• Nenhum resultado encontrado

Herança Digital: uma nova realidade no direito sucessório

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Herança Digital: uma nova realidade no direito sucessório"

Copied!
56
0
0

Texto

(1)

HERANÇA DIGITAL:

UMA NOVA REALIDADE NO DIREITO SUCESSÓRIO

Içara 2020

(2)

HERANÇA DIGITAL:

UMA NOVA REALIDADE NO DIREITO SUCESSÓRIO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso do Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador(a): Prof. Roberta dos Santos Rodrigues, Esp.

Içara 2020

(3)

HERANÇA DIGITAL:

UMA NOVA REALIDADE NO DIREITO SUCESSÓRIO

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Içara, 30 de novembro de 2020.

________________________________________________ Professora e orientadora Roberta dos Santos Rodrigues, Esp.

________________________________________________ Professora Vanessa de Assis Martins, Ms.

________________________________________________ Professora Ana Carla Ferreira Marques, Esp.

(4)
(5)

Agradeço a Deus, pelo dom da vida e pela graça de cursar a faculdade de Direito, por me dar forças para seguir firme sempre.

Agradeço a Unisul, por todo conhecimento adquirido ao longo desses cinco anos, principalmente ao Núcleo de Prática Jurídica que contribuiu para formação prática do ensino teórico recebido nas aulas.

Agradeço à minha professora e orientadora Roberta dos Santos Rodrigues, sempre presente, disposta e prestativa.

Aos membros da banca examinadora, meus agradecimentos pelas eventuais críticas e sugestões apresentadas.

E, o agradecimento principal, aos meus pais, Vanderley e Vanize, meus irmãos, Patrícia e Vanderley Júnior, minha avó Ignês, bem como os demais membros da minha família, em especial meu marido, Victor, por me apoiar nesses dois anos de graduação em que esteve presente em minha vida.

(6)

O presente trabalho buscou analisar a aplicabilidade das regras do Direito Sucessório em relação ao patrimônio exclusivamente digital. Iniciou-se falando do Direito das Sucessões no ordenamento jurídico pátrio, destacando sua evolução histórica e tecendo considerações acerca da abertura da sucessão, ordem de vocação hereditária e espécies de sucessão. Na sequência, discorreu-se sobre o Direito Virtual no Brasil, destacando-se os princípios e direitos atinentes ao tema, como a dignidade da pessoa humana, a liberdade de expressão, a intimidade, a privacidade e a informação, bem como as legislações brasileiras existente sobre o Direito Virtual. Adentrou-se ao tema herança digital, fazendo considerações acerca do tema no Brasil e em alguns ordenamentos estrangeiros, além de falar das tecnologias de comunicação e mídias sociais, focando, ainda, nos direitos de personalidade e de privacidade do autor da herança. Observou-se a existência de Projetos de Lei que versam sobre herança digital, mecanismos pré-existentes e alguns casos concretos que discutiu-se o assunto. O estudo mostra-se pertinente em razão das diversas inovações tecnológicas que estão acontecendo de forma cada vez mais rápida, até porque o mundo virtual mudou a forma de viver de grande parte das pessoas, surgindo indagações no que toca à destinação do patrimônio virtual após a morte do seu titular.

(7)

The present job looked to analise the applicability of Sucession Rights rules, related to exclusively digital patrimony. It began talking about Sucession Rights in the land legal order, highlighting it’s historic evolution and weaving considerations about the sucession opening, order of hereditary vocation and sucession species. On the sequence, spoked up about Virtual Rights in Brazil, highlighting the principles and rights relevant to the theme, like humans person dignity, expression liberty, intimity, privacity and information, such as existing brazilian legislation about Virtual Rights. Got into digital heritage theme, making considerations about the theme in Brazil, and in some forager ordinaments, beyond talking about communication tecnology and social media, still focusing on the personality and privacity rights of the heritage author. It was observed the existance of Law Projects that talk about digital heritage, pre-existing mechanism and some concret cases where the subject matter were discussed. The research shows up relevant because of the many tecnology

innovations that are happening in a each time faster way, even because the virtual world changed the living way of the majority of the people, showing up inquiries about virtual patrimony destination, after it’s owner death.

(8)

1 INTRODUÇÃO...10

2 O DIREITO DAS SUCESSÕES NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA...14

2.1 Evolução Histórica do Direito Sucessório no Brasil...14

2.2 Abertura da Sucessão...16

2.3 Da Ordem de Vocação Hereditária...17

2.4 Espécies de Sucessão...21

2.4.1 Sucessão Testamentária...21

2.4.2 Sucessão Legítima...23

3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO VIRTUAL NO BRASIL...26

(9)

3.2.3 Direito à Intimidade...28

3.2.4 Direito à Privacidade...29

3.2.5 Direito à Informação...30

3.3 Legislações Relacionadas ao Direito Virtual no Brasil...30

3.3.1 Lei n.º 12.737/2012...31

3.3.2 Lei n.º 12.965/2014...31

3.3.3 Lei n.º 13.709/2018...32

4 HERANÇA DIGITAL: UMA NOVA REALIDADE NO DIREITO SUCESSÓRIO.34 4.1 Considerações Iniciais...34

4.2 A Herança Digital no Brasil...35

4.3 A Herança Digital no Direito Comparado...35

4.4 As Tecnologias de Comunicação e as Mídias Sociais...36

4.5 Direito de personalidade do autor da herança...37

4.6 Direito à Privacidade post mortem...38

4.7 Dos Projetos de Lei...38

4.7.1 Projetos de Lei n.º. 4.099/2012 e n.º 4.847/2012...39

4.7.2 Projeto de Lei n.º 7.742/2017...40

4.7.3 Projeto de Lei n.º 5.820/2019...41

4.8 Dos Mecanismos Pré-existentes...42

4.9 Moedas virtuais...45

4.10 Casos Concretos...46

CONCLUSÃO...49

REFERÊNCIAS...51

(10)
(11)

1 INTRODUÇÃO

A pesquisa do presente trabalho monográfico baseia-se na possibilidade da herança digital integrar o rol de bens a serem partilhados entre os herdeiros do falecido, especialmente levando em consideração as divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema.

A ampla utilização da internet é uma realidade atual da sociedade, e isso se dá devido ao rápido desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação. Consequentemente, a internet está modificando as relações como um todo, desde as negociações entre as pessoas, até a emissão de certidões e documentos por meio eletrônico.

É comum o armazenamento de informações pessoais e profissionais em banco de dados cibernéticos, espaços digitais com contas de e-mail e junto às redes sociais, além de moedas virtuais, como os bitcoins.

Esse armazenamento, na maioria das vezes, fica protegido por senha de acesso, que o titular detém. Quando o mesmo falece, o acesso aos dados armazenados fica inviabilizado, mesmo por parte dos familiares.

Assim, como consequência do desenvolvimento tecnológico, se faz necessário o questionamento acerca dos bens virtuais, e da destinação de tais bens após a morte do titular dos mesmos.

Várias são as posições doutrinárias sobre o tema herança digital, assim como já existem alguns projetos de lei sobre o assunto.

O Projeto de Lei n.º 4.099/2012, de autoria do Deputado Federal Jorginho Mello, pretende alterar o artigo 1.788 do Código Civil, garantindo aos herdeiros a transmissão dos conteúdos de arquivos e contas digitais. (BRASIL, 2012).

Já o Projeto de Lei n.º 4.847/2012, de autoria do Deputado Federal Marçal Filho, pretende acrescentar o Capítulo II-A e os artigos 1.797-A a 1.797-C ao Diploma Civil, trazendo normas sobre herança digital. (BRASIL, 2012).

Existe, ainda, o Projeto de Lei n.º 7.742/2017, proposta pelo Deputado Federal Alfredo Nascimento, que dispõe sobre a destinação das contas de aplicações da internet após a morte de seus titulares. (BRASIL, 2017).

No mesmo sentido, tem-se o Projeto de Lei n.º 5.820/2019, proposto pelo Deputado Federal Elias Vaz, que pretende dar nova redação ao artigo 1.881 do Código Civil, trazendo normas sobre testamento e herança digital. (BRASIL, 2019).

(12)

Assim sendo, a escolha do tema se justifica pela relevância social, considerando a omissão legislativa existente, que provoca insegurança jurídica no momento da partilha dos bens.

E isso, porque, apesar da existência de alguns projetos de lei, o tema proposto não possui nenhuma legislação própria, o que dificulta no julgamento dos processos que envolvam a herança digital.

Os projetos de lei que tratam do assunto recebem inúmeras críticas, posto que se tem grande preocupação com alguns direitos, como o direito à personalidade, à privacidade e o de imagem.

Atualmente, várias empresas virtuais, principalmente redes sociais, têm criado ferramentas para facilitar a partilha dos bens virtuais, como por exemplo, testamentos virtuais; autorização para que determinada pessoa fique responsável pela conta no momento do falecimento; requerimento para que a conta em certa rede social não seja transmitida a nenhum herdeiro; etc.

Desta forma, para corroborar com o presente trabalho e motivar a investigação, lançam-se algumas indagações, tais como: O patrimônio virtual entrará ou não na partilha dos bens deixados pelo de cujus? Como identificar e acessar os bens virtuais deixados pelo falecido? Como valorar o patrimônio virtual? E, finalmente, a herança digital deverá integrar o rol de bens a serem partilhados entre os herdeiros do falecido?

Como objetivo geral, pretende-se analisar se a herança digital deverá ou não ser incluída no inventário do de cujus.

E, como objetivos específicos, verificar-se-á os diversos posicionamentos existentes acerca da transmissibilidade, ou não, do patrimônio virtual deixado pelo

de cujus, conceituando-se, para isso, herança digital, e pontuando as propostas

legislativas existentes acerca do tema.

Os procedimentos adotados, que deram delineamento à pesquisa até à solução do problema proposto, classificam-se em: monográfico, comparativo, indutivo, exploratório, bibliográfico, documental e qualitativo.

Os métodos de procedimento que foram utilizados na pesquisa consistem no monográfico e no comparativo, onde se tem a preocupação com o aprofundamento do tema em estudo com a necessidade de comparações entre leis, normas e doutrinas.

(13)

O método de abordagem aplicado na pesquisa foi o indutivo, apontado como aquele que parte de uma ou mais preposições particulares, a fim de chegar a uma conclusão geral ou universal, pois serão analisados os posicionamentos de diversos juristas acerca do tema para chegar a um resultado universal para resolver o problema.

A pesquisa proposta para o presente trabalho, quanto ao seu nível de profundidade ou objetivo, foi a do tipo exploratória, pois envolveu levantamento bibliográfico, que proporcionou clareza diante das indagações e problemas impostos.

Os procedimentos de coleta de dados foram dos tipos bibliográfico e documental. As pesquisas do tipo documental são aquelas que utilizam documentos para construir o conhecimento. A pesquisa bibliográfica, por sua vez, baseia-se em estudo de doutrinas acerca do tema, assim como artigos científicos.

Por fim, quanto à abordagem do tema, utilizou-se a qualitativa, pois não serão analisados números, mas sim, palavras. Serão analisadas doutrinas, jurisprudências e projetos de leis.

Dessa forma, a pesquisa abordará, especificamente, o estudo acerca da herança digital, e da possibilidade de transferência dos bens virtuais aos herdeiros, no momento do falecimento do titular dos referidos bens.

Para que isso ocorra, o presente trabalho será dividido em cinco capítulos. O presente capítulo abordou a parte introdutória do tema que será desenvolvido ao longo deste trabalho.

Na sequência, o segundo capítulo explanará acerca do Direito das Sucessões na ordem jurídica brasileira, abordando sua evolução histórica, bem como assuntos inerentes ao instituto, como a abertura da sucessão, ordem de vocação hereditária e espécies de sucessão.

No terceiro capítulo, será feita uma abordagem sobre o Direito Virtual no Brasil, elencando-se alguns princípios relacionados ao tema, além dos direitos fundamentais à intimidade, privacidade e informação, bem como as normas brasileiras relacionadas ao Direito Digital.

O quarto capítulo está relacionado ao objeto da pesquisa proposta, onde será analisada a herança digital no Brasil e no Direito Comparado, abordando o direito de personalidade do autor da herança e o direito à privacidade post mortem, aliado aos projetos de lei existentes sobre a matéria, além dos mecanismos pré-existentes para

(14)

o gerenciamento de contas virtuais inativas, bem como alguns casos concretos, que servem como precedentes para casos futuros.

No quinto e último capítulo, será concluído o estudo dos elementos e possibilidades que a pesquisa proporcionou, a fim de obter uma resposta às indagações que corroboraram e motivaram a investigação a respeito do tema.

(15)

2 O DIREITO DAS SUCESSÕES NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA

O presente capítulo abordará os principais temas introdutórios acerca do Direito Sucessório, como a evolução histórica do Direito da Sucessões no Brasil, elencando algumas diferenças entre o Código Civil de 1916 e o de 2002 em matéria sucessória.

Ainda, serão pontuadas questões acerca da abertura da sucessão, ordem da vocação hereditária e as espécies de sucessão disciplinas no ordenamento jurídico.

2.1 Evolução Histórica do Direito Sucessório no Brasil

O significado da palavra sucessão vem do sentido de sequência, ordem e continuidade. A palavra, que é originada do latim, sugerindo a ideia de transmissão de fatos e bens a um sucessor. É a transferência de patrimônios, direitos e obrigações de uma pessoa a outra, seja em vida ou após a morte.

De acordo com Carlos Roberto Gonçalves:

A palavra sucessão, em sentido amplo, significa o ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens. Numa compra e venda, por exemplo, o comprador sucede ao vendedor, adquirindo todos os direitos que a este pertenciam. Na hipótese, ocorre a sucessão inter vivos. No direito das sucessões, entretanto, o vocábulo é empregado em sentido estrito, para designar tão somente a decorrente da morte de alguém, ou seja, a sucessão causa mortis. (GONÇALVES, 1997).

Antes da existência das leis, o Direito das Sucessões já estava presente na cultura dos povos, como nos Códigos de Amurabi e de Manu. Ambos formaram a história do Direito Sucessório no mundo, e inspiraram a construção dos conceitos básicos relacionados à herança.

No Brasil, vigorou o Código Civil de 1916, e o Direito das Sucessões localizava-se na parte especial, juntamente com os títulos de Direito da Família, Direito das Coisas e Direito das Obrigações. (BRASIL, 1916).

(16)

Na vigência do conhecido Código Beviláqua, os filhos concebidos fora do casamento não possuíam direito sucessório, pois apenas se reconhecia a constituição da família diante do casamento legal, com filhos denominados legítimos. (BRASIL, 1916).

Sobre o tema, destaca-se:

O Código de 2002 ainda suprime qualquer diferença entre os filhos outrora denominados “legítimos” e “ilegítimos”, reconhecendo, sem qualquer restrição, o direito sucessório dos filhos adotivos. (GONÇALVES, 2020). No Código Civil de 1916 o cônjuge sobrevivente não podia concorrer à herança com descendentes e ascendentes, limitando-se à terceira ordem de vocação hereditária. O companheiro supérstite, por sua vez, não era chamado a suceder. (BRASIL, 1916).

Os colaterais, na vigência do Diploma Civil de 1916, possuíam direito sucessório até o sexto grau. (BRASIL, 1916).

O antigo Código Civil também não elencava as pessoas concebidas como legítimos a suceder o de cujus.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os filhos ilegítimos foram incluídos no rol de herdeiros, sendo tratados com igualdade na filiação, sejam frutos de casamento ou de adoção.

Dispõe a Constituição Federal, que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

A atual Carta Magna elencou o direito à herança como direito fundamental. (BRASIL, 1988).

O Código Civil de 2002 trouxe algumas inovações em matéria sucessória, como, por exemplo, possibilitou ao cônjuge sobrevivente concorrer com os descendentes e ascendentes do falecido. (BRASIL, 2002).

O Direito Sucessório foi estendido apenas aos colaterais em quarto grau de parentesco com o autor da herança. (BRASIL, 2002).

(17)

Ainda, o legislador ordinário regulamentou o direito sucessório do companheiro supérstite em dispositivo legal que, posteriormente, foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. (BRASIL, 2002 e 2017).

Outra inovação do Diploma Civil de 2002 foi a legitimação a suceder das pessoas já concebidas no momento da abertura da sucessão, dando status de herdeiro ao nascituro, seja pela sucessão legítima ou testamentária. (BRASIL, 2002).

2.2 Abertura da Sucessão

O momento de abertura da sucessão é o exato momento da morte. Falecendo o de cujus, abre-se a sucessão e a herança é imediatamente transferida aos

herdeiros, através do chamado princípio da Saisine.

Nessa linha, colaciona-se:

Pelo princípio da saisine, a lei considera que, no momento da morte, o autor da herança transmite seu patrimônio, de forma íntegra, a seus herdeiros. (DIMAS MESSIAS DE CARVALHO; DIMAS DANIEL DE CARVALHO, 2007).

Sobre o tema, disciplina o artigo 1.784 do Código Civil:

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. (BRASIL, 2002).

O principal efeito da abertura da sucessão é a transferência automática da propriedade e posse da herança aos herdeiros legítimos e testamentários.

Nesse sentido,

Assim, a posse e propriedade dos bens que compõem o monte patrimonial do de cujus são transferidas aos seus herdeiros com o advento de sua morte, mesmo que eles ainda não tenham ciência do óbito e

(18)

independentemente de quaisquer formalidades. (DIANA NACUR NAGEM LIMA SALLES, 2017).

A partir disso, todos os herdeiros passam a responder pelo todo da herança, até o momento da individualização das quotas na partilha, ou através de cessão de direitos hereditários.

Nessa esteira, colaciona-se:

Antes da partilha, cada sucessor é titular de fração ideal do patrimônio. Nesta fase, possível é apenas a cessão de direitos correspondentes às frações ideais da herança, garantida a preferência aos demais herdeiros. Inconcebível, assim, a alienação ou gravame de um bem determinado, pois, entre os herdeiros, com a abertura da sucessão, forma-se um condomínio. (PAULO NADER, 2016).

Aliás, o Código Civil em seu artigo 80, inciso II, dispõe que o direito à sucessão aberta é considerado um bem imóvel. (BRASIL, 2002).

Assim, o herdeiro pode, a partir da abertura da sucessão, dispor e alienar sua quota hereditária, ressaltando o direito de preferência em favor dos coerdeiros.

Ainda, sobre a abertura da sucessão, Dimas Messias de Carvalho e Dimas Daniel de Carvalho ensinam que:

A sucessão considera-se aberta no instante real ou presumido da morte de alguém, fazendo nascer o direito hereditário e operando a substituição do falecido por seus sucessores a título universal nas relações jurídicas em que aquele figurava. (DIMAS MESSIAS DE CARVALHO; DIMAS DANIEL DE CARVALHO, 2007)

No mesmo sentido, elucida Carlos Roberto Gonçalves:

A existência da pessoa natural termina com a morte real (CC, art. 6º). Como não se concebe direito subjetivo sem titular, no mesmo instante em que aquela acontece abre-se a sucessão, transmitindo-se automaticamente a herança aos herdeiros legítimos e testamentários do de cujus, sem solução

(19)

de continuidade e ainda que estes ignorem o fato. (CARLOS ROBERTO GONÇALVES, 2020).

O exato momento da morte é importante para definir quem tem capacidade sucessória. E isso, porque a data do falecimento estabelecerá qual norma civil será aplicada ao processo de inventário.

Segundo Plabo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:

É preciso ter em mente que a lógica do sistema é de que toda transferência patrimonial se deu ipso facto da morte, regra básica de direito material. Assim, eventual demora no ajuizamento, com a modificação da disciplina jurídica a posteriori, não teria o condão de modificar tais situações, com aplicação retroativa. (PLABO STOLZE GAGLIANO; RODOLFO PAMPLONA FILHO, 2018).

Desta forma, a lei civil que se aplicará ao inventário seguirá a data que ocorreu o óbito.

2.3 Da Ordem de Vocação Hereditária

A ordem de vocação hereditária é a ordem estabelecida no Código Civil no que toca à sequência das pessoas que irão receber a herança deixada pelo falecido. Importante mencionar que o grau mais próximo ao morto exclui o mais remoto, como por exemplo, na sucessão dos descendentes, conforme elucida Débora Zaltron:

Independente do grau, todos os descendentes serão contemplados pelo direito sucessório, devendo apenas respeitar a ordem para suceder entre eles, devidamente determinada pelo artigo 1.833 do Código Civil, o qual afirma que os descendentes de grau mais próximo excluem os mais distantes, com exceção ao direito de representação. (ZALTRON, 2017). O artigo 1.829 do Diploma Civil traz a ordem de vocação hereditária, nos seguintes termos:

(20)

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais. (BRASIL, 2002).

Segundo o entendimento de Plabo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:

Se as regras da Sucessão Legítima existem para a preservação da parte indisponível da herança — prestigiando-se alguns dos herdeiros —, não se pode negar que o estabelecimento de uma ordem de vocação hereditária tem por finalidade, também, permitir a transmissibilidade do patrimônio do falecido, especialmente para os casos em que ele não manifestou, de forma prévia, a sua vontade sobre o sentido do direcionamento daqueles bens. (GAGLIANO; FILHO, 2018).

Importante frisar que desde que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil (BRASIL, 2017), passou-se a entender que o companheiro sobrevivente estaria incluído, juntamente do cônjuge, no inciso III do artigo 1.829 supracitado. (BRASIL, 2002).

Em primeiro lugar são chamados a suceder os descendentes, que são aqueles que descendem do falecido, como os filhos, netos, bisneto e, assim, sucessivamente.

Sobre o assunto, Euclides e Sebastião ensinam:

Justifica-se a colocação prioritária dos descendentes no recebimento da herança porque, supostamente, seria vontade do falecido proteger sua prole, mediante a transmissão do patrimônio que lhe garanta digna sobrevivência. (OLIVEIRA; AMORIM, 2013).

No mesmo sentido, Débora Zaltron menciona:

Os descendentes são os primeiros a suceder de acordo com o código civil vigente, e dentre muitas justificativas apresentadas, a principal é a continuidade da vida humana e a vontade presumida do autor da herança. (ZALTRON, 2017).

O Código Civil de 2002 possibilitou ao cônjuge sobrevivente concorrer à herança juntamente com os descendentes, a depender do regime de bens do casamento.

(21)

Com o aparecimento da concorrência o cônjuge passou a ter vantagem em relação aos demais, porque além de estar na classe sucessória, ainda concorre com os descendentes e com ascendentes. Mas, para haver essa concorrência é preciso analisar o regime. (VERDE, 2019).

Sendo casado no regime da comunhão parcial de bens ou no da participação final dos aquestos, e tendo deixado bens particulares, haverá concorrência do cônjuge supérstite no que se refere a tais bens. Ainda, ter-se-á a concorrência do cônjuge com os descendentes se o regime de bens era o da separação convencional.

Ao cônjuge sobrevivente será assegurado o mínimo de um quarto da herança se for ascendente dos descendentes com quem concorrer, bem como terá garantido o direito real de habitação.

No caso de o falecido não deixar descendentes, serão chamados a suceder os ascendentes, que contemplam os pais, avós, bisavós, etc., do autor da herança, destacando-se:

Na falta de descendentes, serão chamados a suceder os ascendentes, vedado o direito de representação, com os ascendentes de grau mas próximo, excluindo os de grau mais remoto. Na falta de um dos pais o falecido, o outro amealhará, sozinho, todo o acervo hereditário. (CARVALHO; CARVALHO, 2007).

Assim como no caso dos descendentes, o legislador possibilitou ao cônjuge sobrevivente a concorrência com os ascendentes, e, nesse caso, qualquer que seja o regime de bens.

Nessa linha, destaca-se:

Nota-se que o cônjuge, para concorrer com descendentes, depende do regime de bens adotado no casamento. Com o ascendente, o cônjuge concorre em qualquer regime. De qualquer forma, continua a configurar como terceiro na ordem de vocação hereditária, recebendo a totalidade da herança se não houver descendentes ou ascendentes. (OLIVEIRA; AMORIM, 2013).

Aqui, ressalta-se que o percentual a ser recebido pelo cônjuge supérstite será de um terço da herança se concorrer com pai e mãe do falecido ou de cinquenta por cento da herança se concorrer só com pai ou só com mãe do falecido. Ainda, caberá ao cônjuge metade da herança se concorrer com ascendente de grau mais distante.

(22)

Nesse diapasão, pontua-se:

Uma observação relevante a se fazer em relação à sucessão legítima do ascendente é que o art. 1.829, II do CC não estabelece exceções para concorrência do cônjuge com os ascendentes como faz no inciso I ao tratar da sucessão legítima dos descendentes. Isso implica em afirmar que o cônjuge sobrevivente sempre poderá concorrer com os ascendentes do de cujus, independente do regime de casamento que possuía. (ZALTRON, 2017).

Se o falecido não deixou descendentes nem ascendentes, o cônjuge supérstite ficará com a totalidade da herança, independentemente do regime de bens, valendo colacionar:

A ordem de vocação hereditária manteve-se a mesma do Código de 1916, ou seja, primeiramente serão chamados os descendentes, convocando apenas os ascendentes na ausência daqueles, assim como será chamado o cônjuge para receber a totalidade da herança apenas na falta de descendentes e ascendentes, ficando os colaterais em último lugar e mesmo assim desde que não haja testamento excluindo-os da herança. (BANDEIRA; FRATTI; SANTOS, 2003).

Caso o falecido não tenha deixado descendentes, ascendentes nem cônjuge ou companheiro sobrevivente, os colaterais até o quarto grau herdarão.

Sobre o assunto, elucida-se:

Os herdeiros colaterais ou transversais são os irmãos, tios, sobrinhos ou primos da pessoa falecida. São herdeiros legítimos, porém, facultativos, ou seja, só entram na partilha quando não há herdeiros necessários, que são os ascendentes, descendentes e o cônjuge. (OLIVEIRA, 2018).

Em primeiro lugar são chamados os irmãos do falecido, que são os colaterais de segundo grau. Em segundo, os sobrinhos, pois são os colaterais em terceiro grau e têm preferência. Posteriormente, serão chamados os demais colaterais em terceiro grau, como os tios, e, não os havendo, os em quarto grau, como os primos, filhos dos sobrinhos e tio-avô.

Na sucessão dos colaterais, quando falece alguém deixando irmãos, se dentre eles algum houver precedido a morte do autor da herança, ou seja, ser pré-morto ao autor da herança, mas tiver deixado filhos, sobrinhos do autor da herança, estes sobrinhos herdarão por representação do irmão do autor da herança. Isso se chama representação na linha transversal ou colateral.

(23)

Os irmãos são parentes colaterais de segundo grau, o mais próximo nessa linha. Com eles concorrem, porém, os sobrinhos, excluindo os tios, também parentes em terceiro grau, quando chamados para substituir irmão pré-morto. Sucedem eles, portanto, quer por direito próprio, quer por direito de representação. (GOMES, 2001).

Ainda, de acordo com o Código Civil, se na sucessão dos colaterais concorrerem irmãos unilaterais e irmãos bilatérias, os últimos herdarão o dobro do que os irmãos unilaterais herdarem. (BRASIL, 2002).

Vale registar que deverá ser observada a legítima, que é o direito que o herdeiro necessário tem à metade do patrimônio do autor da herança.

Sobre isso, o Código Civil afirma em seu artigo 1.845 que "São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.". (BRASIL, 2002).

Assim sendo, caso a pessoa em vida faça um testamento, deverá resguardar metade de seu patrimônio para seus herdeiros necessários, que, em regra, não podem ser excluídos da herança.

2.4 Espécies de Sucessão

A extinção da pessoa natural dá origem a sua sucessão, em relação as suas obrigações e seus direitos.

No ordenamento jurídico brasileiro existem duas espécies de sucessão, a legítima e a testamentária. A primeira decorre da lei, e a segunda da disposição de última vontade do falecido, conforme será abordado na sequência.

2.4.1 Sucessão Testamentária

O testamento pode ser definido como a última manifestação de vontade de uma pessoa de como será a destinação de seu patrimônio após a sua morte, podendo dispor sobre bens e, também, sobre reconhecimento de filhos, nomeação de tutor, reabilitação de indigno, entre outros.

(24)

É um documento pelo qual uma pessoa expressa a sua vontade com o modo em que deseja a divisão dos seus bens após a sua morte. Dessa forma, existirá a possibilidade de determinar quais bens irão para quais herdeiros. (DAYSE PAULA; JULIANA REZENDE TRINDADE, 2017).

Destarte, a sucessão testamentária trata da disposição de última vontade do autor da herança, que, segundo Neusa Lourenço Pachioni:

Podemos definir a sucessão testamentária como aquela que se dá em obediência à vontade do falecido, prevalecendo, porém, as disposições legais naquilo que constitua ius cogens, bem como no que for silente ou omisso o instrumento. (NEUSA LOURENÇO PACHIONI, 2011).

Para Orlando Gomes:

Pela sucessão testamentária instituem-se herdeiros ou legatários, isto é, a título universal ou particular. Concede a lei ao testador o direito de chamar a sucessão, na totalidade ou em parte alíquota de seu patrimônio, quem institua, na condição de herdeiro. (ORLANDO GOMES, 1992).

Os herdeiros testamentários podem herdar a título universal, herdando um conjunto de bens e obrigações, ou a título singular, recebendo um ou alguns bens especificamente, conforme lição de Paulo Nader:

A sucessão legítima se faz sempre a título universal. Os herdeiros participam da totalidade do ativo e passivo, excetuados os bens comprometidos com legados, mediante quotas. A testamentária pode realizar-se a título universal ou singular. Geralmente o testador contempla o beneficiário com determinados bens, hipótese em que se configura o legado. (PAULO NADER, 2016).

Existem duas formas testamentárias disciplinadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, que são conhecidas como ordinárias e especiais.

(25)

As formas ordinárias contemplam o testamento público, particular e cerrado. Já as formas especiais englobam o testamento aeronáutico, marítimo e militar.

Nessa linha,

O ordenamento jurídico brasileiro admite as seguintes formas de testamentos que são conhecidas como ordinária e especial, dentre as primeiras estando o testamento público, cerrado e particular, enquanto na segunda espécie se encontram os testamentos aeronáutico, o marítimo e o militar. Diferenciam-se pela exigência do cumprimento de várias formalidades, destinadas a dar seriedade e maior segurança às manifestações de última vontade [...]. (NETO, 2014).

Cada uma das formas mencionadas exigem o cumprimento de requisitos próprios para cada modalidade, de modo que não poderá ocorrer a fungibilidade no que tange às formas de testar. Havendo equívoco na confecção de algum tipo de testamento, o mesmo não poderá ser entendido como outro tipo, podendo ocasionar nulidade.

A sucessão testamentária não é a regra no Brasil, mas, sim, a sucessão legítima, caso em que a destinação do patrimônio deixado pelo falecido seguirá a regulamentação legal, conforme tópico a seguir.

2.4.2 Sucessão Legítima

A sucessão legítima é quando, não havendo testamento, defere-se o patrimônio da pessoa falecida aos seus herdeiros necessários e facultativos, convocados conforme ordem preferencial disciplinada em lei. (FULGENCIO RIBEIRO, 2013).

Ainda de acordo com o entendimento de Fulgencio Ribeiro:

Esta relação preferencial da lei tem o nome de vocação hereditária e beneficia os parentes próximos, por presumir o legislador que os familiares são as pessoas mais queridas do extinto. Na ordem natural das afeições familiares o amor primeiro desce, em seguida sobre e depois se espalha. (RIBEIRO, 2013).

Logo, tem-se que a sucessão legítima é aquela que decorre da lei, incidindo quando não há testamento, ou quando, havendo testamento, o autor da herança não contemplou todo o seu patrimônio, ou, ainda, se o testamento for considerado caduco ou contiver algum tipo de vício que tenha provocado sua nulidade.

(26)

Na sucessão legítima, têm legitimidade para suceder as pessoas já nascidas ou as já concebidas no momento da abertura da sucessão, conforme dispõe o artigo 1.798 do Código Civil, abaixo colacionado:

Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. (BRASIL, 2002).

O legislador ordinário presumiu a sequência de pessoas que teriam uma afeição com o autor da herança, e que seriam as destinatárias de seu patrimônio a título sucessório.

Para tanto, dispõe o artigo 1.829 do Código Civil:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais. (BRASIL, 2002).

Observa-se que, conforme a lei, a sucessão legítima defere-se, primeiramente, aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, a depender do regime de bens do casamento. Em segundo lugar se transmite aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente e, caso não haja descendentes nem ascendentes, se o patrimônio será destinado em sua totalidade ao cônjuge sobrevivente. E, em último caso, a destinação do patrimônio caberá aos colaterais. (BRASIL, 2002).

Importante lembrar, que o companheiro supérstite encontra-se na terceira ordem de vocação hereditária, juntamente com o cônjuge sobrevivente, conforme decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. (BRASIL, 2017).

Ainda sobre sucessão legítima, vale frisar que o legislador ordinário resguardou o direito de representação à classe dos descendentes, bem como ao filho do sobrinho. (BRASIL, 2002).

Desta feita, tem-se como exemplo, o filho pré-morto do autor da herança que será representado por seus filhos na sucessão de seu pai ou, ainda, o caso do sobrinho que representará seu pai morto na sucessão de seu tio.

(27)

Na linha reta descendente, se, por exemplo, um dos filhos do autor da herança é pré-morto, seus descendentes poderão representa-lo na sucessão, recebendo a cota que àquele caberia (art. 1851 do CC). Nesse caso, herdam por representação (estirpe). A lei, portanto, admite em situações como essa, que herdeiros da mesma classe e de graus distintos percebam a herança simultaneamente. (SILVA, 2015).

Vale pontuar, também, que a sucessão legítima resguarda a reserva legal dos herdeiros necessários, que refere-se à parte indisponível do patrimônio do falecido destinada aos herdeiros necessários, colacionando-se:

Legítima é a quota indisponível na herança caso haja herdeiros necessários, equivale a 50% do patrimônio do testador, garantido em prol de determinados sucessores legítimos. Assim sendo, toda herança onde haja herdeiros necessários haverá uma quota indisponível, ou seja, a legítima, parte da herança gravada com cláusula de indisponibilidade. (BEZERRA, 2013).

Isso posto, a sucessão legítima, que é a regra no Brasil, observará os preceitos disciplinados na lei, que regulam a destinação e a forma como o patrimônio deixado pelo autor da herança será partilhado.

(28)

3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO VIRTUAL NO BRASIL

O presente capítulo abordará o Direito Virtual no Brasil, elencando-se alguns princípios relacionados ao tema, além dos direitos fundamentais à intimidade, privacidade e informação, bem como as normas brasileiras relacionadas ao Direito Digital.

3.1 A Era Digital e o Direito

O Direito Digital não é considerado como um novo ramo do Direito, estando presente em todos os ramos jurídicos, inclusive, no âmbito do Direito das Sucessões.

Entende-se por Direito Digital um instrumento para disciplinar as relações entre o homem e a internet.

Sobre o tema, destaca-se:

Desta feita, o Direito Digital é a evolução do próprio Direito, vez que não se trata de uma nova área, mas sim de todas as áreas já existentes e conhecidas no âmbito jurídico que diante dos fatos e evolução passam a integrar questões tecnológicas. (PINHEIRO, SLEIMAN, 2008).

(29)

De acordo com João Vitor Rodrigues dos Santos:

O Direito Digital é o resultado da relação entre a ciência do Direito e a Ciência da computação sempre empregando novas tecnologias. Trata-se do conjunto de normas, aplicações, conhecimentos e relações jurídicas, oriundas do universo digital. (SANTOS, 2018).

O Direito Virtual regula e sistematiza as novidades advindas por conta da tecnologia, sendo um grande desafio para o Direito a proteção de bens incorpóreos e intangíveis, como banco de dados, marcas, códigos de software, entre outros.

A partir disso, tem-se que o foco da sociedade digital é a informação, colacionando-se:

A guarda de registros, denominados logs de atividades, causam polêmica pelo risco de vigilância aos provedores que oferecem serviços na Internet, diante a ausência de legislação especifica, essa guarda pode ser realizada, por meio de governança interna, com vistas à proteção do direito de terceiros, com prévia ordem judicial para fornecimento. (HAIKAL, 2016). Um dos principais desafios atuais é o ordenamento jurídico acompanhar as inovações decorrentes da era digital e, no que tange ao Direito Sucessório, a herança virtual ainda carece de regulamentação legislativa.

3.2 Princípios e Direitos Relacionados ao Tema

O Direito Digital, assim como outros ramos do Direito, possui alguns princípios e direitos, os quais têm relação com o tema proposto no presente trabalho, e que serão abordados na sequência.

3.2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O princípio da dignidade da pessoa humana é um princípio constitucional elencado como fundamento do Estado Democrático de Direito Brasileiro no art. 1º da Constituição Federal.

Pontua Ana Paula Lemes de Souza:

A dignidade da pessoa humana se tornou, no ordenamento jurídico brasileiro, uma espécie de totem, um símbolo sagrado e indefinível, que

(30)

circula duplamente entre as dimensões mágicas e práticas. Com seu poder simbólico, passou a figurar em demandas das mais diversas, trazendo sentidos cada vez mais distintos e inimagináveis para sua mensagem. Nos tribunais, esse metaprincípio passou a ser uma espécie de mestre ou xamã na grande manta principiológica ordenamentária, e tem se disseminado como uma palavra-chave, ou mantra sagrada, invocada como uma entidade jurídico-protetora dos oprimidos (ou, a depender, também dos poderosos). (SOUZA, 2015).

Quando se trata de herança digital, o princípio da dignidade de pessoa humana, em relação à pessoa falecida, deverá ser respeitado, pois, com sua morte, ela deixa todo o seu patrimônio digital, incluindo conversas e arquivos pessoais, que, se expostos, poderão comprometer sua intimidade.

3.2.2 Princípio da Liberdade de Expressão

A liberdade de expressão é o direito de manifestar livremente acerca de opiniões e ideais sem medo de retaliação ou censura por parte de qualquer pessoa.

Sobre isso, pontua-se:

O direito à liberdade de expressão está previsto na Constituição Federal de 1988, é um direito ligado à natureza humana na forma de se relacionar com a sociedade. Com o fim da ditadura militar, os brasileiros passaram a ter vários direitos, que no período do regime militar não eram permitidos, entre eles, está o direito da liberdade de expressão. (ROGÉRIO, 2017).

O princípio da liberdade de expressão tem previsão constitucional, insculpido no artigo, 5º, inciso IV da Carta Magna. (BRASIL, 1988).

Além disso, a liberdade de expressão encontra respaldo no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideais por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.". (Assembleia Geral da ONU, 1948).

A liberdade de expressão depara-se com o contraponto das atuais fake news, cada vez mais presentes nas mídias sociais, que distorcem a realidade, publicando assuntos que instigam o interesse de várias pessoas, fazendo com que elas compartilhem conteúdos que não condizem com a realidade.

(31)

Nota-se, assim, que o princípio da liberdade de expressão está diretamente ligado aos meios digitais, onde milhões de pessoas de manifestam publicamente a todo instante, acerca de qualquer tema.

3.2.3 Direito à Intimidade

A intimidade pode ser entendida como um campo discreto, interno, a ser acessível apenas e unicamente pelo interessado.

Segundo Eudes Quintino de Oliveira Júnior:

Por fim, tem-se a intimidade, que se configura como o núcleo da esfera de proteção. Pode ser conceituada como o direito de estar só – the right to be alone, proteção consagrada nos EUA para assegurar a Peace of mind. Nela, verifica-se um conjunto de informações que apenas seu titular traz consigo. (EUDES QUINTINO DE OLIVEIRA JÚNIOR, 2018).

A Constituição Federal elenca a proteção ao direito à intimidade no inciso X do artigo 5º, nos seguintes termos: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”. (BRASIL, 1988).

Nesse diapasão, pontua-se:

Dentre as garantias fundamentais do indivíduo, albergadas

constitucionalmente no art. 5º, inc., da Magna Carta, encontram-se

positivados os direitos à intimidade e à vida privada, os quais, como direitos da personalidade, podem ser vislumbrados como elementos da integridade moral de cada ser humano. (IRANILDA ULISSES PARENTE QUEIROZ, 2006).

No que tange à herança digital, o direito à intimidade mostra-se de relevada importância, pois diversas são as discussões sobre a possibilidade, ou não, de transferência de dados pessoais de pessoas falecidas aos seus herdeiros, tendo por fundamentação a intimidade do autor da herança.

(32)

Desta forma, é preciso estabelecer um limite entre o direito à intimidade e o direito à informação, que será tratado a seguir, pois ao tempo em que todos têm o direito de acesso à informação, é necessário proteger o direito à intimidade de cada indivíduo.

3.2.4 Direito à Privacidade

Celso Bastos conceitua privacidade como:

[...] faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos em sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano. (BASTOS, 1984).

Com previsão no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal, o princípio da privacidade está diretamente relacionado ao direito de personalidade. (BRASIL, 1988).

Ainda, o artigo 21 do Código Civil preceitua que "A vida privada da pessoa natural é inviolável [...].". (BRASIL, 2002).

Este direito está ligado ao tema herança digital, pois, ao tempo que existem posições que defendem a transmissão automática dos bens digitais aos herdeiros, muitos acreditam que é necessário, acima de tudo, resguardar o direito à privacidade da pessoa, mesmo que de um falecido, defendendo que aquilo que a pessoa armazenou durante a vida deve ser protegido.

3.2.5 Direito à Informação

O direito à informação encontra-se disciplinado na Constituição Federal, no artigo. 5º, inciso XIV, nos seguintes termos: "É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.". (BRASIL, 1988).

(33)

Sobre o tema, tem-se que:

No conteúdo desse direito está inserido um leque de princípios legais que visam a assegurar que qualquer pessoa ou organização tenha acesso a dados sobre si mesma que tenham sido coletados e estejam armazenados em arquivos e bancos de dados governamentais públicos e privados, além de informações públicas que disponham sobre o governo, a administração pública e o país, ressalvados o direito à privacidade, o sigilo comercial e os segredos governamentais previstos em lei. (MARCO CEPIK, 2000).

Destaca-se, ainda:

Mais do que isso, a garantia do direito à informação está intimamente relacionada com a dignidade da pessoa humana, já que o acesso à informação de qualidade atua positivamente na proteção e no

desenvolvimento de toda a coletividade. (CIRO JÔNATAS DE SOUZA OLIVEIRA, 2013).

Quando se trata do tema herança digital, é necessário estabelecer um certo limite entre os direitos à intimidade e à informação, pois, ao mesmo tempo que todos têm direito de ter sua intimidade preservada, também têm direito de acesso à

informação, e isso se torna ainda mais relevante no momento que alguém falece e os herdeiros necessitam acessar suas informações virtuais.

3.3 Legislações Relacionadas ao Direito Virtual no Brasil

No Brasil, existem algumas leis acerca do Direito Digital, que serão elencadas a seguir.

Cada uma delas trata sobre pontos específicos, mas todas são importantes para construção e efetivação do Direito Virtual.

(34)

Também conhecida como Lei Carolina Dieckmann, a Lei n.º 12.737/2012, que “dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos” (BRASIL, 2012),

acrescentou alguns artigos no atual Código Penal.

Antes de 2012 não havia legislação que punia os crimes virtuais.

Registra-se que antes mesmo de entrar em vigor, a lei já havia recebido o nome de Lei Carolina Dieckmann, em razão da repercussão do caso em que a atriz teve seu computador invadido e seus arquivos pessoais extraídos, ocorrendo a publicação de fotos íntimas que se espalharam através das redes sociais.

Sobre o assunto,

Diante do exposto, percebe-se que antes do advento da Lei 12.737/2012, não havia um dispositivo específico para enquadrar quem cometia crime de invasão de dispositivos informáticos. Com o advento da Lei Carolina Dieckmann, quem comete esse tipo de invasão, agora será indiciado, baseado nesta lei. Antes do caso da atriz, muitas vítimas já eram registradas pelo Brasil. (NEIL SILVEIRA; MIRIAN LIMA DE SOUSA; ANTONIA MORGANA DE ALCÂNTARA; JORGE MELO, 2017).

Tem-se que é de extrema importância que a lei proteja os dados

armazenados em meios digitais, pois, atualmente, muitas pessoas usam o meio digital, inclusive, como ferramenta de trabalho.

A Lei Carolina Dieckmann veio para punir os delitos informáticos,

resguardando e protegendo os dados digitais, prevendo pena de detenção de três meses a um ano, e multa, para quem praticar os crimes elencados no novo artigo 154-A do Código Penal. (BRASIL, 2012).

3.3.2 Lei n.º 12.965/2014

A Lei n.º 12.965/2014 é conhecida como o Marco Civil da Internet, haja vista que inovou diversos aspectos da regulamentação das atividades das empresas

(35)

relacionadas ao ambiente digital, estabelecendo “princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil” (BRASIL, 2014).

O projeto surgiu em 2009 e foi aprovado na Câmara dos Deputados em 25 de março de 2012 e no Senado Federal em 23 de abril de 2014, sendo sancionado logo depois.

Nesse sentido,

O Marco Civil da Internet, introduzido pela Lei nº 12.965/2014, tem natureza peculiar pela sua idealização, criação e discussão, contando com ampla participação dos cidadãos em fóruns de discussão, na Internet e em audiências públicas, promovidas pelo Congresso Nacional Brasileiro. (DA COSTA; PENDIUK, 2018).

A Lei n.º 12.965/2014 trouxe fundamentos do uso da internet, previstos no artigo 2º, quais sejam: respeito à liberdade de expressão, reconhecimento da escala mundial da rede, direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meio digitais, pluralidade e diversidade, abertura e a colaboração, livre iniciativa, livre concorrência e defesa do consumidor e a finalidade social da rede. (BRASIL, 2014).

A partir da entrada em vigor do Marco Civil da Internet, além de estarem cientes sobre o tratamento conferido pelas companhias aos seus dados pessoais, se tornou obrigatório o consentimento expresso dos consumidores. (BRASIL, 2014).

O direito à liberdade de expressão continua garantido, e por meio da lei os indivíduos podem ser responsabilizados por suas ações nas redes.

3.3.3 Lei n.º 13.709/2018

Também conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a Lei n.º 13.709/2018 entrou em vigor em agosto de 2020.

O dado pessoal, de acordo com o artigo 5º, inciso I, da LGPD, é a “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável”. (BRASIL, 2018). Desta forma, a lei não protege apenas pessoas físicas, e não pessoas jurídicas.

A Lei n.º 13.709/2018 tem a função de determinar como as empresas deverão fazer o tratamento de dados dos brasileiros, ou seja, estabelecer parâmetros de como estes dados devem ser coletados, armazenados, processados e destruídos. (BRASIL, 2018).

(36)

Desta forma, todas as pessoas, físicas ou jurídicas, que mantém armazenados dados de alguém, de alguma forma estão fazendo o tratamento destes dados.

Sobre o tema,

A lei protege situações que concernem exclusivamente a operações de tratamento de dados, isto é, aquelas “que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração” (art. 5º, X). Percebe-se pelo rol descritivo do que se entende por tratamento de dados, que inúmeras atividades que envolvem dados pessoais sofrerão a limitação e escrutínio da lei. (MULHOLLAND, 2018).

A LGPD permite que o usuário possa solicitar alteração de dados, revogação e exclusão de dados, de modo que as empresas têm que fornecer essas alternativas aos usuários. (BRASIL, 2018).

Porém, assim como não há legislação brasileira acerca da herança digital, a Lei Geral de Proteção de Dados também não menciona como se dá o tratamento de dados após a morte do usuário.

(37)

4 HERANÇA DIGITAL: UMA NOVA REALIDADE NO DIREITO SUCESSÓRIO

Recentemente o tema herança digital passou a ser discutido no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista o rápido desenvolvimento da internet e das mídias sociais.

E, muito embora o Brasil não tenha legislação específica sobre o tema, existem alguns projetos de lei sobre o assunto, bem como alguns casos concretos, conforme será abordado no presente capítulo.

4.1 Considerações Iniciais

Herança digital está relacionada ao conjunto de contas, materiais, conteúdos e acessos em meios digitais deixados por seu titular.

Da doutrina, extrai-se:

Assim, a herança digital é aquele conteúdo e arquivo (documentos, livros, áudios, imagens, vídeos e demais) que tenha origem no meio digital, deixado pelo de cujus após sua morte, integralizando sua herança em um todo. Mesmo se o falecido deixar mais de um herdeiro, a totalidade da herança será sempre uma só, dividida entre seus sucessores. (CONSTANTINO, 2020).

A herança digital pode ser composta de materiais que apresentam valor subjetivo, sem valor econômico, como opiniões, interações e produções criativas sem valor financeiro, bem como pode conter bens com valor econômico, como serviços vitaliciamente pagos, plataformas com algum valor agregado ou, ainda, contas com valor financeiro potencial.

Segundo o entendimento de Marcos Aurélio Mendes Lima:

Em síntese, o patrimônio digital pode ser considerado o conjunto de direitos e deveres de um indivíduo, passíveis de valoração econômica e gravados em suporte digital, ou seja, expressos em códigos de linguagem binária enquanto arquivos ou informações disponíveis em meio ambiente virtual. Assim, pela interpretação extensiva do conceito jurídico de patrimônio, na falta de manifestação do de cujus quanto ao destino no seu acerco digital, somente os bens digitais aos quais se possa atribuir valor monetário serão transmitidos por meio de herança, a exemplo de sites famosos e arquivos digitais não gravados com licença de uso. (LIMA, 2016.

(38)

Por não conter legislação própria, o tema encontra diversos questionamentos, considerando o contraponto que deve ser feito entre o direito de personalidade do autor da herança e a transmissão imediata dos bens aos herdeiros quando da sucessão causa mortis.

4.2 A Herança Digital no Brasil

Como visto, a ordem jurídica pátria é omissa no que toca à destinação do patrimônio virtual deixado pelo autor da herança, bem como a forma de acesso que os herdeiros terão aos bens digitais após a morte de seu titular.

Sobre o tema, Bruno Torquato Zampier Lacerda ensina:

Não há dúvida de que estas novas formas de aquisição, armazenamento e utilização de livros, filmes e músicas integram o patrimônio digital do indivíduo. Quanto dinheiro efetivo não se desembolsa para a aquisição destes ativos? Quanto vale um arquivo deste? Quantas horas de navegação pela Internet foram necessárias para que se pudesse chegar à formação deste patrimônio? Já há inclusive estudos inferindo se há um novo distúrbio ou não, caracterizado exatamente pela acumulação de bens digitais. Sendo todos esses bens integrantes do patrimônio digital, o direito de propriedade dos bens digitais deveria gozar das mesmas faculdades jurídicas existentes para a propriedade de roupagem tradicional, previstas no art. 1228 do Código Civil. (LACERDA, 2017).

Considerando a inexistência de lei regulamentadora do assunto em questão, existem alguns projetos de lei que dispõe sobre a transmissibilidade dos bens digitais aos herdeiros após a morte do de cujus. Tais projetos, em suma, defendem que os bens incorpóreos devem ser transmitidos aos herdeiros, assim como os bens corpóreos, conforme tópico específico que será adiante abordado.

4.3 A Herança Digital no Direito Comparado

Os desdobramentos da herança digital têm sido objeto de debate em outros países, considerando o aumento de casos relacionados à transmissão de bens digitais pós-morte pelo mundo. Observa-se que as leis estrangeiras buscam normatizar as situações em que não haja manifestação de última vontade do falecido, o que impede a destinação dos bens conforme o interesse do de cujus.

Nos Estados Unidos existem três “gerações” de normas versando sobre os bens digitais: a primeira, compreendendo a legislação da Califórnia, Connecticut e

(39)

Rhode Island, tratando apenas das contas de e-mail; a segunda do Estado de Indiana, mais aberta e abrangendo os registros armazenados virtualmente; e a terceira, nos Estados de Oklahoma e Idaho, incluindo as definições de mídia social e

microblogging dentre o rol de bens digitais. (LARA, 2016, p. 26-27).

Os primeiros estatutos regulatórios disciplinando o acesso a bens digitais pertencentes a indivíduos falecidos surgiram nos anos 2000, cobrindo apenas contas de correio eletrônico, sem admitir o acesso a outras informações digitais. O pioneiro foi promulgado na Califórnia, em 2002, mas apenas avisava sobre o falecimento, via e-mail, ao próprio titular da conta. (LARA, 2016, p. 27).

Em 2005, o Estado de Connecticut passou a permitir que o herdeiro do falecido tivesse acesso ao conteúdo do e-mail ou conta pessoal deste. Em 2007, nos mesmos moldes, o Estado de Rhode Island passou a permitir acesso desses bens aos sucessores da pessoa falecida.

Alguns países já possuem legislação específica dispondo sobre a proteção (ou não) dos bens digitais após a morte. Pode-se citar o Ato de Proteção de Dados britânico e o Ato suíço, que preveem que dados pessoais são somente aqueles relacionados a indivíduos vivos, sem estender a proteção ao patrimônio digital de pessoas falecidas.

De modo diverso, no território búlgaro, a lei admite que, após a morte, todos os direitos e obrigações serão exercidos pelos herdeiros.

4.4 As Tecnologias de Comunicação e as Mídias Sociais

O crescimento e a propagação das redes sociais e da internet são uma das principais particularidades da sociedade conectada desde o início deste século. Existem milhares de usuários da internet que fazem parte de uma ou mais redes sociais, que são o motivo de interação e de troca social, com objetivo de conectar pessoas, resultando na comunicação.

É notório que os meios de comunicação, face o alcance significativo que possuem, deram grande contribuição para o desenvolvimento do homem, e, com a chegada da internet, a comunicação passou a ser algo essencial.

Segundo Elizabeth Saad Corrêa:

Hoje a relação organização/tecnologias digitais/comunicação tem como um dos pontos mais sensíveis a adequação de ritmos: a rapidez da inovação

(40)

digital e as diferenças em sua absorção e implementação por parte da organização (delimitada pela estrutura) e dos públicos (motivados pelo protagonismo adquirido). Tal adequação exige das organizações e dos profissionais de comunicação novos posicionamentos e conhecimentos, muita flexibilidade e criatividade no planejamento e na gestão dos processos comunicacionais. (CORRÊA, 2009).

Desta forma, têm-se que a comunicação, além de ser um direito fundamental de todo e qualquer ser humano, é essencial para as relações sociais.

Ao passo que a internet e as redes sociais passam a fazer parte diretamente da vida das pessoas, há impacto no assunto da herança, haja vista que o autor da herança pode ter deixado um legado digital com sua morte.

4.5 Direito de personalidade do autor da herança

As inovações tecnológicas influenciaram a vida do homem como um todo, e não seria diferente em relação à morte. A internet tornou possível o que até tempos atrás era inconcebível, dando à humanidade a ideia de coexistência com a própria morte, permitindo que, mesmo após a morte física, a existência continue de forma virtual, com um prolongamento da vida no plano digital, após o falecimento.

Os projetos de lei pátrios acerca do tema herança digital, em suma, preveem a transmissão automática do patrimônio virtual aos herdeiros. Porém, quando se trata de bens digitais, existe toda uma questão ligada aos direitos de personalidade, pois os dados, informações, fotos, conversas pessoais de um indivíduo, seriam acessadas por outra pessoa.

Destaca-se,

Outrossim, para que se compreenda melhor qual deve ser o destino das pertenças digitais existenciais, caso realmente existam para o autor do quinhão hereditário, uma possibilidade encontra-se em fazer o usuário refletir antes de aderir às mídias sociais, sobre a relevância de destinar um herdeiro para aquele tipo de pertença. Em razão de que uma vez “online” pode ser que ele nunca mais esteja ”off-line”, situação em que haveria uma lesão à personalidade do falecido mesmo após sua existência. (FERNANDES; NAVES, 2019).

Desta forma, a fim de garantir os direitos de personalidade de todos os indivíduos, inclusive dos já falecidos, é necessário ter cuidado ao tratar de uma questão tão delicada como o acesso completo à grande parte de sua vida pessoal.

(41)

4.6 Direito à Privacidade post mortem

O direito à privacidade é um dos direitos fundamentais assegurado pela Constituição Federal. E, no que tange ao tema herança digital, o direito à privacidade vai de encontro à transmissão automática dos bens digitais aos herdeiros.

Sobre isso, tem-se que,

Além disso, há uma ameaça à privacidade percebida em relação a colocar demasiada informação pessoal nas redes sociais, permitindo produzir um perfil do comportamento de um indivíduo. Com isso, criam-se verdadeiros arquivos de informações de cada usuário, com os mais diferentes dados sobre o seu comportamento social, econômico e pessoal; informações essas que podem ser utilizadas para os mais diversos fins. (HIRATA, 2017). Com isso, toda a intimidade e privacidade do falecido seria exposta aos herdeiros ante ao seu falecimento. E, conta disso, existem projetos de lei não aprovados acerca do tema, por se se tratar de assunto tão delicado.

Aliás,

Embora muitos propaguem, a internet não é uma terra sem lei, no art. 8º da Lei 12.965/2014, o legislador reafirma a proteção ao direito à privacidade e à liberdade de expressão, dizendo que são nulas as cláusulas contratuais que contrarie a esses direitos, tais como a inviolabilidade e o sigilo das comunicações pela internet, onde podemos relacional os e-mails, mensagens instantâneas, fotos, etc. (LARA, 2016).

Desta forma, considerando a proteção dada ao direito à privacidade, justifica-se a dificuldade que há em justifica-se consolidar legislação que regule a herança digital, pois um dispositivo de lei que autorize a transmissão instantânea dos bens digitais do falecido aos seus herdeiros, poderia violar o direito à privacidade.

4.7 Dos Projetos de Lei

Como visto anteriormente, existem alguns projetos de lei pátrios com disposições acerca do tema herança digital, conforme a seguir pontuados.

(42)

4.7.1 Projetos de Lei n.º 4.099/2012 e n.º 4.847/2012

O Projeto de Lei n.º 4.099/2012, apresentado pelo Deputado Jorginho dos Santos Mello, em 20 de junho de 2012, pretende inserir alteração no artigo 1.788 do Código Civil, no sentido de autorizar o acesso de herdeiros a arquivos digitais de falecidos.

De acordo com o que foi proposto pelo referido deputado, passaria a constar no referido artigo, um parágrafo único, com a seguinte redação: “Art. 1.788. [...] Parágrafo único. Serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança.”. (BRASIL, 2012).

Durante a tramitação deste Projeto, ele foi apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, sem serem apresentadas emendas. (BRASIL, 2012).

Em sua trajetória, foi apensado o Projeto de Lei n.º 4.847, de 12 de dezembro de 2012, criado por Marçal Filho, que previa, entre suas disposições, o acréscimo ao Código Civil do Capítulo II-A e artigos 1.797-A a 1.797-C, com as seguintes redações:

Capítulo II-A Da Herança Digital

Art. 1.797-A. A herança digital defere-se como o conteúdo intangível do falecido, tudo o que é possível guardar ou acumular em espaço virtual, nas condições seguintes:

I – senhas; II – redes sociais; III – contas da Internet;

IV – qualquer bem e serviço virtual e digital de titularidade do falecido. Art. 1.797-B. Se o falecido, tendo capacidade para testar, não o tiver feito, a herança será transmitida aos herdeiros legítimos.

Art. 1.797-C. Cabe ao herdeiro:

I – definir o destino das contas do falecido;

a) transformá-las em memorial, deixando o acesso restrito a amigos confirmados e mantendo apenas o conteúdo principal ou;

b) apagar todos os dados do usuário ou;

(43)

De acordo com o que expõe Hannah Carvalho:

É diáfana a pretensão desta proposição aos familiares o direito de gerir livremente o legado digital daqueles que já se foram, sem, contudo, ponderar se tal imissão irrestrita nas contas pessoais do de cujus, ainda que pelos herdeiros legítimos, consiste em uma inserção não autorizada em sua esfera íntima, resguardada por direitos personalíssimos fundamentais. (CARVALHO, 2019).

Porém, após apensado o Projeto de Lei n.º 4.847/2012, o qual foi recebido pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, o mesmo foi arquivado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, nos termos do artigo 163 cumulado com o artigo 164, parágrafo 4º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, os quais versam sobre os prejuízos da discussão no caso de existir matéria idêntica ou semelhante, cabendo o arquivamento definitivo caso a proposição seja dada como prejudicada. (BRASIL, 2012).

Prosseguiu em tramitação, então, somente o Projeto de Lei n.º 4.099/2012, sendo aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania em 2013, remetida ao Senado Federal, sendo lá arquivado em 2018, com base no artigo 332 do Regimento Interno do Senado Federal, que prevê o arquivamento dos Projetos de Lei ao final da legislatura. (BRASIL, 2012).

4.7.2 Projeto de Lei n.º 7.742/2017

Em 30 de maio de 2017, foi apresentado o Projeto de Lei n.º 7.742/2017, a fim de dispor sobre a destinação das contas de aplicações de internet após a morte de seu titular, acrescentando, para tal, o artigo 10-A à Lei 12.965/2014 (Marco Civil da

Internet), a conter as seguintes disposições:

Art. 10-A. Os provedores de aplicações de internet devem excluir as respectivas contas de usuários brasileiros mortos imediatamente após a comprovação do óbito.

§1º A exclusão dependerá de requerimento aos provedores de aplicações de internet, e formulário próprio, do cônjuge, companheiro ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive.

§2º Mesmo após a exclusão das contas, devem os provedores de aplicações de internet manter armazenados os dados e registros dessas contas pelo prazo de 1 (um) ano, a partir da data do óbito, ressalvado requerimento cautelar da autoridade policial ou do Ministério Público de prorrogação, por igual período, da guarda de tais dados e registros.

Referências

Documentos relacionados