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Academic year: 2022

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"Um branco som de espuma": pré-história de duas odes de Ricardo Reis (Livro primeiro, III e VI)

Autor(es): Perugi, Maurizio

Publicado por: Associação Internacional de Lusitanistas URL

persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/33891 Accessed : 30-Oct-2022 01:14:31

digitalis.uc.pt impactum.uc.pt

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VEREDAS 4 (Porto, 2001) 321-343

"Um branco som de espuma":

Pre-historia de duas Odes de Ricardo Reis (Livro primeiro, III e VI)

MAURIZIO PERUGI Suica, Unioersidade de Genebra

1. Respectivarnente datados de 11-7-1914 e 9-8-1914, os textos n.202 e 53 da edicao critica organizada por Fagundes Duarte! con- tern os nucleos tematicos e lexicais em relacao com a Ode VI que, publicada no Livro I das Odes de Ricardo Reis (Athena, I, Outubro de 1924, n. 1, pp. 19-24),2 ja encontra abonacao no 'projecto de 1914'.3

1 Todos os textos de Ricardo Reis (Odes, poemas, esboeos, variantes, originais manuscritos e dactilografados) sao numerados e citados conforme essa edieao, Usamos do termo 'poema" no sentido mais extenso que jalhe atribui a critica ricardiana (inclu- sive Silva Belkior, Thxto critico das odes de F.P.-Ricardo Reis: tradiciio impressa revista e ineditos, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1988, p.10), tendencialmente reservando 0 de Ode para os textos publicados pelo pr6prio Fernando Pessoa. Indicamos com numeros romanos as Odes, com algarismos arabes todos os demais ineditos ricar- dianos. Citamos entre aspas os trechos tanto do ort6nimo como dos heter6nimos, inclu- sive Ricardo Reis, guardando as virgulas altas para os quatro textos que constituem 0 proprio assunto do nosso artigo.

2 Cf. Athena: revista de arte, propr. da Sociedade Editora Athena, dir. Fernando Pessoa, Ruy Vaz, Ed. fac-similada, Lisboa, Contexto, 1983.

3 Cf. FD, 19-20. 0 manuscrito do n.202 inclui tambem a primeira versao da Ode II(As rosas amo dos jardins de AdOnis), que serviu de originalatranscrieao de Ant6nio Botto; alem disso, 0 bif6lio contem os textos n.33, 46 e 190,0 primeiro dos quais apre-

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Alem disso, 0 texto n.98 desempenha tambem, como pretendemos demonstrar, urn papel importante na pre-historia genetica da Ode VI.4 Reproduzimos a seguir os quatro textos na sua integridade:

202

Sob estas arvores ou aquellas arvores Conduzi a danca,

Conduzi a danca, nymphas singelas Ate ao amplo goso

Que tomaes da vida. Conduzi a danea E se quasi humanas

Com0 vosso goso derramado em rhythmos Em rhythmos solemnes

Que a nossa alegria toma maliciosos Para nossa triste

Vida que nao sabe sob as mesmas arvores Conduzir a danea...

[11-7-19141

98 Vossa formosa juventude leda, Vossa felicidade pensativa,

Vosso modo de olhar a quem vos olha, Vosso nao conhecer-vos -

'Iudo quanto v6s sois, que vos semelha

Avida universal que vos esquece, Da carinho de amor a quem vos ama

Por serdes nao lembrando Quanta egual mocidade a etema praia De Chronos, pae injusto da justica, Ondas, quebrou, deixando a s6 memoria

Um branco som de spuma.

53

orhythmo antigo que ha nos pes descalcos Esse rhythmo das nymph as copiado

Quando sob arvoredos Batem0 som da danca -

Pelas praias asvezes, quando brincam Ante onde a Apollo se Neptuno allia

Ascrianeas maiores, Tem semelhaneas breves

Com versos ja longinquos em que Horacio Ou mais classicos gregos acceitavam

A vida por dos deuses Sem mais preces que a vida.

Porisso a beira d'este mar, donzellas, Conduzi vossa danca ao som de risos

Soberbamente antigas Pelos pes mis e a danca Emquanto sobre v6s arqueia Apollo Como um ramo alto 0 azul e a luz da hora

E ha 0 rito primitivo Do mar lavando as costas.

[9-8-19141

Ode VI

orythmo antigo que ha em pes descaleos, Esse rythmo das nymphas repetido,

Q~dosob0 arvoredo Batem0 som da danea,

V6s na alva praia relembrae, fazendo, Que scura a spuma deixa; v6s, infantes,

Que inda nao tendes cura De ter cura, reponde

Ruidosa aroda, emquanto arqueia Apollo, Como um ramo alto, a curva azul que doura,

E a perenne mare Flue, enchente ou vasante.

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"Um branco som de espuma": Pre-historia de duas Odes de Ricardo Reis 323

Fixada no texto n. 202, a primeira ideia da Ode VI

e

uma espe- cie de variaeao musical

a

volta do sintagma horaciano "conduzi a danea", sugerido, claro, pelas duas odes ditas primaveris de Horacio, uma e outra modelos especialmente predilectos dos autores do Renascimento: trata-se, respectivamente, de Hor. Carm. 1,4,5-7 eiam Cytherea choros ducit ~nus imminente Luna, / iunctaeque Nymphis Gratiae decentes/ alterno terram quatiunt pede»; 4,7,5-6 «Gratia cum Nymphis geminisque sororibus audet / ducere nuda choros».5 0 que, porem, importa sobretudo, do nosso ponto de vista,

e

estabelecer se nesse esboeo existe uma relacao evidente entre a nOI(8.o poetica do 'rhythmo'f e a categoria epicurista do 'goso',? A qualificaeao de 'antigo' encontra-se, alias, em outra ode ricardiana inedita, dedicada a Lidia,

senta contactos com aquilo que, conforme a nossa hip6tese, corresponde ao mlcleo ini- cial da Ode VI. Com efeito, no texto n.33, 0 poeta exorta Neera a reconhecer «Que nao tem penas nem desassossegosl As nymphas das naseentes», enquanto esta0 nosso pensamento «Curvado jli em vida sob a ideal Do plutonico jugal Conscia jli da livida aguardanea/ Do chaos redivivo», Uma variante destes versos consta no fragm. 185,5-8:

«Curvado, ja em vida, sob a ideal Do plutonico gozo,l Conscio ja da livida speranca/

Do chaos redivivo», Esignificativo que, traduzindo The Raven de Edgar A. Poe no mesmo volume de Athena (pp.27-29) onde esta 0 Livro I das Odes de Ricardo Reis, e com vista a respeitar a rima, Pessoa transpoe a clausula «Plutonian shore» em «tre- vas infernais» (cf PT, 152-163), assim abdicando de um dos estilemas mais tfpicos da sua poesia ricardiana (e inglesa).

4 Empregamos 0 termo 'genetica' ocasionalmente, e por razoes meramente prati- cas, ficando claro que 0 nosso metodo obedece aos principios enunciados, a partir dos anos 40, por Gianfranco Contini no dmbito da que propriamente se chama critica das variantes.

5 Cf. Barbara Spaggiari, "Nel quarto centenario della morte di Luis de Camees.

L'Ode IX", Annali della Seuola Normale Superiore di Pisa, Classe di Lettere e Filosofia, s. III, vol. X,3 (1980), 1003-1064. 0 texto corresponde aOde V na edieao critica de Leodegario A. de Azevedo Filho, Lirica de Camses, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1997, vol. III, t. 2 (Odes), 187-223.

6A danca paga torna-se um simbolo quase filos6fico no texto n.57 (data: 11-8- 1914), vv.3-8 «Seja como uma danca dentro em n6s1 0 sentirmos a vidall Nao turbu- lenta, mas com os seus rhythmosl Que a nossa sensacao como uma nymphal Acompanhe em cadencias suas atDisciplina da danea...» (cf AC 24t,23). 0 emprego de "malicioso"

pode justificar-se com base em 29,28-30 (ode ao "mestre" Caeiro): «Saibamos,quasil Maliciosos,l Sentir-nos ir»; 56,42-43 «companheiras na malicial De irimitando os deu- ses»;BS 123 (16-10-1931): «Mas prefiro I...Jter comigo a malfciade me nao saber pre- ver».

7Palavra-chave na poesia ricardiana: cf. p. ex. 33,22 (no mesmo original do esboco n.202) «Medrosas de ter goso».

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56,13-16 «Vecomo com seu geito sempre antigo/ Aprendido no orige azul dos deuses.Y As nymphas nao socegamf/Na sua danca eterna», a juncao com 0 verbo 'conduzir' ficando confirmada um pouco mais abaixo (vv.21-22 «Nao de outro modo mais divino ou menos/ Deve aprazer-nos conduzir a vida»).l0

Enriquecendo-se em pormenores, este quadro horaciano adquire uma estrutura ja muito pr6xima da definitiva no texto n. 53, na medida em que a originaria inspiraeao musical e repetitiva toma forma num conjunto de imagens concretas: os "pes descalcos" no tim do pri- meiro verso (numa clausula destinada a ficar imutada) pertencem, como se diz na segunda estrofe, a "criancas maiores" jogando "pelas praias"; e essas criancas sao de sexo feminino: com efeito, enquanto as "nymphas" foram relegadas para 0 espaco breve duma compara-

~ao, as "criancas" mostram-se-nos com 0 vulto e 0 gesto de "donzel- las [...]/ Soberbamente antigas". 0 poema, atestado em dois testemu- nhos, apresenta pelo menos quatro variantes notaveis do ponto de vista genetico: 1) "meninas [...] Soberbamente gregas" em primeira escrita; 2) "E os Fan-enos>" riscado no comeco do v. 5;11 3) "Homero"

riscado no v. 10; 4) "Ante 0 mar onde 0 sol se innumerece", primeira redaeao do v. 6, da qual falaremos mais abaixo.

Danca eterna, 'rhythmo' antigo, 'nymphas' cujo jeito classico se reflecte nas 'donzellas' conduzindo sua danca na praia. Alem desta

80 problema gramatical do termo "orige" foi levantado primeiro por Silva Belkior, logo pelo saudoso amigo Silvio Ella, "0 horaciano Ricardo Reis",Aetas do IV Congresso Intern. de estudos pessoanos, Porto, Fundaeao Eng. Ant6nio de Almeida, 1990, II; 353- 373, nas pp. 356-7. Cfr. tambem F. Lemos, "Contributo para a leitura de Odes de Ricardo Reis", Euphrosyne 14 (1986) 166, nota 2.

9 Alem de 33,7-8 «Que nao tem penas nem desassossegoslAs nymphas das nas- centes» (vd. a precedente nota 3); 40, 11-12 «Mais vale saber passar silenciosamentel E sem desassocegos grandes»; 62, '29-30 «N'esse desassocego que 0 descanco/ Nos traz

as vidas»,

10 Exemplo dessas «conetrueoes rebarbativas», onde, «alem de latinismos, como conduzir a vida, se nota a afirmacao expressa pela negaeao do ant6nimo (cf., u.g., haudquaquam multi, haud aliter)» (J.Almeida Pavao, "0Classicismo de Ricardo Reis", Euphrosyne 5 (1972) 529-545, na p. 542).

11Cf. Hor. Carm. 3,18,1 «Faune, Nympharum fugientum amator», 0 «Fauno- sendo tambem presente em 4,9, uma das duas odes horacianas acima citadas, no v. 9. Cf.

FP II,75 vv.1-4 «Oueo sem ver, e assim, entre 0 arvoredo/ Vejo ninfas e faunos entre- mear/As arvores que fazem sombra ou medol E os ramus que sussurram de eu olhar»,

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"Urn branco som deespuma": Pre-historia de duas Odes de Ricardo Reis 325

transmissao ininterrupta e imutavel duma heranca sem tempo, a ode ainda apresenta varies elementos metalinguisticos. Tal ha-de ser con- siderado, com certeza, 0 verbo 'brincam', tao vulgar como isolado na hist6ria do nos so texto,12 a prlmeira versao (no texto n.202) aludindo apenas as "nymphas singelas/ Ate ao amplo goso/ Que tomaes da vida":13 no texto definitivo, 0 problema vai ser resolvido mediante a conspicua aliteraeao "reponde/ Ruidosa aroda". 0 ritmo, como foi dito, ja nao pertence as ninfas, sendo apenas "copiado" delas,14 enquanto a proposicao introduzida por "Quando" actua como similitude. Alem disso, este ritmo assemelha-se aquele que bate nos versos "ia longin- quos" de "Horacio",15 ou de "mais classicos gregos". A convergencia apolinea, no ritmo, de rmisica e palavra.lf encontra-se bem definida no fragm. 223v: «Tu,Apollo, da-me 0 numero e 0 rhythmo/ Sereno e suave, e sempre novo Deus, calmo,l 0 rhythmo e a palavra que me trazem»,

Realcados graeas a perfeita circularidade que liga a primeira estrofe a terceira.l? estes sinais metalinguisticos nao deixam, contudo, de constituir 0 elemento mais fraco da ode. 0 certo e que 0 autor acabou por eliminar justamente as estrofes terceira e quarta.

2. A passagem para a versao publicada em Athena nao comporta apenas a remincia a duas estrofes tidas por supervacaneas. 0 ultimo

12 Cf. AC 212,16-17: «nesta danea da vida! Que fazemos por brincadeira natu- ral».

13 Um vestigio deste "goso" evisivel no "som de risos" (v,14), que, manifesta- mente remetendo para0 "som da danca" (antes: "aalegre danea") na primeira estrofe, constitui uma dasrepeticoes caracteristicas desteesboco,

14 0 que confere a "repetido", notexto definitivo, a sua plena identidade de lati- nismo: cf. 103a«Pequenavida conscienteIA quem outra persegue IA imagem repe- tidal Do abysmo onde perdel-a» (22-10-1923); e, sobretudo, X,9-11 «a belleza [...]repe-

tidal Em meus passivos olhos». 0 modelo e provavelmente Ov. Met. 3,434 «Ista repercussae quam cernis imaginis umbra est».

15 Cf. AC 23b,49 (Ode Marcial): «Tityro a tua flauta em Eclogas longinquas...», 16 Sobre a qual cf. F.P., Paginas de Bstetica ede Teoria e Critica Literarias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Atica, 21973, 76-78; Fernando Patricio de Lemos, F.P. ea nova metrica: a imi-

ta~ao das formas e metros liricos greco-romanos em Ricardo Reis, Mem Martins, Editorial Inquerito, 1993. No manuscrito daOde VI anterioraversao definitiva, a pri- meira estrofe «estS. apenas indiciada por0 rhythmo - » (FD).

17 Observem-se as correspondencias sinonfmicas entre 'nymphas' e 'donzellas', 'Hatem' e 'conduzi', 'pes descaleos' e 'pes nus', enquanto 'dancas' erepetido duas vezes.

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elo da cadeia textual corresponde ao texto n. 98, escrito poucos meses antes de a versao definitiva sair a lume. Apesar do facto de ser com- posto em estrofes saficas (com respeito ao n. 53 e

a

Ode VI, um e outra em estrofes alcaicas),18 este poema inedito19 ha-de, a nos so ver, ter influenciado a hist6ria genetica da Ode VI no tocante a tres tra-

~os: um e a anafora dos pronomes "Voss-" e "v6s"; outro e 0 belissimo verso final; 0 terceiro e a descricao, singularmente extensa, da "for- mosa juventude". Vejamos, um ap6s outro, os papeis possivelmente desempenhados por estes elementos no processo que conduz ate

a

ver-

sao definitiva.

1) Os tres textos antecedentes

a

Ode VI caracterizam-se pela funcao alocutiva, a que os imperativos se referem, bem como os pro- nomes de segunda pessoa. Enquanto 0 primeiro e 0 segundo esboco s6 apresentam respectivamente "vosso goso" e "vossa danca", a estrofe inicial do texto n. 9820 e dominada pela anafora de "Voss-", logo reto- mada por "v6s sois" no princfpio da estrofe seguinte. Este trace nao e nada menos que essencial na versao definitiva, onde "v6s" se encon- tra iterado no mesmo lugar do poema.

2) Ao representar a "felicidade pensativa'P! dos jovens que brin- cam na praia, 0 texto n. 98 insiste sobre a inconseiencia deles, tao natural como antiga: "Vosso nao conhecer-vos [...Jnao lembrando".22

Estas duas primeiras estrofes, cujo conteudo apresenta, com efeito, alguma redundancia, acabam por ser comprimidas na iteracao "Que inda nao tendes curaJ De ter cura", em perfeita correspondencia, alias, com a cifra repetitiva predominante na Ode VI.23

18Sobre a metrica ricardiana vd. Lemos, cit., p. 33-41.

19 E - conforme os testemunhos - cronologicamente solidario com os outros que constituem 0 segmento 97-102 na edicao critica de FD.

20 Onde aflora um «influxo camoniano» segundo Jacinto do Prado Coelho, Diuersidade e Unidade em RP., Lisboa, Verbo, 71982, p.133.

21 Cf. p. ex. Matthew Arnold, The new Sirens, v. 9: «0 pensive Graces».

22 Inconsciencia neoplat6nica, cuja expressao foi atingida pelo autor depois de rejeitar duas variantes ("sabendo" ~ "pensando"~ "lembrando"). cr. Son. XX, enfo- cado sobre a possibilidade de se reincarnar «And try again the unremembered earth/

[...J/ And cull the old new flowers with the same sense" (vv, 3-6: cf. Ode XIV 3-4

«a cor antiga/ Das folhas redivivas»),

23 0 que nao esem lembrar, nas Inscriptions, «este verso tao pessoano: "Neuer aware of being aware, we passed", que me arriscarei a traduzir por: "E assim passa- mos, sem consciencia de ser conseientes?» (Oscar Lopes, "No adito de Hades", Actas do I Congresso cit., 593-614, na p. 598).

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"Um branco som de espuma": Pre-historia de duas Odes de Ricardo Reis 327

3) Quanto ao verso final, "Do mar lavando as costas" corresponde a uma clausula profundamente arraigada no classicismo ingles de Pessoa. Num fragmento da Ode to the Sea, atribuido a Charles Robert Anon, alem da serie de verbos sinonimos moaning,24 weeping, rus- hing, creeping/To the shore, thunder... roar, e da mencao de desert caves e pebble-streaked shore (elementos que voltaremos a encontrar mais abaixo), importa salientar 0 v. 7 What for shores thy water laves?, na medida em que proporciona uma exacta correspondencia formular com 0 nos so passo.25 Por muito integrada que seja, esta formula vai, no entanto, ser substituida pela sinestesia "Um branco som de spuma".

Bastante raras depois da apaixonada leitura do livro de Max Nordau,26 as sinestesias abundam, contudo, numa passagem do famoso artigo publicado em Aguia, 2a serie, vol. IV (Julho-Dezembro de 1913):27

«Flores cujos nomes eram, repetidos em sequencia, orquestras de per- fumes sonoros...Arvores cuja volupia verde punha sombra e frescor no como eram chamadas...».28 Cabe, alias, recordar que a reflexao sobre a sinestesia simbolista tinha ocupado muito a critica literaria fran- cesa nos comeeos do seculo XX.29

24Cf. 13400, 6-7 ,,& deep/ Oceans that have a moaning in your tone».

25 Cf. 101d, U "See: it laves the creaking decks»;Matthew Arnold, The new Sirens, v.U:"Who on shores and sea-wash'd places» (a influencia que Arnold teve sobre Pessoa como intermediario entre grego e ingles foi salientada por Luis de Sousa Rebelo, "F.P.

e a tradicao classica", Arquivo do Centro Cultural Portugues, 13 (1978) 235-263, cf.

pp. 240-1. 0 artigo foi logo inserto in Id., A tradiciio classica na literatura portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte, 1982, 280-308). Yd. tambem AC 8,129 (Ode Triunfal): «E 0

mar antigo e solene, lavando as costas».

26 Cf. Fernando Guimaraes, "De Max Nordau a F.P.: crttica ou valorizacao do simbolismo?", Id., Poetica do simbolismo em Portugal, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Maeda, 1990, 69-80.

27 Assinado por Fernando Pessoa, com a seguinte indicacao: «Do Liuro do Desassossego, em preparaeao», portanto inclufdo por A. Quadros em BS2 26-31. Cf.

ainda Bs2 33: «arvores cheirando a verdes» (0 que nao vai sem lembrar a odeur verte de Flaubert); FP III, 31, v. 7: «Aos seus verdes silencios afastados»,

28 Uma espeeie de sinestesia inversa, bastante tipica, alias, da uma parte da producao pessoana, caracteriza p.ex. AC 26c, 111-3 (Passagem das Horae): «Tu,cuja vinda etao suave que parece urn affastamentol Cujo fluxo e refluxo de treva, quando a lua bOOejal Tem ondas de carinho morto, frio de mares de sonho-.

29 Cf. sobretudo Victor Segalen, Les Synesthesies et l'Ecole symboliste, Paris, Edi-

tions Fata Morgana, 1981. Segalen, que descreve a moda (entretida por simbolistas como Kahn e Ghil) a partir de Les Correspondances de Baudelaire e, naturalmente,

(10)

3. No geral, as modificacoes redaccionais neste, como na maioria dos outros escritos ricardianos, obedecem a uma logica ferrea, cada vez mais ditada pela economia do texto. A segunda versao apresenta, como foi dito, uma estrutura circular caracterizada por varias sime- trias, uma das quais liga "0 rhythmo antigo" do primeiro verso ao

"rito primitivo/ Do mar lavando as costas", no final Outro ponto sen- sivel na arquitectura do texto n. 53

e

a transicao logica (bastante fre- quente, alias, na poesia ricardiana) "Por is so

a

beira d'este mar, don- zellas", no intento de ligar as duas extensas proposieoes, que ocupam tres e duas estrofes respectivamente. Trata-se, na verdade, de dois termos da comparaeao que bipartem 0 poema, tendo funcoes, alias, bern diferentes: descritiva e metalinguistica no primeiro caso ("Tern semelhancas breves", v. 8),30 imperativa no segundo ("Conduzi", v. 14).

Na versao publicada, dois imperativos ("relembrae", v.5, e "reponde", v. 8) dividem a ode en duas metades quase equivalentes. Ademais, se o verso inicial fica 0 mesmo, "0 rythmo antigo" ja nao

e

sujeito, mas sim objecto anteposto (conforme

a

sintaxe latina), regido, alias, tanto por "relembrae" como por "reponde", 0 que permete de juntar os dois membros da frase numa simetria compacta.P

Por afastado que apareca da pr6pria arquitectura da Ode VI ao longo da sua formacao, 0 texto n. 98 proporciona, alem dos traces ja mencionados, os elementos aptos para a solucao de duas aporias estru- turais, conforme uma sequencia transformacional que poderiamos indi- car assim:

do famoso soneto de Rimbaud, interessa-nos pela sua polemica contra Max Nordau, autor, como e sabido, que teve um lugar muito importante na formacao pessoana. A

«audition coloree» nao e senao um caso particular de sinestesia, termo introduzido por Millet, doctor em medecina; cf. a tese, bem conhecida na epoca, de Louis Destouches, La Musique et quelques-uns de ses effets sensoriels, Paris, 1898.

30 Os testemunhos atestam a transformacao "brancas"-7 "rapidas" -7 "breves".

Notavel, no contexto genetico, a sinestesia inicial "semelhanc;as brancas". A etapa final

"breve" e, tecnicamente, 0 resultado de uma interseccao entre 0 significante br- e 0

significado Irapidasl (chama-se interseceao a cisao duma variante entre um sin6nimo e um segmento mais ou menos hom6grafo). 0 adjectivo "breve" e, notoriamente, uma palavra-chave na linguagem ricardiana, cf. p. ex. 113,7-9 «Breves no triste goso desfo- lhamosl Rosas. Mais breves que n6s fingem legarl A comparada vida».

31 Realc;ada, a mais, pela correspondeneia a distAncia entre "Quando" e "emquanto".

(11)

"Um branco som de espuma": Pre-historia de duas Odes de Ricardo Reis 329

53 a beira d'este mar

Domar lavando as costas

98

a eterna praiaIDe Chronos

Um branco som de spuma

Ode VI

na alva praia/scura a spuma

a perenne mare

Em cada uma das tres estruturas, 0 primeiro elemento situa-se aproximadamente no centro topografico e ideologico do texto, enquanto o segundo coincide com 0 verso final. Na passagem do n. 53 para 0

texto definitivo da Ode, 0 poema n. 98 constitui uma etapa interme- dia, desempenhando uma funeao de filtro, gracas sobretudo

a

perfeita

correspondencia entre 0 significante "Um branco som de spuma" e seu conteudo simbolico, visualizado na "eterna praia! De Chronos".

No esboco n. 53 so existe uma ligacao implicita entre a suces- sao eterna das ondas do mar "lavando as costas", e as geracoes de

crian~as32 que reproduzem uma apes outra, no seu jogo da roda, 0

ritmo antigo de danca das ninfas. No texto n. 98, pelo contrario, a topografia generica da "beira d'este mar" toma uma identidade pre- cisa, tornando-se "a eterna praia! De Chronos",33 cuja significacao fica detalhadamente explicada na comparacao precedente entre a "moci- dade" e as "ondas": tudo 0 que resta da "vida universal",34 sucessao incessante das geracoes humanas, reduz-se, aflnal, a "Urn branco som de espuma".35

32 Cfr. 112,9-11 «Porisso, neste rio universal/ De que sou, nao uma onda, senao ondas/ Decorroinerte» (28-9-1926); 167,3-4 «Numfluido incerto nexo, como 0 rio! Cujas onda sao elle» (8-9-1932); Son. XXVII 7-8 "Like the seen wave yet far up in the river,!

Which reaches not us, but the new-waved flouil»;PI 85,14-15 «That the weariness of all ways to live! May cease like the last ofa wave»; 90,11-12 «Waves on the crest of life's swift sea,! After to-day who'll think of yel». Ate 0 -sonho de amor» e definido

«palido e tremulo intervalo entre os cimos de duas pequenas ondas onde 0 luar bate»

(BS2, 62).

33Antes: "eterno abysmo". Cf. Son. VII 7-8 «Thus were Fate all unjust. Yet what truth bars! An all unjust Fate's truth from being belieuedl» A Chronos e que Ricardo Reis ainda se refere em 29,33-36 "Nao se resistel Ao deus atro71 Que os proprios filhosl Devora sempre-(= PI 127,45 «In the jaws ofTImethat all deoours»),

34 Cf. 0 ultimo verso da Ode V: «E a alheia somma universal da vida», alem de 42,21 -Se a nossa vida esquece».

35 Veja-se, num dos dois dactilografados, a transformaeao "comeu" ~ "quebrou"

(v.lO), conforme nao apenas 0 celebre incipit Break, break, break de Tennyson (tradu- zido, alias, «Bate»: cf. PT, p. 224), mas tambem - num registo que remonta a Poe -

(12)

A instabilidade intrinseca ao sintagma "8. beira d'este mar" (que, por ser anaf6rico respeito ao v. 5, e portanto semanticamente 'vazio', abre caminho para 0 que Martinet chamaria urn processo de catalise) facilita afinal a deslocaeao de "Urn branco som de spuma" para 0 cen- tro da Ode na sua versao definitiva. Este movimento possibilita, ao mesmo tempo, a transformacao duma simetria para outra, a corres- pondencia entre "rhythmo antigo" e "rito primitive" ficando agora subs- tituida pela oposicao "alva praia C..) scura a spuma".

Com efeito, a duplicacao "Pelas praias" (v, 5) e "8. beira d'este mar", destinada, no texto n. 53, a marcar a estrutura comparativa, acaba por reduzir-se ao sintagma unico una alva praia", cuja bran- cura remete automaticamente para 0 elemento oposto "scura a espuma":36 como se, depois da transformacao "branco" l:E"alva", uma lacuna se tivesse aberto no "branco som de espuma", preste a ser preenchida pelo seu ant6nimo "scura".37 No fim deste processo, 0 que resta e uma especie de montagem onde 0 negativo obscuro e sotumo da "eterna praia! De Chronos" nao deixa de se entrever por detras da alvura da praia, do azul do ceu,38 da curva dourada do sol num dia de verao.39

PI 127,4-6 An eye-moveless main breaks on the strandI Without the white of foam nor gleamsI Of sun or moon. Uma variante predilecta de Pessoa e shock, cf. PI 66, 27-28

«Tis a lone coast where the sea's endless shocksI Fill with an empty sound its lifeless- ness»; lOla, 16-17 «Bring thy shocksI 'Gainst the overbearing rocks»;101d, 6 «Hits at the rocks in rolling splash>•.

36 Cf. AC 27b, 15 (A Partida): «Escura brancura da agua»; BS 61 (1929?): «e sob as minhas palpebrae sem sossego paira, como a espuma quieta de um mar sujo, 0

reflexo longinquo dos candeeiros mudos da rua»,

37 Em primeira escritura: "Que humida a onda deixa".

38 0 manuscrito mais antigo do n. 53 propoe a sequencia "a hora suave"~ "0

azul da hora" ~ "e a luz da hora", 0 manuscrito da Ode VI mostra, por sua conta, hesitacao entre "0 azul do ceu que doura" e "0 ceu que mais azula", A escolha defini- tiva esta bem arraigada no vocabulario pessoano: cf. 43,1-3 «A pallidez do dia e leve- mente dourada.l 0 sol de inverno faz luzir como orvalho as curvasl Dos troncos e ramos seccos»; FP II, 56, vv. 17-18: «Por mais que 0 Sol doire a face I Dos dias»; BS 155 (25-7-1932): «Douro-me de poentes supostos»; BS 170 (29-8-1933): «e tao suave a luz que doura tudo isto-: BS 174 (31-3-1934): «E, em torno de mim, todos os poentes inc6gnitos douram, morrendo, as paisagens que nunca verei», Cf. tambem PI 107, 1-2

«Here we go while morning life burnsl In the sunlight's golden ocean»(0 distico seguinte apresenta a palavramotion, confirmando uma lei combinat6ria que sera ilustrada mais abaixo: «And upon our faces a freshness comes.I A freshness whose soul is motion»);

(13)

"Um branco som de espuma": Pre-historia de duas Odes de Ricardo Reis 331

4. Acreditamos ter demonstrado que 0 texto n. 98 e parte inte- grante no processo de transformacao que, do esboco conservado sob 0 n. 53, leva ate

a

versao definitiva publicada em Athena. Se a nos sa conclusao e correcta, a redaceao final da Ode tern que ser datada ap6s 2-9-1923,40 isto e, pouco antes a saida do Livro I, dando oca- siao para 0 poeta modificar 0 texto escrito em 1914, com base num poema recem-composto, Por outro lado, a reconstrucao do diagrama genetico permete introduzir uma precisa distincao entre esboeos (tal, alem do n. 202, deve ser considerado 0 n. 53, mau grado a sua per- feieao metrica e a ausencia de lacunasrt! e poemas aut6nomos, embora nao publicados pelo autor, como eon. 98.

Gracas

a

sequencia das modificacoes descritas, a mensagem ganha em complexidade. Como e frequente em toda a fenomenologia poetica, a explicacao metalinguistica acaba, no texto definitivo, por ser elimi- nada, ou, melhor dizendo, por ficar implfcita na nebulosa conotativa que irradia da constelaeao verbal. Em outros termos, 0 corte e per- ceptfvel, 0 silencio e falante, a ausencia e presenca oculta: isto e, pre- cisamente, 0 progresso marcado em relaeao ao esboco primitivo do n.

53. 0 hemistiquio "Que scura a spuma deixa" e que vai ocupar afi- nal 0 centro exacto da versao definitiva, enquanto 0 poem a se acaba no vaivem "perenne da mare [...] enchente ou vasante".

158,1-2 «the streams/ Glinted like diamonds in the golden beams-e. 0 verba "dourar"

aparece usado intransitivamente neste incipit do ort6nimo (24-9-1923): «Doura 0 dia.

Silente,0 vento dura»; cf.(com data no ano seguinte) Id., FP, I, 180 v.10: «Ou 'splenda o dia, ou doire no declive». Acreditamos que na nossa Ode tambem "doura" haja-de ser interpretado como intransitivo.

39 Cf., no ort6nimo (FP III, 62-63), a oposieao simb6lica entre «Na praia que de espuma se engalana» e «A praia com a espuma a escurecer-. Por outro lado, a curva dourada que Apolo traea no seu caminho(cf,Bora absurda, FP I,118,v.83: «Endireitar

aforca a curva dos horizontes-) corresponde aeternidade ficticia da luz que ilumina as rosas dos jardins de Adonis, que «Nascem nascido ja 0 sol, e acabam/ Antes que Apollo deixe/ 0 seu curso visivel». Cf. XVIII 10-12 «murche-se conmigo/ Antes que com a curva/ Diurna da ampla terra».

40 Recordamos que a data da Ode VI «apenas eeonjecturavel para a versao de Athena» (FD).

41 Referimo-nos, claro esta, ao canone sapientemente enunciado par Silva Belkior, RP - Ricardo Reis: as originais, as edicoes, 0 canone das odes, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1983.

(14)

Para alem da praia de Cronos, que protagoniza 0 texto interme- diario n. 98, 0 conteudo simb61ico e filos6fico da imagem pode ser esclarecido mediante uma estrofe do ort6nimo, com data de 26-4-1934 (FP III, 17, vv. 16-20): «Com que fria esquadra e vao compasso/ Que invisivel Ge6metra regrou/As mares deste mar de mau sargaeo -I 0 mundo fluido, com seu tempo e 'spa!;o,l Que ele mesmo nao sabem quem criou?».42 Por outro lado, a simbologia da "mare" volta no poema ricardiano 121,1-2 «Lenta, descanca a onda que a mare deixa.l Pesada cede. Tudo e socegado» (6-7-1927), bern como nesta estrofe inicial em FP I, 187: «Em torno a mim, em mare cheia,l Soam, como ondas a brilhar/ 0 dia, 0 tempo, a obra alheia/ 0 mundo natural a estar»; e sobretudo em Marinha, ib. 191, vv. 7-8: «Orfao de urn sonho suspenso/

Pela mare a vazar...».43

A duplicidade cromatica e simb6lica da praia encontra-se, alias, em dois poemas ricardianos ineditos, inspirados pela "natureza" do mesmo "dia calmo" (23-11-1918): a saber, 0 n. 83, cuja primeira estrofe descreve 0 vaivem das ondas na praia:44 «Uma ap6s uma as ondas apressadas/ Enrolam 0 seu verde movimento/ E chiam a alva spuma/

No moreno das praias»;45 eon. 84, que se termina pela comparacao da vida com a onda: «E nesta consciencia torno a grande/ Como a

42 A imagem preferida por Bernardo Soares sendo a do fluxo e refluxo; cf. BS 61 (1929?): «Cessar, passar fluido e ribeirinho, fluxo e refluxo de um mar vasto [...]!»;

BS 63 (1929?): «no fluxo e refluxo da minha consciencia misturada, como duas mares na noite negra»; BS 237: «Quanto mais contemplo 0 spectaculo do mundo, e 0 fluxo e refluxo da mutacao das cousas». Cf. Jose Gil, RP. ou la Metaphysique des sensations, Paris, Eds. de la Difference, 1988, p. 89.

43 Retomado, no verso final, por «A maresia dos dias» (Presenca, n. 5, Junho de 1927). Cf. ainda FP II, 47, vv. 5-6: «Sou como a praia a que invade! Um mar que toma a descer»; BS 109 (22-8-1931): «Nessas tardes enche-me, como um mar em mare, um sentimento pior que 0 tedio», Mais raro, pode a mare simbolizar a inspiracao poe- tica; cf FP, III, 47, vv. 15-21 (com data 9-6-1935): «Mas sonho ...O mar e agua, e agua nua,! Serva do obscuro fmpeto distante! Que, como a poesia, vem da lual Que uma vez

°

abate outra0 levanta.l Mas, por mais que descantel Sobre a ignoraneia natural do marl Pressinto-a, vasante, a murmurar»,

44 «Como provou asaciedade Maria da Gl6ria Padriio [Amettifora em F.P., Lisboa, Inova, 1973], a metafora da agua e da maior importancia na obra de Pessoa» (Ana Paula Quintela Ferreira Sottomayor, "Ecos da poesia grega nos epitafios de F.P.", Aetas do I Congresso Intern. de Estudos Pessoanos, Porto, Brasilia ed., 1979, 83-95, na p.92).

45 Cf. AC 5,41-42: «Negrume corticado dos rochedos! D'onde pulsa chiando a espuma na agua»,

(15)

"Um branco som de espuma": Pre-historia de duas Odes de Ricardo Reis 333

onda, que as tormentas atiraraml Ao alto mar, regressal Pesada a urn mar mais fundo».46 0 poema n.83 pode, alias, ser comparado com o Son. XXVIII 1-2 «The edge of the green wave whitely doth hiss / Upon the wetted sand», onde 0 adverbio whitely remete claramente para a sinestesia "branco som de espuma".

A solidariedade de inspiracao que existe entre Ricardo Reis, Alvaro de Campos e Bernardo Soaresf?

e,

uma vez mais, sugerida por urn passo dum texto atribuido por Pessoa a Bernardo Soares, e publicado na Presenca, vol. I, n. 27, Junho-Julho de 1930:

o

som das ondas

a

noite

e

um som da noite; e quantos 0 ouviram na propria alma, como a esperanca constante que se desfaz no escuro com um som surdo de espuma fundal [...J E tudo isto, no passeio

a

beira-mar, se me tornou 0 segredo da noite e a confidencia do abismo. Quantos somos! Quantos nos enganamosl Que mares soam em nos, na noite de sermos, pelas praias que nos sentimos nos alagamentos da emoeaol

A praia simb6lica encontra-se, alias, desenvolvida de forma mais extensa numa outra pagina de Bernardo Soares (Prosa de Ferias, BN2 78; 0 sublinhado

e

nosso):

Entao, na praia rumorosa so das ondas prdprias, ou do vento que pas- sava alto, como um grande aviao inexistente, entregava-me a uma nova espe- cie de sonhos - coisas informes e suaves, maravilhas da impressao profunda, sem imagens, sem emoeoes, limpas como 0 ceu e as aguas, e soando, como as volutas desrendando-se do mar alcante do fundo de uma grande verdade;

46 Cf. Epith. XIX 21-22 «The abstract surge of life clearly to reach/The bodies' concrete beach»; Son. XVIII 5-6 «The stream of time, known by birth-bursting bubbles; / The gulf of silence, empty even of nought». Muito significativa ea genese deste ultimo verso, cuja forma foi atingida depois de passar atraves duas etapas, a saber, «Ourself's itself to think it plunges next of thought's terror» e«The depthless pool of thought where life is nought» (nas propostas que ficam num exemplar do livro publicado, 0 autor tinha sugerido sea, e depois waves, no segundo hemistfquio: cf. Son. XX 12 «Out of the closed sea and black night of Thought»). 0 verso seguinte comeeava por «The laby- rinth of life», antes de se mudar para a versao definitiva«Thought's high-walled maze».

47 «Quando traduzi 0 Lioro do Desassossego para ingles, reparei que muitas fra- ses se transformaram, posteriormente, em versos de Alvaro de Campos, ou que, ao contrario, os versos de urn ou outro heter6nimo foram refundidos, mais tarde, em pro- sas assinadas por Bernardo Soares» (Richard Zenith, "A heteronimia: muitas maneiras de dizer 0 mesmo nada", in: B. Cregoet alii (org.), Homenagem a F.P., Encontro de Lingua e Cultura Portuguesas, Lisboa, Colibri, 33-41, na p. 35).

(16)

tremulamente de um azul obliquo ao longe, esverdeando na chegada com transparencias de outros tons verde-sujos, e, depois de quebrar, chiando, os mil ~s desfeitos, e os desalongar em areia amorenada e espuma desba- bada, congregando em si todas as ressacas, os regressos Ii liberdade da ori- gem, as saudades divinas, as mem6rias, como esta que informemente me nao dota, de um estado anterior, ou feliz por bom ou por outro, um corpo de sau- dade com alma de espuma, 0 repouso, a morte, 0 tudo ou nada que cerca como urn grande mar a ilha de naufragos que

e

a vida.

Nem poderia faltar a imagem no ort6nimo: cf., em Bora morta (23-9-1913), a transicao desde «Mar batendo na areial [...]/ Na alva areia batendo» para a imagem final «Espuma de morrer» (FP I, 113-4); e ainda FP 11,66, v.2: «Nem nesse extenso e espumeo beira- mar»; e, num fragmento sem data (FP 111,61-62): «Moro

a

beira irreal da Vida,l Sua onda indefinidal Refresca-me a alma de espuma...».48

5. A segunda duplicacao, que, presente no texto n. 53, foi elimi- nada na versao definitiva, corresponde aos vv.5-7 "quando brincaml Ante onde a Apollo se Neptuno allial As criancas maiores", que ante- cipam de forma algo inoportuna a mencao de "Apollo" na estrofe final.49 Estamos, mais uma vez, na pre-historia da "alva praia": 0

autor tinha, alias, originariamente escrito "Ante 0 mar onde 0 sol se innumerece", com citacao evidente de urn verso de Esquilo.

Num dos seus apontamentos sobre estetica, Fernando Pessoa fala

«no emprego do epiteto em literatura», e nomeadamente, no «emprego de adjectivos estranhos, ou juntos a substantivos com os quais nao parecem poder ligar-se»:50

48 cr.tambem, do ort6nimo, L 'Homme 3-4 «Como um mar vago a uma praia deserta, chega! Ao meu coraeao a dor» (FP I, 155), com respeito aAC 26,7-8 (A pas- sagem das Horas): «Eu, que sinto mais a dar suposta do mar ao bater na praia! Que a dar real das creancas em quem batem-,

49 cr. 203,1-2 «Quando Neptuno houver alongadol Ate quasi aos bosques ao cimo da praia! Os seus braeos com maos ruidosas de espuma», poema inacabado (16-6-1914) que pros segue mencionando tolo e Apolo; BS242: «Mar enorme, meu ruidoso compa- nheiro da infancia».

50 cr. F.P., Ptiginas de Estetica cit., 10-11;e 0 comentario do mesmo Lind, Thona poetica de F.P., Porto, Editorial Inova, 1970, p. 92.Chama tambem a ateneao para este texto Maria Teresa Schiappa de Azevedo, "Uma replica a Safo em F.P.?",Aetas do I Congresso cit., 557-574. Observemos, de passagem, que 0 epigrama de Safo fr.55 em

(17)

"Urn branco som de espuma": Pre-historia de duas Odes de Ricardo Reis 335

Esquilo, numa frase celebre, refere-se ao «riso inumero das ondas»; 0

epiteto e daqueles a que e usa chamar ousados, pois que tudo e ousado para quem a nada se atreve. Toda a gente, porem, compreende a frase, nem lhe e atribuivel mais que um sentido.P! Ha, porem, uma poetisa frances a que deu a um seu livro 0 titulo, mimado desta frase, de 0 corac;ao ituimero, frase esta que pode ter varies sentidos, porem que nilo e certo que tenha este ou aquele. A «ousadia- do epiteto e igual no grego e na francesa; uma, porem, e a ousadia da inteligencia, a outra a do capricho.52

o

adjectivo, como Jose Saramago nos recorda com insistencia, e solidamente conexo com a propria personalidade de Ricardo Reis.53 No entanto, ele aparece tambem na poesia inglesa de Pessoa.54 Quanto

Lobel-Page e sem diivida a fonte mais directa da Ode XII,6-7 «tu perenne/ Sombra erraras absurda», como bem se aprecia com base na bela traducao de Eugenio de Andrade, Poemas e Fragmentos de Safo, Porto, Limiar, 1974, p. 49 (apesar dos limites semiinticos devidamente assinalados por Maria Helena da Rocha Pereira, "Poesia de Safo em Eugenio de Andrade", in: Ead., Nouos ensaios cit., 323-332, na p. 332):

«Desconhecida ate na casa de Hades,! entre sombras deambularas dos mortos», sendo neste caso a donzela que nao colheu «as rosas de Pieria» 0 proprio negativo do juue- nem rosam offerentem, que figura no titulo da Ode na sua redacao mais antiga.

51 Cf. mais abaixo: «a frase de Esquilo [oo.J nao e diversa em mim e num vene- ziano por em mim evocar 0 Atliintico e nele 0Adriatico»,

52 Que, no entanto, mereceu uma cita~aoap6sita no Petit Robert s.v. innombra- ble: trata-se de Le coeur innombrable, recolha de versos de Anna de Noailles, Paris, Calmann-Levy, 1901 (reimpr.: Helleu, 1918; Librairie des Champs-Elysees, 1931; Grasset, 1957), possivelmente 0 mesmo modelo aproveitado pelo poeta italiano Giovanni Pascoli, que 0 empregou em 1904 no poema 'conviviale' L 'ultimo viaggio (VIII,50 «col riso innumerevole dell'onde»), 0 verso de Esquilo reciclado por Anna de Noailles elCul.lIi'tcov avllpd}J.10V ySAacrJ.1a, ou seja, «sorrisos inumeros/ das vagas do mar» iPrometeu Agrilhoado, 89-90, trad. por Maria Helena da Rocha Peireira, Helade, Antologia da culturagrega, Coimbra, Faculdade de Letras, 71998, p. 200).

53 Na sua variante mais tipica "imimero" (cf., porem, 159,2 «Do mundo innume- ravel») aparece tambem em Bernardo Soares: «a iinsia insaciavel e imimera de ser sempre 0 mesmo e outro» (p. 214); cf. BS 223: «Quando se sente de mais, 0 Tejo e

Atliintico sem mimero, e Cacilhas, outro continente, ou ate outro universe»; BS2 21 (1912-3): «e a chuva continuava,inumeravelmente»,Ademais, innumerable figura numa lista de dreamy elements redigida pelo proprio Pessoa (cfr. Lemos; cit., p. 128).

54 Cf. Son. XVIII 3-4 «The stray stars, whose innumerable light / Repeats one mystery till conjecture ends"; PI 104, XII 20-21 «If that thy mind hath number, let it count / The unnumbered worlds the gem the silent air". 0 Paradise Lost de Milton, poema predilecto de Pessoa, apresenta as variantes innumerable, numberless, unnum- bered (e tambem illimitable). Ademais, innumerable figura numa lista de dreamy ele- ments redigida pelo pr6prio Pessoa (cfr. Lemos cit., p. 128).

(18)

ao procedimento ret6rico a que, no fim de seculo, se costumava cha- mar 'vivificacao', pode-se ler este passo de Bernardo Soares (6-4-1930, pp.73-74): «Acho, pois, que nao ha erro humano, nem literario, em atribuir almas as coisas que chamamos inanimadas. Ser uma coisa

e

ser objecto de uma atribuicao, Pode ser falso dizer que uma arvore sente, que urn rio "corre", que urn poente

e

magoado ou 0 mar calmo (azul pelo ceu que nao tern)

e

sorridente (pelo sol que lhe esta fora)».

o

riso do oceano encontra-se, fora de toda conexao esquiliana, num fragmento ingles claramente imitado de Coleridge (PI 1340, II 1_4):55

The ocean smiled unto the sun that gave The smile's its soul & with its rythmic motion Rythmically tossed the bark upon the wave And moved like music on the strangled ocean

Muitos dos outros fragmentos conservados deste poema presta- riam para a nossa analise; limitar-nos-emos, porem, a citar 134r, 58- 61: «All is endless change, eternal motion lAnd the great Tyrant that knows no revoltI Rules not his Law alike the waves of ocean,I The inner tumults of our life's emotion».

Todos os elementos deste campo lexical e simb6lico encontram-se esparralhados numa estrofe do ort6nimo, como estilhaeos de uma ima- gem outrora compacta, logo quebrada em pedacos e atribuida nao ja ao mar, mas sim a uma voz (0 sublinhado

e

nosso): «Tua voz

e

uma

pontel por onde passa, imimero, urn segredol que nunca recebi -I Murmurio do horizonte,l Agua na noite, morte que vern cedo- (FP I, 159). As ondas do mar como sfmbolo incessante da vida humana carac- terizam, em particular, outro esboeo ingles de Pessoa, PI 16,5-8:

Sum-name of ceaseless oceans White-echoing at hollow caves56

Thy each wave is a thousand motionss?

On a thousand forgotten graves

55 Como 0 mesmo incipit sugere: «Amystic seaman, not of any nation I Told me a story».

56 cr. Hora absurda, FP I, 116 v. 11: «Minha alma e uma caverna enehida p'la mare cheia»: Vendaval, FP I, 157 v. 5-7: «Indomita praia, que a raiva do oeeano! Faz loueo lugar, caverna sem fim! Nao sao tao deixados do alegre e do humano! Como a

(19)

"Urn branco som de espuma": Pre-historia de duas Odes de Ricardo Reis 337

onde encontramos reunidos «a somma universal da vida»,58 0 «branco som de espuma»,59 0 adjectivo «innumeravel» (cf v. 26 «Thy limitless trembling of waves»).60 Na sequencia, 0 poeta pensa entrever as ani- mas dos mortos «In the turn or return of thy tide» (v, 14), desenvol- vendo afinal uma dupla oposicao entre luz e luar, brancura e oscuri- dao: «When the sun is a vision blazing/ We bask at our eyes in thy gleams», vv. 23-24; «When the moon with dark whiteness saddens/

Thy foam at the mouths of caves», vv. 27-28.61

6. A versao definitiva da Ode VI encontra, pontualmente, a sua abonaeao no ambito do macrotexto. Com efeito, uma oposieao analoga

alma que ha em miml»; Nossa Senhora do Silencio (BS2 45): «a sombra dos meus cansaeos e as grutas dos meus desassossegos»; BS 130-1 (1-12-1931): -Minha alma e

urn maelstrom negro, vasta vertigem aroda de vacuo, movimento de urn oceano inti- nita em torno de urn buraco em nada-; BS 289: «Sao adivinhas do vacuo, tremulas de abismo», A imagem do maelstrom tambem aparece em AC 6,147 (Opiario) e 24a, 107 tSaudacao a Walt Whitman).

57 Cf. PI 54, 29-32 "Pleasure and Pain are not like these, I But as on surfaces of seas I The alternations of their motion I And shows of moving [...] without end»;103g, 1-5 "But thy lulling tender motion I Doth no river's tracking keepl Seems the murmur of an ocean» [cf, 103h, 33 "Endless murmur of a rive,.,';134ae, 7"For never was felt the murmur of the deep»;«Ao pe do murmurio do mar», tradueao de Poe,Annabel Lee, v. 41 "by the sounding sea»,cf. PT, pp.162-311 «As it lulls the soul to sleep, I Moaning, soothing, nightly music, voiceful, moving weirdly or deep»;125,5-6 "Like the sound of stupendous seas I That in motion feel a delight». Trata-se as vezes de urn movimento puramente mental, cf. PI 103e, 9"Music strides with lowly motion through the star- tled mental ground», 0 correspondente de motion estaem AC 271, 30 (A Partida): «Com todo 0 vasto mar movimentado da vida». No entanto, 0 verso de Wordsworth "Even in the motions of the Storm» foi traduzido por Pessoa «Na pr6pria tempestade 0 ritmo informe» (mais urna vez devido

a

rima, cf. PT, p. 96).

58 Cf. Son. XVIII 14"The universal darkness lone and vast»; XXIV 8 "On the lost night before it, mute and vast»; XXVIII 14"This common sleep, of men, the uni- verse».

59 Cf. PI 162, 1-2 "The wave hath burst white upon the beach. I Speak no more of it»:com efeito, esta onda parece-se com a folha que hath rotted, com 0 dia que hath ended, com urn velbo cadaver que is rotting (vv.3-8).

60 Cf., no mesmo ambito, PI 117,31 "Then the sea is tremulously bright», 130, 12 ,<As o'er the tremulous sea the stars at rest», alem de Matthew Arnold, The Voice, vv.17-19: "Like bright waves that falll With a lifelike motion I On the lifeless margin of the sparkling Ocean».

61 Veja-se tambem PI 104, XXXIX 8-9:"Receding foam from shadowy rocks love- lornl On murmurous seas by gleamless shores unknown».

(20)

"alva:atra" caracteriza a Ode III, que apresenta muitos elementos comuns com a nossa, e nomeadamente a mencao de Eolo e de Neptuno, bem como a antitese entre a "praia l...l alva e cheia de pequenos/ Brilhos sob 0 sol claro", e, por outro lado, "0 mar que na atra praia! Echoa de Saturno".

A Ode III resulta tambem da juncao de dois poemas bem dife- rentes, 0 n. 47 (data: 6-X-1914) e 0 n.61 (data: 8-X-1914), 0 primeiro dos quais proporcionara 0 inicio,620 segundo as duas estrofes finais63 (sendo 0 hipotexto horaciano manifestamente declarado no poema n.56, vv.25-28: «Quer troe Jupiter nos ceus toldados,l Quer apedreje com as suas ondasl Neptuno as planas praiasl E os erguidos rochedos»).64 As tres primeiras estrofes do n. 47 passaram directamente para a versao definitiva, a nao ser uma ligeira modificacao nos vv. 3-4, com 0 acrescimo do adjectivo "vastas".65 0 resto consta de uma longa exortacao a Neera:

Eu quizera, Neera, que 0 momento, Que ora vemos, tivesse

o

sentido preciso de uma phrase Visivel nalgum livro.

Assim verias que certeza a minha Quando sem te oIhar digo

Que as cousas sao 0 dialogo que os deuses Brincam tendo comnosco.

Se esta breve sciencia te coubesse, Nunca mais julgarias

Ou solemne ou ligeira a clara vida, Mas nem leve nem grave, Nem falsa ou certa, mas assim, divina

E placida, e mais nada.

62 Na margem direita do dactilografado, a indicaeao a lapis: ode III IAtena I

variante. «Os vv.I-6 estiio marcados por um trace vertical aut6grafo a lapis na mar- gem esquerda» (FD).

63 «Na margem esquerda [do dactilografado B], um traco vertical a lapis marca os vv. 13-20; 0 mesmo lapis marcou a segunda correccao dov, 12» (FD).

64 Cf., mais pr6ximo ainda, 73, 5-8 «Verta Eolo a caverna inteira sobre!0 orbe esfarrapado/ Apredreje Neptuno as planas praiasl E os erguidos rochedos» (data:I-6- 1916); Hor. Epod. 17, 54-55 «non saxa nudis surdiora navitisl Neptunus alto tundit hibernus salo» e, no plano do significante, Carm, 3, 5, 1 «Caelo tonantem credidimus

(21)

"Um branco som de espuma": Pre-historia de duas Odes de Ricardo Reis 339

o

drama da inadequaeao da escritura

e

expresso varias vezes na obra pessoana, a comecar pelo ort6nimo, Hora absurda (FP I, 117), v.36: «Esta paisagem

e

urn manuscrito com a frase mais bela cor- tada...», e os sonetos consecutivos VII,9-11 «Fosse eu uma metafora somente/ Escrita nalgum livro insubsistente/ Dum poeta antigo» e VIII,3-4 «E anel concluso a chispas de ametista/ A frase falha do meu p6stumo hino...», 0 mesmo conceito no soneto ingles PI 93, 11-12:«Oh for a word, one phrase in which to fling/ All that I think and feel».66

o

problema

e

tambem sensivel em Alvaro de Campos, cf. AC 26, 19- 30 (A Passagem das Horae): «Eu, que tantas vezes me sinto tao real como uma metaphora/ Como uma phrase escripta por um doente no livro da rapariga que encontrou no terrace». E Bernardo Soares observa (p. 300): «As frases que nunca escreverei, as paisagens que nao poderei nunca descrever, com que clareza as dito

a

minha iner- cia e as descrevo na minha meditacao, quando, recostado, nao per- tenco, senao longinquamente,

a

vida».67

Quanto ao poema n. 61, 0 texto tern de ser citado na sua inte- gridade, bern como 0 da Ode III:

Iovem»; Epod. 2, 29 «at cum tonantis annus hibernus Ioois». Yd. tambem 222,9-11: «E alheio a quanto sob os ceus distantesl Troa e anuvia a placidez das cousas/ Perteneo- me em segredol Perante a Natureza».

65 Quanto ao incipit - onde qualquer latinista reconhece «um exemplo de para- textualidade dos preliminares do desencadear da tempestade no Canto I da Eneida (52-59) e do final do mesmo epis6dio (142-147)>> (Maria Helena da Rocha Pereira, Leituras de Ricardo Reis [19861, in: Ead., Novos ensaios sobre temas cllissicos na poe- sia portuguesa, 261-285, na p.275) - cf. 62, 12 «em segredo»; FP III, 13 vv. 7-8: «Quando seu rumor eextintol Nasce outro som em segredo».

66 Cf. PI 100,74-79 «If feeling could be spelt/ By words and phrases, and if we could borrow / From the unstudied alphabet of sorrow / Some characters and forms fitly to paint / What wounds our spirit and yet leaves no taint; / We had then words for what this youth might feel; 130,13-14 my heart is torn/ That worded thoughts nor thoughts that spell can render».

67 Cf. ibid. 292: «Tenho construido em passeio frases perfeitas de que depois me nao lembro em casa. A poesia inefavel dessas frases nao sei se sera parte do que foram, se parte de nao terem nunca sido (eseritas)».

Referências

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