no Estatuto da Criança e do Adolescente

Diante dessas condições, tendo em vista a necessidade de proteção dos direitos da criança e do adolescente, foi necessária a criação de mecanismos para efetivação desses direitos, com base no que foi estabelecido na Constituição Federal, precisamente no artigo 227. Deste modo mostrou-se necessária a existência de uma lei que legislasse a respeito desses direitos especiais de forma integral e específica, destinados a crianças e adolescentes desprotegidos. Contemplou-se, portanto, a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Salienta Marcia (2009, p. 41), a respeito do princípio da prioridade absoluta, referentes a crianças e adolescentes:

[...] o princípio constitucional da prioridade absoluta, incorporado ao Estatuto da Criança e do Adolescente, garante primazia no cumprimento dos direitos fundamentais da população infanto-juvenil em virtude de serem pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.

Acerca dos direitos da Criança e do Adolescente, estes são aprofundados pela criação da Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990, estando presente o princípio da igualdade como se observa no artigo 3°:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

(31)

Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem. (BRASIL, 1990) A consolidação de tais direitos também é compreendida como uma responsabilidade coletiva, voltada às crianças e adolescentes, entendida como uma obrigação social. Presente no Estatuto da Criança e do Adolescente esse dever da coletividade previsto no artigo 227 da Constituição Federal foi alargado pelo artigo 4° do ECA que diz:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. (BRASIL, 1990).

Nesse sentido, afirmam Murillo e Ildeara (2017, p. 7-8):

Como se sabe, o Estatuto da Criança e do Adolescente comparece no nosso ordenamento jurídico enquanto forma de regulamentação do art. 227, da Constituição Federal, que absorveu os ditames da doutrina da proteção integral e contempla o princípio da prioridade absoluta.

No mesmo seguimento, o artigo 70 do Estatuto da Criança e do Adolescente se aprofunda em ressaltar o dever geral de prevenção, quando estabelece que “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.” Ou seja, é uma responsabilização e um dever solidário de todos a preservação dos direitos reservados a crianças e adolescentes.

A Convenção Internacional sobre o sistema de garantias dos direitos da criança e do adolescente acrescentou mais quatro grandes princípios, quais sejam, a não discriminação, o melhor interesse da criança, sobrevivência e desenvolvimento e respeito a opinião da criança e adolescente, que passaram a ser reconhecidos e considerados como titulares de direitos. No entanto é preciso que se efetivem as promessas que constam na Constituição bem como no Estatuto, para que se realize a proteção integral, sendo ela de responsabilização além da

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família e sociedade como também de responsabilidade dos operadores do direito. Nas palavras de Murillo e Ildeara (2017, p. 9):

[...] o Sistema de Justiça - sob a égide do princípio constitucional da prioridade absoluta à criança e ao adolescente (art. 227, caput, da Constituição Federal) – deve atuar, quando necessário, com efetiva preferência, afinco e eficiência na materialização das promessas de cidadania para a população infantojuvenil existentes na Constituição Federal e, principalmente, no Estatuto da Criança e do Adolescente (cumprindo os operadores do direito com responsabilidade não só profissional, mas também política, social e ética), de molde a elevar em dignidade especialmente as funções do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública. Destarte, é importante que a sociedade tome ciência e se envolva no combate à violência sexual em detrimento de crianças e adolescentes, e que esteja alerta em relação a este problema que continua presente no âmago familiar, destruindo sonhos de inúmeras crianças e adolescentes.

[...] necessário ampliar cada vez mais a participação da sociedade civil nas instâncias democráticas dos Conselhos Tutelares, a quem incumbe fiscalizar o adequado funcionamento de todo o sistema de atendimento à infância e juventude (podendo inclusive requisitar serviços públicos para viabilizar a execução das medidas que aplica) e dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente. (MURILLO, ILDEARA, 2017, p. 9).

Assim, com o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente com o intuito de que se abra a cortina de ocultação, é necessário desenvolver uma forma de como poder ajudar as crianças e adolescentes em ultrapassar a dificuldade que é em expressar o que acontece com elas, por isso a importância da participação da sociedade em geral, com papel de fiscalizar e atuar de forma articulada na elaboração de mecanismos que possam assegurar a proteção das crianças e adolescentes contra qualquer tipo de violência. O artigo 70-A (ECA) ressalta que:

Art. 70-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão atuar de forma articulada na elaboração de políticas públicas e na execução de ações destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e de adolescentes, tendo como principais ações:

II - a integração com os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, com o Conselho Tutelar, com os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e com as entidades não governamentais que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente;

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IV - o apoio e o incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos que envolvam violência contra a criança e o adolescente;

VI - a promoção de espaços intersetoriais locais para a articulação de ações e a elaboração de planos de atuação conjunta focados nas famílias em situação de violência, com participação de profissionais de saúde, de assistência social e de educação e de órgãos de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente. (BRASIL, 1990).

A dificuldade que a criança e adolescente têm em compreender e expressar suas dores interiores e as situações de violência a que são submetidas, muitas vezes impede que as mesmas relatem suas aflições e tenham medo em denunciar. É comum que estas nem mesmo tenham conhecimento de que aquele ato libidinoso é criminoso e, por isso, mostra-se absolutamente relevante o papel da sociedade como observadora, devendo esta atentar para as modificações comportamentais das vítimas. Sobre isso relatam Fiorelli, Mangini (2014, p. 282):

[...] a forma que o psiquismo mais encontra para denunciar o sofrimento físico e psicológico costuma ser as modificações de comportamento, que se revelam bruscas, aparentemente sem motivos ou inconsistentes com as experiências anteriores.

O Estatuto da Criança e do Adolescente recepcionou, portanto, a Política de Atendimento, devido a essa dificuldade de pedir socorro. Fiorelli e Mangini trazem um alerta sobre tal questão:

Essa forma simbólica de pedir socorro requer atenção de pais e professores; os primeiros podem não ser os melhores observadores, quando eles mesmos provocam os sofrimentos; já os educadores, quando em condição de dar uma atenção mais próxima à criança (o que não acontece em muitas escolas), devem estar atentos aos indícios de violência contra ela. (FIORELLI, MANGINI, 2014, p. 282).

Os altos índices de violência sexual praticadas, contra crianças e adolescentes impulsionaram o Congresso Nacional em legislar sobre o atendimento destinado aos vulneráveis, com inclusão de ações, projetos e programas voltados ao combate dessas atrocidades. O Estatuto da Criança e do Adolescente elencou em seus artigos, a políticas de atendimentos, o artigo 86 (ECA):

Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e

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não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (BRASIL, 1990).

Essa violência, na maioria das vezes, já faz parte da vida dessas crianças que, embora estejam sobre a guarda dos pais, são obrigadas a conviver com seus próprios abusadores, quando em alguns casos se encontra ali seu agressor. Como relatam Azevedo e Guerra (apud FIORELLE; MANGINI, 1989, p. 88) “Essa violência coloca o dedo na ferida da miséria humana, pois “75% dos que se aproveitam de ou estupram crianças são membros da família, homens bem conhecidos pela criança”.

Neste sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente, determina medida cautelar em casos em que as crianças e adolescentes no âmbito familiar, estejam convivendo sobre o mesmo teto de seus agressores, o artigo 130 (ECA), assegura que:

Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum.

Parágrafo único. Da medida cautelar constará, ainda, a fixação provisória dos alimentos de que necessitem a criança ou o adolescente dependentes do agressor. (BRASIL, 1990).

A maior visibilidade dada aos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes é fundamental, pois estas, muitas vezes estão confinadas em seus próprios lares que se constituem no embrião da violência de maneira geral, e encontram-se amordaçadas. Para isso é necessário que a sociedade, especialmente através da escola, esteja preparada para primeiramente identificá-la e, a seguir, reprimi-las através dos mecanismos legais protetivos que surgiram através de movimentos dos quais somaram em prol da proteção de crianças e adolescentes.

2.3 Tipologia Penal da violência sexual

O Código Penal trata os crimes contra a dignidade sexual, apenas sobre o viés repressivo, voltado à responsabilização do agressor, presentes nos artigos 213, sobre crime de Estupro e 217-A do Código Penal, que diz respeito ao Estupro de Vulnerável:

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