R e f? r o d u ç ã o .ld e o ló g ic a
e L iv r o In fa n to - J u v e n il!*
. , IZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
U 0 8 7 . 5
mlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
E D M IR P E R R O TTI * *M IR N A P IN SK Y * * *
M AR C IA C R U Z * * * *
C E C ILIA R E G IAN I LO P E S * * * * *
s tu d o d e
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
21 o b r a s d e fic ç ã o d e'o r e s b r a s ile ir o s , d e s tin a d a s a o p ú b lic o
'4 n to ·ju ve n il, p u b lic a d o s n o p e r ío d o
Ip r e e n d id o e n tr e o u tu b r o d e 1 9 7 6 te m b r o d e 1977, r e ve lo u , s e g u n d o 'a u to r e s d o tr a b a lh o , a ie xis té n c ia d e
p r o c e s s o d e r e p r o d u ç ã o id e o ló g ic o vis aiJm a n u te n ç ã o u la r e la ç ã o
p o d e r d e s ig u a l e xis te n te e m n o s s a ieoode e n tr e oa d u lto ea c r ia n ç a .
'is c u r s od e s s a s p u b lic a ç õ e s e s tá
p r o m e tid o c o m a o r d e m
'lIJ in a n te- a d o a d u lto . Su a
u fa ç ã oàin d ú s tr ia c u ltu r a l, a lé m d e
a r r e r p a r a ob a ixo n íve l lite r á r io 'r va d o ,le va -o a c o n fir m a r ta l
IRd a q u a l a p r ó p r ia in d ú s tr ia
éu m a e xp r e s s ã o .
O
estudobrasileira de livros de ficção destina-exploratório da produçãodos ao público infanto-juvenil, feito
a partir de uma amostra aleatória
com-* Este artigo apresenta as conclusões dó
trabalho dos mesmos autores
intitula-do "O livre infanto-juvenil como produto. social", apresentado ao Seminário
Latino--Americano de Literatura Infantil e
Juvenil, realizado,iem São Paulo, em
agosto de 1978.
* * Professor de Teoria da Comunicação no
Instituto Metodista de Ensino Superior;
Pesquisador de Literatura Infantil na
Biblioteca Infantil "Monteiro Lobato".
* * * Autora e crítica de livros infanto-juvenis.
* * * * Bibliotecária do Departamento de
Biblio-tecas Infante-Juvenis da Prefeitura de
São Paulo.
* * * * * Editora de livros infanto-juvenis: Profes-sora e Chefe do Departamento de Editora-ção da Faculdade de ComunicaEditora-ção Social "Anhembi" .
preendendo 21 obras (*), convida-nos a refletir sobre a natureza de um proces-so específico de reprodução de ideologia que visaria, antes de mais nada, à conser-vação do mundo tal qual ele é, tentando levar os receptores - crianças - deste tipo de mensagens a assimilar passiva, porque não criticamente, as premissas
do poder constituído.
As histórias infanto-juvenis estu-dadas, entre outras coisas, apresentam em comum um esquema de valores coerentes entre si, pré_determinados, não
relativiza-dos na experiência concreta da narrativa e aos quais as personagens deverão corres-pondero A aventura inicia-se quando esses valores são desafiados, por acaso ou
intencionalmente. A partir daí, tudo é feito na tentativa sempre triunfante de reafirmá-los, tal qual se colocavam antes da aventura. Aqueles que se identificam com o'esquema préexistente os bons
-são recompensados. Aos desafiantes, a resposta será o inferno, posto serem maus, com possibilidades de atenuação da pena, caso se rendimam do pecado cometido _ o purgatório. Em suma, o castigo a quem discordar da ordem ante-rior, ou a quem ousar somente
questioná--Ia. O es~ema maniqueísta que Fúlvia
Rosemberg1 aponta na produção
publi-cada em período anterior àquele por nós estudado permanece na atual. Do ponto de vista das personagens, esse
maniqueísmo resulta numa esquemati -zação simplista qúe divide o mundo entre bons e maus, os bons reunindo todos os
valores positivos, os maus, os negativos. Negativos e positivos, segundo a ótica do produtor, evidentemente. "Planas", tanto umas quanto outras, na classificação
proposta por Forster.s
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
, .
Reprodução Ideológica eL 'rvro Infanto-J uvenil
colorido, a nível estrutural el
4aSa qualquer possibilidade ~e s~o fec~a-reata-se de uma estrutu dmova~ao.
fI
' 1 tal ra ogmática
iJl eXIve, qual Eco reconh ." 1111 Fleming, afirmando ec~ e Julga
007 não é reacionário poi.": o cnador de
IO S
OU judeus, mas por r;r contra
rus-d e esquemas.3 p ceder através
A opressão que se revela.
sível textual pela imposição de exerce a que conflrmam o mundo tal ~ modelos çlq,
°
quer, encontra seu coqu
a
produ-10 contexto o rrespondente
O maniqueísmo funciona como suo: Ilaiores re ,'. qual é endossado sem porte de uma estrutura rígida
(0«." : •••
nosPdo':Pações. A gênese da opres-desordem/volta a ordem inicial), ido." pol~ adulto casos,é a posse do mundoflcada na produção anali>ada. Ne,,";onaI _ '
~07
que?
conhecimento _cto, se as atualiUÇ~S da Ideologia _to _ pe':;;:~u o supenor doconheci-expressas pelo manlquelSmO podemoo, . .
nuanceadas, a estrutura em si não penni.\ Assim,o conheciment . ló .
te opções, constituindo-se em sistema ,.... a ser o legitimador do gíco-formal fechado que n'O faculta altemati'",
na
",!",do de forma vertical :od~r que édialética Bem X Mal, o primeiro triun. baixo, objetivando a sub ~ ã e
cima para
.. jos . . mlSSo dos d
fando, sempre, mdependentemente dos "elevd "e instintos "bárbaros"aros aos pad - ese-destinOS da narrativa. O esquema lut a os que só a razão é roes monia/desarmonia/harmonia prevalece50- ceber. A aprendizagepassa m ao VIsartai~apaz de con-f bre a narrativa, semp'" E, para seM~, prlril~ ser um exercício de ais ms, o autor lança mão de todos os "",,,,, ,.. eg>a o adulto, senhor /oder que desde os mágiCOS até o trun""""'- "lre~ o dono da verdade .;"ber".'.o
inesperado da nanativ.. "na. que s a
=.0
Daí advém certa incoerência, car~ A visão .
terística marcante desse tipo de produÇ~lIIDa conseqüê ~at~mallsta da criança é
É comum termOs um narrador aflflllandOImbnerasvezncia esse estado de coisas. características das personagens que a arfI'
lendo
tratadaes
n enco~tr~os a criança desmente. Não é raro encontrann~llla paternalist as ?istónas com uma por exemplo, coisas do gênero: ••". -do poétí a-sentunental6ide que se cansada de ouvir aquela linda música~, beleza do :~td ~rata-~ de mostrar aprendera" (sic). A narrativa tem que .•• to enqu.: °d infantil, mas beleza adaptar à f6nnul., ainda que esta a do da Produ? a nos padrões ideo-truture e faça-a soar falso. ~:.!orte do u;:o. A. fantasia, compo-Dessa forma, é a nível da estrut IlqlÓriascom verso infantil, é tratada sobretudo, que as histórias são ab~l~ lllaraçadinho",~ al~o.menor, pitoresco, mente igUais e uniformes. Se a nl\'e a verdad~ in~mt~o" como se não açOoo autor pode dar'lhes maior ou qu. """pre ao adulto tolerar apenasantil, ou ant es, como
Edrnir Perrotti
Se, ideologicamente, as produções são coerentes entre si, elas podem, no entanto, aparecer diferenciadas na forma
como operam a ideologia, caminhando de uma postura extremamente rígida na veiculaçãO de seus valores, até uma rigi·
dez mínima que caracteriza uma visão até certo ponto tolerante do, oposto. Os "maus" poderãO, por exemplo, ser puni. dos física e moralmente - beirando a puni, ção, às vezes, as raias de um sadismo
exemplar - ous ó moralmente, aprendendo
a lição para se~pre.
* Ver relação in
BA
fin e , I'R.bras.Bibliotecon.DoC. 12 (3/4): 167-176. jlll/d
st .
.81br
IOtecon.Doc.12 (3 /4 ): 167-176.jul/dez.1979
PONMLKJIHGFEDCBA
1 6 8
E domesticar. A seriedade é substituída pela permissividade jocosa. O respeito, pela "agressão branca". Os "anos mági-cos" transformam-se em título de comé-dia, na qual os atores em geral desempe-nham magistralmente seus papéis, segundo a marcação rígida do diretor da compa-nhia.
A relação de poder vertical adulto/ criança coloca o primeiro como elemento ativo nos proces~os de' decisão'; o segundo como passivo. E o adulto quem controla as decisões. À criança caberá tão somente absorver as informações sem mais discus-sões, podendo agir livremente e de prefe,
rência com entusiasmo nos limites "a priori" fixados pelo adulto.
Dentro do quadro das ações permi-tidas pelo poder, as personagens agem e, às vezes, até em excesso. Mas agem a fim
de aprender/apreender o mundo que o
adulto lhesapresenta, isto é, o mundo do poder. A atividade é dirigida em função da assimilação das premissas deste último; o prazer resultante daliberação da energia infantil transforma-se em prazer controla-do e calculacontrola-do. A ação não liberta, mas oprime, ainda que sorrateiramente, refor-çando o poder adulto, de um lado, e a dependência infantil, de outro,sem trau-mas. A estrutura de poder nunca é rom-pida pela ação, e qualquer tentativa nesse sentido é punida.
Não só a tentativa de ruptura das relações de poder são desestímuladas e mostradas como improváveis. Duvidar do poder também é proibido. O mundo das histórias, ainda que Iborbulhante, não apresenta tensões, menos ainda ten-sões extremas que colocariam as perso-nagens em dúvida quanto aos valores esta-belecidos. As personagens são vacinadas contra a ambigüidade, as contradições inerentes à condição humana. Isso, é
Edmir Perrotti
Reprodução Ideológica 'e Livro Infan to-] uvenil
ta àpesquisa. Certo já parece ser a
impor-taçfO de esquemas, matéria prima que
SOUbemos utilizar e difundir, cuidando
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
d e que ela não se esgotasse a fim de que
rbegasse a nossos dias como efetivamente chegou.
Se intenções e estrutura são
análo-'ps,
há tambem outro elementoaproxíman-~ folhetim e nossa amostra: "A estrutura
~~ folhetim é função das condições de
dlfusl'o do jornal" (9,p.23), isto é, o
siste-11IIque o veicula condiciona aquilo que é
veiculado. No caso do folhetim, o autor
'elcieve sempre muito rápido, daí
resultan-do os clichês, as imagens feitas, o
díscur-10 excessivamente codificado. O autor
d e v e "apresentar um produto
consumá-teI rapidamente para um público
bastan-te vast~~, procurando então privilegiar a
açio em relação àdescrição" (9,p.23). Daí
o"portrait demonstratif" que se
concreti-za
em construções fechadas do tipo "ele'lIllia uma
mlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
d a q u e la s belezas que ... ","ele era (é) uma d e ssa s pessoas (almas,
aiaturas, etc) que ..." (9,' p'.120). Tais
construções supõem um código
pré-exis-tente entre autor e leitor que dispensa
diJressões mais longas do narrador,
difi-cUJtandoo consumo. O
condicionamen-to, do produto ao sistema de produção
existente, assim, no folhetim, repete-se
DIa histórias infanto-juvenis estudadas.
~~. talvez, que resida a chave explicativa
""fenômeno.
claro, é natural, do ponto de vista do
poder: a dúvida poderia criar
condi-ções desfavoráveis a seu exercício ou,
pior, poderia criar condições para o
desen-cadeamento de ações que o
desestru-turariam. Mais conveniente, portanto,
delimitar a certeza, oferecendo-a pronta.
Ah, quanto dista essa produção de uma
Cecília Meireles de um "Ou isto ou
aqui-10": "Qu guardo o dinheiro e não compro
o doce,1 ou compro o doce e gasto o
di-nheirol ( ... ) Mas não consegui entender
ainda! qual é o melhor: se é isto ou
aqui-lo".
Obra de "realizadores", conceito de
Wiebe utiliza para diferenciar produções
desse tipo da produção artística em
ge-ral/1 essas histórias se aproximam do
que de pior a ficção ocidental nos
outor-gou: o folhetim. Pelo universo fechado
que encerram, percebe-se claramente a
afi-nidaáe entre essas histórias e os
sub-pro-dutos literários do século XIX francês.
O estudo do "Roman Feuilleton",
publicado no n9 542 da revista "Europe"
é referência que autoriza tal
aproxima-ção. Aí vários autores, estudando esse
tipo de produção, sob diferentes pontos
de vista, identificam uma forma de
discur-so que visa confumar "o burguês
parisien-se no parisien-sentimento de sua superioridade e
de sua felic~dade presentes" (9, p.19). A
intenção é, antes de mais nada, confumar
valores vigentes, afirmar o mundo tal
qual ele é, tal qual na produção que
estu-damoS. O dis~rso em ambos os casos
serve à ideologia dominante, ao poder
constituído. E a utilização do discurso
como forma de controle social não é
invenção do folhetim, evidentemente.
Este é, ao que parece, continuador,
adapta-do às novas formas de difusão, da
"Biblio-thêque Bleue", literatura popular que,
perdurando na França do começo do
século XVII até a segunda metade do
XIX, "é portadora de uma tradição m
ral que é o éonforrnismo" (2, P.l4~~
como diz Geneviêve BoUême no estud~
do fenômeno. A opressão se perpetu
ainda que refmando seus métodos, a,
A analogia não é somente referente
às intenções. A estrutura dos textos é
semelhante, A observaçãO sobre o
"feuille-ton" ajusta-se à atual produção brasileira
estudada: "Há no início ( ... ) um
dese-quilíbrio que se resolverá no final: AntesI
de chegar a isso, o autor utiliza desvios
retardamentos. A engenhosidade d~
romancista reside na construção de uma
derivação longa e coerente, O leitor
aceitará jogar. Ele aceitará esse
princí-pio do retardamento, do desvio (as aven·
turas) que faz suas delícias, Ele aceitará
também a ,uniformidade das ficções, dos
esquemas constantes que o autor só
maqui-la de uma obra para outra; paradoxalmen·
te é esse retomo inelutável do mesmo que
ele procura" (9, p.86).
Apesar de não podermos identificar
com certeza, a paternidade da produçãl
brasileira por falta de maiores informaç'
históricas que caracterizam o estudo
livro infanto-juvenil brasileiro, conv'
lembrar Lourenço .Filho que, em artiS'
onde mostra a evolução dessa produçll
no Brasil, diz: "O livro infantil, que
introduz no Brasil nos fins do sé
passado, vai pouco a pouco ganhall
l
seu lugar com o aparecimento deal:
traduções e adaptações, especi~ente As hi tó . .
livros fr -lln c e se s, o r ig in a is n e ssa
BA
l'nguD O U tra s forroS nas infanto-juvenis, comojá p a r a e la ve r tid o s" (6, p.S) (Grifo no-. te IOciedades rb de produçãour anas o id . cultural nas
por outro lado, também as m . ,àquil CI entaís, estão
vincu-editoriais são claras. AC o n to S da ~caro ~~ria ~ l,/ue "Adorno! chamou de
n h a , título da primeira publicaçao ti ~ra a ur:: ~ral. . A vinculação da
nal do gênero,
apõe-se: " .. ' cotl na confi sistema industrial
interfere-escolhida coleção de c o n to S poP ~ t'l.produto~ração d~ própria cultura.
m o r a is e p r o ve ito SO s d e vá r iO SpO Citiltansta,a in a. or~anlzação econômica
(6, p.S) (Grifo nosso). A pista está dustna cultural acompanhado capitalismo, tanto
li
R , b r a s . B i b l i o t e c o n .D o c . 1 2 1 3 / 4 1 : 1 6 7 _ 1 7 6 , j
U
l / d
.t-170
'~
. 8 i b l i o t 8 C o n . D o c . 1 2 ( 3 / 4 ) : 1 6 7 · 1 7 6 , j u l / d e z . 1 9 7 9
como executor como reforçador. Ainda
que oferecendo um produto específico
- a cultura - seus processos são
semelhan-tes ao da indústria em geral cujo objetivo
é a busca do lucro, forma de garantir
sua sobrevivência. Assim, encontrada a
'fórmula garantidora do lucro, nada mais
simples do que repeti-Ia até a exaustão
'mudando vez por outra a embalagem d o
.mesmo produto, a fim de tornã-lo mais
Sedutor e contemporâneo. Dessa forma,
viciando o consumidor a seus produtos
pelo cultivo da mesmice, a indústria
cultural pode prever com relativa segurança
o sucesso de seus investimentos. Sucesso
que é condição indispensável da
sobrevi-vência. Logo, é veiculado aquilo que
"a priori" a indústria cultural tem como
vendável. Nesse sentido ela executa
as leis do mercado capitalista, refletindo
o sistema que a sustenta e atuando como
meio de controle social.
A relação de poder que se estabelece
entre produto-indústria cultural de um
lado, e consumidor-criança, no nosso caso,
de outro é extremamente unilateral, pois
cabe ao primeiro decidir aquilo que será
consumido. Ora, inserida em um modelo
econômico determinado, inserção que
durará enquanto durar esse modelo, a
indústria cultural é obrigada à reproduzir
em sua produção o sistema que a suporta,
ainda que, vez por outra, possa se dar ao
luxo de certas veleidades. Daí o texto
estampar o contexto, funcionando come
conservador do "status quo" como meio
de controle social.
O consumidor, fonte do lucro da
indústria cultura, passa a ser seu objeto.
Objeto que deverá absorver a produção e,
através dela, a ideologia dominante.
Com-.pensando, ou tentando compensar a
rei-ficação do consumidor, a indústria
cultu-ral cria, através de suas mensagens, toda
Edmir Perrotti
uma mitologia do .sucesso e da
felici-dade, alcansávéis para aqueles que se sub
metem a seus dogmas, vale dizer, ao!
dognias do sistema. Não sem razão
Morins lembra que a indústria cultu
ral funde realidade e fantasia em um único
bloco, tomando tudo possível e permitido
a seus seguidores. Permitido, desde que,
tal qual no Éden, não se coma o fruto
proibido, isto é, não se suspeite do poder
patemo. Trata-se de conservar as relações
de poder, no nosso caso, do poder do
adulto, enquanto agente específico de
um poder mais genérico e amplo: o poder
de um determinado sistema social. Tudo
isso, é claro, em detrimento da "formação
de indivíduos autônomos, independentes,
capazes de julgar e decidir conscientemen· te" , como lembra Adomo (1, P .294).
A situação do livro infanto-juvenil
toma, ainda, um caráter específico dentro
dessa 'problemática, pois, como lembra
Fúlvia RosemberglO, entre a produção
e o consumidor há, além dos difusores,
um "comprador" que é também adulto
.(bibliotecários, pais e parentes) aumentan·
do "a distância entre criação e consumo" .
Essa fragmentação faz com que a
indústria cultural dirija-se também ao
adulto-comprador, satisfazendo-lhe os
gos-tos, condição necessária para a garantia do
empreendimento. As contra-capas de
algumas edições são nesse sentido
exempla-res. Aí, sem subterfúgios, a indústria
cultural dirige suas mensagens ao
compra-'dor. O leitor-criança acaba, assim, sendo
o elemento ültímo de um processo que
procura, muitas vezes não sem sedução,
tomã-lo à sua imagem e semelhança.
Febvre e Martin4
, ao estudarem o
fenômeno do aparecimento do livro,
resumem a problemática deste meio de
comunicação de forma bastante clara.
Para eles, o livro é uma resposta do
desen-volvimento do capitalismo que emerge a
PONMLKJIHGFEDCBA
1 7 2
Reprodução Ideológica 'e Livro Infanto-J uveni.
iJliciar o ciclo renovação/mesmíce. A
, tiçãO do esquema aprovado na obra
pai garante o lucro, na medida em que
mercado já se habituou ao novo padrão,
indo com facilidade o produto.
mlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Va c a In vis íve l, uma das obras que
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
I p õ e m nossa amostra, representa essa
cfçf0'
a reserva oferecida pela indústriactltural, ainda que não passe tota1ment~
iJIIlIle a uma leitura mais servera. l i
cIICO que a obra teve que pagar o peso
i tradição.
As obras que resultarão da cópia
•• novos modelos, evidentemente, ao
ltarem reproduzí-Ios, utilizarão
somen-alguns elementos existentes nos
orígi-':, os que se adaptam às suas fórmulas,
alterá-Ias substancialmente. A
renova-que aparece na obra original servirá
reformismo da produção
estandar-I .
É assim que, por exemplo, muitas
aImIs'da produção atual buscam moderni-a lingumoderni-agem, usmoderni-ando gírimoderni-as, expressões
povoam o universo de uma certa
R E F E R E N C IA S B IB L lO G R A F IC A S
- ADoRNO, T.W. A indústria Cultural. In: COHN, G. ed. C o m u n ic a ç â o e in d ú s
-tr ia c u ltu r a . 3. ed. São Paulo, Nacional, 1977. p. 287-95.
'- B<>I:~EME,G. La o ib lio th é q u e b le u e ; Littérature en France du XVIIe. au XIXe.
Sléc\e.Paris, J ulliard, 1971.
I!co, U. James Bond: uma combinatória narrativa. In : An á lis e e s tr u tu r a l d a n a r r a -o
tiva : pesquisas semiológicas. Petrôpolis, Vozes, 1971. p. 136-163.
PJ!8VRE, L.& MARTlN, H.J. L 'a p p a r itio n d u livr e . Paris, Albin Michel, 1971.
partir da nova composiçãO social que se
opera com a decadência do feudalismo
Essa nova composição de forças necessi:
tava da imprensa - e por extensão do
livro reproduzido mecanicamente - já
que a produção manuscrita mantinha uma
performance insatisfatória para a nova
realidade. A partir daí, imprensa e livro
estarão ligados ao destino do capitalismo
bem como toda produção intelectu~
assim veiculada será influenciada por
esse sistema econômico que faz do lucro
sua busca última. Daí concluírem os
autores em linguagem clara e dura: n
-indústria do livro "é uma -indústria
regi-da pelas mesmas leis que as outras indús-trias e onde o livro é uma mercadoria que
os homens fabricam, antes de mais nada,
para ganhar a vida". Não é de se estranhar
o fato de a Bíblia ter sido o primeiro livro
a ser impresso. Deus já era, então, objeto
de consumo garantido. Mais uma vez
não cabe ao nosso século as glórias da
'nvenção: a hipocrisia é histórica.
Parece, a partir da amostra analisada,
.que, neste momento, resta-nos uma única
saída oferecida pela indústria cultural,
caso se queira oferecer à criança brasileira
narrativas _ "bem elaboradas: I" oferecer·
.-lhe a "reserva" editada. Essa reserva
constitui-se a parir de obras que a
indúS-tria cultural edita a fim de testar a
capa-cidade de absorção do mercado
consumi-dor a elementos novos e, às vezes, tarnbé
tll
para obter prestígio. Esses elernent~
novOS são necessários para o estabeleci"
mento de novos modelos ~ a peça única"
propiciadores de novos lucros, pois,.~
sejam _aprovados pelo mercado, servJJ~
para iniciar um novo ciclo que terá cord'
referência a "peça única". O ciclO"
prolongará até a exaustão, quandO
0:
tendência deverá surgir. Mais urna ti'
a "peça única" deve surgir, entãO,
P
R.bras.BiblioteCon.Doc. ; 2 \3/4): 167-176. illl/de~.1 iotecon.Doc. 12 (3/4): 167-176. jul/dez. 1-979
juventude, tentando com isso parecer
renovadoras. A força que poderia advir
de tal recurso fica neutralizada, contudo,
pela inserção de tal novidade num código
narrativo mais do que gasto,
conseguindo--se com a imitação adentrar tão somente
o universo do "Kitsch": estereótipos,
maniqueísmo, coloração de moderno,
gos-to pela novidade aceitável pela maioria
e que não - provoque tensão, receitas de
felicidade, gosto pelos neos, como por
exemplo, neo-regíonalismo,
neo-romantis-mo, tudo levando a alienação que "é final, mente um caráter essencial dele" (7, p.37). Alienação que Moles identifica como sendo
um resultado do desequihbrío existente
entre os produtores e consumidores, no
nosso caso, entre adulto/criança.
Reproduzindo o contexto, o texto
expressa o desequihbrío de poder
reforçan-do-o. O discurso, abraçando a.causa do
po-der, passa a constituir-se em novo aliado
da opressão, tenham ou não consciência
disso seus promotores ou, pior, seus
desti-natários. E, no nosso caso, são crianças.
Edmir Perrotti
Reprodução Ideológica e Livro Infanto-J uvenil
BA
t
'
S~DE MARRÉ de X; antologia. São Paulo, Vértice, 1977.FRANÇA, E & FRANÇA, M.
mlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
M a n é C o e lh o eo m a p a d o te s o u r o .6~ Ed. de Ouro, 1976.
Rio de Janeiro,
5 - FORSTER, E.M. As p e c to s d o r o m a n c e . Porto Alegre, Globo, 1969.
6 ' LOURENÇO FILHO, M. Como aperfeiçoar a literatura infantil. B o le tim In fo r _
m a tivo d a F u n d a ç d o N a c io n a l d o Livr o In fa n til e J u ve n il, Rio de Janeiro,
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
7(31): 5-15,jul./set. 1975.
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8 - MORIN, E. C u ltu r a d e m a s s a s n o s é c u lo X X ; o espírito do tempo. 3. ed. Rio de
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9 - LE ROMAN feuilleton. E u r o p e : revue litteraire mensuelle, Paris, 54, jun. ~974.
10 - ROSEMBERG, F. O adulto, a criança e a literatura. R e vis ta B r a s ile ir a deE s tu d o s
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9- LEFÊVRE, V. N a ilh a d o s m is té r io s p -e r d id o s .
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Rio de Janeiro, Ed. de Ouro, 1976.
São Paulo, Melhoramentos, 1976.
PONMLKJIHGFEDCBA
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8. ed. São Paulo, Melhoramentos, 1968.
A c h a ve d o ta m a n h o . 6. ed. São Paulo, Melho
ra
-O b s e r v< /{â o A escolha da amostra foi feita através de sorteio que selecionou 21 obras
dentre o total da produção em prosa de autores nacionais editados o u
reeditados no período de outubro de 1976 a setembro de 1977, segundo
o Boletim Bibliográfico da Biblioteca Nacional e destinada ao público
in fan to-juvenil. A edicação do exemplar analisado não corresponde
neces-sariamente àda publicação no período de 76/77.
- MOn, O.B.do Mundo Todo).A Tr a n s a -Am a zô n ic a . São Paulo, Brasiliense, 1973. (Coleção J overis
- NORONHA, T. Os q u a tr o le va m a m e lh o r . 3. ed. São Paulo, Brasiliense, 1977.
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