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Fitipa
Lowndes
Vicente
(org.)
,
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FOTOGRAFIA
NO CONTEXTO
COIONIAT
PORTUGUÊS
(1860-1e60)
índice
O lmpério da Visão: Histórias de um Livro
Filipa Lowndes Vicente. 11
lntrodução. Fotografia Colonial
James R. Ryan 31
1.
clAsstFtcnçÃo
¡ vllssÃo
A fotografia na obra de Mendes Correia (1888-19ó0): Modos de representar, diferenciar e classificar
da "antropologia colonial"
Patrícia Ferraz de Matos 45
O registo da diferença:
fotografia e classificação jurídica das populações coloniais
(Moçambique, primeira metade do século XX)
Cristina Nogueira da Silva
"Etnografia Angolana" (1 935-1 939):
histórias da coleção fotográfica de EImano Cunha e Costa Cláudia Castelo e Catarina Mateus
67
B5
Missão Antropológica de Moçambique (1 93ó-1 95ó) A fotografia como instrumento de trabalho e propaganda
Ana Cristina Roque 107
Fotografias da Missão Antropológica
e Etnológica da Guiné (1946-1947): entre a forma e o conteúdo
AnaCristinaMartins
' ' ;
'Caçados e caçadores nas fotografias do arquivo
da Companhia de Moçambique
Bárbara Direito
117
O lmpério da Visão
Olhar as mudanças sociais em São Tomé e Príncipe através das fotografias
Augusto Nascimento 157
2.
CONHECTMENTO/
CTRCULAçÃOFotografia científica em Angola no último quartel do século XIX:
o caso do naturalista José de Anchieta
Nuno Borges de Araújo 171
Do nome à imagem: percursos de uma planta tropical de São Tomé numa fotografia do final do século XIX
António Carmo Gouveia. 183
A fotografia e a edificação do Estado Colonial:
a missão de Mariano de Carvalho à província de Moçambique em 1B9O
Paulo Jorge Fernandes. 195
Olhares britânicos: Visualizar Lourenço Marques na ótica
de J and M Lazarus, l 899-1 908
Noeme Santana. 211
223
243
259
A preto e branco: folheando os relatórios médicos da Diamang Teresa Mendes Flores
O feitiço das imagens: trabalhadores industriais modernos na paisagem colonial em Moçambique
Nuno Domingos . .
lmagens de muçulmanos em tempos de sedução colonial
Mário Machaqueiro.
3.
EXPOSTçÃO/
nrpRODUÇÃOlmaginar o império através da revista ilustrada O Occidente (1 878-1 91 5)
Leonor Pires Martins. . . 277
291
305
O esplendor dos atlas:
fotografia e cartografia visual do lmpério no limiar do século XX
Teresa Castro fr
Fotografia e ilustração na literatura colonial
do
Estado NovoRitaCarvalho....
Viagens entre a índia e o arquivo:
Goa em fotografias e exposições (18ó0-1930)
Filipa Lowndes Vicente. 319
343
353
367
Para ver, para vender: o papel da imagem fotográfica
nas exposições coloniais Portuguesas (1929-1940)
NadiaVargaftig...
lmagens de Angola e Moçambique na metrópole.
Exposições de fotografia no Palácio Foz (1938-19ó0) lnês Vieira Gomes
Cinema império:
contributos para uma genealogia da imagem colonial Maria do Carmo Piçarra
4.
RESISTÊNCIA/
MEMÓRIAAs provas da "civilização": fotografia, colonialismo e direitos humanos
Miguel Bandeira Jerónimo. 387
399
435
447
461
Angola 1961 , o horror das imagens
Afonso Ramos
Etnografia visual da Guerra Colonial' Luta de libertação na Guiné Catarina Laranjeiro
Descolonizando enunciados:
a quem serve objectivamente a fotografia?
Carlos Barradas
A fotografia artística contemporânea como identidade pós-colonial
Susana Martins e António Pinto Ribeiro ' ' . .
Do Arquivo à lnstalação, no trabalho de Umrao Singh Sher-Gil e do neto Vivan Sundaram
Ruth Rosengarten . 475
487
491
wwwdiamangdigital.net: memória, performance, colonialidade Nuno Porto
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lmpério
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FILIPA LOWNDES VICENTE
I Projecto de Investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia:
PTDC/Hts-Hts/l I 2l 98/200e.
Livro
Como é que nasceu O Império da Visao? Por que razâo
tm
conjunto deinves-tigadores de áreas e com interesses tão díspares convergiu na abordagem de
um tema que tinha sido tratado, em Portugal, de forma episódica e dispersa? O livro é o resultado final de um projecto de investigação financiado pela
Fun-dação para a Ciência e Tecnologia do qual
fui
a coordenadora: Conhecimentoe visão:
fotografa
no Arquivo e no Museu Colonial Português (1850-1950)t.A equipa de investigadores foi formada por Isabel castro Henriques, |oaquim
Pais de Brito, como consultor, Nuno Porto, Ana Cristina Martins, Catarina
Mateus, cosimo
chiarelli,
e a bolseira de investigaçáo, agora doutoranda noICS-ULisboa, Inês Vieira Gomes, cujo contributo foi fundamental na organiza-ção de todo o projecto. Quando me candidatei à FCT, investigava a Índia
colo-nial portuguesa e britânica, o papel dos intelectuais indianos do século
XIX
na construção de identidades e a historiografia das mulheres artistas. Mas não
tinha ainda trabalhado directamente sobre este tema. Enquanto historiadora
dos séculos
XIX
e XX, com experiência de arquivos diversos, notava como afotografia estava por todo o lado. Fosse qual fosse o tema, ela surgia, por vezes
até de forma incómoda, a impor o seu excesso de visibilidade, a ponto de se
tornar paradoxalmente quase invisível e imperscrutável à nossa observação'
Muito em particular, o meu interesse por exposiçöes universais e coloniais
confrontava-me permanentemente com a fotografia. A fotografia exposta nas suas constantes mutações tecnológicas e nas muitas exposições que se
orga-nizaramem todo o mundo ao longo da segunda metade do século
XIX
e dasprimeiras décadas do século
xX. Mas, também, a fotografia,
a multiplicar avisualidade das exposições e a fazê-las chegar aos diversos públicos que não
as visitavam, mas podiam ver as suas reproduções em jornais' postais e
foto-grafias-souvenirs.
o
consumo crescente e global de imagens e os modos comoas exposições participavam desta mesma cultura visual eram um assunto que me interessava desde há muito. Uma das razöes que acabaram por me levar a conceber um projecto de dois anos sobre fotografia, nas stas relações com o
império colonial português, foi o de considerar que teria uma utilidade futura
para um conjunto alargado de investigadores. O facto de, além do lado teórico
identificaçäo arquivística e material da fotografia tornava-o um ponto de
par-tida para outros projectos de investigação. Os seus efeitos perdurariam, como espero que venha a acontecer, para além do seu breve tempo de duração, atra-vés dos investigadores que beneficiarem da informação disponível e possam
vir
a usá-la nas suas pesquisas. rJm site com o nome do projecto irá congregaros principais arquivos on-line com colecções de fotografia produzida em
con-texto colonial português. Alguns destes arquivos já iniciaram os seus
proces-sos de classificação e digitalização, outros ainda não o frzeram. Trata-se de um
processo em curso, onde as iniciativas e as motivações têm que
vir tanto
de arquivistas como de investigadores. Este foi, aliás, um dos aspectos maismoti-vadores deste projecto: o de conjugar uma perspectiva teórica e crítica sobre
a fotografia no contexto colonial português, com a identificação das colecções mais significativas existentes em lugares públicos.
Através da organização de um curso de vários dias, que decorreu em
Feve-reiro de 2013, pudemos
juntar
aprâtica com a teoria: metade do tempo foipassado a ouvir e discutir o trabalho de autores tão centrais a este campo de estudo como Elizabeth Edwards 2 e Christopher Pinney3, consultores do
pro-jecto, e a outra metade decorreu em visitas de estudo a colecções fotográflcas de alguns arquivos lisboetas.
A
resposta dos arquivos e bibliotecas ao nosso desafio foi muito positiva. Um grupo de 50 pessoas-
de académicos a artistas plásticos, jornalistas e realizadores de documentários-
visitou as colecções defotografia relativas ao período colonial português do Arquivo Histórico Ultra-marino, do Museu Nacional de Etnologia, da Sociedade de Geografia, da Torre
do Tombo, e do espólio fotográfico Orlando Ribeiro do Centro de Estudos Geográflcos da Universidade de Lisboa a. Durante o curso concentrámo-nos em Lisboa, mas o projecto também incluiu consultas em arquivos e
bibliote-cas do Porto e de Coimbra. O que ficou claro com esta experiência de encontro
entre investigadores, arquivistas e bibliotecários foi a forma como todos temos
a aprender uns com os outros e como se impõe a necessidade de trabalharmos
em conjunto no sentido de identificar e estudar os vastos espólios fotográficos
herdados da experiência colonial portuguesa.
Como têm reconhecido muitos estudos nas últimas décadas, sobretudo no
contexto britânico, indiano, francês e holandês, estudar criticamente os impé-rios coloniais nas suas formações contemporâneas
-
nos séculosXIX
eXX
-implica reconhecer a relevância da sua cultura visual e material para além da
cultura escrita5. Mesmo estas divisões entre texto e imagem podem ser questio-nadas. Como o demonstram todos os artigos deste livro, independentemente dos seus temas e abordagens, a fotografia está inscrita e é ela própria constitui-dora das experiências coloniais. Tal como também está inscrita e imbuída de
outros documentos, sendo indissociável de uma cultura escrita como de uma cultura material.
A
sua existência físicano
"arquivo colonial"-
ele próprioobjecto de estudo crítico nos estudos pós-coloniais
-
não é solitária. Afotogra-fia partilha o seu espaço, mais ou menos re-organizado e re-classificado, com muitos outros materiais, como correspondência, postais, livros, revistas,
jor-nais, objectos, ofícios e diários. E, muitas vezes,fazparte deles. As
possibilida-'z Elizabeth Edwardq The Camera as Historian. Amateurs photographers and historical Imagination I 885- I 9 I I (Durham
e Londres: Duke University Press, 2012); Edwards e Christopher Morton, orgs., Photography, Anthropology and History (Aldershot: Ashgate, 2009); Edwards e ]anice Hart, orgs., PhotograPhs, Objects, Histories: on the materiality of Images (Londres: Routledge, 2004); Edwards, Raw Histories: Photo graphs, Anthropology and Museums (Oxford: Berg, 2001); Edwards, org., Anthropology and Photography
1860-.1920 (New Haven e Londres: Yale University
Press; The Royal Anthropological Institute, Londres, 1992).
3 Christopher Pinney, Photography and Anthropology (Londres: Reaktion, 201 l); Pinney, The coming ofphotography in India
(Londres: British Librar¡ 2008); Pinney
e Nicolas Peterson, orgs., Photography! Other Histories (Obj ects/ Histories) (Durham
e London: Duke University Press, 2003); Pinney, Camera Indica. The Social Life of
Indian Photograpås (Londres: Reaktion Books,2007).
a Quero aqui agradecer o empenho e profrssionalismo com que nos receberam nas respectivas instituiçôes: no Museu Nacional de Etnologia, )oaquim Pais de Brito, o seu director e consultor do projecto, e Carmen Loureiro Rosa, responsável pela Biblioteca; no Arquivo Histórico
Ultramarino, a sua directora Ana Canas e
as investigadoras do projecto Ana Cristina
Martins e Catarina Mateus; na Sociedade de
Geografia, Manuela Cantinho, responsável pelo Museu; no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, o seu director Silvestre Lacerda, e os arquivistas Fernando Costa e Paulo Tremoceiro, assim como a conservadora Carla Lobo; e, finalmente, no Centro de Estudos Geográficos, agradeço a Rute Vieira
e a Mário Neves.
s Martin lay e Sumathi Ramaswam¡ orgs.,
Empires of Vision. A Reader (Dvham e
Londres: Duke University Press, 2014); Elizabeth Edwards e Kaushik Bhaumik,
Visual sense: The Cultural Reader (C)xford: Berg,2008); Vanessa R. Schwartz e Jeannene
M. Przyblyski, orgs.,The Nineteenth-Century Visual Culture Reøder (Londres e Nova Iorque: Routledge, 20ü); lessica Evans e Stuart Hall, orgs., Visual Culture: the Reader (Londres: Sage; The Open University, 1999); Nicholas Mirzoeff, org., The Visual Culture Reader (Londres e Nova lorque: Routledge, r998).
Postal Fotográfìco, Companhia de
Diamantes de Angola, Andrada,
" Mulheres de trabalhadores contratados, regressando de uma
distribuição de mandioca, feira pela
Secção de Propaganda e Assìstência à
Mão de Obra lndígena, da Companhia (SPAMOI)", sem data. Col. FL. Vicente.
O lmpério da Visão: Histórias de um Livro
des de reprodução da fotografia, exploradas em muitas das contribuiçöes a este
livro, revelam que a produção de conhecimento colonial, impresso e
manus-crito, se caracterizoupor uma articulação entre texto e imagem'
o
projecto centrou-se apenas em bibliotecas e arquivos públicos. Apesar de considerar que os arquivos pessoais e privados säo igualmente relevantes.o
próximo grande passo de investigação será o de mapear e estndar asmemó-rias privadas da experiência colonial, aquelas que hoje ainda se encontram nas
casas daqueles que a viveram. Os arquivos privados onde se misturam
fotogra-fias, diários, cartas e objectos, de vários momentos históricos, e onde as
histó-rias de vida, na sua especificidade e intimidade, se cruzam com as texturas da
história ao mesmo tempo que as constituem. No fundo, a "viragem biográfica"
a acompanhar a "viragem arquivísticd' de que Ruth Rosengarten nos fala no
seu artigo neste livro. O tempo limitado do projecto e o facto de eu
conside-rar que a fotografia não era um objecto suficientemente valorizado por parte
de alguns arquivos e bibliotecas e, sobretudo, por parte dos historiadores, fez--me concentrar na dimensão mais pública da fotografia. No entanto' o estudo sobre o arquivo pessoal/colonial é, talvez, ainda mais urgÜnte, na medida em que as histórias de vida tendem a ser mais voláteis e frágeis do que as histórias das colecções e arquivos institucionais. E como também me informa a minha
consciência feminista, 'b que é pessoal é
políticoi
Mesmo a última geração que viveu a sua vida adulta em contexto colonial,
fosse qual fosse o seu lugar, está a envelhecer. Muitos já morreram. As suas
vozes precisam de ser ouvidas porque são elas que também dão sentido aos
documentos escritos e materiais dos seus arquivos pessoais. sem essas vozes,
as fotografias correm o risco de se tornarem "fotografias encontradas" (found
photogrøphs) como aquelas mostradas recentemente na Galeria de Fotografia
Pickpocket, em Lisboa, Álbum Lixo. Resíduos fotogróficos da Feirø da Ladra. são fotografias vendidas na Feira da Ladra em Lisboa, soltas, às vezes isola-das, outras vezes em conjunto. Muitas vezes abandonadas no chão de santa Clara quando, no
fim
da feira, os vendedores deixam paralá aquilo que pen-samjá
não ter valor. Às vezes, compro-as, muitas vezes compro só uma deum conjunto, com a consciência de que estou a fragmentar ainda mais aque-las histórias de vida abandonadas e a entrar numa intimidade que não é a
minha. Imagino as histórias daquelas vidas que nunca conhecerei. A
fotogra-fra enquanto lugar de memória ou de esquecimento, de dor como de saudade, de alegria como de sofrimento.
olho para
elas com a grelha dos meusinte-resses, mas ao fazê-lo estou a retirá-las dos outros contextos que lhes deram sentido. As fotografias são tão difíceis e problemáticas também por isso.
ora,
fazem parte de um arquivo e de histórias escritas ou orais que as sobrecarre-gam de signifrcado, de afectos, de emoções, de vidas, de histórias. Ora surgem sozinhas, perdidas, mudas. Todos vemos, mas ver não é fácil. E essa aparente
facilidade da visão torna as imagens ainda mais invisíveis.
Não que se possa estabelecer uma fronteira entre arquivos institucionais
e públicos, e arquivos pessoais e privados. Eles cruzam-se de muitas formas.
os
arquivos públicos também acolhem infindáveis arquivos pessoais,histó-rias, memórias e materiais de vidas, individuais e fragmentadas. cabe também
aos investigadores interpelarem os arquivos, nas suas estabilidades
aparente-mente imóveis. os muitos estudos que, nas últimas décadas, se têm escrito sobre fotografia em contexto colonial vieram sem dúvida, problematizar este
arquivo colonial 6. Este
livro
chega num momento em que estaárea
jâ
estárconsolidada desde há muito nalguns países, sobretudo na Grã-Bretanha.
ou
melhor, num momento em que a própria ideia de "fotografia colonial" estáa ser posta em causa 7. será que faz sentido pensar na fotografia no contexto
colonial português e não simplesmente na fotografia? Será que se deve chamar
'tolonial"
à fotografia produzida em Goa ou em Moçambique, emTimor
ousão Tomé? Tal como será que faz sentido chamar "orientalista'àquela feita no Império Otomano?
As historiografias nacionais têm tempos distintos. Mesmo num momento em que
jâ
náo deveria fazer sentido falar em historiografias nacionais. umaquestão com a qual nos temos de confrontar, aos escrevermos a partir de
Portugal' ou qualquer
outro
país que não esteja em sintonia teórica comoutros lugares, é se devemos saltar etapas ou temos que passar por todas elas.
A partir deste lugar
-
Portugal 2014-
estamos ainda na fase de sentir que hámuito por razer, na história da fotografia portuguesa em geral, e na história da fotografra em contexto colonial. Ao mesmo tempo, temos muito mais acesso
6 Zahid Chaudhary, Afterimøge of Empire: Photography in Nineteenth-Century India
(Minneapolis, MN, University of Minnesota Press, 2012); Eleanor M. Hight e Gary
D. Sampson, orgs., Colonialist Photography.
lmag(in)ing race and place (Londres e Nova
Iorque: Routledge,2002); Paul S. Landau e Deborah l.Kasplin,Images ønd Empires: Visuality in Colonial and Postcolonial Africa
(California: California Scholarship, 2002);
Nuno Porto, r\ngola a Preto e Branco
-Fotografa e Ciência no Museu do Dundo,
1 940- I 97 0 (Coimbra: Museu Antropológico
da Universidade de Coimbra, 1999); Christraud M. Geary,Images of Bamum: German Colonial Photography at the Court of King Nyoja, Cømeroon, West Africa,
1902-191 5 (Washington DC: Smithsonian
Institution Press, 1988).
7 Christopher Pinne¡ "Jhat's photography got to do with it?", in Photography's Orientalism. New Essays on Colonial Representation, orgs., Ali Behdad e Luke Gartlan (Los Angeles: Getty Research
Institute, 2013), pp. 33 -52. i I
O lmpério da Visão: Histórias de um Livro
às discussões académicas internacionais. Os arquivos públicos e privados em
Portugal estão cheios de materiais à espera de serem estudados criticamente'
o
mesmo sucede com os arquivos fotográficos existentes, hoje, nas ex-colónias portuguesas, a pesquisar em colaboração estreita com investigadores dessespuir.r. A historiografia e a teoria colonial das últimas décadas empreenderam
um caminho em direcçäo aos arquivos, vozes e objectos existentes nos
espa-ços que já foram colonizados. Há, de facto, que estudar o arquivo
-
públicoe privado
-
da metrópole colonial mas há também que o colocar em diálogo.o-
o arquivo, literal e metafórico, de São Tomé, Guiné' Moçambique' Macau'Angola, Timor, Índia e Cabo Verde.
um
dos aspectos que considero mais interessantes da fotografia enquanto objecto de estudo é o facto de atrair tantas abordagens e olhares diversos' Estelivro é a prova disso. como todos os livros colectivos, o Império da visao lam-bém é feito de acasos e ausências. Há, com ceÍteza, muitas outras pessoas que
poderiam estar aqui. convidei james R. Ryan, também consultor do projecto'
para escrever a introdução por duas razões principais s. Pelo apreço que tenho
p"lo
s..r trabalho, acreditei que seria a pessoa ideal para nos dar uma visãogeral sobre o tema; e porque, assim, o 'bbriguei" a
incluir
o caso portuguêsnum conte"to geográfico internacional, algo potlco frequente em textos
escri-tos no âmbito da academia britânica. Ryan respondeu ao desafio da melhor maneira, e agradeço-lhe o empenho demonstrado'
Alguns dos autores deste livro têm já obra feita e consolidada neste tema,
como é o caso do Nuno Porto, antropólogo com um extenso trabalho
publi-cado; outros, pelo contrário, chegaram à fotografia por caminhos mais
indi-rectos. Estavam a trabalhar sobre outros temas e a fotografia surgiu-lhes nocaminho, quase como um objecto incómodo onde se tropeça' e não se conse-gue ignorar. Este projecto teve assim o mérito de pôr várias pessoas a
con-frontar-se com a fotografia e a integrá-la nos seus materiais de estudo' Espero,
pois, que este livro seja não somente o resultado final de trm breve projecto de
investigação, mas que surja como um ponto de partida para futuras
investiga-çoes. Um incentivo a que outros investigadores pensem criticamente sobre os
cruzamentos entre fotografia e colonialismo e alarguem os horizontes das suas
pesquisas.
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' fanrcs lì ItyJrì. I)lt(,lr)tr{tpl,y {iri{l
ExPIÒrdl i on ( l.,lltl r.... lìt,,rl<t
ì,,¡r ltr,,rl.s, 201-1):.Joan lvl. Schrvartz. c fantes ì1. lìyan, org\., l,i.tr{ril.( I'lnt.
l,l t o t tyrrt ¡l ry,, t t t, I t I t t <,cogruphittl Innttitt|tiott ( L()tì(lrc\ (, N(ìviì
tttrqut': I lì lirr¡ris,200.ì); ¡rrr.s I(. l{yrrr.
Pt( lur ing lf,illri rt,.
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Iltii,h t t;:Drr( (l.ondrcs: Iì.caktioll tl,,,,kr, l,rltZ).
Os quatro temas em que
o
livro
se divide revelam as linhas deinqué-rito
possíveis para uma história da fotografia em contexto colonial:i)
Clas-sificação/Missão;
ii)
iii)
Exposição/ReProdução;iv) Resistência/Memória. A primeira, Classificação/Missão, inclui vários arti-gos sobre missões específicas nas colónias, como é
o
iäso de Ana Cristina Roque, que analisa a Missão Antropológica de Moçambique, liderada porSantos
júnior
entre 1936 e 1956; de Ana Cristina Martins, centrada no estudoséculo XX, mas inserindo-a numa genealogia oitocentista de investimento na exploração científica em África; ou da Missão Etnográfica de Elmano cunha
e costa, na década de 1930, tratada
por
cláudia castelo e catarina Mateus.o
advogado, escritor e também fotógrafo cunha e costa e o padre Estermann,protagonizam a capa deste livro.
os
estojos de cabedal das Rolleiflex em cimada mesa de campanha, utilizada pelos viajantes que, sentados na sua "hora de
repouso] como se intitula a fotografla, encarnam as frguras dos aventureiros--exploradores-cientistas, homens e brancos
-
o laico e o religioso-
quefize-ram de África o seu laboratório. Muitos deles fotografavam. Aqui, o fotógrafo
fotografa-se a si próprio e ao seu companheiro de viagem, também ele
fotó-grafo. O auto-retrato do fotógrafo.
cristina Nogueira da silva e Patrícia Ferrazde Matos também se centraram em casos específicos, Santos Rufino, a primeira, e Mendes Correia a segunda, mas para discutirem questões mais alargadas. Nogueira da Silva aborda o papel
da fotografla na classificaçãojurídica das populações coloniais, enquanto Ferraz
de Matos analisa os usos da fotografia nas configurações da disciplina
antropo-lógica tal como ela foi deflnida e reinterpretada, a partir de autores estrangei-ros, por Mendes Correia. Augusto Nascimento faz uma análise diacrónica das
representações fotográficas de São Tomé
-
entre as fotografias inscritashistori-camente num período colonial, e as suas próprias fotografias, enquanto
inves-tigador em trabalho de campo. A caça
-
nos interstícios entre história natural, conhecimento do território,lazer e relaçöes coloniais-
foi uma práticamuitodescrita e fotografada nos espaços imperiais e que aqui é tratada por Bárbara
Direito. Não por acaso, foram muitos os paralelismos contemporâneos que se
traçaram entre o acto de fotografar e o de caçar.
um
gesto humano accionavaum dispositivo, fotográfico ou de armamento, para, através da visão, pôr o seu
objecto no ponto de mira. A máquina fotográfica fotografava. A arma matava. Mas ambas podiam estar associadas a formas de poder, desigual, entre quem
detinha a posse da tecnologia e quem dela era objecto.
O que esta secção também acaba
por
demonstrar são as históriascr\za-das entre o dispositivo fotográfico enquanto instrumento de conhecimento e
a consolidação de uma disciplina como a antropologia que, no passado, fez do espaço colonial o seu laboratório de estudos e que, hoje, de um modo
auto--reflexivo, usa a sua própria experiência histórica como objecto de análise. Algumas das mais desafiantes abordagens à "fotografia colonial"
-
termoques-tionável que evitamos usar
-
vieram da antropologia. Dos trabalhos de Eliza-beth Edwards, para o caso britânico, a associar fotografia e antropologia desde há vinte anos, até ao caso nacional, com nomes como Nuno Porto, Clara Car-valho, Isabel castro Henriques, Alfredo Margarido e, numa geruçäo anterior, ahistoriadora
|ill
Dias, a interpelarem o campo e a darem à fotografia umaaten-ção que a historiografia portuguesa nunca foi capaz de dar.
Na segunda parte do livro, Conhecimento/Circulação, a palavra
conheci-mento continua a ser central: a fotografia enquanto modo de mapeamento e
conhecimento de um lugar. Mas, aqui, constatamos como o conhecimento tem múltiplos significados. Tanto Nuno Borges de Araújo como António carmo
O lmpério da Visão: Histórias de um Livro
Gouveia concentram-se nos usos da fotografla ao serviço das ciências naturais' estruturais à interpelaçäo do mundo desde o século
XVIII
e muito desenvol-vidas nos espaços coloniais ao longo do século XIX. Carmo Gouveia é elepró-prio um
"homem das ciências", uma versão contemporânea do "naturalistd'que estuda aquilo que a fotografia fotografava. Mas em vez de olhar Para as
fotografias dos seus homónimos do século
XIX
como uma "janela" para o seuobjecto de estudo
-
uma planta-,
åmpreende uma dupla reflexão. Afasta-se da planta, representada na bidimensionalidade da imagem, patafazer do arquivo botânico colonial o seu próprio objecto. Borges de Araújo, com vários traba-lhos publicados sobre fotografia oitocentista portuguesa, mostra-nos como épossível fazer história da fotografia sem fotografias.
Paulo |orge Fernandes e Teresa Mendes Flores escrevem sobre as
úiliza'
ções da fotografia em projectos muito específicos. Fernandes analisa o pano-rama visual de Moçambique em finais do séculoXIX
realizado pelo fotógrafo Manoel Romão Pereira, no contexto da missão política de Mariano deCar-valho,
um verdadeiro projecto
colonial
compostode
múltiplas vertentes; enquanto Flores, em relação a um período muito posterior' explora afotogra-fia nos relatórios médicos de uma das mais emblemáticas iniciativas coloniais em Angola, o país inventado, qual utopia colonial, que constituía a Diamang. Este é um dos muitos casos em que os artigos deste
livro
entram em diálogouns com os outros. Nuno Porto dedicou muitas das suas publicações passadas a estudar a Diamang e, na última secção deste volum e, faz uma reflexão sobre a reconstrução da memória histórica, material e digital, da famosa compa-nhia de exploração de diamantes angolana. O trabalho surgia como uma ques-tão indissociável de qualquer projecto colonial como se demonstra, de muitas
formas, ao longo deste volume: dos antropólogos, botânicos, médicos ou
fotó-grafos, homens e portugueses na sua maioria, mas também estrangeiros, que
iam da metrópole para as colónias, durante mais ou menos tempo, para
exer-cer a Sua profiSsão, às muitas formas de trabalho "nativo", tema este que se
tornou
central às políticas sobre o aproveitamento económicodo
império.Nuno Domingos explora os usos da fotografia na promoção de uma
moderni-dade empresarial e industrial em Moçambique onde os "nativos", mulheres e
homens, tinham o seu papel definido.
A
palavra'tirculação'-
de pessoas, espécimes naturais, materialfotográ-fico, desenhos, correspondência, diários, fotografias
-
é um conceito estrutu-ral a todo o livro, mas nesta secção tomaum
significado maisliteral'
Mário Machaqueiro analisa algumas viagens de "régulos daGuind'
à metrópole aconvite do governo colonial, em diferentes momentos da segunda metade do século XX, e os sentidos políticos destes encontros. Fotografados com a Torre
de Belém atrás de si, um grupo de homens muçulmanos, com o traje a iden-tificar a diferença da sua religião, vinha demostrar como, naquele momento,
interessava
cultivar
a multi-religiosidadedo
império.Nctme
Santana vem explorarum
assunto que me é especialmente caro: o da transnacionalidadedos fotógrafos e da necessidade de se pensar tanto a história da fotografia como
Se muitos viajantes nas colónias se converteram em fotógrafos, também
mui-tos fotógrafos eram viajantes. E voltamos à circulação. As próprias necessida-des do mercado da visualidade, em franco crescimento nas últimas décadas do século XIX, a isso obrigavam. O canal de Suez, aberto em 1869, veio incre-mentar ainda mais o tráfego de navios na costa oriental africana e, com ele, o
movimento de pessoas que atracavam nos portos apenas durante umas.horas.
A compra de fotograflas das "vistas" das cidades portuárias como da paisagem urbana, humana e natural de uma África crescentemente colonizada por
paí-ses europeus tornou-se uma prática comum que favoreceu o aparecimento de
muitos fotógrafos e estúdios fotográficos em África e, também, de africanos. O cosmopolitismo da profissão de fotógrafo, exemplificado pelos irmãos Laza-rus, também põe em causa a noção de "fotografra colonial" num momento em que se multiplicavam os motivos e os lugares a partir dos quais se fotografava, também em contexto colonial.
Na terceira secção do livro, Exposição/Reprodução, a fotografia é
explo-rada nas suas muitas formas de reprodução, de duplicação e de diálogo e
intersecção com outras linguagens visuais, do cinema à litografia e ilustração.
Leonor Pires Martins, que
já
publicou umlivro
nesta mesma editora sobreas imagens das colónias nos jornais ilustrados portugueses, demonstra como a tecnologia da reprodução oitocentista e depois novecentista afectou vários
instrumentos
de
visão, contribuindo parauma
crescente visibilidade dascolónias. Tal como argumenta james R. Ryan, na introdução a este livro, a
foto-grafia não serviu apenas para reflectir ou representar as colónias, ou seja, para
as mostrar também àqueles que nunca lá foram mas que, a partir das
metró-poles europeias, se sentiam parte de uma cidadania imperial e hegemónica.
A
fotografia constituiue
criou
a experiência
colonial. Os extraordinários desenvolvimentos tecnológicos deste período multiplicaram aspossibilida-des de
imprimir,
divulgar, reproduzir e fazer circular imagens globalmente.Estudar as diversas formações coloniais deste período, em África ou na,A.sia,
implica um permanente confronto com este excesso visual das colónias. Um
excesso que, durante muito tempo, foi ignorado, mas que nas últimas décadas está a ser observado
-
não como uma representação de, ou com a nostalgia acritica com que as imagens são tantas vezes olhadas-
mas como uma parte constitutiva da textura histórica colonial.Teresa Castro faz rma incursão no passado visual da cartografia, no mapa como no atlas, e ao fazê-lo ajuda-nos a compreender as genealogias da
fotogra-fia. Através da ideia de atlas, tal como Aby Warburg a concebeu, com centenas
de reproduçoes fotográficas de obras de arte a possibilitar uma organização
visual do saber, Castro explora os modos como o álbum fotográfico também surgiu como um modo de organizar e classificar imagens. E fá-lo através da análise de quatro álbuns, de Angola e de Moçambique, entre 1877
e
L929.O mais antigo dos álbuns fotográficos é o de fosé Augusto Cunha Moraes rea-lizado em Angola entre as décadas de 70 e 80, um dos primeiros fotógrafos de
África que se conhecem e, sem dúvida, um dos grandes nomes da fotografla
portuguesa do século XIX.
O lmpério da Visão: Histórias de um Livro
Rita Carvalho e Maria do Carmo Piçarra, tal como Martins, também
con-frontam a fotografia com outras formas de tornar o império visível. Piçarra analisa os modos como o Estado Novo concebeu as colónias portuguesas através do cinema e como o utilizou na sua propaganda, por um lado. E' por outro lado, aborda o modo como o cinema foi usado para contestar o regime em filmes que foram proibidos pela censura. Tal como o cinema, a fotografia também podia perturbar as narrativas visuais hegemónicas. Depois de
mui-tos estudos em que a fotografia foi estudada sobretudo como instrumento ao
serviço dos poderes coloniais e enquanto mais um instrumento de conheci-mento colonial, na última década, e sobretudo no contexto britânico e indiano,
novas perspectivas, também motivadas por contributos com origem nos estu-dos pós-coloniais, vieram revelar o lado subversivo e resistente da fotografia.
A fotografia como contrapoder, tal como é explorado na secção
IV
deste livro.A
ilustraçãoda
denominada literatura colonial-
termo tão
problemáticocomo na fotografia
-,
no Estado Novo, vem reforçar a necessidade de esbater-mos as fronteiras disciplinares que tantas vezes separam e isolam objectos quedeveriam ser pensados em uníssono. São as mesmas fronteiras que fazem com
que a história tenda a concentrar-se no documento escrito, a história da arte
no objecto artístico, e a história da fotografia ou do cinema nos seus respecti-vos dispositivos. Este livro, é também uma prova dos benefícios em abordar
um mesmo objecto nos cruzamentos de muitos olhares.
As relações entre a fotografia e as exposições constituem
um
dos meus interesses de investigação. Trata-se de uma articulação que, ao longo dos anos,também foi convergindo para espaços e temas coloniais. Na terceira parte do
livro, são três os artigos que associam ambos os espaços culturais e visuais
-
o espaço bidimensional da fotografia e o espaço tridimensional das exposições.Nadia Vargaftig analisa os modos como o Estado Novo
utilizou
a fotografiae as exposições na projecção das suas ideologias coloniais e, ao fazê-lo'
mos-tra como a fotografra foi determinante na multiplicação do efeito expositivo'
A
Exposição Colonial de 1934, no Porto, a Exposição do Mundo Português, em Lisboa em 1940, ou as representações portuguesas nas exposições coloniaisinternacionais que tiveram lugar na década de 1930 são casos extremamente ricos de intersecçöes de diferentes camadas de visualidades. A Feira de Angola'
exposição que teve lugar em Luanda em 1938, e que recentemente foi objeto de uma exposição
nA
Pequena Galeria, em Lisboa, com o seu belíssimo catálogo sem textos e somente com fotografras, também poderia ocupar este elenco de lugares onde imperava o sentido da visão, e a estetização do império'As exposições que tiveram lugar nas colónias são, aliás, um assunto que me interessa muito particularmente. Por um lado, porque quando comecei a tra-balhar sobre Goa, foram as exposições os primeiros objectos coloniais que me
obrigaram a deslocar o olhar da metrópole para o mundo cultural e intelectual, extremamente rico e complexo, da "Índia Portuguesd'na Sègunda metade do século
XIX; por
outro lado, porque me interessam todos aqueles lugares deprodução de conhecimento onde estejam envolvidos locais, ou seja,
'toloni-zados". Aqueles lugares, precisamente, onde são problematizadas as divisõesAnúncio da Kodak na
Exposição Colonial
Portuguesa, Porto 1 934,
Jornal "O Século",
'ló de Junho de '1
934, p. 9.
lmagem cedida pelo ANTT.
ì
20
-O lmpério da Visão: Histórias de um Livro
entre colonizadores e colonizados. Tanto as expesições industriais e artísticas que tiveram lugar em Velha Goa em 1860 e 1890, como o panorama visual de Goa criado pelo estúdio fotográfico goês Souza & Paul, possibilitaram-me, no
meu artigo deste volume, abordar formas de conhecimento local na sua
inter-secção com projectos coloniais pensados a partir da metrópole.
O artigo de Inês Vieira Gor.nes é aquele que mais aproxima a fotografia
das exposiçöes porque se centra precisamente nas exposições de fotografias das colónias organizadas em Lisboa, no emblemático Palácio Foz, desde finais da década de 1930 até 1960.
A
autora demonstra como, através da criação do Secretariado de Propaganda Nacional, depois com outros nomes, o regime uti-lizou profusamente quer as exposições, quer a fotografia para fazer passar asua mensagem. Enquanto homem "moderno"
-
no sentido que os fascismos europeus deste período também lhe deram-
António Ferro conhecia bem aspotencialidades da fotografia, tanto como das exposiçöes, mais ainda num país de maioria analfabeta, onde saber ver era mais fácil do que saber ler. Gomes
explora sobretudo o caso das exposições de fotografias que Elmano Cunha e
Costa tirara em Angola. Este artigo entra num diálogo feliz com o de Cláudia
Castelo e Catarina Mateus, também centrado em Cunha e Costa, uma perso-nagem que se ajusta na perfeição à combinação entre conhecimento e poder
que tanto influenciou os estudos coloniais como os estudos de fotografia colo-nial, sob a égide teórica de Michel Foucault e de Edward Said. O artigo
tam-bém explora bem um aspecto que está presente em muitos outros textos deste
livro, a forma como uma mesma fotografra podia ser usada em diferentes con-textos e em diferentes momentos históricos, assim assumindo significados
dis-tintos: exposta na parede de uma exposição, reproduzida num
livro
ou numpostal, ou mostrada em conjunto com muitas outras, nos tais "atlas" de
ima-gens de que fala Teresa Castro. As exposições de fotografia também funcionam como uma espécie de álbuns fotográficos. Inês Vieira Gomes, tal como Nadia Vargaftig, demostra como as fotografias das exposições transformaram o seu
carâcter temporário e provisório, em algo permanente.
Se o artigo de Maria do Carmo Piçarra já mostrara como o cinema
ser-vira tanto de propaganda a favor do Estado Novo e dos seus ideais de
coloni-zação como de crítica ao regime, a
IV
e última secção dolivro
-
Resistência/Memória
-
debruça-se sobre a politização das imagens e os modos como elasnão são apenas representativas de violência, mas podem mesmo despoletá-la.
E talvez a secção mais difícil do
livro
-
mais dolorosa e mais presente-
por-que se refere a um período mais recente. E é aquela onde a fotografra serve
para analisar a violência e racismo que também esteve presente em muitos
contextos e momentos da experiência colonial, através da tortura, do
traba-lho forçado, da guerra, da morte e da violência sexual perpetrada por homens
brancos sobre mulheres colonizadas. Esta é também a secção onde as
foto-grafias são mais problemáticas porque remetem puru p.r$ous em sofrimento,
doentes, com graves problemas físicos ou mesmo assassinadas. Como expli-cam alguns dos autores, havia menos pudor
em
realizar e em mostrar cer-tas fotografias de negros do que de brancos. As hierarquias raciais latentes emmuitos momentos e contextos das experiências coloniais, tão poderosas como
implícitas, faziam com que uns corpos valessem mais do que outros e com que
a fotografia reproduzisse e reificasse essas mesmas distinções.
Os corpos das mulheres negras, seminuas ou nuas, povoam a visualidade colonial com uma persistência geográfica e temporal que só pode ser
expli-cada como resultado do domínio patriarcal em relação ao visível -.em relação
àquilo que pode ser tornado visível
-
assim como da hegemonia masculina noespaço colonial. Três pequenas histórias ajudam a explicar os problemas éticos que estas imagens colocam: quando há uns anos estava numa loja lisboeta de postais antigos à procura dos temas que me interessavam, o comerciante
cha-mou-me a atenção para o facto de uma grande parte dos postais 'toloniais"
estarem na secção de "erótico'i As mulheres negras que, em contexto colo-nial, eram fotografadas, quase sempre por homens brancos, para depois serem
reproduzidas em postais, podem integrar a categoria
do
"étnico",do
"exó-tico", mesmo do "antropológico'ou "etnográficol mas o seu consumo, hoje, de algum modo mimetiza o gesto colonizador de quem as fotografou.Enquanto mulher que frequenta os lugares de comércio de fotografias, postais ou livros "velhos" em diferentes países, um mundo maioritariamente
de homens, voltei a deparar-me várias vezes com esta situação: como muitos
coleccionadores do presente refazem, nos seus gestos de escolha, de compra e de categorizaçóes, os olhares hegemónicos masculinos de quem,
no
pas-sado, fotografou. E não estarei eu também, ao comprar algumas destasima-gens, a contribuir para um comércio problemático do colonial? Mesmo que
o faça para melhor compreender e reflectir sobre o meu trabalho? Como há algo de irracional e primário em todos os coleccionadores, mesmo nos
diletan-tes e amadores como eu, dei por mim este verão a comprar um calendário da década de 1960 com desenhos de mulheres negras de seios à mostra, porque
a vendedora da feira da ladra me disse que, se eu não o levasse, ela vendia-o a
um cliente que só comprava "pretas nuas". Para que ele não o comprasse, com-prei-o eu. Foi a minha forma absurda, e inócua, de proteger aquelas
mulhe-res representadas e de evitar que voltassem a ser 'ionsumidas" pelos mesmos olhares que tinham estado vigentes no momento da sua produção. A segunda
história tem paralelismos com esta: os curadores de um prestigiado museu de antropologia britânico, nascido, como todos eles, no contexto do império britânico de oitocentos, viu-se obrigado a retirar do site algumas imagens de crianças ao compreender que estas eram retiradas daquele contexto
-museo-lógico, arquivístico, antropo-museo-lógico, académico, crítico
-
para serem colocadas em sites de conteúdos pedófilos. Mais um exemplo entre os muitos possíveis de como uma imagem não é algo estável limitado àquilo que é representado, mas uma plataforma visual onde se podem projectar olhares díspares, contra-ditórios e mesmo em conflito.Terceira história: fui a uma visita guiada da exposição do artista vasco
Araújo
-
Botânica-
organizada pela Emília Tavares, curadora do Museu doChiado que tanto tem contribuído, com os seus textos e exposições, para uma
história crítica da fotografia portuguesa. umas dezenas de pessoas ouviram o
22
O lmpério da Visão: Histórias de um Livro
artista e depois espalharam-se pela sala a observarem os 'bbjectos
escultóri-cos" que reflectiam sobre a representação do "exótico" na cultura colonial dos séculos
XIX
eXX.
Numa das esculturas estava reproduzida uma fotografiaque considerei muito perturbadora. Guiné Bissau, 1962. tJm soldado
portu-guês, o uniforme revelava-o, de rosto oculto porque a olhar para baixo, abra-çava uma mulher negra, guineer¡se. Uma das mãos na barriga nua e grávida da mulher, a outra, a agarrar-lhe um seio. Ela, a olhar paraa câmara, ausente, triste. Para mim, era uma imagem de uma enorme violência. Mas o meu olhar,
com os seus filtros reflexivos, também pode estar poluído pelo meu excesso
de vigilância crítica, de leituras académicas, daquilo que sei sobre a
violên-cia sexual praticada por tantos homens, impunes, no espaço colonial. Aquela
mão que tocava na barriga podia estar simplesmente a apontar para
'b
meufilho'i a outra mão no seio ser um simples gesto erótico entre um casal que
par-tilhava afectos. Também houve, obviamente, encontros partilhados, mesmo em espaços onde além das desigualdades de género, que também existiam nas
metrópoles, existiam as desigualdades de poder colonial. Mas se ela fosse a sua
mulher, esposa, branca, numa aldeia portuguesa e não em África, o soldado português deixar-se-ia assim fotografar por alguém?
Tanto como a fotografia perturbou-me a conversa
ali
ouvidapor
acaso.Dois casais portugueses, por volta dos 60 anos, com o "bom aspecto" das
pes-soas que frequentam visitas guiadas em museus ao fim da tarde, comentavam a
fotografia jocosamente: "Eles é que sabiam aproveitar!", "assim é que é, granda homem". Naquelas frases de cumplicidade e conivência com uma fotografia
feita em 1962, quando no espaço colonial português, os movimentos de
liber-tação contestavam
o
domínio português, e os cenários de guerras violentasse multiplicavam, estava implícita a hegemonia masculina que dominou
tan-tos encontros coloniais, o direito de posse e de uso e, claro, o de olhar para o
corpo das mulheres negras. A fotografia, como demonstra a profusão e bana-lízaçäo destas imagens, foi um instrumento poderoso da colonização dos cor-pos das mulheres.
Outras questões éticas se colocaram. Muitas delas são semelhantes
àque-las com que se confrontam muitos responsáveis por museus, arquivos e
biblio-tecas, quando têm que decidir aquilo que deve ou não ser colocado on-line e
como é que deve ser feito. Nuno Porto traz-nos reflexões pertinentes sobre os problemas do WWW. Tal como os problemas de reproduzir imagens que
foram geradas
num
contexto de violência, de desigualdadeou
de ignorân-ciapor
parte de alguns dos envolvidos. Exemplos, neste livro, há vários: asfotografias de doentes coladas nos relatórios médicos analisados
por
TeresaMendes Flores. As imagens das pessoas que foram vítima de tortura e' nas
fotografias, revelam
o
seu corpo mutilado,do artigo
de Miguel
Bandeiraferónimo. As fotografias de mortos, bebés assassinados, _a representarem a
maior das fragilidades humanas, em Angola, sobre u, qufi, versa o texto de
Afonso Dias Ramos. Ou as fotografias de mulheres sem nome, ou com nomes
inventados como "Rosita", seminuas, çlue são discutidas no artigo de Carlos Barradas.
As perguntas multiplicam-se. Temos
o
direito
a reproduzir imagens de pessoas que não nos deram a:utorizaçã,o para o fazermos? E que, em muitoscasos, nem sabiam que estavam a ser fotografadas? Pessoas, quase sempre sem nome nem identidade, que foram fotografadas para "ilustrar" ou "provar" dis-cursos e narrativas que não eram as suas? Existem diferenças entre
reprodu-zir
um postal e uma fotografra? O postal é algo que já é uma reprodução deuma reprodução e que tem implícito o conhecimento e consciência de todos
os envolvidos. Mesmo que na prática muitos dos fotografados não soubes-sem qual
o
destino daquela fotografia que alguém lhes estava a tirar.Nou-tros casos, como o da fotografia médica no artigo de Flores, as imagens foram
feitas para serem vistas só
por
alguns, precisamente, aqueles que detinham o conhecimento médico que legitimava esta acessibilidade. Temos o direito,enquanto historiadores, sociólogos e antropólogos, de mostrar fotografias que não foram feitas para ser mostradas? Muitas vezes representando pessoas que
não escolheram ser fotografadas? Sim, penso que temos. Com consciência e
reflexão. Em primeiro luga¡ é necessário ter em conta que muitas destas
ima-gens foram reproduzidas ad infinitum, em postais, livros, revistas e jornais, ou seja, estamos perante várias camadas de mediação.
A
reproduzir algo que já foi reproduzido. Mas isto não chegaria como validação. Sobretudo, penso queé legítimo reproduzi-las neste livro porque elas estão inseridas num contexto
crítico e problematizador. As fotografias não estão "a ilustrar", algo que
conti-nua a ser feito em muitos livros de história. Estäo a ser objecto de um
escrutí-nio reflexivo que precisa de mostrar estas imagens, para assim partilhar com o
leitor as próprias questões éticas e políticas que elas contêm em si.
Assim, não estamos a reproduzir os seus discursos nem a mimetizar os
contextos da sua produção, mas a fazer um esforço para os analisar. O próprio tamanho das imagens do
livro
assim como o arranjo gráfico do volume, quepermite que as imagens estejam ao lado dos textos, contribui para este exercí-cio. As imagens estão contidas, em formato pequeno, identificadas, como que para respeitar a intimidade da dor que muitas delas carregam. É preciso ter em conta que as representadas e os representados em questão tendem a ser os mais frágeis, os anónimos, os que não têm voz, nem forma de contestar as imagens que deles se fizeram.
A estetização do colonial é outra das questões sobre a qual temos de tomar consciência enquanto investigadores confrontados com
a fotografia.
Mui-tas das imagens produzidas em contexto colonial são muito belas, atraentes e sedutoras. As reproduçöes contemporâneas de postais e posters 'toloniais" são prova disso. Alguns livros publicados recentemente reproduzem
-
acriti-camente
-
esta atracção pelo exótico. São livros onde são reproduzidas colec-ções de fotografias ou postais em composições gráficas atraentes. Outro tipode livros que reproduzem imagens, não por aquilo que elas são mas por aquilo
que nelas está representado, é aquele que poderíamos denominar de "nostal-gia colonial". Neste modelo de publicação, ou de blogue, as fotografias surgem
como verdadeiros lugares de memória, traços visíveis de um passado que já
não existe, muitas vezes consumido por pessoas que já estão longe daqueles
24
Na págína seguinte; Fotografia de
mulher com criança ao colo. O texto
escrito nas costas da fotografia afirma
que se trata de uma mulher do norte
de Angola, e tem data de 1 5-1 1 -19ó1 .
O pano que traz vestido parece
reproduzir um desenho de Winston
Churchìll, vestìdo de uniforme militar.
O "V" de vitória aparece várias vezes
no pano. Não sabemos o nome da
fotografada nem da sua filha ou fìlho, nem o contexto em que a ìmagem {oi
feita. O texto que a comenta - nas
costas da fotogralia - e que não
sabemos se loi escrito por quem a
fotografou, dirige-se a outra pessoa,
e faz comentárìos racistas sobre a
inteììgência das mulheres do norte
em relação às do sul. Assim, se a
ìmagem parece preservar a dignidade e
subjectividade da pessoa fotografada,
o texto que a acompanha transforma-a
num "tipo", representat¡vo de "todas"
as mulheres de uma determinada
região angolana. É apenas um exemplo
da complexidade em compreender as
imagens, sobretudo, quando, como
esta, foi comprada, isolada, num
mercado de rua em Lisboa em 2014.
Col. F.L. Vicente.
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lugares
ali
representados e sabem que não regressarão.E
que mesmo que regressassem, aquele mundo já não seria o mesmo. Considero que há quereq-peitar estes usos da fotografia como dispositivo de saudade, tomando-o como
um exemplo das potencialidades afectivas e emocionais das fotografias.
No seu trabalho escrito e em forma de documentário, a antropóloga
Cata-rina Laranjeiro explora a fotografia como um lugar de memória, mer¡órias que
se querem esquecer ou memórias que interessa manter vivas. Nas lembranças de uma guerra recente
-
a libertação da Guiné yersus a persistência dacolo-nizaçâo portuguesa
-
ainda estão bem presentes as feridas emocionais de um conflito que dividiu "irmãos" em lados opostos da barricada. Laranjeiro usoua fotografra como modo de provocar a narrativa oral dos ex-soldados mas con, frontou-se, emvez disso, com os seus silêncios. A força da fotografia enquanto prova está bem presente em duas histórias que conta: o soldado guineense que,
tendo combatido do lado português, enterrou as fotografias que o mostravam vestido com o uniforme das tropas dos "tugas", sabendo o risco que isso
pode-ria
significarno
rescaldo da independência guineense; ou o soldadoguine-ense que, tendo também combatido do lado do inimigo,leva agora a fotografia
que o prova à Embaixada Portuguesa com a esperança de assim obter alguma recompensa económica do governo português pelos serviços militares presta-dos durante a guerra colonial.
A
fotografia enquanto prova-
entrelaçada nos conflitos armados,políti-cos e ideológicos no espaço colonial
-
é também uma ideia central nosarti-gos de Miguel Bandeira ferónimo e Afonso Dias Ramos. O primeiro explora
os debates internacionais acerca do trabalho forçado, escravatura e tortura em contextos coloniais
-
sobretudo portugueses, britânicos e belgas-
e os modos como a fotografia surgiu como prova e contraprova das denúncias. Intrínsecasa estas denúncias feitas publicamente, e com amplo recurso à imagem, está um
novo conceito de "direitos humanos" e de organismos internacionais empe-nhados em assegurar o cumprimento de
uma'ttica"
do colonialismo. Neste contexto, a fotografra surgia como uma "autentificação da indignaçãd', expostapor uns e considerada uma manipulação por aqueles que se sentiam visados. Nos vários casos abordados por |erónimo, destacamos o de uma mulher,
mis-sionária baptista britânica, que também fotografou e publicou The Cømera and
Congo Crime, em 1909, onde a imagem surge a provar as formas de
escrava-tura moderna que ela queria denunciar. "Denúncia" é também uma palavra--chave no texto de Ramos que, numa análise minuciosa de uma vasta panóplia
de fontes, escritas e visuais, públicas e secretas, mostra como a fotografia esteve
no cerne da guerra colonial de Angola. A fotografia não representou a guerra.
A fotografia provocou-a. O autor mostra como é necessário interpelar as
ima-gens de guerra e de atrocidade paru lá do
horror
que nos provocam. Apela,também, para a necessidade de analisar a "visualidade negligenciada" sobre um caso
-
Angola 196l-
que se caracterizaprecisamente por uma profusão de materiais visuais. As imagens como armas de guerra, arremessadas em vários cenários-
panfletos, livros, folhetos, revistas, e mesmo perante os membros,internacionais da ONU, na sua sede nova-iorquina. As imagens do
irrepre-26
O lmpério da Visão: Histórias de um Livro
sentável usadas para
'tegar"
o discernimento, para suscitar ódios evingan-ças, para justifrcar todas as formas de repressão. Este é o único artigo que entra
directamente
no
momento histórico que baliza os limites crorlológicos doprojecto de investigação que deu origem a este livro. sendo tão curta a
dura-ção do projecto, decidi que a associação entre fotografia, conflitos armados e descoloniza çáo era
um
tema dçmasiado importante e vasto para poder serincluído. Mas urge que alguém siga por este caminho de investigação. Em
pri-meiro lugar, os arquivos públicos assim como os pessoais estão repletos demateriais fotográficos e documentais. Em segundo lugaC
o tempo
presentetem a vantagem de estar suficientemente próximo para estarem vivos muitos
daqueles que passaram por essa experiência histórica e, por outro lado, já existe alguma distância temporal, a amainar os ventos das discórdias e das dores.
Talvez o texto que mais reflicta sobre este lugar da fotografia nos
interstí-cios entre a memória, o presente e o passado colonial, e as histórias de famí-lia seja o de Ruth Rosengarten.
A
autora conjuga a sua identidade de artista, de curadora de exposiçöes e de historiadora da arte para analisar duascolec-ções de fotografra de tempos diferentes
-
os retratos de família e osauto-retra-tos feiauto-retra-tos por um homem indiano a viver entre a Índia colonial britânica e a
Europa, e o seu neto, artista plástico indiano contemporâneo, que através das
possibilidades da montagem digital, usa as fotografias do avô para trabalhar
sobre questöes de público e privado ou, como afirma Rosengarten, "quando o
privado se torna público'l algo que todos os autores deste livro também tratam. O mesmo sucede com a arte contemporânea africana e oS modos como esta
lida com a memória colonial, como sucede no capítulo de Susana S. Martins e
de António Pinto Ribeiro. Neste'diálogo difícil" entre a fotografia e o colonial,
os autores começam por problematizar a caracterização geográfica de práticas artísticas que, mesmo quando identificadas como sendo "africanas", não acon-tecem necessariamente
no
continente africano, e devem ser pensadas comointernacionais. Através de alguns artistas sul-africanos e angolanos que' nas suas obras, fazem"a crítica do colonialismo e dos seus regimes de visualidade i
os autores também mostram como o legado da fotografia colonial foi
"reconfi-gurado pela fotografia artística
contemporânea"-O que é que Susan Sontag e Roland Barthes, a escreverem sobre
fotogra-fia em 1979 e 1980, respectivamente, teriam escrito se tivessem acompanhado a revolução digital? Se o trabalho do artista indiano Vivan Sundaram cruza
a fotografia analógica e a digital no seu trabalho, Nuno Porto explora
teori-camente estes cruzamentos, colocando questões especialmente pertinentes a
partir
do casoda
ðigitalizaçáo do arquivo da Diamang. Onde frca o colonialno mundo digitalcêntrico em que vivemos? Quais são as possibilidades' vanta-gens e os problemas que decorrem no processo de re-mediação entre o analó-gico e o digital? Como é que se pode, com o "nivelamento" ou "achatamento"
da reprodução digital, manter vivos os contextos de proãução de uma
ima-gem? Como podemos conter, e problematizar, abanalizaçáo das imagens no mundo
infinito
do on-line? Ou sentir a sua materialidade, o seu toque' osé um produto da "era da reprodutibilidade técnicdl O problema é que é este
mesmo toque, este contacto físico com a fotografia, que pode dificultar a sua
preservação e põe em perigo a sua existência. Depois de muitos anos a inves-tigar, a escrever e a trabalhar num projecto sobre o arquivo da companhia de diamantes de Angola, neste artigo Porto parece querer fechar a sua longa e
fér-til
relação com este objecto de estudo.*
**
Umas últimas palavras para dedicar ao meu pai este
livro
e para agrade-cer a todas as pessoas que o tornaram possível. Ao fechar este livro, sei que tiveo privilégio de agregar o trabalho, notável, das investigadoras e investigadores que aqui colaboraram com os seus artigos. À Inês Vieira Gomes uma palavra especial de agradecimento e afecto. Enquanto bolseira do projecto, o seu traba-lho e empenho foi fundamental em todas as iniciativas do projecto e também
neste livro.
Ao
Pedro Bernardo, editor culto e exigente, o meu reconhecido agradecimento por todo o apoio e profissionalismo. Agradeço também à Cris-tina Libério, assistente editorial, e aoMlA,
paginador do volume, todo o tra-balho e dedicação.Inevitavelmente, encontro na minha infância e adolescência as sementes que mais tarde me frzeram escolher este tema numa candidatura a um pro-jecto de investigação e agora me levam a publicar este livro em conjunto com várias outras pessoas, algumas delas a trabalhar nestes temas há muito tempo. Cresci entre centenas de máquinas fotográficas antigas, como também de
foto-grafias, sobretudo do século XIX e princípios do XX, numa casa onde elas
ocu-pavam sempre mais espaço do que aquele que havia. Passei muitas horas da
minha infância em feiras, mercados e alfarrabistas. O meu pai não
fotogra-fava. Era professor universitário, e é historiador. Mas sabia montar e desmontar
um'taixotd'-máquina
e compreendia os mecanismos que fazem da fotografiauma tecnologia. Não era o gesto nem a prática fotográfica que o motivavam.
Mas sim a câmara em si e os resultados, em vidro e papel, que outros tinham obtido através dela. Tinha quase 18 anos quando o meu pai escreveu sobre Cunha Moraes para o catálogo de uma exposição sobre o grande fotógrafo de
Angola, nos Encontros de Fotografia de Coimbra, um dos vários estudos que
publicou sobre história da fotografia portuguesa e. Estávamos em 1991 e a foto-grafia estava ainda longe de ser considerada em Portugal um tema académico.
Lembro-me do meu pai me ter chamado ao seu escritório para me mostrar
os álbuns publicados nos anos 1880, com as fototipias, belíssimas, que Cunha Moraes frzera em Angola. Na altura, claro, os meus interesses eram outros. |á sabia, desde há uns anos, que queria
ir
para História, mas não tinha ainda acapacidade para ver e compreender o que tinha em casa. Quando toda a colec-ção do meu pai foi para o Centro Português de Fotografia, no Porto, em 2000, não vivia em Portugal, mas fiquei satisfeita com o facto de assim as colecções
t
e António Pedro Vicente e Nicolas Monti'
Cunha Moraes - Viagens em Angola (Coimbra: Casa Museu Bissaya Barreto; 1l'o Encontros de Fotografia, 1991). Catálogo de Exposiçäo.
O lmpério da Visão: Histórias de um Livro
ficarem unidas e disponíveis a todos. Desde entäo o meu interesse por
fotogra-fia, e o lugar que ocupa naquilo que investigo e escreYo, tem estado sempre a
crescer.
Não acredito nos benefícios das dádivas materiais, porque tenho o
privi-légio de ter asseguradas aquelas que são fundamentais, mas apenas noexem-plo e nas dádivas de experiências, de saberes e da curiosidade. Além, claro, dos afectos e dos valores. Por isso também, agradeço aos meus pais, por me terem
transmitido a sua curiosidade por tantos mundos diferentes. Ao Diogo,
obri-gada. Também por partilhares comigo o entusiasmo pelos materiais da
histó-ria. Ao meu pai, dedico este livro por ser um "amante da fotografia", tanto dos objectos, como das suas histórias. E por me ter transmitido' sem eu dar por
isso, uma parte desse amor. Espero que um dia as minhas filhas possam
com-preender porque é que, apesar de tantas queixas e lamentos, as levei, desde que
nasceram, a mUSeuS, concertos, viagens, livrarias, alfarrabistaS, feiras de velha-rias e exposições. Porque é que partilho com elas os meus mundos'
tsBN 978-972-44-1 81 1 -7
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A
hegemonia da fotografla
foi
contemporânea das formaçoes modernas
dos
impérios
europeus. Uma coincidência
temporal que
se
reflectiu
na estreita
relação
entre fotografia
e colonialismo.
As potencialidades
de reprodução
fotográflca multiplicaram
os seus usos
no
espaço
público:
em exposições,
folhetos
epostais, ilustraçoes
de
jornais
e
de
livros. Mas também no
espaço
privado
eindividual.
Os
arquivos coloniais
do
presente, sejam
eles
institucio-nais
ou
pessoais,
são
lugares instáveis,
de
memórias vividas
econtraditórias.
A
fotografia
não
foi
uma mera ilustração das colónias.
A
fotografi.a criou
experiências coloniais.
Os
estudos recentes sobre colonialismo reconhecem
como,
ao
lado
da
documentação escrita,
as
imagens
são
determinantes para
se
compreenderem
eestudarem
osimpérios.
Nas
histórias entrelaçadas entre
o
império
e
a
visão que
se
contam neste
livro,
destacam-se alguns temas:
a
fotografia
como um
instrumento inseparável
dos
vários
saberes
cientÍflcos gue
usaram
as
colónias
como
laboratório, da história
natural
à
antropologia ou
à
medicina;
a
fotografla como afirmação
do
poder
-
como prova de
posse,
nas
explorações
territoriais
africanas de
finais
do século
XIX,
ou como prova de
violência, durante
asguerras coloniais;
afotografla apropriada pelos sujeitos
colonizados, como também
por
europeus
anticolonialistas,
enquanto forma
de
resistência,
no
forjar
de
identidades nacionais
ou,
hoje,
em
práticas
artÍs-ticas contemporâneas que reflectem sobre
opassado;
e afotografla
nas suas
viagens
num
espaço globalizado, entre a sua produção, circulação
e
recep-çao
em
múltiplos
contextos.
Com
aparticipação
de
trinta
investigadores de diversas áreas
ecom
dife-rentes
abordagens e a
introdução
de James
R.
Ryan,
especialista em
foto-grafia no Império Britânico,
este
livro
coloca a
experiência portuguesa
no
âmbito
dos debates
internacionais,
ao
mesmo tempo que
constitui
um
con-tributo
pioneiro para
o
estudo
da
fotografla
em
contexto colonial português.
(: tìt rP( )A t.M I,:l) I N.\
FCT
Imagem da capa: Hora de repouso lAuto-rettato
de Elmano Cunha e Costa e Padre Estermann. Em crma da mesa o estojo da maquina Rollelflexl Moxico, Angola, 1935- 1939