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Apontamentos sobre o procedimento de desapropriação por interesse social para reforma agrária

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JOICE KATIANY BENDER

APONTAMENTOS SOBRE O PROCEDIMENTO DE DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA REFORMA AGRÁRIA

Ijuí (RS) 2012

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JOICE KATIANY BENDER

APONTAMENTOS SOBRE O PROCEDIMENTO DE DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA REFORMA AGRÁRIA

Monografia final apresentada ao Curso de Graduação em Direito, objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Ms. Carlos Guilherme Probst

Ijuí (RS) 2012

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edico este trabalho a todos que de uma forma ou outra me auxiliaram e me ampararam durante estes anos de caminhada acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, acima de tudo, pela vida, força e coragem.

Aos meus pais, pelo amor incondicional. Aos meus irmãos, pelas alegrias de todos os dias.

Ao meu orientador, pela dedicação, disponibilidade e zelo

Aos que colaboraram de uma maneira ou de outra durante a trajetória de construção deste trabalho.

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“A propriedade é para todo possuidor de uma riqueza o dever, a obrigação de ordem objetiva, de empregar a riqueza que possui e manter e aumentar a interdependência social.”

(Léon Duguit)

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica faz uma análise acerca do procedimento da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, no intuito de demonstrar a sua evolução histórica e apontar os principais pontos de seu procedimento. A desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária tem como principal objetivo servir de sanção ao proprietário que não cumpre a função social de sua propriedade. Nessa perspectiva, apresenta-se algumas considerações acerca desse instituto vigente no Brasil, analisando desde seu surgimento, evolução e estado em que se encontra hoje no ordenamento jurídico brasileiro.

Palavras-chave: Desapropriação. Interesse social. Reforma agrária. Função social.

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ABSTRACT

This monograph research does an analysis about the procedure of expropriation for social interest for agrarian reform in order to demonstrate its historical evolution and identify the main points of its procedure. The expropriation for social interest for agrarian reform has as main goal a sanction to the owner who does not fulfill the social function of property. From this perspective, it expounds some considerations about this institution existing in our country, analyzing since its inception, evolution and how it is today in the Brazilian legal system.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9 1 A HISTÓRIA DA DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO ... 11 1.1 Conceito de direito de propriedade ... 12 1.2 Introdução da desapropriação por interesse social no Sistema Jurídico brasileiro ... 18 2 DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA COMO FORMA DE SANÇÃO PARA O DESCUMPRIMENTO DA

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ... 22 2.1 Conceito de função social da propriedade ... 23 2.2 Os requisitos legais previstos na legislação para a ocorrência da

desapropriação ... 27 CONCLUSÃO ... 35 REFERÊNCIAS ... 37

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa monográfica faz apontamentos sobre o procedimento de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. Busca demonstrar os principais pontos do procedimento de desapropriação, bem como a evolução desse instituto durante a história até ganhar os contornos atuais.

A questão central é mostrar que o instituto da desapropriação por interesse social é o instrumento jurídico legal fundamental existente no ordenamento brasileiro para efetivar a distribuição de terras no País.

No tocante à função social que deve ser exercida pela propriedade é de se ter em conta que o legislador, ao pensar em reforma agrária, não teve a intenção de ferir o princípio do direito de propriedade, mas se preocupou em encontrar a forma adequada de possuí-la e assim o fez. Não hesitou, portanto, em limitar esse direito, pois é conveniente para toda a sociedade que esta propriedade cumpra sua função social.

A abordagem ao assunto será desenvolvida em dois capítulos. O primeiro é responsável por delinear e realizar uma abordagem ampla do conteúdo a ser estudado: a história da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária no Sistema Jurídico brasileiro. O segundo trata do assunto propriamente dito: desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária como forma de sanção para o descumprimento da função social da propriedade.

O primeiro capítulo divide-se em dois itens: conceito de propriedade e introdução da desapropriação por interesse social no Sistema Jurídico brasileiro. O

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primeiro item busca esclarecer como nasceu a propriedade da forma como é concebida hoje, desde a ideia mais remota de propriedade, passando por sua forma individual até alcançar a sua função social. Já o segundo item relata historicamente como a desapropriação foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro, fazendo um breve relato do instituto no Sistema Jurídico português que regeu o Brasil enquanto Colônia de Portugal, e como ganhou efetividade no ordenamento jurídico brasileiro.

O segundo capítulo igualmente se divide em dois itens: conceito de função social da propriedade e os requisitos legais previstos na legislação para a ocorrência da desapropriação. No primeiro tópico faz-se uma abordagem acerca do princípio da função social da propriedade, abordando seus principais aspectos, desde quando era apenas uma “ideia” até ser consagrado como princípio. Para finalizar, o tópico que segue traz os principais pontos acerca do procedimento da desapropriação que estão calcados na legislação vigente no Brasil.

Seguem as conclusões a que se chegou com a realização do estudo, e as referências que fundamentaram a pesquisa teórica.

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1 A HISTÓRIA DA DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

Desde o surgimento do instituto da Desapropriação por Interesse Social na Constituição de 1946, nunca se deu uma real efetivação à desapropriação, de maneira que possa ser comprovada como verdadeiro instrumento de redistribuição de terras. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), ao dispor sobre os direitos e deveres individuais e coletivos, em seu art. 5º, garante dentre outros direitos, o direito à propriedade, e no inciso XXIII diz que a propriedade atenderá a sua função social.

A desapropriação é um ato de direito público pelo qual a administração, baseada no interesse social, desvincula um bem do seu legítimo proprietário para transferir sua propriedade a um ente estatal ou a particulares, com prévia e justa indenização. No direito brasileiro, a desapropriação por interesse social tem em vista a função social da propriedade para fins de reforma agrária, com o pagamento prévio e justo de cambiais chamados de Títulos da Dívida Agrária (TDAs).

O instituto da desapropriação por interesse social é de suma importância para a atual sociedade, pois dela depende a reforma agrária. Com o advento do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de novembro de 1964), pensou-se que os conflitos agrários chegariam ao fim. Entretanto, o aumento das grandes propriedades e o fracionamento cada vez maior da pequena propriedade rural fizeram crescer a má distribuição da terra. Essa realidade mostra que além da terra estar mal distribuída, também é mal utilizada. Enormes extensões de terras permanecem inexploradas e milhares de trabalhadores rurais não têm onde plantar.

O instituto da desapropriação por interesse social é o instrumento jurídico legal fundamental que compõe o ordenamento brasileiro para efetivar a distribuição de terras no país. Percebe-se, porém, que a sociedade não tem conhecimento desse assunto, possuindo uma ideia equivocada a respeito do que é e para que serve o instrumento da desapropriação por interesse social.

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Assim sendo, o proprietário que possui a riqueza da terra tem o dever de proporcionar o exercício de sua função social. Cumprida essa missão, seus atos de domínio estão protegidos. Se não os cumprir, porém, ou deixar a terra improdutiva, o governante é capaz de lhe obrigar a cumprir sua função social de dono, que consiste em assegurar o emprego das riquezas que possui conforme seu destino, sob pena de ter sua propriedade desapropriada para que então possa atingir seu verdadeiro objetivo.

A propriedade sempre esteve presente na vida das pessoas. Para a compreensão desse instituto é necessário um breve relato de seu conceito dentro do ordenamento jurídico, esclarecendo as razões da existência do modelo de propriedade que se tem atualmente. O item que segue possui o objetivo de fazer esses esclarecimentos.

1.1 Conceito de direito de propriedade

A propriedade com forma individual nasceu com o direito romano que trazia a ideia de usar, gozar e fruir da coisa com domínio absoluto, sem prestar contas a ninguém. A evolução histórica da propriedade, porém, tem no homem a figura que primeiramente situava-se em uma comunidade, onde todos tinham acesso aos recursos da natureza e as atividades eram exercidas de forma solidária.

Para Araújo (1998, p. 56), a propriedade era comum a todos, e somente os bens de uso pessoal tinham apropriação privada individual. A terra não era vista como um bem que poderia ser apropriado individualmente.

Com o direito romano é que começou a passagem da propriedade grupal para a propriedade privada. A chegada da Idade Média trouxe consigo o sistema feudal, que era uma forma diferenciada de organizar a propriedade da terra. O Rei era o dono absoluto de todas as terras de seu reino e os senhores feudais recebiam grandes extensões de terras em troca de lealdade e para servirem militarmente ao Rei. Estes senhores desempenhavam a administração da terra, além de serem a lei maior sobre os servos dentro de seus domínios. Já estes não eram tratados como escravos, mas eram obrigados a servir ao senhorio e não poderiam abandonar a

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terra. Também havia camponeses que exploravam pequenos lotes em troca de pagamento em produtos ou serviços, e os alódios, que eram as terras de ninguém.

Após esse período, começou a ascensão do capitalismo, como bem explica Araújo (1998, p. 60):

Com a ascensão do sistema capitalista de produção, transformaram-se as relações de produção no campo, que passou a adotar o lucro como meta. Dessa forma, a revolução tecnológica que se espalhou por todos os setores da produção fez com que o homem rural deixasse de lado a produção de subsistência, baseada em técnicas rudimentares e introduzisse o uso da máquina e insumos artificiais, visando à obtenção de renda bem superior ao modo anterior. Com isso, a posse da terra passa a ter outra dimensão: a valorização econômica é dada pelas regras próprias da sociedade capitalista, cujo ideário liberal aposta na livre concorrência.

Analisando o ponto de vista do autor, pode-se notar claramente que com a chegada do capitalismo o modo de trabalhar o campo se modificou. No sistema de feudos só era tirado da terra o necessário para a subsistência, mas com o avanço do capitalismo o homem começou a produzir mais do que para seu consumo e, em consequência, disso auferiu lucros, cuja ideia é a base do capitalismo.

No Brasil, longe da explosão do capitalismo que acontecia na Europa, a divisão das terras começou a partir da colonização portuguesa. Foi através da distribuição das terras em sesmarias que o território recém descoberto foi sendo dividido. A Coroa Portuguesa, para não perder o domínio da nova terra conquistada, tinha que explorá-la de alguma forma, já que corria o risco de outros povos invadirem a terra que ainda não estava totalmente dominada.

A nova terra foi primeiramente dividida em capitanias hereditárias concedidas a pessoas que eram próximas ao Rei português e que também ganhavam a missão de ocupá-las e fazê-las produzir, bem como defendê-las da invasão estrangeira. Foram distribuídas 18 capitanias hereditárias no Brasil, iniciando uma nova fase de exploração econômica baseada no cultivo da cana-de-açúcar. Essas capitanias hereditárias foram divididas em sesmarias, e quem iria explorá-las deveria pagar à Coroa Portuguesa a sesma, ou seja, a sexta parte dos frutos, por isso a atribuição do nome.

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Em Portugal, o sistema de sesmarias foi usado para que os proprietários rurais não abandonassem suas terras. Naquele país, essa lei forçou os proprietários a permanecerem na terra sob pena de perdê-las se as abandonassem. Era a tentativa de não falir a agricultura numa época em que o sistema feudal entrava em decadência devido à introdução do capitalismo. Aqui o sistema foi usado para ocupar uma imensidão de terras ociosas, situação bem diferente de Portugal.

Nas palavras de Alves (1995, p. 37):

De comum entre Portugal e Brasil, na adoção do regime sesmarial, é que ela incide sobre as terras inaproveitadas. Contudo, a ociosidade do solo decorre de razões bem distintas. No Reino, há concentração de terras nas mãos de poucos. Precisava-se, ademais, resolver o problema da escassez de alimentos. Enquanto no Brasil precisava-se ocupar o imenso território para preservá-lo da cobiça estrangeira, deixando-o tão somente aos interesses lusos.

Como já dito anteriormente, essas terras foram dadas a pessoas próximas ao Rei e que possuíam posses, já que era necessário cultivar a terra com recursos próprios. Os sesmeiros implantaram, além de cana-de-açúcar, destinada à exportação, a instalação de fazendas e a criação de gado.

As leis que regiam a distribuição de terras no Brasil eram as mesmas de Portugal. O instituto que regia as sesmarias eram as Ordenações do Reino e com o tempo, o aprimoramento do instituto foi realizado pelas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. Essas Ordenações viabilizaram as sesmarias no Brasil, entretanto, como a distribuição das sesmarias se dava de forma desordenada, não obedecia à legislação que vigorava na época. Em 1822, pouco antes da Independência, o regime foi levado a termo pela Resolução nº 76, que em 1823 foi confirmada, extinguindo efetivamente o sistema. Assim, começa a posse de terras devolutas.

O século 19 começa com uma grande transformação na história do Brasil. Com a invasão do exército napoleônico em Portugal, a Família Real mudou-se toda para cá, tornando-se uma potência decadente subordinada aos mandos da Inglaterra. Já aqui a instabilidade econômica trouxe a questão da terra do índio, do

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sesmeiro e do posseiro. Somente no final do século é que se delinearam novos rumos para a economia e para a questão da terra.

Sobre o assunto leciona Alves (1995, p. 59):

[...] Ocorre, pois, ao longo do século uma reorganização interna do conjunto das relações de produção: abolição do trabalho escravo; introdução do “braço livre”; inserção no mercado capitalista mundial, como fornecedor de matéria-prima; novo estatuto à propriedade fundiária, agora regulamentada e absolutizada pela Lei de Terras, com amparo na Constituição de 1824; formação de um mercado interno que vinha apresentando um crescimento discreto desde o século XVIII, no sudeste do País. [...].

Com a independência, o Brasil sofreu uma euforia de progresso industrial com investimentos em infraestrutura que viabilizaram o caráter agrícola do País, proporcionando escoamento à produção e contribuindo para que imigrantes europeus se fixassem no interior do País mediante a implantação de pequenas e médias indústrias que utilizavam o trabalho assalariado. Mesmo com essa nova proposta de crescimento, a grande propriedade exportadora não perdeu seu espaço e continuou fornecedora de produtos tropicais para outros países. O Brasil se adaptou às novas exigências do comércio internacional, mas não interferiu no poder e na propriedade das elites já constituídas.

Não se pode esquecer, porém, que essas grandes propriedades e a elite predominante são o que restou da distribuição de terras feitas pela Coroa Portuguesa por meio do instituto das sesmarias. Com a extinção desse instituto, o uso e a propriedade da terra ficou sem regulamentação durante muitos anos até a promulgação da Lei nº 601, de 1850 – a Lei de Terras. A ocupação deu-se de maneira desordenada sob o Regime da Posse de Terras, ficando o Estado praticamente ausente desse processo. Foi um período de grande apossamento de terras que correspondeu à efetiva formação do latifúndio na história do País. A posse que foi exercida pressupunha a exploração da terra para depois vir o reconhecimento legal da situação.

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O regime de posse se caracteriza por duas formas de cultivo da terra: de um lado tinha-se a grande propriedade monocultora com a cana-de-açúcar, café, cacau, etc, com base no trabalho escravo, produzindo para a exportação. Ou a grande propriedade comprometida com a pecuária, principalmente no sertão nordestino e nos pampas gaúchos. No regime de posse a grande propriedade conheceu enorme surto de desenvolvimento; de outro lado, a propriedade familiar, a simples posse, com as culturas de subsistência, a pequena criação doméstica, o trabalho dependendo apenas da família do posseiro, comerciando o excedente nas vilas e povoados circunvizinhos.

Dessa forma, a posse foi o único meio de acesso à propriedade desde a colonização europeia. A sesmaria é o latifúndio e o lavrador sem recurso ocupou as terras entre uma sesmaria e outra. A posse é a pequena propriedade agrícola criada pela necessidade, mesmo sem legislação para a sua proteção. A Constituição de 1824, vigente na época, era omissa em relação à terra.

O Brasil viveu, nessa época, um amplo processo de distribuição de terras, agora amparado pela Lei. A partir de 1837, com a forte política de imigração implantada, os colonos que aqui chegavam viam-se diante da possibilidade de adquirir a terra, mas não possuíam recursos para tanto. Atribuindo-lhe um valor de mercado, o trabalhador era obrigado a trabalhar a terra durante um tempo por salário, antes que pudesse vir a tornar-se proprietário dela.

Pressburger (apud ALVES, 1995, p. 67) afirma:

[...] que a Lei de Terras de 1850 é o marco da atual estrutura fundiária brasileira. A partir de sua regulamentação, que impuseram demarcações, títulos, registros, pagamentos de taxas e impostos para o reconhecimento da propriedade, foi aberto o caminho da „grilagem‟. Ou seja, „criar‟ propriedade de terra sem necessidade de o proprietário lá morar ou nela trabalhar. [...].

A Lei de Terras, em seu texto, não faz menção ao proprietário nem à propriedade. Apenas veio reconhecer uma situação de fato já existente, dando à terra um valor moral, social e econômico. Vale comentar o que a referida lei dispunha em seu art. 11: “os posseiros serão obrigados a tirar títulos dos terrenos que lhe ficaram pertencendo por efeito desta lei, e sem eles não poderão hipotecar os mesmos terrenos nem aliená-los por qualquer modo.” Assim, apesar de a lei não fazer nenhuma referência, só era proprietário quem possuía o título da terra, tendo reconhecido o direito de dispor do imóvel. Assim, se definiu aqueles que tinham e os que não tinham direito à propriedade. Os excluídos permaneceram excluídos.

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Foi assim que o desenho da concentração fundiária no Brasil tomou suas formas. A velha estrutura fundiária apenas se adaptou para permanecer no novo ritmo de crescimento da economia mundial. Numa perspectiva econômica, essa era a única alternativa viável para a agroexportação. Por outro lado, no Rio Grande do Sul, com a Lei das Terras Públicas foram distribuídas aos colonos terras com áreas de 25 a 50 hectares, sendo uma colonização bem sucedida. São Paulo também adotou a política de concessão de terras aos colonos. Mas essas medidas foram incapazes de mudar a estrutura fundiária da época.

Com a Constituição de 1891, as terras devolutas foram transferidas da União para os Estados dentro de seus respectivos territórios. Cada Estado exerceu sua autonomia, distribuindo essas terras como bem lhe convencionava. Da mesma forma foram transferidas terras para as mãos dos grandes fazendeiros. À união restou o território indispensável à defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais.

Outro marco em relação à questão agrária foi o Código Civil de 1916, cujo texto contemplava numerosas disposições que só se aplicavam à agricultura. O Código criou especificamente o instituto da posse e da propriedade, assim como os direitos reais sobre coisas alheias. Revogou expressamente as Ordenações do Reino e parcialmente a Lei de Terras e tornou o registro imobiliário obrigatório.

Já a Constituição Federal de 1934 sedimentou as ideias pertinentes ao meio rural. Criou o usucapião pro labore, normas para a colonização de terras e dimensionou a proteção aos silvícolas e ao trabalhador. A partir de então surgiram leis extravagantes que disciplinaram diferentes relações no campo.

A Constituição Federal de 1946 consolidou as tendências agraristas da época, ampliando as que já estavam incluídas na Constituição anterior. Com o advento da Emenda Constitucional nº 10, de 1964, que tornou o Direito Agrário independente e autônomo, chegou-se ao ponto forte para o regramento da propriedade rural em geral. E, após, surgiu a Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, que instituiu o Estatuto da Terra, ainda em vigor e que norteia as relações relativas às questões agrárias.

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Como se vê, até chegar ao que é propriedade rural hoje percorreu-se um grande caminho. As leis que surgiram criaram todo um regramento no âmbito agrário, o que tornou possível o acesso à terra a todas as pessoas, sem distinção. Outro marco da Emenda Constitucional nº 10, de 1964, foi a ampliação de situações ligadas diretamente ao setor rural, podendo-se destacar a criação da desapropriação por interesse social, que mais tarde foi adaptada para fins de reforma agrária.

1.2 Introdução da desapropriação por interesse social no Sistema Jurídico brasileiro

A desapropriação, que remete à privação compulsória de um bem que pertence a um proprietário em favor do ente público, é o ato de direito público pelo qual a administração pública desvincula um bem de seu legítimo proprietário e transfere para si a sua propriedade, com prévia e justa indenização. A compreensão completa da denominação “desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária” se dá no art. 24 do Estatuto da Terra. Entende-se, porém, que o conceito de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária tem origem no ordenamento brasileiro com o advento da Lei nº 4.132/62 e com a Emenda nº 10/1964 à Constituição brasileira de 1946, quando conseguiu previsão constitucional expressa e se consolidou, sendo regulamentado pelo Estatuto da Terra.

Historicamente pode-se dizer que a desapropriação foi introduzida no direito brasileiro por influência do direito português. O Príncipe Regente D. Pedro, no ano de 1821, seguindo as Ordenações do Reino que na época eram lei em Portugal, publicou ato proibindo tomar qualquer coisa de alguém contra sua vontade e sem indenização. Em sequência, aqui no Brasil, foi Promulgada a Constituição Imperial de 1824 e, inspirado no ato que ocorreu em Portugal, o Príncipe Regente expressou em regra constitucional (art. 170, nº 22 da Constituição Imperial de 1824):

É garantido o direito de propriedade em toda sua plenitude. Se o bem público, legalmente verificado, exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A lei marcará os casos em que terá lugar esta única exceção e dará as regras para se determinar a indenização.

No ano de 1826 foi editada uma lei que fixou os casos que sofreriam a desapropriação da propriedade. Essa lei apenas atendeu os casos em que a

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desapropriação fosse oriunda de necessidade ou utilidade pública, dispondo ainda sobre as formalidades do processo desapropriatório. O que levava o Estado a desapropriar nesses dois casos eram as necessidades do próprio Estado, como a defesa, segurança pública, socorro público, salubridade pública, instituições de caridade, fundação de casas de ensino, comodidade geral e decoração pública. Dessa forma, o instituto da desapropriação enraizou-se no ordenamento jurídico e se aprimorou cada vez mais.

A esse respeito afirma Marques (2009, p. 136):

Com efeito, contemplou-a a Constituição Republicana de 1891 (§ 17, do art. 78), que não se afastou da orientação preexistente, como se pode inferir do Decreto nº 1.021, de 26 de agosto de 1903, ao mandar aplicar o Regulamento nº 816, de 1855, que fora baixado na vigência da Constituição Imperial.

O Código Civil brasileiro viria, depois, em plena vigência da Carta de 1891, a contemplar em seu bojo (art. 590) os casos de utilidade e de necessidade pública.

Promulgada a Constituição de 1934, o seu item 17 do art. 113 estava assim redigido:

É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização.

Com se vê, o texto da Constituição de 1934 trouxe uma mudança acentuada no que diz respeito à desapropriação, seguindo o que a Constituição de 1891 afirmava em seu art. 78, § 17, dispondo que “o direito de propriedade se mantém em toda sua plenitude, salvo desapropriação por necessidade ou utilização pública, mediante indenização prévia.” A partir de então passou-se a introduzir a ideia de que o interesse social deveria limitar o direito de propriedade.

Tal pensamento, porém, não foi introduzido no texto constitucional de 1937. A respeito desta Constituição expressa Marques (2009, p. 137):

Mas a Constituição de 1937 impôs um retrocesso, pois o art. 122, item 14, restaurou o sistema vigorante nas Cartas de 1824 e 1891, ao mesmo tempo em que retirou dos Estados a competência para legislar sobre a matéria. E foi exatamente sob o império daquela Carta que foi baixado o ainda hoje vigorante Decreto-Lei nº 3.365, de 26.6.41, que dispõe sobre desapropriação por utilidade pública, no qual se nota uma ampliação dos casos previstos na legislação civil. Os casos de necessidade pública foram abrangidos na relação dos casos de utilidade pública.

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O advento da Constituição de 1946 trouxe grandes inovações no sistema, com um considerável número de mudanças. As mais significativas foram em relação ao pagamento da indenização que, além de ser prévio e justo, passou a ser em espécie, e a grande inovação foi o vínculo criado entre a propriedade e o bem-estar social. Essa vinculação constituiu mais um motivo para a desapropriação – o interesse social. Nesse rumo, expressa Silva (apud MARQUES, 2009, p. 137): “A inclusão, no texto constitucional, dessa nova modalidade de desapropriação, inspirou-se precisamente no conceito da propriedade como função social.”

Mas essa grande mudança demorou para ser regulamentada. Apenas em 1962, ano em que foi editada a Lei nº 4.132, é que foram definidos os casos que exigiram a aplicação da desapropriação por interesse social. De certa forma a referida lei não atendeu a todas as necessidades da sociedade, pois não fez referência à Reforma Agrária, que era a principal reivindicação da população no início da década de 1960. Em 1964 foi editada a Emenda Constitucional nº 10 que alterou o art. 147 da Constituição de 1946. Esta Emenda criou uma nova modalidade de desapropriação – por interesse social para fins de reforma agrária.

O § 1º do art. 147 da Constituição de 1946 foi assim redigido:

Para os fins previstos neste artigo a União poderá promover a desapropriação da propriedade rural, mediante pagamento de prévia e justa indenização em títulos especiais da dívida pública, com cláusula de exata correção monetária, segundo índices fixados pelo Conselho Nacional de Economia, resgatáveis no prazo máximo de vinte (20) anos, em parcelas anuais sucessivas, assegurada a sua aceitação, a qualquer tempo, como meio de pagamento de até 50% do Imposto Territorial Rural.

Como bem explica o referido artigo, para esses casos a desapropriação tinha por objeto a propriedade rural e a indenização era feita mediante títulos de dívida pública. Em seguida, a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, deu nova redação à Constituição de 1967, mas não alterou a parte que se referia à desapropriação por interesse social para fins de Reforma Agrária.

A Constituição Federal de 1988, no entanto, no capítulo III, Título VII, que trata da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, inclui o art. 184 que possui a seguinte redação:

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Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos de dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatável no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

Esse dispositivo constitucional trouxe avanços no que diz respeito à justiça social e redistribuição de terras no Brasil. A cada passo que a ordem jurídica nacional dá em favor das demandas sociais mais se aproxima dos objetivos fundamentais que estão elencados no art. 3º da Constituição Federal de 1988, quais sejam, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que garanta o desenvolvimento nacional, que erradique a pobreza e a marginalização, reduza as desigualdades sociais e regionais, dentro de uma sociedade sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor e idade.

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2 DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA COMO FORMA DE SANÇÃO PARA O DESCUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Como dito anteriormente, a desapropriação tem origem na Emenda Constitucional nº 10, da Constituição Federal de 1946. Sem dúvida, este instituto foi ganhando definições cada vez mais adequadas para o fim a que veio servir. Para Meirelles (apud HARADA, 1998, p. 30),

[...] desapropriação ou expropriação é a transferência compulsória da propriedade particular para o Poder Público ou seus delegados, por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização [...].

Já Medauar (apud HARADA, 1998, p. 30) conceitua a desapropriação como “figura jurídica pela qual o poder público, necessitando de um bem para fins de interesse público, retira-o do patrimônio do proprietário, mediante prévia e justa indenização.”

Esses dois conceitos de desapropriação exprimem, de forma simples e bem explicada, o que é desapropriação num sentido bem genérico. A desapropriação, como forma de sanção para o proprietário, deve contemplar alguns pontos essenciais. O interesse público é a peça fundamental, seguido da perda compulsória da propriedade e da justa indenização. A desapropriação tem o cunho de atingir o caráter perpétuo da propriedade.

A desapropriação como forma de sanção para o proprietário que não cumpre a função social da propriedade serve como meio de imposição social para que o proprietário atenda certos requisitos impostos pela Lei. O proprietário tem a obrigação de usar sua propriedade de forma adequada, tendo aproveitamento racional, utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente e também explorar sua área de maneira que favoreça o seu bem estar e de seus trabalhadores, como refere o texto constitucional. Mas, caso o proprietário não atender os requisitos que fazem a propriedade cumprir sua função social, terá o bem retirado de seu domínio por meio da desapropriação para então promover a justiça social e produtividade agrícola.

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Sobre este ponto, Morais (2010, p. 7) afirma que:

Esse procedimento expropriatório para fins de reforma agrária não deve ser entendido como restrição ao domínio privado e sim como consequência daquele que não atendeu aos requisitos constantes do princípio da função social. De acordo com Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, "a função social não limita, porém delimita e modela a propriedade, pois insere limites internos e positivos a ela." Para este autor, o limite interno é a garantia do exercício do direito de propriedade em perfeita consonância com o princípio da função social. E o limite positivo está no direcionamento econômico (produtividade) do imóvel rural.

Este instituto é fundamentado na supremacia dos interesses coletivos sobre os particulares. Em relação à função social, a desapropriação visa à necessidade de produção de riquezas e redução das desigualdades sociais e é esta lógica que limita o direito de propriedade que está inserido no direito do particular. Também, é necessário atenção para o tipo de imóvel sobre o qual irá incidir a desapropriação. Estes imóveis devem ser potencialmente agrários, ou seja, servir para a agricultura, possuindo terras férteis e estar localizado na zona rural.

A propriedade agrária deve exercer a sua função social em todas as suas dimensões e deve ser manejada como forma de proteção às pessoas que ali laboram. Dessa forma, o princípio da função social está interligado com o instituto da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária de modo que, na ausência do princípio da função social, a desapropriação do imóvel é o meio para que esse imóvel volte a exercer sua função social. Um é dependente do outro, sendo que a concretização final deste instituto é acompanhado de outros princípios, como a dignidade da pessoa humana, da igualdade, da solidariedade e da propriedade, dando a todos a oportunidade de acesso à terra.

2.1 Conceito de função social da propriedade

Durante muito tempo a propriedade foi absoluta, atingindo seu ponto máximo quando satisfazia o proprietário, que contemplava a terra com o único significado de ser seu dono, o que era um direito natural do homem. Assim, podia-se chamar essa conceituação de função individual ou privada da propriedade. Notadamente, a ideia de que o proprietário podia fazer de sua terra o que bem lhe convinha foi ficando ultrapassada e insustentável, eis que aos poucos foi surgindo o conceito de que as

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coisas ou bens ganhavam seu grau máximo de satisfação quando atingiam o seu próprio fim, o que mais tarde foi chamado de “função social da propriedade”.

Pode-se afirmar hoje que a função social da propriedade possui status de princípio, pois não se pode mais pensar a propriedade sem que ela esteja cumprindo sua função social. Como bem diz Marques (2009, p. 34): “Neste passo, pode-se dizer que o princípio da função social, com a dimensão constitucional que ganhou e com o prestígio com que ingressou na doutrina, mostra-se inquestionável.”

Para melhor compreender como o princípio da função social da propriedade se instalou no ordenamento jurídico brasileiro, é necessário fazer um apanhado desde o surgimento da ideia até sua constituição em princípio. Há estudos que revelam Aristóteles, renomado filósofo grego, como sendo o primeiro construtor da ideia de função social, ao afirmar que “o homem tinha o direito de possuir bens e deles retirar a sua própria manutenção, mas também devia satisfazer aos outros” (MARQUES, 2009, p. 35). Essa ideia teve maior reconhecimento a partir de Santo Tómas de Aquino, que em suas pregações disseminou o bem comum.

O conceito de propriedade foi mudando conforme as ideias da época em que se vivia. Com o Código de Napoleão, que ganhou caráter absoluto, o proprietário poderia fazer com sua propriedade o que bem entendesse. Essa ideia influenciou diversos códigos mundo afora, inclusive o Código Civil brasileiro de 1916. Mas este conceito absolutista em relação à propriedade logo começou a se modificar com novos pensamentos e construções ideológicas que iam surgindo a cada instante. Assim, refere Marques (2009 p. 35):

Marx chegou a preconizar a coletivização dos bens, por considerar a propriedade privada a causa maior das injustiças sociais. Mas foi com Duguit, escorado no pensamento positivista de Comte, que o direito de propriedade se despiu de caráter subjetivista que o impregnava, para ceder espaço à ideia de que a propriedade era, em si, uma função social. Para o grande jurista francês, que era Professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Bordeús, na França, a propriedade não era um direito subjetivo, mas a subordinação da utilidade de um bem a um determinado fim, conforme o direito objetivo.

Outra entidade que ajudou a difundir a ideia de função social da propriedade foi a Igreja Católica. Nas encíclicas papais sempre foi preconizada a ideia de que a

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propriedade é um direto natural a serviço do bem comum, cabendo ao Estado o dever de proteger esta relação. Esta retórica da Igreja ganhou ênfase, já que ela possuía muito prestígio.

A primeira vez que a função social da propriedade se revelou em uma constituição foi em 1917, na Constituição do México e, após, em 1919, na Constituição de Weimar e na Republicana da Espanha, em 1931. Essas Constituições deram o primeiro passo para o constitucionalismo social, abandonando os ideais das Constituições anteriores que ignoravam problemas sociais e econômicos. E, nessa senda é que a função social tomou forma de princípio constitucional no sentido de que a propriedade não possui só faculdades, mas também obrigações. Galloni (apud SILVA, 1996, p. 42) assevera que:

A propriedade, ao mesmo tempo em que representa um direito, constitui também um dever assumido frente à coletividade. Este conceito foi expressado de maneira sugestiva pela Constituição de Weimar com a fórmula „a propriedade obriga‟, fórmula retomada e repetida hoje pela Constituição da República Federal Alemã.

Seguindo este sentido, a Constituição brasileira de 1934, totalmente inspirada na Constituição de Weimar, no capítulo dos Direitos e Garantias Individuais, no inciso 17 do art. 113 previa:

É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.

Assim, a Constituição de 1934 foi a pioneira no Brasil a adotar a função social da propriedade como princípio. A Constituição de 1946 seguiu a mesma linha histórica que a de 1934, adotando também o constitucionalismo social. Trazia no capítulo destinado aos “Direitos e das Garantias Individuais” o direito à propriedade. Quando tratou da Ordem Econômica e Social, porém, preceituou no art. 147 a condição social da propriedade: “O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.”

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A Constituição Federal de 1988 estabelece expressamente a função social da propriedade como norma constitucional. Primeiro, classifica-a dentro dos direitos e deveres individuais e coletivos, no art. 5º, inciso XXII, garantindo a propriedade e, depois, no inciso XXIII, afirmando que a propriedade cumprirá sua função social. No Título VII, capítulo III, que trata da Ordem Econômica e Financeira, estabelece no art. 170 um dos princípios da ordem econômica, qual seja, a função social da propriedade. No art. 184 trata da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, e no art. 186 os requisitos que a propriedade deve atender para cumprir sua função social. Relata o referido artigo:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Ao seguir, na direção de estabelecer a função social da propriedade como princípio, a Constituição Federal de 1988 apenas deu enfoque ao que o Estatuto da Terra, Lei Ordinária nº 4.504 que entrou em vigor em 30 de novembro de 1964, já estabelecia, sendo que essa Lei concedia limite e abrangência a tal princípio.

Mais tarde, já em 1993, entrou em vigor a Lei nº 8.629, que disciplina os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, ou seja, regulamenta os arts. 184 a 191 da Constituição Federal de 1988, que tratam da política fundiária e da reforma agrária. Essa Lei, em seu art. 2º, faz referência aos quesitos que estão elencados no art. 9º, os quais o proprietário rural deve atender para seu imóvel não ser passível de desapropriação.

O art. 9º da referida Lei expressa o seguinte:

Art. 9º. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo graus e critérios estabelecidos nesta lei, os seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado:

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

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III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores;

§ 1º Considera-se racional e adequado o aproveitamento que atinja os graus de utilização da terra e de eficiência na exploração especificados nos §§ 1º a 7º do art. 6º desta lei.

§ 2º Considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade.

§ 3º Considera-se preservação do meio ambiente a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas. § 4º A observância das disposições que regulam as relações de trabalho implica tanto o respeito às leis trabalhistas e aos contratos coletivos de trabalho, como as disposições que disciplinam os contratos de arrendamento e parceria rurais.

§ 5º A exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento das necessidades básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e não provoca conflitos e tensões sociais no imóvel.

Como se vê, a propriedade rural hoje deve estar em consonância com uma série de requisitos para ser considerada cumpridora de sua função social. Não basta mais seu proprietário alegar ser o legítimo dono do imóvel para garantir seu domínio, é necessário que esteja atendendo a todos os preceitos legais para não se ver privado de sua propriedade. O princípio da função social, já consolidado no ordenamento jurídico brasileiro, é o balizador de toda essa engrenagem. Se o imóvel cumpre com a função social da propriedade está legalmente atendendo ao seu papel, caso contrário será desapropriado.

Para garantir o acesso à terra de forma justa, como prevê a Constituição Federal de 1988, o ordenamento jurídico brasileiro estabelece regras pelas quais o Poder Público pode retirar a terra do seu proprietário, desde que este não esteja fazendo uso dela de maneira adequada, cumprindo sua função social e redistribui-la novamente. É nesse ponto que o instituto da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária sai do papel e ganha aplicabilidade.

2.2 Os requisitos legais previstos na legislação para a ocorrência da desapropriação

Neste ponto é necessário levar em consideração os pressupostos legais que permitem a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. A Constituição Federal de 1988 manteve-se conservadora no trato com a reforma

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agrária, como já vinham se posicionando as Constituições antecedentes, sendo que apenas em 1993 é que foram regulamentados os dispositivos constitucionais sobre a matéria com a Lei 8.629/93. Esta Lei é a base para a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.

Em primeiro lugar é necessário saber quais os imóveis estão suscetíveis à desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. O Estatuto da Terra, em seu art. 20, traz o rol de áreas em que a desapropriação poderá ser realizada.

Segundo o Estatuto, as terras passíveis de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária são as seguintes:

Art. 20. As desapropriações a serem realizadas pelo Poder Público, nas áreas prioritárias, recairão sobre:

I – os minifúndios e latifúndios;

II – as áreas já beneficiadas ou a serem por obras públicas de vulto;

III – as áreas cujos proprietários desenvolverem atividades predatórias, recusando-se a pôr em prática normas de conservação dos recursos naturais;

IV – as áreas destinadas a empreendimentos de colonização, quando estes não tiverem logrado atingir seus objetivos;

V – as áreas que apresentem elevada incidência de arrendatários, parceiros e posseiros;

VI – as terras cujo uso atual, estudos levados a efeito pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária comprovem não ser o adequado à sua vocação de uso econômico.

A Constituição Federal de 1988 também deu sua contribuição trazendo outros critérios para definir as áreas puníveis com desapropriação para fins de reforma agrária. Diz o art. 184 da Carta Magna que todo imóvel que não cumprir sua função social é objeto de desapropriação para reforma agrária. O próprio texto constitucional, porém, faz uma ressalva no art. 185, dizendo que a pequena e média propriedade rural, assim definidas em lei, desde que seu proprietário não possua outra, e a propriedade produtiva, não poderão ser objeto de desapropriação. Dessa forma, restam apenas as grandes propriedades improdutivas como objeto para a desapropriação para fins de reforma agrária. Também é importante salientar que a pequena e a média propriedade estão definidas no art. 4º da Lei 8.629/1993 da seguinte forma:

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Art. 4º. Para efeito desta lei, conceituam-se: [...]

II – Pequena Propriedade – o imóvel rural:

a) De área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais; III – Média Propriedade – o imóvel rural:

a) De área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais; [...].

A partir dessa definição fica claro que a grande propriedade é definida como aquela que possui área superior a 15 (quinze) módulos fiscais. Assim, pode-se dizer que os imóveis passíveis de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária são aqueles que têm extensão acima de 15 módulos fiscais, ou seja, a grande propriedade. Dessa forma, a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária incide sobre as grandes propriedades rurais improdutivas. Mas os requisitos “grande propriedade” e “propriedade improdutiva” não são os únicos que caracterizam o imóvel a fim de que seja expropriado. É necessário que este imóvel esteja descumprindo os requisitos da função social da propriedade, o que será investigado durante a vistoria, que é o primeiro passo do procedimento desapropriatório.

Esse procedimento, previsto no art. 184 da Constituição Federal de 1988, foi regulamentado pela Lei Complementar nº 76, de 06 de julho de 1993, que posteriormente foi modificada pela Lei Complementar nº 88, de 23 de dezembro de 1996. Dessa forma, passa-se a analisar os principais pontos do procedimento para a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.

Em primeiro lugar, é necessário destacar de quem é a competência para desapropriar. A competência para declarar, por decreto, o interesse social sobre determinado imóvel rural está no art. 184 da Constituição Federal de 1988, que prevê como sendo da União. A competência executória também é exclusiva da União, através de seu órgão executor da reforma agrária – INCRA. Em relação ao foro competente, discorre Soares (2010, p. 26):

[...] O foro competente para o processo e julgamento das ações de desapropriação, por interesse social, para fins de reforma agrária, será a Vara da Justiça Federal, do Estado onde se situe o imóvel, ou ainda do Distrito Federal, conforme prevê o artigo 2°, § 1° da LC nº 76/93.

Os Tribunais Regionais Federais podem criar varas agrárias, com o objetivo de agilizar os processos de desapropriação para fins de reforma agrária, conforme autorização concedida pelo Conselho da Justiça Federal, em 2001. [...].

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Definidos esse detalhes é dado início ao procedimento. Como ressalta Zerdes (2007, p. 20):

A legislação dá margem a uma série de atos que precisam ser tomados pela figura do expropriante para que a expropriação não tenha sua legitimidade prejudicada, ou venha a ser declarada nula. Nos termos da lei, para a propriedade ter condições de integrar o patrimônio público através da desapropriação é preciso que o Estado aja em conformidade com o procedimento expropriatório previsto, enfrentando, inevitavelmente, as duas fases deste, quais sejam: a fase declaratória e a fase executória. Assevera-se que são duas faAssevera-ses conAssevera-secutivas (primeiro Assevera-se passa por uma para depois adentrar na outra) e que não se confundem devido as suas diferenças.

O primeiro passo é o procedimento administrativo, realizado pelo INCRA, para conferir se o imóvel em questão preenche todos os requisitos que estão elencados na Lei 8.629/93. Nesse procedimento, assim que identificado o imóvel, haverá a prévia notificação do proprietário que, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, deverá ser realizada antes do ingresso do INCRA no imóvel para a realização da vistoria. Caso a notificação não seja realizada dessa forma, todos os atos posteriores estão contaminados por este erro procedimental, o que resulta em vício insanável. Também decidiu a Suprema Corte que a notificação deve ser na pessoa do proprietário ou de seu representante legal ou convencional, mesmo que esta notificação realize-se via postal. E, em caso de condomínio e usufruto, a notificação deve ser feita a todos os condôminos e usufrutuários. Não sendo encontradas as pessoas que devem ser notificadas, será publicado edital, por três vezes consecutivas, em jornal de grande circulação na capital do Estado em que está localizado o imóvel. Também será comunicado aos organismos de representação de trabalhadores rurais e de classes produtoras para indicarem técnicos para acompanharem a vistoria.

Em seguida, o INCRA realizará vistorias no imóvel para levantamento de dados e informações com o objetivo de verificar se a propriedade está ou não cumprindo com sua função social. A vistoria está prevista no art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.629/93. Assim refere a norma:

Art. 2º. A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais.

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§ 2o. Para os fins deste artigo, fica a União, através do órgão federal competente, autorizada a ingressar no imóvel de propriedade particular para levantamento de dados e informações, mediante prévia comunicação escrita ao proprietário, preposto ou seu representante. [...]

Após todo esse trâmite, é expedido um laudo pelo INCRA, sendo dada vista do mesmo ao proprietário para que, querendo, se manifeste no prazo de 15 (quinze) dias. Passado o prazo, com ou sem manifestação do proprietário, haverá uma decisão dentro do próprio INCRA. Concluído que o imóvel não está cumprindo sua função social e que preenche os demais requisitos para a desapropriação, será expedida a declaração de interesse social por intermédio de um decreto presidencial. Este decreto encerra a primeira fase do procedimento expropriatório.

Quanto à declaração de interesse social, Soares (2010) refere que nesta declaração deve constar, em detalhes, a descrição do prédio rústico sobre o qual recai a medida, com os limites e as confrontações do imóvel, o fim a que motiva e os dispositivos constitucionais e legais que a autorizam e, conforme exigência dos arts. 15 e 16 da Lei Complementar nº 101/2000, a existência de recursos orçamentários.

Cabe ressaltar que a Lei nº 8.629/93, quando modificada pela Medida Provisória nº 2.183-56/01 que inseriu o § 6º no seu art. 2º, trouxe a mudança mais significativa para o instituto da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. A determinação do parágrafo impede que os imóveis sejam vistoriados, avaliados e desapropriados quando estes forem objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo nos dois anos seguintes à sua desocupação e, no dobro do prazo em caso de reincidência.

Ainda, em caso de existência de bens móveis e de semoventes na propriedade que está sendo desapropriada, cabe ao juiz, a pedido de qualquer das partes, fixar o valor para o transporte às expensas do expropriante, conforme previsto no art. 20 da Lei Complementar nº 76/1993. Com o ato declaratório de interesse social, o INCRA pode novamente entrar no imóvel para realizar a vistoria com o objetivo de calcular o valor da justa indenização.

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Após a publicação do decreto da declaração de interesse social, o INCRA, que possui a legitimidade ativa e exclusiva, deve propor a ação de desapropriação no prazo de dois anos. Este prazo é decadencial, podendo ser reconhecido de ofício pelo juiz, caso não for requerido por nenhuma das partes da maneira como disciplina o art. 3º da Lei Complementar nº 76/1993.

A ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária obedece ao trâmite do contraditório especial, de rito sumário, além dos requisitos da Lei Complementar nº 76/1993. Explana Barros (1996, p. 51) sobre a petição inicial:

A sua petição inicial, conforme o art. 5º da Lei Complementar nº 76, além do conteúdo exigível para qualquer ação previsto no Código de Processo Civil, exige que contenha ela a oferta do preço e seja instruída com os seguintes documentos:

I – texto do decreto declaratório de interesse social para fins de reforma agrária, publicado no Diário Oficial da União;

II – certidões atualizadas de domínio e de ônus do imóvel; documento cadastral do imóvel;

III – laudo de vistoria e avaliação administrativa, que conterá, necessariamente:

a) a descrição do imóvel, por meio de suas plantas geral e de situação, e memorial descritivo da área objeto da ação;

b) relação das benfeitorias úteis, necessárias e voluptuárias, das culturas e pastos naturais e artificiais, da cobertura florestal, seja natural ou decorrente de florestamento ou reflorestamento, e dos semoventes; c) discriminadamente, os valores de avaliação da terra nua e das

benfeitorias indenizáveis.

Soares (2010, p 30) ainda acrescenta à petição inicial como sendo requisito indispensável:

[...] V - comprovante de lançamento dos Títulos da Dívida Agrária correspondente ao valor ofertado para pagamento da terra nua; VI – comprovante de depósito em banco oficial, ou outro estabelecimento no caso de inexistência na localidade, à disposição do juízo, correspondente ao valor ofertado para pagamento das benfeitorias úteis e necessárias.

Após, o juiz verifica se a petição inicial está de acordo com a lei e analisa os documentos que a acompanham e, de ofício, no prazo de 48 horas, decidirá pela emissão do autor na posse do imóvel, mandará citar o expropriado para contestar o pedido, ou para indicar assistente técnico e expedirá mandado ao Registro de Imóveis para averbação do ajuizamento da ação de desapropriação e para conhecimento de terceiros.

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Nos dez dias subsequentes à citação, o juiz designará Audiência de Conciliação, intimando as partes e o Ministério Público, que deverá participar de todos os atos sob pena de nulidade. Se as partes decidirem realizar um acordo, este será homologado e terá força de sentença para possibilitar o registro do imóvel em nome do expropriante.

Não ocorrendo o acordo, entretanto, o expropriado terá 15 dias para contestar, sendo esse prazo contado a partir da citação. Na contestação o expropriado pode alegar matérias relativas ao valor da indenização e aos vícios do processo, sendo estes não apenas os da fase judicial, mas também os vícios ocorridos no procedimento administrativo, inclusive os vícios do Decreto Declaratório. Fica vedado, no entanto, arguir matéria acerca do interesse social, pois consta vedação expressa no art. 9º da Lei Complementar nº 76/1993.

Sobre os vícios do Decreto Declaratório, esclarece Barros (apud SOARES, 2010, p. 33):

[...] se o ato administrativo declaratório de interesse social para fins de reforma agrária foi irregularmente expedido, como por exemplo, declarando a propriedade rural como grande e improdutiva quando, em verdade, não é ela nem grande, nem improdutiva, na definição dos arts. 4° e 6° da Lei n° 8.629, de 25.02.93, evidentemente que a declaração de vontade do poder público está viciada e, dessa forma, possibilita sua arguição como matéria de defesa, em contestação, na ação desapropriatória, para que o Poder Judiciário analise a existência ou não desses pressupostos.

Se na contestação o expropriando arguir os vícios do Decreto Declaratório, será designada a realização de perícia, devendo as partes apresentar quesitos no prazo de 10 (dez) dias. Esta perícia deve ser concluída no prazo fixado pelo juiz e não excederá 60 (sessenta) dias, conforme prevê o § 2º do art. 9º da Lei Complementar nº 76/93. Este prazo poderá ser prorrogado apenas uma vez.

Caso a ação não for contestada, no entanto, o juiz homologará o preço oferecido pelo expropriante, sentenciando a ação. Apenas é designada Audiência de Instrução e Julgamento se o réu tiver contestado a ação e sua data será marcada 15 (quinze) dias após a conclusão da perícia. Após a audiência, a causa será julgada na própria audiência ou nos 30 (trinta) dias seguintes. Essa sentença possui duas

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naturezas: uma declaratória, quando informa o justo preço pago ao expropriado; e outra constitutiva, quando se refere à perda da propriedade.

Dessa forma, o procedimento expropriatório revela-se como punição exercida pelo Poder Público ao proprietário que não cumpre a função social da propriedade. Notadamente, este procedimento se mostra como uma imposição ao proprietário que não tem efetivamente a chance do devido processo legal, já que não tem como alegar questões de mérito durante o processo, bem como é o próprio órgão federal que avalia as condições do imóvel e figura como polo ativo da ação de desapropriação.

É, portanto, por intermédio do instituto da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária que se visa a efetivação de preceitos constitucionais fundamentais, como o direito de todos ao acesso à terra. Na afirmação desses preceitos é que se busca a promoção da justiça social no campo.

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CONCLUSÃO

O presente estudo teve por objetivo fazer uma análise acerca do instituto da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. Nesse sentido, o interesse social da propriedade, princípio constitucional já consolidado no ordenamento jurídico brasileiro, vem trazendo solidez a esse instituto. A Constituição Federal de 1988, atualmente vigente, trata do interesse social vinculado à função da propriedade rural com aproveitamento racional e adequado. Desse modo, o interesse social deve ser cumprido como forma de sanção ao exercício do direito à propriedade.

A função social da propriedade é o meio em que o legislador obrigou o proprietário do bem imóvel rural a se comprometer com o uso adequado do solo, sob pena de perder seu bem mediante desapropriação.

A desapropriação, que se remete à privação compulsória de um bem que pertence a um proprietário em favor do ente público, é o meio que tem sua previsão constitucional instituída desde a Constituição brasileira de 1824. Com o advento da função social da propriedade na Constituição brasileira de 1934 surgiu pela primeira vez a desapropriação por interesse social.

Percebe-se, assim, que já transcorreu um longo tempo desde o momento em que a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária passou a integrar o ordenamento jurídico. Inicialmente vinculada ao individualismo, em que o único objetivo era acumular riqueza a qualquer custo, a propriedade passou por diversas mudanças até que adquiriu um caráter mais social.

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Nesse contexto, verifica-se que a função social da propriedade cumpre seu papel quando atinge simultaneamente os critérios propostos pela Constituição Federal de 1988. A desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, entretanto, torna-se necessária quando o proprietário deixa de atender esses requisitos. Entende-se, assim, que a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária é uma forma de sanção a este proprietário.

Assim sendo, o proprietário que possui a riqueza da terra, também possui o dever de proporcionar o exercício de sua função social. Cumprida essa missão, seus atos de domínio estão protegidos. Se não os cumpre, ou deixa sua terra tornar-se improdutiva, o governante é capaz de lhe obrigar a cumprir sua função social de dono, que consiste em assegurar o emprego das riquezas que possui conforme seu destino, sob pena de ter sua propriedade desapropriada para que então possa atingir seu verdadeiro objetivo.

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REFERÊNCIAS

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