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A MÍDIA E O JAZZ NO BRASIL: INVESTIGAÇÃO EM TORNO DA RECEPÇÃO CRÍTICA DOS FESTIVAIS DE JAZZ NA IMPRENSA PAULISTANA

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Luiza Spínola Amaral

A MÍDIA E O JAZZ NO BRASIL: INVESTIGAÇÃO EM TORNO DA

RECEPÇÃO CRÍTICA DOS FESTIVAIS DE JAZZ NA IMPRENSA

PAULISTANA

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

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Luiza Spínola Amaral

A MÍDIA E O JAZZ NO BRASIL: INVESTIGAÇÃO EM TORNO DA

RECEPÇÃO CRÍTICA DOS FESTIVAIS DE JAZZ NA IMPRENSA

PAULISTANA

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica na área de Análise das Mídias, sob a orientação da Profa. Doutora Leda Tenório da Motta.

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Luiza Spínola Amaral

A MÍDIA E O JAZZ NO BRASIL: INVESTIGAÇÃO EM TORNO DA

RECEPÇÃO CRÍTICA DOS FESTIVAIS DE JAZZ NA IMPRENSA

PAULISTANA

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

A Comissão Examinadora, abaixo identificada, aprova a dissertação de Mestrado em Comunicação e Semiótica da aluna

Luiza Spínola Amaral

Banca Examinadora

__________________________ _

__________________________ _

__________________________ _

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Este trabalho é dedicado ao meu pai, Fernando Amaral; ao meu padrasto, Renato Maletta e ao

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Agradecimentos:

À Eliane, Renato, Fernando, Djur e Estela pelo amor e ajuda, imprescindíveis para a realização deste trabalho.

Ao Gustavo de Castro por ser o grande mestre a me guiar nos momentos mais importantes desta pesquisa.

À Leda Tenório da Motta, por toda a orientação nestes dois anos.

Aos amigos e companheiros de pesquisa, Cláudia Leão, Diogo Bornhausen, Camila Garcia, Luciane Robic e Martinho Junior.

Aos meus irmãos, parceiros de vida, Filipe e Amanda Spínola Amaral, Guilherme e Eduardo Amaral.

À Nídia, Lígia e Flávia, pelas conversas enriquecedoras.

Aos professores Norval Baitello Junior e Helena Katz pelas aulas inspiradoras. Ao amigo Leonardo Candian, pelas inúmeras sessões de jazz.

À Daniel Lima, amigo e irmão, pelo acolhimento sempre generoso.

À Júlia, Giordano e Daniel Pedrecal pelas deliciosas tardes de conversas. À Augusto, pela doce companhia nas tardes de biblioteca.

Às bibliotecas da PUC-SP e da UnB.

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“Aonde quer que esteja – se estiver no encalço da sua bem-aventurança, estará desfrutando aquele frescor, aquela vida intensa dentro de você, o tempo todo.”

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Resumo

O objetivo desta pesquisa é levantar o registro histórico da memória da música popular no Brasil, através de um acompanhamento da cobertura jornalística que os festivais de jazz recebem na mídia impressa paulistana. Trata-se também de enfocar as relações que se estabelecem entre a crítica e a indústria cultural, mostrando como nossa memória musical é inflexionada por certa visão sociológica a partir da qual se enxerga o jazz como mais um produto da indústria cultural norte-americana, e como a esta linha que diríamos marcada pela suspeição contrapõe-se, a partir de determinado momento, à corrente dos semioticistas, a que pertence, enquanto musicólogo, Augusto de Campos. Metodologicamente trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental. O corpus da pesquisa constitui-se no conjunto de matérias

críticas jornalísticas aqui em exame, conjunto do qual foi recortada uma parcela de textos a analisar.

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Abstract:

The main objective of this research is to rescue the historical memoire of brazilian popular music through the media coverage that jazz festivals get from São Paulo's press. It's also about focusing on the relationship between the cultural industry and the critics, exposing how our musical memory is smothered by a certain sociological view of jazz as just another product of american culture and how this line of opinion, suspicious as it is, counterpoints the semiotic stream of critics that, among other musicologists, belongs Augusto de Campos. It's a documental and bibliographical research. The core of the research is a gathering of journalistic stories exposed here, establishing an analytical overview of São Paulo's press media.

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Sumário

Apresentação 11

Capítulo 1 - A questão das linhas críticas em tensão, o nacional e o estrangeiro, o erudito e o

popular, a vanguarda e o desenvolvimento 17

Capítulo 2 – A História do Free Jazz 35

1985 36

1986 41

1987 48

1988 55

1989 60

A década de 1990 64

1991 65

1992 69

1993 74

1994 78

1995 83

1996 88

1997 93

1998 98

1999 102

2000 107

2001 111

Capítulo 3 – O Jazz na Mídia Impressa 115

Conclusão 128

Referências 130

Apêndices 134

10.09.1988 - Só ouvidos apurados ouvem as fivelas caindo das máscaras - Ruy Castro - O

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13.09.1988 - No final a síntese do que não foi um festival de jazz - Giron – O Estado de São

Paulo 136

01.09.1989 - Derrotas e vitórias na roleta Free - Giron - O Estado de São Paulo 137

18.10.1994 - Jazz precisa ser sempre chato - Guga Stroeter - Folha de São Paulo 138

18.10.1994 - Puristas vivem reclamando - Carlos Calado - Folha de São Paulo 139

26.10.1994 – Miles Davis e o fusion ressuscitam com a veneração de Marcus Miller – Luís

Antônio Giron - Folha de São Paulo 140

29.10.1994 – Brown fecha Free Jazz com bordel sonoro – Luís Antônio Giron - Folha de São

Paulo 141

14.10.1996 – Bjõrk aponta para o futuro e mostra música globalizada aos brasileiros – Pedro

Alexandre Sanches - Folha de São Paulo 142

Anexos 143

Anexo I - Entrevista Carlos Calado 144

(11)

Apresentação

A proposta inicial para esta pesquisa era analisar as fotografias referentes ao Free Jazz Festival publicadas nos jornais paulistanos Folha de São Paulo e Estado de São Paulo. O evento, sempre lembrado pelos amantes

do gênero, teve êxito no país por reunir, a cada edição, grandes nomes da música nacional e internacional, por dezesseis anos, com apenas uma interrupção. O banco de imagens é enorme, e como observa Susan Sontag (2004) no livro Sobre a Fotografia, quando discorre sobre a relação que se

estabelece entre popularidade, imagem e informação, torna-se fácil perceber a importância que a fotografia vem adquirindo nos jornais:

A informação que as fotos podem dar começa a parecer muito importante naquele momento da história cultural em que todos se supõem com direito a algo chamado notícia. As fotos foram vistas como um modo de dar informações a pessoas que não têm facilidade para ler. O Daily News ainda se denomina ‘jornal de imagens de Nova York’, sua maneira de alcançar uma identidade populista. No extremo oposto do espectro, Le Monde, um jornal destinado a leitores preparados e bem informados, não publica foto nenhuma. (SONTAG, 2004, p. 32).

A hipótese inicial era a de que as fotografias seriam capazes de contar uma história do jazz no Brasil, a partir daquela década de 1980, que incluiu o país na rota dos grandes festivais de música, com visibilidade internacional, uma vez que a imagem de tais festivais estava associada às grandes estrelas estrangeiras que traziam para o Brasil. Dessa forma, o panorama das fotografias publicadas nos jornais, ao exibir lado a lado artistas nacionais e estrangeiros, parecia incentivar a aproximação entre a música popular urbana brasileira e a norte-americana, ambas marcadas pela mistura da cultura popular e erudita.

Ora, se é certo o que disse Zuza Homem de Mello (2003), em seu livro A Era dos Festivais: Uma Parábola, a saber, que o objetivo de um festival

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acesso a novas tendências, a novas obras, ao que está em voga, ou ainda, num sentido diametralmente oposto, revisitar a obra de artistas amplamente consagrados” (MELLO, 2003, p. 13), parece possível pensar que as coberturas midiáticas caminhavam no sentido de incentivar a proposta do festival em promover o encontro de diversas tendências musicais.

No entanto, com o avanço da pesquisa foi se tornando mais claro que a crítica musical brasileira divergia em sua valoração do festival. Boa parte dela vinha amparada naquela visão sociológica que encarava a indústria cultural como alienadora e classificava o festival como exemplo da dominação capitalista, que visa apenas fins comerciais. Dessa forma, a discussão travada nos jornais sobre o festival de jazz não contemplava sua importância como ambiente estimulador de trocas culturais, fundamental para a música brasileira, como bem explicou Bernadete Silveira Moraes, em sua dissertação de mestrado, Jazz: As Matrizes da Mestiçagem:

Com a criação desse espaço de festivais, as tendências musicais passaram a circular entre músicos nacionais que deram início a um processo de troca intensa com músicos internacionais. A presença do jazz, ampliada por meio dos festivais, impulsionou a música instrumental brasileira. (Silveira Moraes, 2000, p. 88).

A crítica, ao contrário, se preocupava em defender a música brasileira daquilo que ela (a crítica) não aprovava, tratando o público como consumidor enganado em relação ao que lhe era prometido e não cumprido. Afinal, o prometido era o jazz _sinônimo de sofisticação e refinamento_ e a presença de outros estilos visava, apenas, atrair o consumidor. Diante disso, o melhor que podia ser visto era, então, uma pequena parcela da crítica que priorizava o esclarecimento sobre a constante incorporação de diversos elementos, presentes tanto no jazz quanto na música brasileira.

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diagnóstico de um forte caráter xenófobo na crítica musical brasileira diante de um festival de jazz no Brasil, o enfoque desta pesquisa foi alterado de forma a explicitar uma questão crítica recorrente no Brasil entre purismos e não purismos na música nacional. Algo que começou de forma marcante no ano de 1922, com a Semana de Arte Moderna e a proposta modernista de Mário de Andrade para a música nacional, mas que permaneceu por longos anos nos jornais com a presença de críticos como José Ramos Tinhorão, conhecido por seus ataques aos estrangeirismos. É claro que, em paralelo a esse movimento, sempre houve uma outra forma de apreensão crítica, de forma que o duelo esteve sempre presente na mídia. Para pôr as coisas nos termos de nossa tradição musical, houve sempre aqui um certo embate entre o nacionalismo de Mário de Andrade e o universalismo de Oswald de Andrade, daí conviverem, dentro do mesmo

Jornal do Brasil, Tinhorão, o denunciador do caráter não nacional do jazz e

José Domingos Raffaelli, um especialista em jazz.

Com o surgimento da Bossa Nova, em finais da década de 1950, a associação entre a música norte-americana e a batida do estilo surgido no Rio de Janeiro encontrava apoio em vários fatores: semelhança na sofisticação, valorização do improviso, ritmo sincopado e adoção de novas harmonias. Inicialmente, essa modernização do samba pelos bossa-novistas foi ignorada pela crítica musical, como nos mostra Liliana Harb Bollos ao descrever sobre o silêncio da crítica diante da primeira manifestação da Bossa Nova no disco Canção do amor Demais, que trazia

composições de Vinícius de Morais e Tom Jobim, arranjos deste último e a participação de João Gilberto ao violão em duas canções do disco: Chega de Saudade e Outra Vez:

Alguns músicos comentavam sobre a batida diferente do violão de Gilberto,

porém não houve críticas, com a exceção estampada no Suplemento Literário

do jornal O Estado de São Paulo (...), razão pela qual acreditamos que os

músicos eram os mais interessados naquele disco, e não a crítica (Bollos,

2007, p. 147).

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criação artística brasileira. O que não impedia seu sucesso, em certos nichos musicais, como nota Júlio Medaglia em entrevista concedida para esta pesquisa, onde observa que o jazz era uma verdadeira febre entre

compositores como João Gilberto, Carlos Lyra, João Donato, Dorival Caymmi, Vinícius de Moraes e Tom Jobim.

De fato esses compositores não ignoravam que, semelhante ao samba, o jazz sofria a tensão entre a cultura africana e a cultura européia, o popular e o erudito. De resto, também estavam conscientes de que o jazz, já evoluído, havia se transformado na grande criação artística da América do Norte.

Em suma: se hoje admitimos que muitas são as semelhanças entre a música brasileira e a norte-americana, mesmo antes da Bossa Nova, naquela época, a crítica cultural voltou à Bossa algumas perguntas, que hoje consideramos datadas, sobre seu pertencimento nacional: é música brasileira ou americana? É alienação ou vanguarda? A Bossa Nova abriu, de forma massificada, as portas do país para o jazz, que influenciou nossa música e trouxe sua história, que em alguns momentos muito se parece com a do samba. Apesar disso, pouco se falou de sua trajetória em terras brasileiras. Carlos Calado (2007) em seu livro O Jazz como Espetáculo,

coloca bem a situação do jazz dentro do Brasil:

A história do jazz no Brasil ainda está por ser escrita. Mesmo sendo detectado já no início da década de 20, tanto através de transposição direta (isto é, temas originais norte-americanos executados por formações instrumentais semelhantes às desenvolvidas nos EUA) como por influências diversas em formas da música popular brasileira, o jazz jamais mereceu um estudo aprofundado que determinasse sua trajetória e participação no cenário musical brasileiro. (CALADO, 2007, p. 221).

Nessa sua apreciação, ele chega a mencionar certa xenofobia da crítica:

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musical ou mesmo os pesquisadores durante muito tempo. Ao invés de estudar a fundo essa importante influência, optava-se por denunciá-la como nociva e ponto final. (CALADO, Idem, ibidem).

Apesar da crítica aversiva que angariou, a Bossa Nova terminou sendo considerada como a nova música brasileira. Sua repercussão pelo mundo estimulou a criação artística brasileira e, desta maneira, as trocas culturais. Seu sucesso levou a música brasileira para além dos territórios do Brasil e foi graças a ela que a música nacional ganhou espaço no Carnegie Hall (1962) e, mais tarde, no Festival Internacional de Jazz de Montreux (1978). Vale notar, então, que, fazendo contraponto à corrente sociológica, atua a corrente dos semioticistas, da qual Augusto de Campos faz parte. E é ele, em seu Balanço da Bossa, que confirma a repercussão da Bossa Nova no

mundo: “após o êxito internacional e sua reversão ao mercado externo na qualidade de produto de exportação, a Bossa Nova passou de ’influência do jazz‘ a influenciadora do jazz – isso só aconteceu graças aos meios de comunicação e sua influência na universalidade do mundo” (Campos, 1968, p. 48). Considerando os festivais também como influenciadores do que Campos chamou de “universalidade do mundo”, visto que estimulam o encontro de diferentes culturas, parte da mídia brasileira cedeu cada vez mais espaço para uma crítica menos ortodoxa.

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do Anhembi, durante oito noites de apresentações, em que instrumentistas brasileiros dividiram o palco com grandes estrelas norte-americanas. Dois anos depois, em 1980, aconteceu a segunda edição deste mesmo festival. É a década de 80, então, que reforça a importância do Brasil no mercado dos festivais desse tipo. Em 1985 o Rock’n’Rio chama a atenção do mundo

para um festival de rock realizado aqui. Naquele mesmo ano, São Paulo e

Rio de Janeiro assistem ao Free Jazz.

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Capítulo 1 - A questão das linhas críticas em tensão, o nacional e o estrangeiro, o erudito e o popular, a vanguarda e o desenvolvimento

No início do século XX, o Brasil foi marcado por uma busca de sua identidade nacional. Busca, aliás, que ecoou por muito tempo no país, através das críticas referentes ao campo artístico-cultural, que teve seu início a partir da Semana de Arte Moderna, símbolo dessa busca por uma arte de expressão nacional. Vale referir, aqui, a precisão trazida por Liliana Bollos em sua tese de doutoramento, posteriormente transformada em livro: exatamente no mesmo ano da Semana, completava-se cem anos da independência política do Brasil. Havia nesta época, portanto, “uma necessidade de se definir o que era a cultura brasileira, o que era o “sentir brasileiro”, quais os seus modos de expressão próprios.” (BOLLOS, 2007, p. 49). Ainda de acordo com a autora, a semana de 1922 pode ser considerada como o “marco zero” da elaboração de um projeto modernista, em plano musical. Foi Mário de Andrade, um dos intelectuais mais importantes emergidos daquela semana, quem encabeçou este projeto musical modernista.

De fato, Mário de Andrade foi o grande idealizador dessa proposta, talvez porque, como nota José Miguel Wisnik, entendia a música popular como “a criação mais forte e a caracterização mais bela de nossa raça” (SQUEFF & WISNIK, 2004, p. 134). O projeto modernista proposto por Mário baseava-se na idéia de que a música no Brasil tinha esse poder de representar a sociedade brasileira. Para ele, a riqueza de apropriações, seleções e sínteses criativas que existiam na nossa música popular não deixava nada a dever para a cultura erudita (WISNIK, 2004, p. 147).

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função deste projeto para a música popular: “o seu programa aponta para uma música “artística” que encontre ao mesmo tempo uma nova função prática (a conquista da expressão nacional).” (SQUEFF & WISNIK, Idem, p. 144).

Daquela semana, dentre os muitos autores que despontaram, dois mentores destacam-se por encabeçarem duas vertentes que, embora diferentes em suas propostas, seguiam juntas na busca da construção de um novo caráter nacional para o Brasil. Mário de Andrade formula uma proposta voltada para a realidade brasileira, enquanto que Oswald de Andrade assoma com um cunho mais universalista, em que os estrangeirismos tem lugar, quando deglutidos e digeridos, de forma a gerar uma arte, ainda assim, brasileira. Dessa forma apresenta Liliana Bollos:

A Semana de Arte Moderna teve uma função, digamos, simbólica, importante na identidade cultural brasileira, pois dali saiu a vertente nacionalista, sob o comando de Mário de Andrade, que iria desempenhar o papel de administrar nossos valores e seus desdobramentos, mas também outra de cunho mais universalista, cujo objetivo era também a busca de uma brasilidade múltipla, tendo Oswald de Andrade como a figura principal dessa Antropofagia Cultural (BOLLOS, 2007, p. 49).

É importante notar que ambos buscavam uma identidade nacional, porém cada qual delimitando espaços diferentes para a busca de novos elementos para a criação artística. Oswald de Andrade, como nos aponta Leda Tenório da Motta, se mostra “mais disposto a nos ver mais como canibais do que bons selvagens” e aponta para “a preocupação em correlacionar a produção

nacional e a estrangeira, pondo tudo, altivamente, na conta do universal.” (MOTTA, 1998, p. 48). Leda resume as duas vertentes, então:

os homens de Mário, o “primo pobre” funcionário público, que trabalha como administrador cultural, e os discípulos de Oswald, o insuflador estético que é um dândi rico e “homem sem profissão””. (Idem, p. 50).

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nascimento de uma cultura popular urbana em favor da erudição do povo, tanto Mário quanto Heitor merecem um destaque especial, uma vez que, sob os olhos da crítica, percebemos de forma marcante a presença desse caráter dissonante na cultura brasileira, tão evitado na proposta da música nacionalista, como explica Wisnik:

Villa-Lobos porque se formou musicalmente no meio dos chorões seresteiros e sambistas do Rio de Janeiro no início do século, e a sua música, trabalhada pela sua formação erudita em processo de atualização modernista, nasce tangenciando a mesma fonte sócio-cultural de onde saiu a música popular urbana de mercado. (...)

Quanto a Mário, homem dividido entre um modo socrático–platônico e um modo dionisíaco-nietzscheano, embora apresente nos seus textos programáticos traços daquela resistência aos aspectos polimorfos da cultura popular (resistência subjacente ao paternalismo folclorista (...)), lança no Macunaíma o imaginário submerso do mundo indígena-rural como dado emergente no panorama da cidade, detonando um confronto vivo, polifônico, agônico-lancinante, que flagra as defasagens e sintonias inesperadas entre os vários tempos culturais de um país que vive (como encruzilhadas de destinos) num aglomerado de relações capitalistas e pré-capitalistas. (SQUEFF & WISNIK, Idem, p. 136-137).

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Através do rádio, não somente a difusão, mas sobretudo o maior incentivo à

criação musical: a disputa, a concorrência, a dificuldade de sobrevivência, o

inicio da profissionalização. Todos esses aspectos como faca de dois gumes:

a necessidade de expansão, de democratização cultural, e os equívocos da

comercialização, da deturpação rotineira. (BRITTO, 2009, p.131).

Diante deste novo cenário, a crítica nacionalista musical atua, então, de forma a discutir a entrada dessas culturas estrangeiras na nossa produção musical, facilitada pelos meios de comunicação, e prefere afastar os estrangeirismos, principalmente o norte-americano, tido como símbolo da indústria cultural, em favor da busca por um nacional que privilegia o Brasil com seu folclore mas, ao mesmo tempo, a grande arte com sua música erudita, provinda das instituições de influência européia. Neste ponto, nos debatemos com a primeira contradição dessa crítica de cunho nacionalista. Quem nos conta é Enio Squeff no livro: O Nacional e o Popular na Cultura Brasileira:

O que se condena na crítica da época modernista será sempre, sem dúvida, sua incompreensão em relação à música exarada da semana de 22; mas ela não foi menos alienada por ter discutido o problema do nacionalismo nos termos dos modelos europeus, uma síndrome que, aliás, se prolongará também à vanguarda (...). O Brasil visto através da Europa, eis aí um problema que nem um crítico lúcido como Mário de Andrade conseguiu evitar. (SQUEFF & WISNIK, 2004, p.122).

A proposta modernista parecia não contar com as mudanças impostas por uma nova era, ditada pela mídia e pela diversidade. Aceitava a assimilação da música erudita européia, mas negava a música popular procedente de outras culturas, como nos mostra Carlos Calado, em seu Jazz como Espetáculo,

quando nos aponta para um fato bem comum na crítica musical dos anos 1920, diagnosticando o sintoma daquele pensamento marioandradiano em boa parte da geração de críticos da época: “Ao gravar quatro discos, em 1929, a Orquestra Típica Pixinguinha-Donga era acusada pelo crítico da revista

PhonoArte, Cruz Cordeiro, de ter se aberto à influência nociva do jazz”

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Outro importante crítico que por muitos anos trabalhou de forma a afastar a presença da cultura norte-americana sobre nós foi José Ramos Tinhorão. Com toda sua aversão aos estrangeirismos, concluiu que após o fim da primeira guerra, um grande número de imigrantes europeus e asiáticos se juntou no centro-sul-sudeste brasileiro, transformando a população nacional, que se tornava mais aberta para as influências externas. Para Tinhorão, essa transformação pela qual a sociedade urbana passava, prejudicou o encontro do Brasil com o seu verdadeiro caráter nacional: “essa penetração das novidades americanas iria ser facilitada pela ausência de identidade nacional das novas camadas de classe média, que se formavam ao influxo das modernas condições econômicas” (TINHORÃO, 1998, p.251).

Por sua vez, José Miguel Wisnik nos esclarece, então, como se dava o pensamento ideológico presente na música modernista:

a plataforma ideológica do nacionalismo musical consistia justamente na tentativa de estabelecer um cordão sanitário – defensivo que separasse a boa música (resultante da aliança da tradição erudita nacionalista com o folclore) da má música (a popular urbana comercial e a erudita europeizante, quando esta quisesse passar por música brasileira, ou quando de vanguarda radical). (SQUEFF & WISNIK, Idem, p. 134).

O projeto nacionalista ganha mais força durante os anos de 1930, sob o governo de Getúlio Vargas, porém, como nos esclarece José Ramos Tinhorão na sua História Social da Música Brasileira, a proposta governamental, embora

fortalecesse a música nacionalista de Villa-Lobos, também abriu espaço para todo tipo de música nacional, inclusive à cultura popular emergente:

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nacional, a partir do Rio de Janeiro: o samba batucado. (TINHORÃO, 1998, p. 290).

Percebemos então que, em paralelo a este apoio do governo à música erudita modernista de Villa-Lobos (bem separada da popular por aquele cordão-sanitário de que fala Wisnik em citação anterior), dá-se também um apoio crescente a toda essa nova cultura popular de origem urbana que estava emergindo no Brasil através, principalmente, do samba. A modernidade capitalista e seus novos meios de comunicação de massa, expandiram as fronteiras dessa cultura emergente e invadiram todos os lares, quer através de programas radiofônicos, quer das indústrias e do mercado capitalista em expansão. O projeto modernista que se originou com uma proposta de música “nacional-eudito-popular”, em que o erudito bebia nas fontes populares do regionalismo nacional, precisou se rearticular diante da música popular urbana, que não tinha sido prevista por ele:

A intelectualidade nacionalista não pode entender essa dinâmica complexa que se abre com a emergência de uma cultura popular urbana que procede por apropriações polimorfas junto com o estabelecimento de um mercado musical onde o popular em transformação convive com dados da música internacional e do cotidiano citadino. Como vêem no popular distanciado um ethos platônico, acham que ele deve retornar de forma organizadamente pedagógica para desenvolver o caráter perdido pela cultura de massa. (SQUEFF & WISNIK, Idem, p.148).

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Durante o Estado Novo, o samba, que tradicionalmente sustentava a apologia da Boêmia e do ócio malandro, dialoga ambigüamente com o poder, aquiescendo muitas vezes no elogio da ordem e do trabalho. Ganhando nesta época o tom eloqüente do samba-exaltação, ele proclama o Brasil como usina do mundo, faiscante forja de aço do futuro, segundo um ethos heróico pouco comum em sua história. E é somente esse clima que torna passível de sentido essa pérola do pleonasmo e da tautologia, incrustada na Apoteose de Ari Barroso: entendido como uma enorme oficina que “trabalha cantando feliz”, esse coqueiro que dá coco é finalmente o Brasil. (SQUEFF & WISNIK, Idem, p. 190).

Percebemos, então, que a intenção governamental, pretendia, antes de tudo, se aproveitar da música, a fim de colaborar com a sua política nacionalista. Quem assim pensa é Tinhorão:

a música popular brasileira iria dominar o mercado durante todo o período de Getúlio Vargas – 1930-1945 -, em perfeita coincidência com a política econômica nacionalista de incentivo à produção brasileira e a ampliação do mercado interno (TINHORÃO, 1998, p. 299).

Fato foi que aquela proposta modernista de Mário de Andrade para a música nacional brasileira excluiu a crescente música popular urbana do contexto do caráter nacional. Mas o governo de Getúlio Vargas percebeu logo que poderia se utilizar dela para abraçar o povo e, com o domínio do rádio, atingiu toda a população que se identificou rapidamente com aquele samba de exaltação nacional. Afinal, aquela cultura da música erudita já estava muito distante da realidade do povo das cidades brasileiras e, embora o avanço capitalista tenha participado direta e indiretamente deste processo cultural urbano, pode-se considerar que muito da força criativa dessa música foi fundamental para demarcar sua entrada definitiva na cultura nacional. Assim, acredita Wisnik:

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samba (como na cena famosa de Terra em Transe) (SQUEFF & WISNIK, idem, p. 135).

Aqui, Wisnik já está naquela fervorosa década de 1960, quando essas idéias, até então incisivas, porém implosivas na música nacional-erudito-popular, se tornam decisivas e explosivas na música popular de então. Quando surge a Bossa Nova no Brasil, a demarcação dessas posições críticas fica mais evidente. E, embora Mário de Andrade tenha influenciado a formação de uma linha crítica purista dentro do universo da música popular brasileira, Jomard Muniz apresenta a Bossa Nova de forma a colocá-la bem próxima daquelas propostas modernistas, encarando a bossa não como música estrangeira devido à utilização de elementos do jazz, mas como uma música de caráter nacional brasileiro:

Bossa Nova, em seu desenvolvimento, reconstrói os passos da

modernidade lírica brasileira, a partir da Semana de Arte Moderna de São Paulo, 1922. Começamos ouvindo o lirismo da sen-si-bi-li-da-de, espontâneo, intimista, levemente irônico, que busca a poeticidade do cotidiano por meio de uma linguagem de queixa e desabafo. (...) Em relação a Bossa Nova, essas manifestações líricas partem do folclore, dos sentimentos e expressões populares, revelando não uma atitude de “regionalismo tradicionalista” mas assumindo a própria dinâmica social. (BRITTO, 2009, p.140-141).

A Bossa Nova inovou não só por incluir na música brasileira novos conceitos estéticos vinculados a um ritmo e a uma harmonia inusitados para a época, como também renovou ao romper com os excessos de décadas anteriores e quando expandiu – peço licença para usar um termo de Santuza Cambraia Naves – a “mulatisse brasileira”, ao utilizar tanto o erudito quanto o popular nas suas composições. A autora nos mostra que Tom Jobim e João Gilberto nos servem como metáfora para explicar como se deu esse encontro:

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Santuza explica ainda que a concisão, a objetividade e a racionalidade presentes na obra de João convergem com as propostas da poesia concreta de Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari nos anos 1950, que rompem com tradições associadas ao excesso ao se utilizarem de uma linguagem sintética bem próxima da publicitária. Já Tom Jobim, de formação erudita, recorre ao excesso “tanto sinfônico quanto coral” (Naves, 2001, p.19) para representar um Brasil exuberante e rico em seus elementos físicos e culturais. Trabalhou algumas vezes com Radamés Gnattali, incluindo na gravadora Continental onde faziam orquestrações para composições populares. A autora nos mostra que, dessa relação, Tom aprendeu a transitar entre os domínios do erudito e do popular, “operando tanto no registro da simplicidade quanto na estética do excesso” (NAVES, Idem, p.20), assim como fazia o mestre.

Tom se encantou pela Bossa e tanto ele quanto João contribuíram com a dose certa de erudito e popular na criação do novo estilo. “João Gilberto e Tom Jobim se complementavam, portanto, com suas contribuições específicas. João entrou com o ritmo, a batida Bossa Nova, e Tom, com a sua harmonia requintada.” (NAVES, Idem, p.20).

A Bossa Nova surgiu em perfeita harmonia, não só com a poesia concreta da época, como também com os anos otimistas e dinâmicos do governo JK e com a arquitetura moderna de Oscar Niemeyer. Mas neste momento, como nos aponta Liliana Bollos:

havia também um Brasil aparecendo diante do mundo, com o seu nacionalismo acentuado, que cobrava de seus artistas uma suposta fidelidade à Pátria, como se as influências a que éramos submetidos fossem possíveis de serem abolidas.” (Bollos, Op. cit., p. 129).

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(1956)” (BOLLOS, 2007, p.129). Jomar de Britto nos mostra em que ponto se deu a necessidade de volta dessa discussão:

Nossa situação-momento (a partir de 1955) enfatizava o problema do desenvolvimento; fazia-se uma análise de nosso processo de industrialização; exigia-se, quer de mãos dadas com a burguesia industrial ou não, autonomia nacional, luta contra o imperialismo, planejamento setorial e global (BRITTO, 2009, p.143).

Santuza, em outro texto publicado no livro Sobre Augusto de Campos, nos

revela como Augusto contrapõe as linhas críticas que se seguiram daí, a partir de Mário de Andrade e Oswald de Andrade, apontando:

é significativo o fato de os compositores que defendem o “tradicionalismo” se basearem em Mário de Andrade, que disse: “o artista que procura se expressar na arte universal corre o risco de, de repente, se surpreender fazendo arte de outra nacionalidade que não a sua” (1993:160). (...) Lembra que, no fundo, repugnava ao próprio Mário a “estreiteza do ideário nacionalista” (1993:160), e confirma o antinacionalismo e a proposta antropofágica de Oswald, que fundamentaria as posições de compositores inventivos, como Caetano Veloso. (SÜSSEKIND, Flora; GUIMARÃES, Júlio Castañon. Org., 2004, p. 249-250).

Conseguimos perceber, hoje, passada a euforia da invenção da Bossa Nova, o caráter artístico de nacional brasileiro conquistado por ela. Mas o que pretendemos esclarecer adiante é que, embora em pleno acordo com a estética concretista e a proposta moderna do governo de JK (vale lembrar, ambas as atitudes inovadoras, ainda não bem entendidas pela sociedade), a nova música brasileira que marcadamente começou em 1958, com a gravação da canção, chega de saudade (Tom e Vinícius), causou aversão à crítica,

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midiáticas, que facilitavam o intenso fluxo de outras culturas no Brasil, principalmente a norte-americana. Seria a forma de impor o seu imperialismo sobre nós. Vejam como colocou Tinhorão: “o predomínio do modelo americano (...), levou o plano dos costumes e do lazer urbano a um processo de americanização destinado a atribuir a tudo o que parecesse “regional" ou “nacional” o caráter de coisa ultrapassada” (TINHORÃO, 1998, p. 307). Para o autor, a mudança que acontecia na música não podia ser favorável para o Brasil, uma vez que, fruto do seu processo de industrialização, quando, para se modernizar, assumia a entrada de capital estrangeiro (aqui a dominação!) para a instalação de indústrias.

Tinhorão faz parte daquela crítica de cunho nacionalista, que Liliana Bollos chamou de nacionalista ortodoxa, uma vez que pretendia preservar os gêneros autênticos da música popular brasileira e não admitia influências estrangeiras na música nacional. Para o autor, esse processo de incorporação estrangeira cria não uma cultura popular urbana, mas a massa popular e a “subordinação do artístico ao comercial” (TINHORÃO, 1998, p.248) e que isso explicava:

não apenas a crescente transformação da música popular em fórmulas fabricadas para a venda (depois de obtida a massificação, basta produzir “o que o povo gosta”), mas a progressiva dominação do mercado brasileiro pela música importada dos grandes centros europeus e da America no Norte, sedes também das gravadoras internacionais e da moderna indústria de aparelhos eletrônicos e de instrumentos de alta tecnologia (TINHORÃO, 1998, p. 248).

Com a crescente presença da economia estrangeira no país, Tinhorão se munia de argumentos de cunho sociológico, para esclarecer sobre as desvantagens dessa presença estrangeira no Brasil, que caracterizou, para ele, a perda de nossa original identidade brasileira. Além disso, a proximidade da nossa música com o jazz trazia embutida a fórmula para a criação das massas urbanas, uma vez que ela era a “nova música de consumo norte-americana” (TINHORÃO, 1998, p.253). Aceitar essa música significava, então, um estado de dominação, de colonialismo cultural:

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caso de países de economia capitalista dependente – e entre eles o Brasil em estudo - a própria cultura dominante revela-se uma cultura dominada. (...) Esta cultura dominante não é sequer nacional, mas importada e, por isso mesmo, dominada. (TINHORÃO, 1998, p. 10).

Os nacionalistas preferem, então, se fechar contra o processo capitalista criador da indústria da cultura e do entretenimento, mantendo a devida distância entre o produto cultural e a grande arte brasileira. Pensamento, aliás, dominante no cenário crítico brasileiro, como apontou Liliana Bollos: “Em meio a tanta discussão, poucos foram os que debruçaram o suficiente sobre o assunto para inserir a Bossa Nova na história da nossa música popular, o que, evidentemente, ainda naquela data [1962] era difícil de perceber, uma vez que poucos tinham o discernimento de perceber o quanto aquela música já era representativa, ainda mais por ser reconhecida internacionalmente” (BOLLOS, 2007, p. 208). Esta linha, marcada pela suspeição, contrapõe-se, a partir de determinado momento, à corrente dos semioticistas, à qual pertence, enquanto musicólogo, Augusto de Campos. Esta corrente mantém uma postura otimista com relação à cultura de massa e, como nos conta Santuza Naves, “traz para a cena musical um referencial estético que rompe com o modernismo há muito instaurado, que se fundamentava em Mário de Andrade” (in. SÜSSEKIND, Flora; GUIMARÃES, Júlio Castañon. Org., 2004, p. 255). E ela continua: “o referencial estético mencionado é “moderno” e não mais modernista. “Moderno” no sentido construtivista do termo que pressupõe uma atitude universalista, cosmopolita, objetiva e funcional” (in. SÜSSEKIND, Flora; GUIMARÃES, Júlio Castañon. Org., 2004, p. 255). Campos, juntamente com os outros poetas concretos, incentivam a assimilação não somente da cultura nacional, como da estrangeira, contanto que se faça uma análise do elemento incorporado, de tal forma que não seja apenas uma aceitação de algo imposto a nós. E Santuza conclui:

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cultural para o Brasil. (in. SÜSSEKIND, Flora; GUIMARÃES, Júlio Castañon. Org., 2004, p. 255 - 256).

Percebemos assim, duas linhas fortes que divergem entre si. Na visão dos nacionalistas, o universal e o moderno nada mais eram do que uma cruel “realidade de dominação econômica” (TINHORÃO, 1998, p.13). Assim coloca Tinhorão:

ao envolver a idéia de modernidade e universalidade (quando se sabe que o que se chama de universal é o regional de alguém imposto para todo mundo), o som importado leva os consumidores nacionais ao desprezo pela música de seu próprio país, que passa então a ser julgada ultrapassada e pobre, por refletir naturalmente a realidade de seu subdesenvolvimento. (TINHORÃO, 1998, p. 13).

Nessa visão, aceitar a influência não levaria à construção de uma cultura nacional moderna, porém a um complexo de subdesenvolvimento que levaria a população

a uma progressiva perda ou desestruturação da identidade cultural, o que desemboca no ridículo de, ao procurarem tais consumidores colonizados apresentar-se como modernos, só conseguirem aparecer como estrangeiros dentro de seu próprio país. (TINHORÃO, 1998, p. 13).

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Campos ironiza os purismos dos que não aceitam a incorporação da cultura de massa e rompe com o nacionalismo musical, adotando uma posição universalista e antropofágica para a criação da nova música popular, uma vez que “torna bastante difícil, segundo ele, frear a entrada no país de informações advindas de várias partes do mundo.” (Idem, p. 253). E Naves conclui:

Na avaliação de Campos, esse processo teria ocorrido com o futebol brasileiro, com a poesia concreta e com a bossa-nova, que teriam deglutido as técnicas estrangeiras de maneira racional e criativa, resultando no desenvolvimento de novas tecnologias e produtos artísticos e culturais altamente exportáveis (Idem, Ibidem, p. 254).

Dessa forma, a música brasileira não se converteria em mero elemento exótico, quando vista por olhos estrangeiros, mas estaria atualizada e sintonizada com a produção moderna e urbana do Brasil e do mundo, assim como a proposta concretista propunha. Dessa forma, os artistas estariam encarando as influências como uma ação positiva sobre novas criações. Apresentado por Augusto de Campos no Balanço da Bossa, Brasil Rocha Brito, em 1960,

divulgou na página literária “Inversão” do Jornal O Correio Paulistano,

Não se trata de um regionalismo estreito, armado de preconceitos contra o que se possa adotar de culturas musicais estrangeiras. Segundo o conceito de bossa-nova, a revitalização dos característicos regionais de nosso populário se faz sem prejuízo da importação de procedimentos tomados a outras culturas musicais populares ou ainda à música erudita. É necessário, apenas, que da incorporação de recursos de outra procedência possa resultar uma integração, garantindo-se a individualidade das composições pela não-diluição dos elementos regionais. (CAMPOS, 1993, p. 24).

De todo modo, nem só o jazz influenciou a bossa-nova. Em um depoimento concedido à Santuza Cambraia Naves, para o livro Da bossa-nova à tropicália,

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ação benéfica para o amadurecimento da produção musical de um país e explica:

As polcas européias, quando chegaram ao Brasil com a corte portuguesa, sofreram influências de vários ritmos populares que estavam aqui se constituindo, por conta das diferentes culturas e raças que aqui estão se formando, transformando-se em maxixe e logo em choro. A mesma polca rumou para a América do Norte e lá, em contato com outros ritmos, converteu-se em ragtime. O swing, presente na canção americana e big bands da primeira metade do século XX, mais especificamente nos anos 1930, chegou ao Brasil e, em contato com ritmos daqui, inclusive com o samba, impôs uma estrutura formal própria da canção americana (estrutura com duas partes, 32 compassos), mas recebeu um novo ritmo, a canção-fox, ou samba-canção, que em contato com ritmos latinos converteu-se em samboleros. (BOLLOS, Op. cit., p 135).

Com esse ponto de vista, Liliana considera as influências não somente como parte do processo da criação musical, mas como “ascendências” necessárias para a criação da música. E aponta o jazz como mais uma dessas ascendências das quais a Bossa se utilizou.

No entanto, sendo as propostas concretistas muito novas, no âmbito da crítica musical brasileira, o novo estilou musical feito no Brasil se firmou pelo estigma que carrega, de ser influência do jazz, uma vez que aquela visão nacionalista marioandradida já estava a quase quarentas anos em voga no país. O jazz, por sua vez, também carrega o fardo de representante da política econômica capitalista-imperialista estadunidense. O estilo evoluiu sempre na companhia do rádio, ao lado da evolução capitalista e tecnológica, e rapidamente se proliferou pelos meios de comunicação e atingiu o mundo todo. No Brasil, como nos conta Tinhorão no seu livro Música popular: um tema em debate, havia um

grande interesse nos jovens brasileiros pelo estilo, mas isso se dava em conjunto com todos os outros produtos estrangeiros que nos eram impostos através do imperialismo americano:

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blusões de couro e calça blue-jeans e, no das diversões, o cultivo do Jazz e a realização de reuniões dançantes ao som dos blues que chegavam às centenas, mensalmente, como parte de um programa de reciprocidade falso e desfavorável para o Brasil. (TINHORÃO, 2001, p. 57).

Tinhorão resiste a essa influência estrangeira, por relacioná-la diretamente com a política de dominação-americana, que se difunde rapidamente pelos meios de comunicação. Ele também nos aponta que, com a eleição de Getúlio em 1951, e sua “pressa de promover uma “solução nacionalista” para a exploração do petróleo e sua insistência em beneficiar os minérios brasileiros para reduzir sua exportação in natura” (TINHORÃO, 1998, p. 308) colocou o governo em

choque com os interesses dos Estados Unidos. Isso teria levado a derrota das propostas presidenciais e ao seu suicídio em 1954, depois de assinar “um decreto que regulava a remessa de lucros e dividendos das empresas estrangeiras para o exterior” (TINHORÃO, 1998, p. 308). Dessa forma, Tinhorão delimita aquele momento em que a entrada da cultura estrangeira, principalmente a norte-americana, se deslancha no país. Com isso, adota uma postura que renega toda essa cultura exterior, justamente porque ela carrega toda a ideologia estrangeira, desfavorável para a formação da nossa cultura nacional.

Liliana Bollos nos aponta, então, para duas tendências presentes na recepção crítica da Bossa Nova, demarcadas mais fortemente na década de 1960, pelas duas primeiras publicações sobre o estilo: “Música popular: um tema em debate, de José Ramos Tinhorão, pelo que sabemos, de 1966, é o primeiro livro de críticas sobra a Bossa Nova que se tem notícia. Balanço da Bossa, de Augusto de Campos, é de 1968” (BOLLOS, Op. cit., p.240). E ela continua: “a primeira abraça uma postura nacionalista, embasada em estudos sociológicos, enquanto que a segunda defende a autonomia dos fenômenos artísticos e em contato com grupos de vanguarda” (BOLLOS, Op. cit., p.241).

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convergência do pensamento tanto de Adorno quanto de Tinhorão, quando o assunto é jazz. Adorno, em seu texto: O Fetichismo na Música e a Regressão da Audição, aponta também para o efeito massificante desta música:

A música, com todos os atributos do etéreo e do sublime que lhe são outorgados com liberdade, é utilizada sobretudo nos Estados Unidos, como instrumento para a propaganda comercial de mercadoria que é preciso comprar para poder ouvir música. [...] Todo o movimento do jazz, com a distribuição grátis das partituras às diversas orquestras, está orientado no sentido de a execução ser usada como instrumento de propaganda para a compra de discos e de reduções para piano. (ADORNO, 1996, p. 77 ).

Essa crítica renega, então, toda essa cultura nascente nas cidades, classificando todas elas como produto de massa. Augusto de Campos não nega a veracidade desse fator, mas aponta um caminho de inclusão:

A expansão dos movimentos internacionais se processa usualmente dos países mais desenvolvidos, para os menos desenvolvidos, o que significa que estes, o mais das vezes, são receptores de uma cultura de importação. Mas o processo pode se reverter, na medida mesma em que os países menos desenvolvidos consigam, antropofagicamente – como dirá Oswald de Andrade – deglutir a superior tecnologia dos supradesenvolvidos e devolver-lhes novos produtos acabados, condimentados por sua própria e diferente cultura. (CAMPOS, 1993, p. 60).

O musicólogo afirma que não basta recusar essa cultura emergente, propondo uma volta ao passado, ou uma atitude “saudosista”, porque a universalidade está cada vez mais presente na vida urbana mundial:

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E classifica a música estrangeira também como um elemento folclórico, porém das cidades, do contexto urbano: “a música estrangeira também popular, mas de outro folclore não artificial nem rebuscado, o “folclore urbano”, de todas as cidades, trabalhando por todas as tecnologias modernas e não envergonhando delas” (CAMPOS, 1993, p. 62). Augusto revitaliza a nova criação brasileira e justifica o seu êxito quando nos coloca no patamar de exportadores de produtos acabados e não apenas como exportadores de “matéria prima do primitivismo nacional, sob o fundamento derrotista de que “o povo” é incapaz de compreender e aceitar o que não seja quadrado e estereotipado” (CAMPOS, 1993, p.61). Assim ele coloca:

E foi justamente por não temer as influências e por ter tido a coragem de atualizar a nossa música com a assimilação das conquistas do jazz, até então a mais moderna música popular do Ocidente, que a bossa-nova deu a virada sensacional na música brasileira, fazendo com que ela passasse, logo mais, de influenciada a influenciadora do jazz, conseguindo que o Brasil passasse a exportar para o mundo produtos acabados e não mais matéria-prima musical (ritmos exóticos), “macumba para turistas”, segundo a expressão de Oswald de Andrade. (Idem, p. 143).

O concerto de músicos brasileiros no Carnegie Hall em 1962; a presença de músicos brasileiros em bandas de jazz norte americanas (como o caso do percussionista Airto Moreira que gravou com Miles Davis em Bitches Brew de 1968); o encontro de Tom Jobim com Frank Sinatra em 1967 para gravar o álbum: "Francis Albert Sinatra e Antônio Carlos Jobim"; dentre muitos outros exemplos, corroboram a afirmativa de Campos.

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Tinhorão mantém sua posição, por pensar que as diferenças de classe continuam demarcando a existência de uma cultura nacional oposta àquela dita moderna:

Já chegando aos meados da década de 1970, os compositores e o público continuavam procurando um novo denominador musical comum, enquanto incorporava sem cessar aqueles novos dados que a cultura de massa seguia atirando diariamente ao mercado consumidor sob a forma de bossas, ondas, modas e tendências de vanguarda.

E isso enquanto o povo, tranquilo na sua permanente unidade cultural, estabelecida pelo semi-alfabetismo, e social, determinada pela pobreza e falta de perspectivas de ascensão, continuava a criar e a cantar alegremente os seus sambas de carnaval, malhando no bumbo em seu vigoroso compasso 2/4. (TINHORÃO, Op. cit., p. 235).

De todo modo, o jazz, enquanto estilo, só vai se tornar notícia de forma mais massificada e, desta forma, se abrir irreversivelmente para o contato com outras formas musicais, com o advento dos festivais de música. Já havia no Brasil, desde a década de 60, a tradição de tais festivais, mas até então eram festivais de caráter competitivo. Em 1978, no entanto, acontece o Primeiro Festival Internacional de Jazz de São Paulo, com o objetivo de estimular as trocas culturais e a revitalização de artistas já consagrados pela mídia mundial. Em 1985 acontece o Rock’n’Rio, festival internacional de rock realizado aqui no

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Capítulo 2 – A História do Free Jazz

A história do Free Jazz começa em outro festival que já se produzia nos Estados Unidos, chamado Kool Jazz Festival. Duas irmãs, Monique e Sylvia, e um terceiro produtor e amigo, Paulo Albuquerque, em meados de 1984, assistiram a diversos shows de jazz e arrepiaram-se ao som de Wynton Marsalis e Bobby McFerrin. Tanto que se puseram a pensar sobre como apresentá-los aos brasileiros, sem ter que esperar vinte anos para isso. O fluxo de músicos estrangeiros no Brasil, embora existisse, era ainda silencioso. Não mudo, pois já haviam ocorridos dois grandes festivais de jazz em São Paulo, em 1978 e 1980, patrocinados pela Secretaria de Cultura do estado em parceria com o Festival de Montreux, na Suíça. Mas eram eventos caros e difíceis de manter. E, embora shows de música importada ocorressem, não duravam mais do que poucos dias na mídia, de forma a diminuir o impacto da discussão no país. Pois bem, Monique Gardenberg descobriu como apresentar as grandes estrelas midiáticas do jazz para um Brasil ainda ingênuo na recepção da música estrangeira.

Durante sua viagem, Monique percebeu que, colocando junto novas descobertas jazzísticas com músicos mais conhecidos do grande público brasileiro, poderia obter a presença de ouvintes necessária para produzir um festival. Ela, que começou sua carreira como produtora do Djavan, nos meses seguintes após o Kool Jazz Festival, fechou contrato com diversos músicos para shows no Brasil em julho de 1985. Na lista estavam: o guitarrista Joe Pass, o gaitista Toots Thielemans, o guitarrista Pat Metheny, o saxofonista Sonny Rollins, o trompetista Chet Baker, entre outros. Foi uma atitude corajosa, talvez fruto da energia dos vinte e poucos anos, visto que as irmãs não tinham ainda um patrocinador para o evento. Talvez porque o jazz no Brasil seja encarado como música instrumental, a idéia inicial para o nome do evento era: Festival Internacional de Música Instrumental.

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patrocínio. A empresa topou, mas não aceitou o curto prazo que precedia o evento (propôs para Outubro), nem a curta duração do patrocínio, propondo um investimento de cinco anos para o projeto. Também não aceitou o nome inicial do festival, e exigiu a presença do evento na capital paulista, uma vez que a proposta inicial englobava apenas o Rio de Janeiro. Das quatro exigências, a única que não poderia mudar era a primeira, uma vez que os contratos dos músicos já estavam assinados e com data marcada. Uma semana depois da primeira negociação, no entanto, a empresa aceitou fazer o festival no início de agosto, mudaram o nome para Free Jazz (de forma a aproximar o estilo jazzístico da marca de cigarros Free) e incluíram São Paulo no roteiro do Free Jazz Festival.

1985

Talvez por isso a parte paulista do 1º Free Jazz tenha se sentido prejudicada em relação ao Rio. Nesta época, os jornais paulistas, Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, costumavam enviar correspondentes de seus jornais

para o Rio, de forma a conseguir, em primeira mão, as críticas dos shows. Garantiam assim a corrida contra o tempo, grande objetivo da mídia contemporânea. Mas neste ano, de fato, o Rio foi privilegiado com workshops

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uma vez que neste ano o único cantor do evento era Bobby McFerrin que, embora com dois LPs gravados, “Bobby McFerrin” de 1982 e “The Voice” gravado ao vivo na Alemanha em 1984, nenhum deles existia ainda no Brasil. César Castanho, diretor de produção do evento disse, no entanto, que o problema de público do festival se deu devido às férias escolares que impediram um bom público de estudantes com alto poder aquisitivo a comparecer ao evento. Ainda assim, o primeiro Free Jazz chegou cheio de novidades musicais para os brasileiros. Privilegiando os músicos instrumentistas, trouxe para a capital paulista 12 atrações nacionais e internacionais, que tocaram no Anhembi e no Palace de 2 a 6 de agosto de 1985. O quadro da programação ficou assim:

Data Local Atrações

02.08.1985 – Sexta-feira Anhembi

Bobby McFerrin

Gilson Peranzzetta/ Ricardo Pontes Joe Pass

Egberto Gismonti

03.08.1985 – Sábado Anhembi

Zimbo Trio Joe Pass Grupo D’Alma Toots Thielemans Sivica

04.08.1985 – Domingo Anhembi

Pau Brasil

Toots Thielmans Bobby McFerrin Toninho Horta 05.08.1985 – Segunda-feira Palace Pat Metheny 06.08.1985 – Terça-feira Palace Pat Metheny

(39)

consciência da respiração exata e afinação impecável, surpreendeu a todos os críticos neste ano, de forma unanime. Ele foi, sem dúvida, a grande estrela neste 1º Free Jazz Paulistano.

Joe Pass também entrou para a lista dos melhores. Não era exatamente um estreante como McFerrin, mas passou alguns anos em relativa obscuridade devido ao excesso no uso de drogas. Antes, porém, chegou a se apresentar com Dizzy Gilespie e Charlie Parker, com Coleman Hawkins e também com Art Tatum, o que lhe rendeu um currículo jazzístico para ninguém botar defeito. Em 1973, com o pianista Oscar Peterson e o contrabaixista dinamarquês Niels Pedersen, Pass gravou o LP The Trio, que rendeu o Grammy de Melhor

Performance de Jazz por um grupo, em 1975. Quando veio para o Free Jazz, portanto, já era uma das grandes estrelas do jazz.

O guitarrista tocou standards do jazz como Summertime, músicas de sua

autoria como Blues in G, e até músicas brasileiras como Tarde, de Milton

Nascimento e Aquilo que eu Sei, de Ivan Lins. Zuza Homem de Mello aprovou

o repertório fino do guitarrista e disse que o músico trouxe a tônica do bom gosto para o festival. Aprovado pelo público: “Sua delicadeza no tratamento à guitarra elétrica é tal que se tem a impressão de estar ouvindo um violão acústico. Joe Pass prefere ir, no máximo, a um mezzo forte, mesmo quando a satisfação dos aplausos espontâneos ocorridos em seu solo do Blues em Sol o

deixa empolgado.” (MELLO, Zuza Homem de. "Anhembi sob o domínio do bom gosto". In: Estado de São Paulo. Caderno de Cultura. 06/08/1985). Seu show foi tão emocionante que um fotógrafo que estava cobrindo o evento, chegou a deixar a máquina na boca do palco para aplaudir.

Toots Thielemans tampouco era um completo desconhecido no Brasil. Já havia participado de um dos Festivais de Jazz de São Paulo, além de ter gravado com Elis Regina o disco “Aquarela do Brasil”, lançado em 1969. Em entrevista para a Folha declarou, ao falar sobre ele e Joe Pass: “só tocamos o que

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05/08/1985). Nesse clima emocionante, Fred Hersh, ao piano; Marc Johnson no contrabaixo e Joey Baron na bateria; aqueceram o palco para o gaitista belga entrar. Quando a platéia já estava enfeitiçada ele apareceu tocando poucas notas, como num clima de blues. Com um show bem construído e

conciso, o grupo foi contagiante, principalmente nos improvisos onde os músicos dialogavam de uma forma que Toots chamou de “conversa a quatro”. No repertório, Velas Içadas de Ivan Lins, Blues in Green, em homenagem a

Elis Regina e a Bill Evans; Palavras, da pianista brasileira Eliane Elias; Days of Wine and Roses; um standard de Miles Davis, All Blue; além de seu carro

chefe, Bluesette. Sucesso absoluto de crítica, principalmente quando junto com

Sivuca, tocaram Vai Passar, de Chico Buarque e Luz do Sol, de Caetano

Veloso. O show foi tão empolgante que um afoito gaitero, Aloisio Becker, subiu ao palco para tocar no microfone de Sivuca, mas foi arrancado dali pela segurança da casa de espetáculos. Sivuca, radiante, mandou o seu recado para as gravadoras: “O som da harmônica foi feito para tocar Luz do Sol. E

embora as gravadoras prefiram tocar rock, vão reconhecer que isso aqui virou

festa.” (COURI, Norma. "Três noites mágicas no Anhembi". In: Folha de São Paulo. Caderno de Cultura. 05/08/1985).

Pat Metheny era o mais novo da turma neste Free Jazz. Com apenas 30 anos, já havia gravado 12 LPs e conquistado três prêmios Grammy, além de estar na lista dos mais vendidos pela revista Billboard, neste ano. Já havia se

apresentado no Brasil, em 1980, no Rio Monterey Festival, possuía alguns de seus discos disponíveis no mercado nacional e tocara com Naná Vasconcelos por dois anos. Era, portanto, a grande revelação da nova geração influenciada pelo jazz. Como ele mesmo disse, nasceu em meio à parafernália eletrônica e descobriu a guitarra colocando uma tomada no interruptor. Natural, então, que seu som passeasse por outras dimensões musicais que iam desde o jazz, passando pelo rock, até a utilização de sintetizadores. Para tanto, trouxe 3,5

toneladas de bagagem para o Free Jazz. Com duas noites exclusivas para ele e sua banda, fizeram dois shows de mais ou menos três horas de duração, apresentando um fusion que a crítica, diante de tantos prêmios e discos,

(41)

“Encontros e Despedidas” de Milton Nascimento, por quem o músico tem enorme admiração.

É interessante notar que, sendo, excepcionalmente, maioria neste primeiro Free Jazz Paulista, os músicos brasileiros foram os mais atacados pela mídia. Com exceção do grupo Pau Brasil, que mereceu destaque por sua releitura de

Bye Bye Brasil de Chico Buarque, além de ser considerado por João Marcos

Coelho, crítico da Folha, como referência entre os músicos brasileiros. Bem à

vontade no palco, o grupo apresentou uma mistura de baião com blues,

chamada “Baionete”. Segundo Sion, saxofonista do grupo, a descoberta foi feita no Rio Grande do Norte quando, na segunda guerra, nordestinos e americanos se encontraram numa base militar instalada por lá. O Grupo D’Alma, recém-chegado de uma turnê no Canadá, onde se apresentou nos festivais de jazz de Montreal, Quebec e Otawa, mostrou um show mais maduro na opinião de Zuza Homem de Melo. Ainda assim, João Marcos Coelho chegou a colocá-los na sua lista dos piores do festival, dizendo que o grupo foi vítima de seu produtor, que não providenciou um bom esquema de palco para eles. O pianista Gilson Peranzzetta ao lado do saxofonista e flautista Ricardo Pontes, também dividiu a crítica do evento. Enquanto para a crítica do Estadão,

Ana Maria Ciccacio, foi um show impecável, com um repertório que os brasileiros já estão habituados diante desses músicos, para João Marcos Coelho, crítico da Folha, o show de Gilson e Ricardo murchou a platéia depois

de Bobby McFerrin. Com o Zimbo Trio parece ter acontecido o mesmo. Embora elogiado, principalmente pela versão de Palco de Gilberto Gil, que segundo

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Sivuca foi quem encerrou a segunda noite do festival, sem muito sucesso de crítica. Ao que tudo indica, sua banda era muito grande, com músicos inferiores ao que se esperava, embora Norma Couri, também da Folha, tenha

classificado como um show perfeito. Foi salvo, no entanto, ao dividir o palco com Toots Thielemans, com quem, neste ano, gravou no Rio de Janeiro o disco “Chico’s Bar”, que seria mixado na Suécia. Até João Marcos Coelho, que incluiu Sivuca entre os piores do festival, teve que se render a beleza do encontro, que chamou de simpática parceria.

Os shows de Egberto Gismonti e Toninho Horta, no entanto, foram bem menos elogiados. O primeiro por incluir diversos aparelhos eletrônicos em sua apresentação, de acordo com Zuza Homem de Mello, se perdeu no meio de tanta parafernália de sintetizadores. Teve uma única parte do show elogiada: quando tocou Bachianas Brasileiras n° 5 de Villa Lobos. Talvez tenha

agradado, porque o músico começou acompanhado somente do piano, para depois entrar com os sintetizadores, ou talvez tenha sido uma homenagem mais que procedente, como colocou Ana Maria Ciccacio. Já Toninho Horta foi quem fechou a terceira noite do festival. Erro grave, segundo João Marcos Coelho: “Encerrar com grupos brasileiros – por melhores que sejam – é convidar a platéia a ir embora.” (COELHO, João Marcos. "Abaixo das expectativas". In: Folha de São Paulo. Caderno de Cultura. 06/08/1985). Começou sua apresentação com a música Gershwin, mas não convenceu a

crítica em nenhum momento do show. Chegou a ser publicado na Folha, no dia

13 de Agosto, que faltou ensaio para o músico e sua banda. Ficou na lista dos piores, para João Marcos Coelho: “e de homenagem em homenagem e desencontros lamentáveis, sem arranjos pré-estabelecidos (guitarra, flauta e flugelhorn tocando em uníssono), foi trôpego até um final infinitamente tedioso.” (COELHO, João Marcos. "Abaixo das expectativas". In: Folha de São Paulo. Caderno de Cultura. 06/08/1985). Foi a única dissonância do festival, na opinião de Ana Maria Ciccacio. Para ela, não foi surpresa perceber que o público começou a deixar o Anhembi, antes do fim da apresentação.

1986

(43)

correntes musicais que o festival abraçava, como no caso do saxofonista David Sanborn e do guitarrista Larry Carlton, que iam além do jazz, ao incorporar elementos do pop e do rock em suas músicas. Paralelo a isso, o crescimento

do público foi notável. Três das cinco noites tiveram ingressos esgotados mais de uma semana antes de seu início na capital paulista, no dia 27 de agosto de 1986. Duas dentre as noites contavam com Ray Charles na programação. Como já era conhecidíssimo por aqui, devido a três outras vindas ao Brasil, torna-se fácil associar sua presença à venda notável de ingressos.

A questão sobre os purismos já começa antes mesmo do festival, quando Matinas Suzuki Jr., na matéria: “Festival para saciar ouvidos com apetite de jazz internacional”, publica na primeira página da Ilustrada no dia de abertura

do evento:

“O jazz não é mais o mesmo. Anos de convulsão e interferência, além do uso indiscriminado da etiqueta, levaram a uma ampliação tão abrangente do conceito de jazz que, nas suas fronteiras mais generosas, abriga fenômenos musicais inclusive antagônicos. Os festivais de jazz tornaram-se uma das instâncias que permitiram a desterritorialização deste tipo de existencialismo musical, os promotores do esvaziamento da idéia original. Para encher sua programação, do Newport a Montreaux, vale Dizzie Gillespie até Elba Ramalho. “All is jazz”, nada é jazz.” (SUZUKI JR, Matinas. “Festival para saciar ouvidos com apetite de jazz internacional”. In: Folha de São Paulo. Ilustrada. 27/08/1986, pág. 1).

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