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Poesias - Gregório de Matos

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Academic year: 2021

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GREGÓRIO DE MATOS

O poeta descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia A cada canto um grande conselheiro,

Que nos quer governar cabana e vinha; Não sabem governar sua cozinha, E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem freqüentado olheiro, Que a vida do vizinho e da vizinha

Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha, Para o levaràpraça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados, Trazidos sob os pés os homens nobres, Posta nas palmas toda a picardia, Estupendas usuras nos mercados, Todos os que não furtam muito pobres: E eis aqui a cidade da Bahia.

Neste soneto, Gregório de Matos faz sua crítica direta aos poderosos da colônia, cuja atuação se faz no macrocosmo e no microcosmo. A figuração barroca "cabana", "vinha" e "cozinha",

representando a vida e o controle sobre a mesma, passa para o nível individual, sobre o cidadão comum. O primeiro terceto apresenta a opinião do poeta de que a nobreza portuguesa estásendo sobrepujada pela miscigenação e que os mulatos estariam trazendo os homens nobres, os portugueses ou descendentes destes, sob os seus pés. Além da críticaóbviaàincompetência eà desonestidade, Gregório situa na ascensão social do mulato um motivo que sempre foi caroàsua poesia: o do mundo "às avessas", insatisfatório, corroído por funda inversão de valores. O honesto

épobre, o ocioso triunfa; o incompetente manda. A palavra "usuras" em algumas edições aparece substituída pela palavra "usinas". Ambas são aceitáveis no poema. Achei mais adequado o termo "usura", por ser mais forte e diretamente ligadoàconclusão que o poeta apresenta com chave de ouro.

---Bosi, 1981:

"Têm-se acentuado os contrastes da produção literária de Gregório de Matos: a sátira mais irreverente alterna com a contrição do poeta devoto; a obscenidade do "capadócio" (José Veríssimo) mal se casa com a pose idealista de alguns sonetos petrarquizantes. Mas essas contradições não devem intrigar quem conhece a ambigüidade da vida moral que servia de fundoà educação ibérico-jesuítica. O desejo de gozo e de riqueza são mascarados formalmente por uma retórica nobre e moralizante, mas afloram com toda brutalidade nas relações com as classes servis que delas saem mais aviltadas. Dai, o "populismo" chulo que irrompeàs vezes e, longe de

significar uma atitude antiaristocrática, nada maiséque válvula de escape para velhas obsessões sexuais ou arma para ferir os poderosos invejados. Conhecem-se as diatribes de Gregório contra

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algumas autoridades da colônia, mas também palavras de desprezo pelos mestiços e de cobiça pelas mulatas. A situação de "intelectual" branco não bastante prestigiado pelos maiores da terra ainda mais lhe pungia o amor-próprio e o levava a estiletaràs cegas todas as classes da nova sociedade."

---TORNA A DEFINIR O POETA OS MAUS MODOS DE OBRAR NA GOVERNANÇA DA BAHIA, PRINCIPALMENTE NAQUELA UNIVERSAL FOME QUE PADECIA A CIDADE.

Que falta nesta cidade? ... Verdade. Que mais por sua desonra? ... Honra. Falta mais que se lhe ponha? ... Vergonha. O demo a viver se exponha,

Por mais que a fama a exalta, Numa cidade, onde falta Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste socrócio? ... Negócio. Quem causa tal perdição? ... Ambição. E o maior desta loucura? ... Usura. Notável desaventura

De um povo néscio e sandeu, Que não sabe que o perdeu Negócio, ambição, usura.

Quais são meus doces objetos? ... Pretos. Tem outros bens mais maciços? ... Mestiços. Quais destes lhe são mais gratos? ... Mulatos. Dou ao Demo os insensatos,

Dou ao demo o povo asnal, Que estima por cabedal Pretos, mestiços, mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos? ... Meirinhos. Quem faz as farinhas tardas? ... Guardas. Quem as tem nos aposentos? ... Sargentos. Os círios lávêm aos centos,

E a terra fica esfaimada, porque os vão atravessando Meirinhos, guardas, sargentos.

E que justiça a resguarda? ... Bastarda. Égrátis distribuída? ... Vendida.

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Valha-nos Deus, o que custa O que El-Rei nos dáde graça, Que anda a justiça na praça Bastarda, vendida, injusta.

Que vai pela clerezia? ... Simonia. E pelos membros da Igreja? ... Inveja. Cuidei, que mais se lhe punha? ... Unha. Sazonada caramunha!

Enfim, que na Santa Sé O que se pratica,é Simonia, inveja, unha.

E nos frades hámanqueiras? ... Freiras. Em que ocupam os serões? ... Sermões. Não se ocupam em disputas? ... Putas. Com palavras dissolutas

Me concluo na verdade, Que as lidas todas de um frade São freiras, sermões, e putas. O açúcar jáse acabou? ... Baixou. E o dinheiro se extinguiu? ... Subiu. Logo jáconvalesceu? ... Morreu. ÀBahia aconteceu

O que a um doente acontece: Cai na cama, e o mal lhe cresce, Baixou, subiu, e morreu.

A Câmara não acode? ... Não pode. Pois não tem todo o poder? ... Não quer. Éque o governo a convence? ... Não vence. Quem haveráque tal pense,

Que uma Câmara tão nobre Por ver-se mísera, e pobre Não pode, não quer, não vence!

---VOCABULÁRIO:

Socrócio - aperto, ambição; furto.

Círios - sacos de farinha (a grafia corretaésírios) Simonia - venda de coisas sagradas.

Unha - roubalheira; avareza; tirania, opressão.

Sazonada caramunha - Experimentada lamentação! (Soares Amora). A expressão tem sentido ambíguo. Sazonadaéderivado de sazonar e equivale a amadurecida. Caramunha pode ser "a

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cara das crianças quando choram" ou a "lástima pelo próprio mal que se causou". Manqueiras - Vícios, defeitos; doença infecciosa no homem e em certos animais.

---EPÍLOGOS - Composição poética em que um quarteto resume o que foi dito no terceto

imediatamente anterior. Os tercetos e os quartetos se alternam. As rimas finais dos tercetos se repetem noúltimo verso dos quartetos pelo processo de recolha.Éuma espécie de poesia barroca que exige muita habilidade do poeta.

---Dimas, 1981:

".., cronista sou/ desta grãfestividade " e por esse motivo "tenho de falar verdade/ e dizer o que passou. " Eis um dos raros momentos em que Gregário de Matos reivindica abertamente a função documental para sua poesia, mais uma forma de acessoàrealidade histórica colonial, ainda que não a mais fidedigna, porque necessária e subjetivamente deformada. Não fosse assim,

estaríamos diante de um historiador e não de um poeta. No espaço histórico em que se movimenta e atua, permite-se o poeta vasculhá-loàvontade numa tentativa intensa e contínua de revelar ao leitor certas intimidades do cotidiano, transformadas sempre pela dosagem,às vezes sutil, outras não, da perícia verbal com o faro fino e cáustico. Apegadoàexigênciaética "de falar verdade ",

---PONDO OS OLHOS PRIMEIRAMENTE NA SUA CIDADE CONHECE QUE OS MERCADORES SÃO O PRIMEIRO MÓVEL DA RUÍNA, EM QUE ARDE PELAS MERCADORIAS INÚTEIS, E ENGANOSAS.

Triste Bahia! oh quão dessemelhante Estás e estou do nosso antigo estado! Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado. Rica te vi eu já, tu a mim abundante. A ti tocou-te a máquina mercante, Que em tua larga barra tem entrado, A mim foi-me trocando e tem trocado Tanto negócio e tanto negociante. Deste em dar tanto açúcar excelente Pelas drogas inúteis, que abelhuda Simples aceitas do sagaz Brichote. Oh, se quisera Deus que, de repente, Um dia amanheceras tão sisuda Que fora de algodão o teu capote!

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---"Gregório moteja aqueles senhores de engenho que, jámestiçados de português e tupi,

presumiam igualar-se em prosápia com a velha nobreza branca que formaria o "antigo estado" da Bahia. Eécom olhos de saudade e culpa que o poeta vêo novo mercador lusitano e os

associados deste na Colôniaávidos de lucro e interessados em trocar por ninharias o ouro doce das moendas. No forte e bem travado soneto "Triste Bahia", Gregório se identifica com a sua terra espoliada pelo negociante de fora, o "sagaz Brichote", e impreca a Deus que faça tornar o velho tempo da austeridade e da contensão."

Referências

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