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Academic year: 2021

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Teoria do Conhecimento

Trechos selecionados para o curso de Filosofia Geral – Prof. Fábio Shecaira Os colchetes indicam alterações feitas pelo professor ou comentários inseridos por ele.

1. Alberto Oliva, Teoria do Conhecimento. Zahar, 2011, pp. 7-12.

[Neste trecho, Oliva faz uma distinção importante entre três tipos de conhecimento e explica que o conhecimento do tipo proposicional é o que mais interessa à epistemologia.]

Introdução: por que e para que conhecer

Abre Aristóteles a sua Metafísica com a afirmação de que “todo homem por natureza deseja conhecer”. Sendo esse o caso, o que o impele a buscar conhecer? Como Platão no Teeteto (155d), Aristóteles na Metafísica (982b) aponta a admiração (thaumaston) como o grande desencadeador do pensar. E qual é o objetivo último do filosofar? Conhecer. Mas por mais que a razão especulativa tenha sido acordada pela admiração suscitada pelo simples ser das coisas e do próprio homem, o que antes contribuiu para despertar a inteligência humana foi a necessidade de conhecer para sobreviver. Até porque o saber filosófico é um rebento tardio do pensamento, e a ciência, a despeito das grandes conquistas explicativas e dos espetaculares derivativos tecnológicos, é ainda mais jovem.

O assombro diante do portentoso espetáculo da natureza pressupõe uma inteligência já capaz de transformar maravilhamento em formulação de questões e elaboração de conceitos. O maravilhamento dá origem a perguntas (o que é que significa tudo isso?) que só uma inteligência superior pode formular. Só que muito antes do maravilhamento emergiu a urgência de fazer frente aos desafios de sobreviver em palcos naturais quase sempre inóspitos. Mas sem a curiosidade sobre as esferas celestiais e o desejo de desvendar a natureza e compreender a si mesma, a espécie humana teria ficado adstrita à elaboração de um saber prático atrelado a necessidades materiais. Propelida por mais de um fator, a busca de conhecimento atende a várias necessidades. Serve para saciar a curiosidade intelectual, resolver problemas que provocam a inteligência, ou enfrentar desafios que põem em risco a sobrevivência [...] do homem.

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2 As informações que temos sobre o mundo se condensam em crenças. Apesar de muito se propalar que vivemos na sociedade do conhecimento, os rumos dados à existência pessoal e à vida social são predominantemente desprovidas de bons fundamentos. Quando presos às bitolas do senso comum, não nos perguntamos se temos razões para, justificadamente, acreditar que conhecemos alguma coisa. Para aferir nossas crenças, precisamos contar com uma definição bem formulada de conhecimento. Sem ela, não logramos separar conhecimento de mera opinião, nem apontar e fundamentar os procedimentos epistêmicos que conduzem à obtenção do conhecimento.

Ninguém deseja ter crenças falsas ou irracionais. Mas poucas pessoas se preocupam em determinas se a razões que invocam e se a evidências que recolhem são adequadas e suficientes para acreditarem no que acreditam. Há várias modalidades de conhecimento que podem ser representadas pelas seguintes asserções:

1) Milena sabe tocar piano bem. 2) Nino conhece Campos do Jordão.

3) Angela sabe que Campos do Jordão fica no estado de São Paulo. Saber fazer: conhecimento por aptidão

Quando “conhecer” é usado no sentido de saber como, de saber fazer, como ocorre na asserção (1), acima, é inegável que muito se sabe. A proficiência que alcançamos, a prática que adquirimos e as técnicas que dominamos se apoiam em alguma forma de conhecimento. Daí ser correto afirmar que se sabe – que se está capacitado a – tocar violão, jogar xadrez, fazer sonetos, falar alemão, pilotar um avião, operar um computador etc. Trata-se de know-how, de saber fazer coisas, entendido como conhecimento por aptidão. Concerne a como fazer algo de modo certo e eficiente. Sua diferença para com o “conhecimento teórico” é manifesta: alguém pode, por exemplo, conhecer profundamente as técnicas de pintura sem se mostrar capaz de criar um quadro com valor estético.

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3 Conhecimento por contato

Cada um de nós pode, em sentido lato, afiançar que conhece o vizinho que mora ao lado, os colegas da faculdade ou do trabalho. É uma experiência pessoal direta. Pode alguém dizer que conhece o Dalai-Lama por ter um dia conversado com ele. É comum as pessoas afirmarem que conhecem alguns dos pontos turísticos das cidades por elas visitadas. É o que faz Nino, na asserção (2), quando afirma conhecer Campos do Jordão dando a “conhecer” o sentido de já ter estado lá. Trata-se de uma forma de conhecimento imediata, certa, adquirida por contato direto ou de primeira mão que não precisa ser expressa de modo descritivo.

Denominado por Russell knowledge by acquaintance, deriva de uma relação diádica entre o sujeito conhecedor e um objeto. Mas o objeto é diretamente apreendido, não há necessidade da mediação de qualquer processo de inferência ou de qualquer conhecimento da verdade. Como é conhecimento de coisas e pessoas, e não de proposições, apoia-se essencialmente em registros sensoriais, lembranças e vivências. Enquanto o conhecimento por contato ou direto é conhecimento de entes, o que se dá por descrição envolve o conhecimento de verdades. Não conhecemos por contato Machado de Assis, mas podemos dizer que o conhecemos por descrição na medida em que sabemos, por exemplo, que é o autor de Quincas Borba.

Conhecimento proposicional

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2. Paul K. Moser et al., A Teoria do Conhecimento. Uma Introdução Temática. Martins Fontes, 2009, pp. 17 – 20.

[Neste trecho, Moser et al. apresentam a definição tradicional de conhecimento proposicional. De acordo com essa definição, conhecimento é crença verdadeira e justificada. Essa definição é antiga. Ela aparece, por exemplo, em Teeteto, uma obra escrita por Platão antes da era cristã. A definição tradicional continua sendo influente, embora enfrente objeções importantes que serão mencionadas em sala de aula.]

A Definição Tradicional de Conhecimento

Na tradição filosófica ocidental, a epistemologia ofereceu até bem pouco tempo uma definição principal de conhecimento de acordo com a qual este é analisado em três componentes essenciais: justificação, verdade e crença. Segundo essa análise, o conhecimento propositivo [ou proposicional] é, por definição, a crença verdadeira e justificada. Essa definição é chamada análise tripartite do conhecimento ou análise tradicional. Muitos filósofos encontram a inspiração dessa análise no Teeteto de Platão. Os epistemólogos, em geral, tratam do conhecimento propositivo: o conhecimento de que algo é de tal jeito, em contraposição ao conhecimento de como fazer algo [conhecimento por aptidão, know-how]. Considere, por exemplo, a diferença que existe entre saber que uma bicicleta se move de acordo com certas leis do movimento e saber andar de bicicleta. É evidente que esta segunda espécie de conhecimento não tem a primeira como um de seus pré-requisitos.

O conteúdo do conhecimento propositivo pode ser expresso por uma proposição, ou seja, pelo significado de uma oração declarativa. [...] Por outro lado, o conhecimento de como fazer algo é uma habilidade ou competência na execução de certa tarefa. Não examinaremos esse [tipo de] conhecimento, que mereceria todo um livro só para si. A análise tradicional do conhecimento propositivo implica que o conhecimento é uma espécie de crença. Se você não crê que Madagascar fica no oceano Índico, então não sabe que Madagascar fica no Oceano Índico. Seria realmente estranho que você soubesse algo, mas negasse crer no que supostamente sabe. Parece que a crença é um requisito para o conhecimento propositivo.

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5 pessoas não sabem que a Terra é plana, pois o fato é que ela não é plana. Para se saber algo, para se ter [genuíno] conhecimento, é preciso que a crença seja verdadeira. É impossível saber algo falso. Assim, a segunda condição do conhecimento, identificada na análise tripartite, é a verdade. O conhecimento não é somente uma crença, mas uma crença verdadeira.

A crença verdadeira [também não é] suficiente para o conhecimento. É evidente que muitas crenças verdadeiras não se enquadram nessa categoria. Se você [formar] espontaneamente a crença de que o seu tio Hud, que mora longe, está agora em pé, e essa crença se revelar verdadeira, nem por isso você passou a saber que o tio Hud está em pé agora. O que falta a essa crença são razões que a corroborem; ela se [baseou] num capricho e não dispõe de nenhum respaldo. A crença se revelou verdadeira por coincidência [...]. Isso porque, para que uma crença verdadeira seja um conhecimento, ela precisa daquilo que os filósofos chamam justificação, garantia ou prova. [...]

Pela análise tripartite, a justificação é a terceira condição essencial do conhecimento. A justificação de uma crença tem de incluir algumas boas razões pelas quais a crença é considerada verdadeira. Os filósofos se perguntam quais podem ser essas boas razões, mas a afirmação de que uma crença precisa de algum tipo de corroboração para ser considerada conhecimento é largamente aceita entre filósofos.

Assim, as três condições essenciais do conhecimento são crença, verdade e justificação, e as três juntas são consideradas suficientes para o conhecimento. Nas últimas décadas, os filósofos descobriram que, na realidade, essas três condições não são suficientes. Voltaremos a essa questão no Capítulo 5. Segundo a análise tripartite tradicional, porém, o conhecimento é crença verdadeira e justificada. Se você tem bons motivos que corroboram a verdade da sua crença, e essa crença é mesmo verdadeira, você tem conhecimento.

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6 uma justificativa válida para as suas crenças na época. Às vezes, nós mesmos nos encontramos em situação semelhante. Muito embora eles atendessem à condição de crença e à condição de justificação, não atendiam à condição de verdade para terem conhecimento. [...]

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3. Kwame Appiah, Introdução à Filosofia Contemporânea. Editora Vozes, 2006, pp. 51 -53.

[Neste trecho, Appiah nos fala sobre a obra platônica Teeteto e oferece informações complementares sobre a definição tradicional de conhecimento.]

Platão: conhecimento como crença verdadeira justificada

Nos diálogos de Platão, a personagem principal é normalmente seu professor, Sócrates, cuja técnica filosófica não tinha como base a afirmação de uma proposição e sim uma série de perguntas que conduziam aqueles com quem conversava a suas próprias respostas. (Isso algumas vezes é chamado de método socrático.) No diálogo chamado Teeteto, Sócrates discute a pergunta “O que é o conhecimento?” com um jovem chamado Teeteto. [...]

Em resposta à pergunta de Sócrates “O que é o conhecimento?”, Teeteto começa dando alguns exemplos de conhecimento: a geometria e o know-how técnico de um sapateiro. Mas Sócrates alega que o que ele quer não é um bando de exemplos de conhecimento e sim uma explicação sobre a natureza do conhecimento. Em resposta à pergunta filosófica “O que é o conhecimento?” o que se deseja é uma definição que possamos usar para decidir se qualquer caso específico é realmente um caso em que alguém sabe alguma coisa.

Teeteto tenta então outras respostas que realmente dão esse tipo de definição. Mas Sócrates argumenta contra todas elas. Finalmente Teeteto sugere que saber algo é apenas acreditar em algo que é verdade. Se você sabe que está lendo este livro, por exemplo, segundo a teoria de Teeteto, você

a) deve acreditar que está lendo este livro e b) deve, na verdade, estar lendo este livro.

Sócrates mostra que, pela teoria de Teeteto, podemos deduzir que quando um advogado de alto gabarito convence um júri de quem alguém é inocente, se a pessoa for de fato inocente, o júri sabe que ela é inocente, mesmo que o advogado tenha convencido o júri por meios desonestos. Esse resultado, Sócrates argumenta, mostra que a teoria de Teeteto deve estar errada porque nessas circunstâncias não poderíamos aceitar que os jurados soubessem que a pessoa acusada era inocente [...].

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8 possível que eles decidam que é mais importante proteger alguém de ser incriminado falsamente do que respeitar a lei, que, afinal de contas, está sendo fraudada pela acusação. Eles poderiam, então, fabricar uma “evidência” [...]. Suponhamos que eles convençam o júri: os membros do júri estariam acreditando corretamente que sou inocente, mas certamente não saberiam que sou inocente.

[...]

Teeteto compreende que esse caso demonstra que precisamos de uma terceira condição para haver conhecimento: saber realmente envolve acreditar e também envolve a verdade daquilo em que você acredita, mas exige algo mais. E como Teeteto é persistente, ele sugere que o conhecimento é a crença verdadeira com justificação. O resto de Teeteto ocupa-se em discutir que tipo de justificação é necessário. Mas ideia básica é que, para saber algo,

a) você precisa acreditar naquilo, b) aquilo deve ser verdade e

c) você deve ter uma justificação para acreditar naquilo. [...]

Referências

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