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UMA REALIDADE EM PRETO E BRANCO: AS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC SÃO PAULO

Carla da Silva

UMA REALIDADE EM PRETO E BRANCO: AS MULHERES

VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC SÃO PAULO

Carla da Silva

UMA REALIDADE EM PRETO E BRANCO: AS MULHERES

VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de

MESTRE em Serviço Social sob orientação da Profª Doutora Maria Lucia Rodrigues

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Banca Examinadora

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A meus pais Alicia e Carlos, pela luta, incentivo e pela coragem de enfrentar tudo e todos em prol da minha felicidade;

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela minha vida e aos meus intercessores São Lucas e Nossa Senhora por essa conquista.

Agradeço a todos que me ajudaram durante o percurso dessa dissertação, cada um na sua maneira.

À minha grande amiga Lúcia, que acreditou em mim, incentivando e apoiando nos momentos críticos e alegres. Não seria possível chegar até aqui sem a ajuda dessa anja em minha vida.

À Professora Drª Mirian Faury, amiga dedicada, por incentivar, acreditar e conduzir-me desde a graduação até o mestrado, colaborando com sugestões, e norteando a elaboração desse trabalho.

À Orientadora, Professora Drª Maria Lucia Rodrigues, que aceitou o desafio de orientar esse trabalho, sempre paciente, atenciosa e carinhosa. Sua presença foi de suma importância na concretização desse estudo.

À Professora Drª Maria Lucia Martinelli, pelo carinho e pelas valorosas contribuições apontadas no exame de qualificação.

Aos Professores da PUC SP: Evaldo Vieira, Carmelita Yasbek, Maria Lucia

Carvalho e às Professoras do Programa de Doutorado em Ciências Sociais –

UNICAMP: Guita Grin Debert e Regina Facchini, pela contribuição ao tema escolhido.

Aos colegas da Pós Graduação, em especial: Mara, Anemarie, Flavia, Kleber, Leniter, Janice, Thais, Roberta, Sandra, os participantes do Núcleo de Ensino e

Questões Metodológicas do Serviço Social – NEMESS, e Vânia – Secretária da Pós,

pelo incentivo constante e pela ajuda nos diversos momentos dessa jornada.

Às minhas amigas: Andresa, Lucilene, Fabiana, Dulce, Hildete; da ONG SOS: Flávia, Shirley, Neusa, Lucélia, Thais, pelo carinho, incentivo, ajuda e o colo oferecido nos momentos difíceis e alegres.

Aos amigos da Casa da Criança: Anélio, Eduardo, Narciso, Dulce, Marco, Wilson, todos os membros da diretoria que acreditaram em mim e, além disso, mostraram-me que seria possível lutar por esse sonho.

Às colegas do CEAMO em especial á Marisa, Juliana, Marnen e

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À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, pela oportunidade oferecida.

Ao CNPq, pela concessão da bolsa para esse estudo.

Às grandes guerreiras, mulheres que venceram a violência e me ajudaram a entender esse universo de amor e ódio, especialmente as participantes dessa pesquisa, que compartilharam suas histórias, seus choros e suas conquistas.

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Acolhimento

Vem, me dá tua mão. Aceita meu colo, isso, podes encostar a cabeça em meu ombro... um abraço forte pode ajudar a te confortar. Ofereço meu consolo. Tens que seguir sozinha pelo caminho que escolhas... mas posso te servir de companhia, quando tua boca estiver seca de sede, ou teus olhos pedirem para dormir... Não deixo de sentir tua dor, mas a intenção é que eu te seja um bom apoio. Recorda de mim nas horas mais difíceis, mas não deixes de comemorar comigo teus bons momentos, também. E fala de ti. Aqui estou para ouvir-te. Também te oriento os caminhos que tens a seguir... de modo algum sou a dona de tua escolha. Não julgo nenhum de teus atos.Te respeito como ser humano, como forte mulher. Em nossos encontros, importa a tua vida. Teus erros, teus acertos, tua ânsia por viver. Minha própria vida vivo eu mesma, lá fora. Aqui, tu és o centro de toda a atenção. Assim como minhas palavras te seguem, tenha certeza que as tuas me seguirão. E tu me enriquecerás mais que eu a mim mesma, visto que em tua dor compartilho teu crescimento. Sê forte. Aperta-te em tua coragem. Em ti confio, pois tua vontade é de crescer. Nesse acolhimento, me disponho a te suportar, até que andes por tuas próprias pernas. Até que cresças, e te conheças vencedora. Vem, me dá tua mão. Aproveita a chance da escuta, fortaleça-te conhecendo a ti própria. E, em breve, voarás livre feito um sonho de flores em campo de sol. É um prazer poder te ouvir.

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RESUMO

Uma realidade em preto e branco: as mulheres vítimas de violência doméstica, tem por objetivo analisar e compreender a repercussão das ações desenvolvidas nos serviços de atenção ONG SOS Ação Mulher e Família e Centro de Referência e

Apoio à Mulher – CEAMO, na dinâmica de vida da mulher vítima de violência

doméstica. Pelos capítulos, traçou-se um breve histórico sobre a história das

mulheres na sociedade patriarcal, foram delineados conceitos e a questão da violência doméstica contra a mulher, e descreveu-se a dinâmica das instituições estudas e suas intervenções junto às mulheres vítimas de violência. A metodologia utilizada foi a pesquisa qualitativa, por meio do grupo de reflexão e entrevista individual, sendo dividida por etapas: a primeira etapa da pesquisa foi composta por um grupo de reflexão com cinco mulheres ex-usuárias do SOS e quatro entrevistas individuais com mulheres ex-usuárias do CEAMO; na segunda etapa realizou-se um grupo de reflexão com quatro profissionais de diversas áreas do conhecimento, técnicas da ONG SOS e do CEAMO; na terceira etapa foram analisados os dados. Os resultados apontaram que as intervenções executadas pelas profissionais dos serviços de atenção, pautadas no acolhimento, na escuta qualificada, no respeito ao tempo emocional de cada mulher e no empoderamento, repercutiram positivamente na dinâmica de vida das mulheres, transformando suas realidades e contribuindo

para o rompimento do ciclo da violência. Constatou-se que as profissionais das duas

instituições estudadas efetuam o trabalho com presteza, com suas iniciativas impactando diretamente na desconstrução da cultura machista, cumprindo, assim, o objetivo dos serviços de atenção em tratar, amenizar e coibir a violência contra a mulher. Evidenciou-se também, que a questão do tempo em conciliar o emocional das vítimas, a urgência da ação e o emocional das técnicas em relação à espera das atitudes a serem tomadas pelas usuárias, tem um rebatimento na dinâmica dessas profissionais, gerando sentimentos de angústia e preocupação.

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ABSTRACT

A reality in black and white: women victims of domestic violence, aims to analyze and understand the impact of actions undertaken in the care services ONG SOS Ação

Mulher e Família e Centro de Referência e Apoio à Mulher – CEAMO, in life

dynamics for women experiencing domestic violence. By chapters, it was drew up a brief historical about the history of women in patriarchal society, the concepts were delineated, as well the issue of domestic violence against women; it was described the dynamics of institutions and studied their interventions with women victims of violence. The methodology used was qualitative research through focus group and individual interviews, which were divided in stages: the first stage of the research consisted of a focus group with five women ex-users of SOS and four individual interviews with women ex-users of CEAMO; in the second step was conducted a focus group with four professionals from different fields of knowledge, techniques of NGO SOS and CEAMO; in the third step, data was analyzed. The results showed that interventions implemented by professionals of those care services, guided by welcoming, listen carefully, with respect to the emotional time of each woman and empowerment, reflected positively on the dynamics of women's lives, transforming their realities and contributing to break the cycle of violence. It was found that the professionals of the two studied institutions perform their job with promptitude, with their initiatives impacting directly on the deconstruction of macho culture, fulfilling, this way, the goal of care services in treat, mitigate and halt the violence against women. It also remains evident that the issue of time to reconcile the emotional of victims, the urgency of action and the emotional of techniques in relation to expected attitudes to be taken by users, has a bounce in the dynamics of these professionals, creating feelings of anxiety and concern.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 13

CAPÍTULO 1 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: UMA REALIDADE EM PRETO E BRANCO... 18

1.1. Uma construção desigual entre homens e mulheres... 18

1.2. Contextualizando a violência contra a mulher... 25

1.3. Questão social e as marcas da violência doméstica ... 33

CAPÍTULO 2 CONTEXTO DOS SERVIÇOS DE ATENÇÃO SOS E CEAMO... 39 2.1. Breve história do movimento feminista em Campinas... 39

2.2. A dinâmica das instituições... 41

2.3. O papel das profissionais do serviço de atenção... 49

CAPÍTULO 3 PROCEDIMENTOS E CAMINHOS DA PESQUISA... 58

3.1. Método de pesquisa... 59

3.2. Campo de investigação... 61

3.3. Critérios para seleção... 62

3.4. Contexto das entrevistas e dos grupos... 63

3.5. Caracterização dos sujeitos... 64

CAPÍTULO 4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ... 68

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4.2. Análise do grupo de reflexão da ONG SOS Ação Mulher e

Família... 84

4.3. Análise das entrevistas com as mulheres atendidas pelo CEAMO... 95

4.4. Análise do grupo de reflexão com as profissionais dos serviços de atenção de Campinas SOS e CEAMO... 110

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 127

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA... 133

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LISTA DE SIGLAS

CAISM Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher CEAMO Centro de Referência e Apoio à Mulher

CRAS Centro de Referência de assistência Soc

CREAS Centro de Referência Especializado da Assistência Social DDM Delegacia de Defesa da Mulher

FEM Fórum Econômico Mundial

OG Organização Governa

ONG Organização Não-Governamental ONU Organização das Nações Un

OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse público PNAS Política Nacional de Assistência Social

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INTRODUÇÃO

Mas que fim levamos nós? É tudo estranho... Te quis como companheiro, amigo, pai de meus filhos... lembra-se de mim ou de nosso amor? Não te sinto mais o mesmo... Será que realmente você é outro que não o homem que escolhi? Será mesmo que é mentira a história sobre os príncipes encantados? Onde, afinal, está você? E eu? Onde foi que perdi o meu eu próprio? (Lúcia Helena Octaviano)

Infelizmente, ouvimos, lemos, presenciamos, conhecemos episódios de violência, onde o território do crime não é somente ruas, favelas, trincheiras, mas

sim lugares, tidos como “sagrados”, protetores, privados e amorosos. Lares que se

tornaram palco de cenas de agressões físicas, psicológicas, abusos sexuais, opressão e assassinato. O que torna diferente dos das ruas, é que estes crimes são cometidos entre pessoas conhecidas e com laços de afetividade, ou seja, pais contra filhos, filhos contra pais, maridos contra esposas.

Os lares se tornaram campo de batalhas, onde na maioria das vezes a violência é cometida contra a mulher.

Entende-se por violência doméstica contra a mulher a manifestação das relações de poder historicamente desiguais estabelecidas entre homens e mulheres, oriundas da ordem patriarcal. Arraigadas em nossa sociedade que perpetua a situação de ignorância e inferioridade da mulher como sendo um atributo natural, inerente a um papel social a ser desempenhado.

A violência doméstica contra mulher1 se tornou um grave problema de saúde

pública e social, que persiste em pleno século XXI e merece total atenção, visto que apresenta uma frequência elevada, acarretando graves consequências para a

1 Em razão da variedade de nomeações relacionadas à violência contra a mulher, neste estudo será

adotada a expressão “violência doméstica contra a mulher”, tomando como elemento que a

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vítima, família, comunidade e para a economia do país, no que tange aos gastos com serviços de saúde e com assistência social.

Para se ter uma idéia da expansão dessa realidade, na América Latina a violência doméstica contra a mulher incide sobre 25% a 50% das mulheres, e os

custos com a violência doméstica são da ordem de 168 bilhões de dólares2.

No Brasil, cada 15 segundos uma mulher é violentada (PESQUISA PERSEU

ABRAMO, 2001), sendo que 70% dos crimes contra a mulher acontecem dentro de casa e o agressor é o próprio marido ou companheiro, sendo que 40% das violências resultam em lesões corporais graves decorrentes de socos, tapas, chutes,

queimaduras, espancamentos e estrangulamentos, impactando diretamente na

economia de aproximadamente 10,5% do PIB (Produto Interno Bruto); custos esses provenientes do sistema de saúde geral e da mulher, polícia, Poder Judiciário e órgãos de atenção e apoio à mulher que estão espalhados em todo o território brasileiro.

No estado de São Paulo, 29% das mulheres que já tiveram relações íntimas com homens afirmaram que já foram vítimas de agressões físicas ou sexuais

cometidas por um parceiro3.

No interior do estado de São Paulo, em especifico na cidade de Campinas, uma metrópole com cerca um milhão de habitantes, os índices de violência contra mulher estão em elevação. Segundo os dados da Delegacia de Defesa da Mulher - DDM, em 2008 foram registradas 4.162 ocorrências de violência contra mulheres, contra 6.173 em 2009. Isso significa um aumento de 48% de ocorrências registradas através de Boletins de Ocorrência na DDM.

A partir desses dados, podemos observar o quanto a violência é uma questão que ocorre independentemente do desenvolvido econômico ou social de uma nação, estado ou município.

A violência presente nas relações de gênero é um sério problema de saúde para as mulheres em todo o mundo. Para se ter como exemplo, a violência doméstica e o estupro são considerados a sexta causa de anos de vida perdidos por morte ou incapacidade física em mulheres de 15 a 44 anos –- mais que todos os tipos de câncer, acidentes de trânsito e guerras. Assim, o reflexo desse problema é nitidamente percebido no âmbito dos serviços de saúde, seja pelos

2 Pesquisa realizada pela data SUS e publicado pela Conferência Nacional de Saúde On Line, intitulado: A violência contra a mulher é também uma questão de saúde pública;

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custos que representam, seja pela complexidade do atendimento que demanda (HEISE, 1995).

Trata-se de números que alarmam, chocam, ocasionando dor e sofrimento à vítima e à sociedade. Todavia, esse pode ser um grito de socorro positivo, que mobilize planejamento e ações, oriundos das organizações públicas e privadas (ONG, OSCIP, movimentos sociais) na busca de soluções viáveis para sanar os problemas decorrentes desta situação. Sem dúvida, exige ações em conjunto e condizentes com a realidade, voltadas tanto para a prevenção quanto para a atenção, com objetivo único da coibição e erradicação da violência.

O combate à violência contra a mulher começou a ter visibilidade por meio das manifestações e reivindicações do movimento feminista, iniciado na década de 70. Com a demora do Estado, as feministas brasileiras organizaram-se e criaram os SOS, tendo como objetivo oferecer à vítima-mulher um espaço de proteção, orientação e reflexão acerca da violência.

Além disso, em 1986, foram criadas as Delegacias de Defesa das Mulheres –

DDM, fruto dessas reivindicações, o que possibilitou a garantia dos direitos das mulheres e a criminalização da violência. As DDMs se espalharam por todo o território brasileiro, se consolidando como uma das principais políticas públicas no combate à violência contra a mulher.

Paralelamente, o movimento de mulheres foi adentrando no território político e conquistando espaços importantes que repercutiram na inclusão do debate, na agenda pública sobre as principais demandas das mulheres, bem como a necessidade de uma instância em nível estatal responsável para atendê-las.

Neste compasso, em 2003 foi implantada a Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres com o objetivo de propor, coordenar e executar políticas públicas para mulheres que contemplem a equidade de gênero. Foram criados, também, os Conselhos dos Direitos da Mulher em nível nacional, estadual e municipal.

Em 2006, a justiça reconhece como crime a violência doméstica contra mulher, com a promulgação da Lei 11.340/ 2006, conhecida como Lei Maria da Penha.

Atualmente, os serviços públicos e privados estão se aprimorando, sendo divulgados e reconhecidos por toda a população, que passa a cada ano mais a utilizá-los como meio de garantir direitos, libertação e quebra do ciclo da violência.

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das mulheres acerca das crueldades cometidas dentro das relações de afetos. Faz-se necessário intensificar as pesquisas voltadas ao tema, para que Faz-sejam divulgadas como meio de desconstrução de papéis desiguais entre homens e mulheres, e assim coibir violência contra as mulheres.

E é a partir desta perspectiva que se busca, neste estudo, analisar e compreender a repercussão das intervenções desenvolvidas nos serviços de atenção ONG4 SOS Ação Mulher e Família e na OG5 Centro de Referência e Apoio

à Mulher – CEAMO da cidade de Campinas, na dinâmica de vida da mulher vítima

de violência doméstica atendida por esses serviços.

As inquietações e indagações que pautaram esse trabalho são provenientes

da observação da pesquisadora, enquanto profissional, assistente social do SOS:

Quais as repercussões das intervenções profissionais, na dinâmica de vida das mulheres vítima de violência doméstica, sendo estas, oferecidas nos dois serviços de atenção de Campinas? Através destas intervenções inicia-se o rompimento do ciclo da violência?

As escolhas das instituições se deram pelo fato de serem únicas na cidade que trabalham com mulheres e suas famílias, vítimas de violência, além de serem especialistas no que tange à especificidade das intervenções junto a esta população, construídas ao longo de trinta anos de atuação.

Cabe se ressaltar que a ONG SOS Ação Mulher e Família nasceu do movimento feminista, em 1980 e, desde então, atua e presta serviços neste contexto. Em relação ao Centro de Referência e Apoio à Mulher – CEAMO, este surgiu como uma resposta estatal às lutas, reivindicações e conquistas das mulheres, concretizando-se em 2002, através da Secretaria Municipal de Cidadania, Trabalho, Assistência e Inclusão Social da cidade de Campinas. Atualmente, é considerado e reconhecido como referência em política pública específica para este segmento.

O SOS, assim como o CEAMO, desenvolveu técnicas de intervenção que tentam acoplar todas as nuances da complexidade da violência, prestando acompanhamento sistemático às mulheres vítimas de violência doméstica, comportando a família como um todo, inclusive o agressor. Utilizando-se de estratégias pautadas no empoderamento da mulher, entendendo que a vítima tem a

4 ONG- Organização Não Governamental, sem fins lucrativos e organizados pela sociedade civil; 5 OG

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capacidade individual ou coletiva de utilizar os seus próprios recursos para atuar com responsabilidade no espaço público, influenciando também o seu meio, resgatando, assim, sua cidadania e autonomia, enquanto sujeita da sua vida. Entretanto, as atuações realçam impasses em relação ao tempo cronológico da urgência das ações e o tempo emocional da mulher, além de gerar, nas profissionais, angústia no trato ao tempo interno das próprias e o respeito e a espera pela atitude da sujeita.

O estudo elucidou que as intervenções têm repercussões na dinâmica de vida da mulher vítima de violência e, também, na dinâmica de trabalho das profissionais dos serviços de atenção. Essas questões foram tecidas e costuradas ao longo de três capítulos:

No Primeiro Capítulo, apresentamos as construções históricas acerca da relação desigual entre homens e mulheres, perpassada pela hierarquia do poder, imbuída pela ordem patriarcal e a cultura. Tratou-se, também, da questão e dos conceitos de violência, com apresentação de diferentes enfoques, delimitando a violência doméstica contra a mulher, assim como as principais políticas de atendimento.

No Segundo Capítulo, dedicamos atenção particular aos serviços de atenção SOS e CEAMO, destacando sua rotina e dinâmica de trabalho. Para isso, ilustraram-se casos atendidos, no ilustraram-sentido de ilustraram-se vislumbrar as ações utilizadas no decorrer dos relatos. Ao longo desse estudo, pode-se conceituar o empoderamento e outras estratégias de intervenção utilizadas pelas equipes de profissionais das duas instituições.

O Terceiro Capítulo compreende o processo investigativo, a metodologia de pesquisa e seus procedimentos, sendo apresentado o universo da amostra, as características e a escolha das sujeitas. Delineia-se a interpretação dos dados em relação ao tempo emocional e o cronológico, a dinâmica e as facetas da violência sofrida pelas mulheres pesquisadas e as resolutividades das intervenções profissionais. Analisam-se as falas das profissionais sobre o seu trabalho, desafios e conquistas, tramadas ao longo do tempo.

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CAPÍTULO 1

Não trago um caminho novo. O que trago de novo é um jeito de caminhar (Tiago de Mello).

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: UMA

REALIDADE EM PRETO E BRANCO

O contexto da violência doméstica contra a mulher desperta nas pessoas, e principalmente nos profissionais que atuam nesta área, a necessidade de compreendê-la como questão social, por se perceber que há um adoecimento de todos no espaço do lar. Idealizado como espaço privado, de refúgio, compreensão, proteção e respeito, esse lar acaba por se transformar, muitas vezes, em palco de destruição e de terror, causando em seus moradores sofrimento, dor, desespero e medo, em face das pessoas que deveriam exercer a cumplicidade e o amor. Desta forma, rouba-se uns dos outros o colorido da vida.

1.1. UMA CONSTRUÇÃO DESIGUAL ENTRE HOMENS E MULHERES

A história da humanidade traz desde o início de sua constituição o traço da violência, forjada por meio da subjugação e da exploração homem pelo homem, transformando as relações de gênero, afetivas e sociais, através de dispositivos de poder e de submissão.

Quando falamos relações de Gênero, estamos falando de poder. À medida que as relações existentes entre masculino e feminino são relações desiguais, assimétricas, mantém a mulher subjugada ao homem e ao domínio patriarcal (COSTA, 2008)

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frutos da educação diferenciada, baseada na desigualdade e na metamorfose das relações. Entende-se por patriarcado:

Patriarcado é organização sexual hierárquica da sociedade tão necessária ao domínio político. Alimenta-se do domínio masculino na estrutura familiar (esfera privada) e na lógica organizacional das instituições políticas (esfera pública) construída a partir de um modelo masculino de dominação (arquétipo viril) (COSTA, 2008).

Contudo, a desigualdade entre homens e mulheres desdobra-se e culmina nas diversas formas de violência contra mulher, tendo suas raízes construídas em alguns mitos consolidados ao longo dos tempos. Entretanto, o “mito judaico-cristão,

que é a base da nossa civilização atual” (MURARO, 1992, p.70), ilustra bem essa

construção. Cabe nos determos em alguns parágrafos sobre essa história do primeiro livro da Bíblia (Gênesis) para compreendermos a divisão desigual dos papéis sexuais, transpassada pela relação de poder, e sua perpetuação nos dias atuais, que resulta na opressão e na dominação da mulher.

Deus6 (homem) criou o mundo sozinho em sete dias e depois, ao olhar sua criação, sentiu falta de algo especial; sendo assim, criou o homem à sua imagem e semelhança, e lhe deu tudo aquilo que havia criado: natureza, fauna, água e os animais, todos alocado no paraíso, esse denominado Jardim do Éden.

Desde então, o homem vivia livre pelo paraíso desfrutando de suas riquezas naturais. Ao passar do tempo, o homem percebeu que todos os animais tinham seus correspondentes, fêmea e macho. Diante dessa observação, foi sentindo-se sozinho e triste. Deus então percebeu que sua criação estava melancólica, e resolveu presenteá-la; pegou uma de suas costelas e modelou a mulher, sendo este seu presente. A mulher, como agrado, nasce com a função de fazer companhia ao homem.

Assim, a mulher veio cumprir seu papel de companheira, de alento para os dias difíceis do homem; já nasceu dependente dele, veio da sua costela não como sujeito individual que pudesse ter idéias próprias, decidir, ser autônoma, mas com a doçura e a candura de quem está pronta para servir ao seu senhor (LOPES, 2010, p.98).

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O homem e a mulher eram iguais e viviam em perfeito equilíbrio com a natureza, mas aquele maravilhoso paraíso foi perdendo sua graça e seu encanto. A mulher, já muito cansada da mesmice do lugar e entediada de conversar só com o homem, resolveu explorar novos ares e escrever a história diferente. Assim, resolveu tagarelar com a serpente, que vivia em uma árvore cujo fruto era proibido por Deus. A serpente, com segundas intenções, convenceu a mulher de que o fruto da sua árvore era saboroso e transformador. A mulher, muito curiosa, experimentou o fruto, gostou e ofereceu ao homem, que também o saboreou.

Quando ambos comeram o proibido fruto da árvore do conhecimento, pela primeira vez perceberam que estavam nus, e sentiram vergonha e medo do castigo de Deus.

O Criador, ao perceber que seus filhos amados haviam infringido às regras, os castigou; a mulher, chamada de Eva, recebeu a punição de sentir as dores do parto e ficar sob o domínio do homem, uma vez que foi ela que transgrediu as regras e causou a expulsão de ambos do paraíso, marcando as suas gerações posteriores. Ao homem, chamado de Adão, foi atribuído o castigo de aprender a dominar a natureza com o suor do seu trabalho, e deste tirar o alimento para si, sua mulher e prole.

Com isso, Eva ficou com a culpa de ter provocado a expulsão do paraíso, e a Adão foi consentido o poder de estabelecer a ordem, com estratégias de dominação, exploração, inclusive sobre Eva, uma vez que esta causou muitos transtornos à humanidade e precisava ser mantida sob controle.

À medida que o homem vai controlando a natureza, seu poder sobre a mulher vai também, na mesma proporção, aumentando e se cerrando. O fruto da árvore do conhecimento afasta cada vez mais o homem da natureza, e a árvore do conhecimento é também a árvore do bem e do mal. Do bem, no que permite a continuidade do processo humano, e do mal no sentido em que cria o poder, a dominação como conhecemos hoje (MURARO, 1992, p.71).

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A autora Muraro elucida as cisões e o impacto produzido após expulsão do paraíso e, consequentemente, a divisão de tarefas do homem e da mulher, que conhecemos e vivenciamos:

A dominação do homem pelo homem e do homem sobre a mulher, que são as duas características essenciais do patriarcado, acrescida da dominação do homem sobre a terra, já estão santificadas. São então santificadas todas as cisões: 1) a cisão dentro do homem entre sexualidade e afeto, conhecimento e emoção. O conhecimento é colocado como causa da transgressão, porque de agora em diante ele vai ser o motor que vai fazer funcionar todo o sistema; 2)a cisão homem/homem – é essencial ao patriarcado a santificação da dominação de uns homens pelo outros, por que com isso se torna

“natural” a escravidão(...); 3) cisão homem/mulher, com a consequente cisão público/privado. Esta cisão é essencial também porque a opressão da mulher é o que torna todas as outras possíveis; 4)a cisão homem/natureza, que é a base do cultivo da terra com instrumentos pesados. (1992, p.74)

Dessa forma, faz-se necessário retomamos a história de Adão e Eva, para compreendermos sua influência na construção e na delimitação do papel do homem e da mulher em nossa cultura. Adão, no momento que prefere Eva e, consequentemente, desobedece a Deus, tem dele retirada a sensibilidade emotiva, o potencial da manifestação de afeto, este de foro interno e privado; desta maneira, esse assunto passa a ser proibido aos homens, e o macho deve manifestar sua função dominante sobre a terra, o sistema e a mulher, ou seja, cuidar de assuntos de foro público e notório.

Eva desafiou o poder do Criador, usando de seu poder de sedução para desencaminhar Adão; em consequência, teve sua liberdade limitada, e restrito ficou seu espaço dentro da sociedade. Eva se ocupa do espaço interno e privado, o campo dos sentimentos, da fragilidade, da doçura, do amor; sua responsabilidade é parir e cuidar dos filhos, do lar e do bem estar do homem dentro desse ambiente.

A cisão e a delimitação do público e privado, construídos e potencializados pelas histórias e mitos, no que tange aos papéis sociais da mulher e do homem, vão se cristalizando, tornando verdades absolutas inquestionáveis e santificadas. Tece-se, assim, a naturalidade da aceitação cultural do lugar da mulher e do homem na sociedade, legitimando a relação de hierarquia do poder entre os gêneros.

(22)

funções, atividades, normas e condutas esperadas para homens e mulheres em cada sociedade.

A autora Saffioti ressalta o papel fundamental das instituições de “poder” em

legitimar os estereótipos sexuais. “O papel das doutrinas religiosas, educativas e

jurídicas, sempre foi o de afirmar o sentido do masculino e do feminino, construído

no interior das relações de poder”(1992, p.188).

Pensar contrariamente às verdades construídas sobre os papéis sexuais remete-nos refletir sobre o abandono da separação dos sexos biologicamente determinados, sendo essa uma possibilidade que se apresenta como uma revolução no campo do comportamento humano. Essa conduta desembocaria no abandono de nossas concepções de ser humano do sexo masculino e suas definições, tais como varão dotado das chamadas qualidades viris, como coragem, força, vigor sexual; macho, marido ou amante; Homem da lei; magistrado, advogado, oficial de justiça: Homem público7; da rua, do povo, de Deus, do Estado, das letras, dos negócios.

Da mesma forma, cederiam nossas concepções de ser humano do sexo feminino e inúmeras definições de mulher, tais como o ser capaz de conceber e parir outros seres humanos, dotada das chamadas qualidades e sentimentos femininos - carinho, compreensão, dedicação ao lar e à família, intuição; frágil, independente, fútil, amante, companheira, dona-de-casa, das piadas, sedutora, da zona, do amor, da perdição, do objeto sexual.

Em troca das definições pré-estabelecidas, como exercício adotaríamos as concepções comuns a todos os seres humanos, homens e mulheres, tais como fortes e fracos; emotivos e racionais; autônomos e dependentes; inteligentes e capazes. Com essa visão, se destacaria a ocupação mútua tanto do espaço público como do privado.

Estas mudanças englobam a categoria gênero sob a perspectiva de que os sujeitos são constituídos de suas experiências e vivências, que por sua vez são engendradas histórico-culturalmente, e não dadas pela natureza. Para se construir essa trama se faz necessário conceituar gênero como categoria analítica; nesse caso, empregarei o conceito da autora Joan Scott que define: “gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas

entre os sexos” (1990, p.86). Dessa forma, o conceito de gênero encontra-se

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imbricado nos conceitos de identidade sexual, de papel sexual e no de relações entre os sexos. Scott (idem), ainda, complementa: “gênero é uma forma primária de

dar significado às relações de poder”, ou seja, as relações de poder desenvolvem-se

nas relações sociais.

O poder é entendido como manifestações de correlação de forças centralizadas no controle, na opressão que sugere um dominador e um dominado, arraigado nas relações sociais, culturais, econômicas, políticas e sexuais.

(...) que o poder não é algo que se adquire, arrebate ou compartilhe, algo que se guarde ou deixe escapar; o poder se exerce a partir de números pontos e em meio a relações desiguais e móveis; que as relações de poder não se encontram em posição de exterioridade com respeito a outros tipos de relações (processos econômicos, relações de conhecimentos, relações sexuais), mas lhe são imanentes; são os efeitos imediato das partilhas, desigualdades e desequilíbrio que se produzem nas mesmas e, reciprocamente, são as condições internas destas diferenciações (FOUCAULT, 1999, p.89).

Conforme Foucault (1990) o poder é exercido em diversas direções, como em uma rede capaz de englobar toda a sociedade; portanto, ninguém seria ou estaria livre dele, sendo o poder concebido como uma estratégia e não como um privilégio que alguém possui e transmite. O poder não é apenas algo coercitivo e negativo, mas também algo produtivo e positivo. O autor ressalta que o poder fabrica corpos dóceis e úteis, produzindo sujeitos e induzindo comportamentos. Desta forma, não são apenas os mecanismos de censura ou repressão que constroem mulheres e homens, mas as práticas e relações culturais, econômicas e sociais ditam os modos de ser e estar em sociedade.

Essa trama de relações não pode ser interpretada como se “fosse estável, fixa ou imutável, pois os sujeitos que a compõem são constituídos de identidades

próprias, portanto, onde existe poder também encontramos resistência”

(FOUCAULT, 1990, p.90). Essa visão do autor coloca em questão a relação estática entre dominante e dominado passivamente, ou seja, o poder circular entre um e outro (homem x mulher) em um determinado momento. Sendo assim, homens e mulheres se encontram em condições de disputá-lo e, ao mesmo tempo, articular formas de resistência a ele.

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exercício do poder tem sido insuficiente para reverter o jogo da dominação masculina - esse, a configuração da quase totalidade das organizações societárias reconhecidas na história da humanidade. Demonstra-se, assim, que há uma distribuição desigual nas parcelas de poder exercido entre os pólos, no que se refere às relações de gênero.

Mais uma vez os estudos de Foucault (1999, p.98-108), contribuem para a compreensão do fato da dominação ainda se encontrar privilegiadamente no pólo masculino: é mascarando uma parte importante de si mesmo na qual o poder é tolerável. Seu sucesso está na proporção daquilo que consegue ocultar dentre seus mecanismos. O segredo, para o poder, é indispensável ao seu funcionamento. Os mecanismos mais sutis são os mais eficazes na produção da dominação e da submissão e os mais difíceis de se combater.

Como já descrito nesse trabalho, a sujeição da mulher ao homem é produzida pela história cultural que perpassa a “santificação e o sagrado”, o que torna seu

rompimento extremamente difícil, pois se refere à incorporação de verdades do pólo dominante – cultural. Bourdieu (2002, p.30-40) ajuda a compreender esses mecanismos da dominação masculina sobre a perspectiva da “dominação

simbólica”, que perpassa através da incorporação do discurso do pólo dominante

pelo pólo dominado – “ordem simbólica” que passa a integrar os instrumentos de

reprodução das condições da dominação. Aponta ainda que não basta a tomada de consciência como garantia de superação da submissão feminina, posto que a construção desta submissão não se dá somente no nível da consciência, mas também no nível subjetivo.

É preciso transformar profundamente as disposições adquiridas por uma espécie de reeducação – aquela que é necessária para perder um mau costume, um mau hábito de pegar a raquete, um mau sotaque, etc. A gente sabe como é longo e difícil mudar, e que é preciso mudar de forma inseparável as condições de produção dessas disposições, dessas estruturas incorporadas, é preciso, portanto, mudar a ordem simbólica. (BOURDIEU, 2002, p. 38)

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um homem, mas sim, diferentes construções simbólicas de papéis que são flexíveis e mutáveis ao longo do tempo.

Mesmo existindo desigualdade no exercício das relações de poder entre homens e mulheres, devemos considerar as relações de gênero como relações de poder, pois: A relação de dominação-exploração não presume o total esmagamento da personagem que figura no pólo dominada-explorada. Ao contrário, integra esta relação de maneira constitutiva a necessidade de preservação da figura subalterna. Sua subalternidade, contudo, não significa ausência absoluta de poder. Com efeito, nos dois pólos da relação existe poder, ainda que em doses tremendamente desiguais (SAFFIOTI, 1992, p.184).

Por trás dos comportamentos há uma sociedade histórica e construída, família, educação, meios de comunicação, costumes, crenças, entre outros, que favorecem e fortalecem a perspectiva da subjugação e da desigualdade. Com isso, a violência contra a mulher potencializa e se prolifera na sociedade, deixando suas impressões físicas, psicológicas e sexuais na vida e na história da humanidade, transformando, assim as relações afetivas entre os gêneros.

No próximo item veremos como esse processo descolore a vida da mulher vítima de violência doméstica.

1.2. CONTEXTUALIZANDO A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Definir ou conceituar a questão da violência contra a mulher é como tecer uma colcha de retalhos que se intercalam e se complementam de acordo com a costura cultural que se faz. Essa tarefa não é muito simples de se realizar, pois é grande o risco de se reduzir sua complexidade e se ocultar seu aspecto multifacetado. Portanto, vamos tramá-la com algumas definições, para uma melhor compreensão do tema.

O termo violência deriva do latim violentia (comportamento ou conjunto que

deriva de vis, força, vigor); aplicação de força, vigor, contra qualquer coisa ou ente.

Conforme Moreira (apud TAVARES, 2008, p.38), corresponde ao "caráter violento

ou bravio, força, com ímpeto, furioso". A noção de violência, segundo o referido

autor, surge como: "a idéia de uma força, de uma potência natural, cujo exercício

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A violência é uma questão ampla, que abarca desde comportamento e ações humanas, até questões de desigualdades sociais, étnicas, de gênero, classe, raça.

De acordo com Ristum e Bastos (2004, apud, LUZ, 2009, p.48), “é difícil

abarcar a violência como um todo, devido a sua complexidade social, dificultando

uma formulação consensual e ocultando formas de agressões”.

Heise (1995) destaca que se torna necessário deixar de considerar como violência exclusivamente atos de criminalidade. Essa única visão naturaliza as outras formas de violência, que estão diluídas no cotidiano, às quais a população já se acostumou.

A violência aparece como algo corriqueiro, típico do cotidiano das pessoas, que seja a violência na cidade, quer seja a violência no campo: homicídios, chacinas, ocupações violentas de terra, dizimação de índios, morte perinatal, estupros, acidentes de trânsito, assaltos, roubos a banco, seqüestros, vitimização de mulheres e crianças, violência policial, extorsão, trafico de drogas, linchamento, trafico de crianças e uma violência que não ganha visibilidade pelas marcas que deixa no corpo, mas que se expressa no conjunto das relações sociais e na vida cotidiana (BAIERL, 2004, p.52).

Faleiros (1998, apud TAVARES, 2008) ressalta que a naturalização das formas de conflitos torna-se o fundamento para a existência da sociedade, e do ser humano em sociedade, não só pela divergência de interesses e pela diferença de situações, mas também pela posição ocupada nela. O autor complementa:

(...) a não aceitação do conflito e dos mecanismos para enfrentá-los provoca a violência, pois o conflito assume uma feição direta sem mediação e passa a ter como solução a força física, a porrada, a tendência a eliminar o outro na expectativa da eliminação do conflito. A violência é a substituição da aceitação do conflito pela negação do outro (FALEIROS, 1998, apud TAVARES, 2008, p. 43).

Quando o conflito ganha o espaço das relações sociais e afetivas, seus conceitos são voltados para a dor e o sofrimento, provocado por um agente.

Vejamos algumas autoras, que esclarecem essa definição. Para Saffiotti,

trata-se da violência como ruptura de qualquer forma de integridade da vítima; integridade psíquica, integridade sexual, integridade moral” (2007, p.17).

“Violência pressupõe opressão. Pressupõe, portanto, conflito de interesses entre opressores e oprimidos. Relações sociais hierárquica de dominância e

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Violência, segundo Teles e Melo, “quer dizer o uso da força física, psicológica

ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não esteja com vontade”

(2002, p.15).

As três autoras destacam em seus conceitos que a violência é um agente causador de dor a outrem, como forma de submeter alguém à sua vontade, ao seu domínio, impedindo-o de reagir e realizar seus desejos e vontades. Destaque-se o entendimento de dor em sentido amplo, englobando-se todas as formas de se deixar marcas no plano físico, sexual, psicológico e espiritual.

A violência de gênero decorre dessa submissão construída e imposta pela ordem social de gênero. Para Saffioti e Almeida (1995), a violência de gênero apresenta algumas características, dentre as quais se destacam especialmente o objetivo de preservar a organização social de gênero, que se funda na hierarquia e na desigualdade dos lugares sociais atribuídos devido ao sexo, subalternizando o gênero feminino. Ainda, a capacidade de ampliar-se e atualizar-se na mesma proporção em que o poder e a dominação masculina são ameaçados.

Como vínhamos discutindo, a violência de gênero não ocorre por acaso, mas deriva da organização social de gênero, ou seja, da construção histórica e desigual das relações entre homens e mulheres, impregnada e reproduzida em nossa sociedade, destacando-se o homem como macho dominante, e detentor do poder sobre a mulher.

Pode-se considerar violência de Gênero não só a violência cometida contra as mulheres, mas toda forma de conservação das identidades arbitrariamente atribuídas a homens e mulheres, independente de sua identidade sexual e de gênero. Portanto, sujeitar os homens a reproduzir os papéis de dominação, autoritarismo e violência contra a mulher também se caracteriza como violência de Gênero. Durante toda a vida do homem, lhe são apresentados questionamentos acerca de seu comportamento sexual, exigindo-lhe posturas agressivas, determinadas, dominadoras. Acreditar que todo homem oprime e que toda mulher é oprimida, é a regra num discurso amplamente difundido e reproduzido (SCHREINER, 2008, p.30)

Como a autora reafirma, os papéis determinados pela sociedade são construídos para a manutenção da relação desigual entre homens e mulheres, não excluindo o homem, mas no entendimento de que ser humano masculino é produto da construção social das diferenças de gênero.

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dominado, que o faz cúmplice de sua própria dominação, sendo esta uma forma sutil de coação que se apóia, geralmente, em crenças e preconceitos coletivos. A violência simbólica se engendra na fabricação e reprodução contínua de crenças no processo de socialização, que induzem o indivíduo a se enxergar e a avaliar o mundo seguindo critérios e padrões do discurso dominante. Assim, o termo

violência simbólica” está sendo aqui utilizado como toda forma de violência oculta e

construida, que se utiliza de padrões ou normas morais para produzir crenças e verdades que levam a vítima a ver o mundo sob o prisma do seu agressor.

Não podemos esquecer que a mulher é vitima dessa cultura há milênios e que, embora se entenda que o homem também é vitima da história perversa da sociedade, isso não elimina ou justifica os atos de crueldade cometidos contra as mulheres.

Como sabemos, as mulheres são as grandes vítimas da violência de gênero, fato esse que ocorre em sua maioria no espaço privado, conhecido como doméstico, familiar – lar, local privilegiado pra o exercício de atos violentos como forma de manter a relação hierárquica de poder e dominação.

Rigorosamente, o espaço privado do domicilio só apresenta esta qual idade para o homem, cujo poder frente à mulher lhe permite impor sua vontade. (...) A sacralidade da família impede que as mulheres sejam educadas para temerem seus próprios parentes masculinos. Assim, embora a mulher não esteja imune à violência praticada nos espaços públicos, está permanentemente exposta à violência doméstica, oferecendo a esta quase dois terços de suas vítimas. (SAFFIOTI, 1994, p. 453).

Podemos perceber que os atos violentos contra a mulher podem ocorrer tanto

dentro do espaço “sagrado da família” como fora dele, por pessoas sem laços de afetividade ou consanguinidade, sendo muitas vezes praticados por pessoas desconhecidas.

A justificativa para tais atos estaria somente no fato do ser humano ser mulher, que ocupa um espaço inferior na sociedade e nas relações de poder, portanto, um ser que deve obediência ao homem o qualquer custo. Teles e Melo compreende:

A própria expressão „violência contra a mulher‟ foi concebida por ser

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Essa definição nos remete a pensar que a violência está restrita à mulher, excluindo-se crianças, adolescentes e idosos dessa relação, além do entendimento de que o homem é sempre o ator de violência e a mulher, a vítima.

Muitas pesquisas evidenciam mulheres como agentes de violência, em especial contra crianças e adolescentes, sendo elas, em sua maioria, as responsáveis pela educação dos filhos, e do exercício do poder sobre eles, tendo como palco o ambiente doméstico familiar.

As autoras Teles e Melo (2002, p.19) define a violência doméstica como “(...) a que ocorre dentro de casa, nas relações entre pessoas da família, entre homens e

mulheres, pais/mães e filhos, entre jovens e pessoas idosas”. Esse conceito delimita

o espaço físico e considera todos como possíveis agressores e vítimas.

Para Azevedo (1985, p.73-76), a violência doméstica contra a mulher não interfere apenas na relação do casal, pois gera consequências desastrosas para todos os membros da família.

Vários fatores podem ser ressaltados como propiciadores da violência conjugal. Estes seriam de ordem estrutural, ideológica, institucional e pedagógica. Os fatores estruturais são aqueles que evidenciam que as mulheres ocupam um lugar de inferioridade e dependência em todas as esferas sociais. “Logo, quando se

trata entre apanhar ou garantir a subsistência pessoal e da prole, torna-se mais

seguro continuar apanhando” (BRAGHINI, 2000, p.23). Os fatores ideológicos são

os meios de se legitimar o padrão de dominação do homem sobre a mulher através do machismo, que consiste em um sistema de crenças, valores, verdades, e que se origina na relação entre homens e mulheres, podendo garantir a supremacia masculina. “O machismo é uma ideologia introjetada por homens e mulheres e,

assim como o feminismo, engendra-se a partir de uma multiplicidade de fatores: um

complexo quadro psicossocial, político, econômico e cultural” (BRAGHINI, 2000,

p.23). Os fatores institucionais autorizam a preservação do patriarcado, legitimando a desigualdade de poder entre homens e mulheres, tornando o espaço doméstico um lugar privilegiado para o exercício da violência, onde os conflitos são resolvidos por dominação, seja esta psicológica, sexual ou física. Enfim, os fatores pedagógicos perversos da educação diferenciada, entendida pela autora como

fabricação de machos e fêmeas”, ou seja, um processo que se desenvolve tanto na

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Como destaca Azevedo (1985, p.73-79), a violência doméstica parte do principio e da fundamentação dos papéis sexuais, que são construídos historicamente e legitimados pela cultura patriarcal. Estes determinam o poder ao homem e o empodera a cometer atos violentos no âmbito físico - espancamentos, socos, pontapés, empurrões; psicológico - terror, aprisionamento através da ameaça, gerando medo e desespero; sexual - estupro, relações sob coação, abuso. Sua manifestação decorre de atos que geram marcas visíveis e invisíveis, muitas sem cura ou remédio.

Como sabemos, as mulheres avançaram em seu conhecimento e na sua autonomia, lutando por reconhecimento e, assim, denunciando a violência sofrida. Essa luta organizada pelo movimento feminista na década de 70 ganhou o mundo e acarretou transformações no que tange aos direitos.

Cabe situar que até o inicio do século XX a violência praticada contra a mulher era negligenciada; mesmo quando o ocorrido era denunciado, esta agressão geralmente era tratada com descaso pelas autoridades competentes, perpetrando a violência contra a mulher a um lugar de invisibilidade, não existência.

Segundo Souza (2006) o conhecimento que temos sobre a violência contra a mulher ainda é precário, contribuindo para que este grave fenômeno social seja um problema com pouca visibilidade, isto porque, nem sempre, a vítima procura denunciar o agressor. Ocorre que os desdobramentos de um caso de denúncia de agressão muitas vezes resultam em impunidade e o agressor, dado ao seu papel de

“provedor da família” é beneficiado pela tolerância da cultura

machista, enquanto a mulher, produto e vítima desta mesma cultura que a subordinou ao espaço doméstico, é muitas vezes responsabilizada pela violência que sofreu. Como consequência, temos a impunidade dos agressores e a transformação da vítima em ré (apud SCHREINER, 2008, p.35).

Com o crescimento da luta pela democracia brasileira e, consequentemente, o fortalecimento do movimento feminista, no inicio da década de 80 a violência contra a mulher ganha visibilidade e começa a ser tratada como violação dos Direitos Humanos.

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conhecida como “Convenção de Belém do Pará” - entendem como violência

qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no

privado” (CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E

ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, 1995: artigo 1º). O artigo 2º complementa:

Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica:

1. que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual:

2. que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar, e

3. que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra (1995: artigo 2º).

A partir de 1986, o Brasil inicia um aparato jurídico criminal em combate à violência contra a mulher, através da criação das Delegacias de Defesa da Mulher –

DDM.

No entanto, a falta de consequências diante das denúncias, e as constantes retiradas das queixas por parte das mulheres, parecem não ter contribuído de forma eficiente para a eliminação da violência.

No que tange ao ordenamento jurídico no Brasil8, no que se refere à proteção aos Direitos Humanos, ao enfrentamento da violência contra as mulheres, apresenta um percurso marcado pelo preconceito e pela discriminação, passando pelo Código Penal de 1940, pela Lei nº. 7.353/ 85, que cria o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, sem poder executivo ou deliberativo, e pela Lei nº 9.099/95, que trata a violência contra a mulher como infração penal de menor poder ofensivo.

Neste contexto, um crime bárbaro assolou a vida de uma mulher. Por duas vezes vítima de tentativa de homicídio por parte do marido, essa mulher reiteradamente denunciou as agressões que sofreu. Como nada acontecia ao

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agressor, quase concluiu que ele tinha razão de ter feito o que fez. A morosidade da justiça somente aumentava sua indignação com os fatos, e quase vinte anos se passaram até a condenação final do agressor. A história toda foi tão absurda que instituições denunciaram o caso à Comissão Interamericana e Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, que impôs multa a ser paga pelo Estado brasileiro à vítima. Além disso, pressionou o Brasil a cumprir as convenções e tratados internacionais que é signatário, desembocando na sanção da lei que trata sobre a violência doméstica em 7 de agosto de 2006. Essa mulher é Maria da Penha Maia Fernandes, e em sua homenagem a Lei 11.340/2006 leva seu nome.

Com o advento da Lei Maria da Penha, os mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher são criados, estabelecendo-se tratamentos criminais para modificar as relações entre mulheres vítimas de violência e seus agressores.

Esta Lei dá fôlego novo à luta contra a violência contra a mulher, embora sua ação se efetive prioritariamente no campo punitivo, ou seja, depois que a violência já ocorreu, além de punir o agressor sem estabelecer uma relação de reeducação sobre as desigualdades de gênero e a relação de poder.

A relação da lei com o campo jurídico é um campo minado por discriminação e preconceito, principalmente por ser um espaço majoritariamente composto por homens, educados e construídos socialmente para se impor e se sobressair diante das mulheres.

Por toda a contextualização da realidade social, histórica e construída em que vivemos, é explicável a desconfiança com que lei está sendo recebida e aplicada.

Todavia, percebe-se uma movimentação pequena, mas plausível, em relação aos agentes de proteção (policiais) que estão cumprindo as prerrogativas da Lei Maria da Penha. Para ilustrar, vejamos o depoimento da entrevistada, assistente social do Centro de Referência e Apoio à Mulher (CEAMO).

(...) eu atendi um caso, por esses dias, que a mulher chamou a polícia, quando chegou o fato já havia ocorrido, o agressor estava dormindo - autor da violência; as mulheres estavam na rua, a mãe e a filha, a casa estava detonada. Os policiais o acordaram e deram voz de prisão, ele foi preso. É uma grande diferença, porque a gente escuta em relato das mulheres que a polícia fala para vítima

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situação diferente, claro, uma entre muitas outras que não são diferentes, mas já é uma. Antigamente era mais comum a gente escutar que se chama a policia e eles não chegam, ou não levam a mulher para a delegacia para fazer BO9. Nesse caso ele acompanhou a mulher até a delegacia e levou o agressor preso em flagrante. Veja bem, a criança chamou a polícia, orientada pela mãe que estava sendo espancada, e eles acreditaram na criança. Teve uma intervenção, parece que as coisas estão mais justas, mudando. (E-3)

Com a experiência da profissional no trato ás questões de violência, podemos afirmar que as lutas, conquistas e desafios enfrentados, estão surtindo impacto na sociedade; portanto, existe um longo caminho a se percorrer para provocar e/ou abalar as profundas bases da cultura machista patriarcal, na intencionalidade da construção de um novo paradigma que promova a igualdade entre homem e mulher, na construção de uma sociedade mais justa e sem violência.

1.3. QUESTÃO SOCIAL E AS MARCAS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Conforme se explicou até aqui, não existe uma lógica para a violência, resultante de uma ação individualizada ou coletiva, na medida em que se considera que ela é produto da construção histórica e cultural, comprometendo a forma de como os sujeitos se postam no mundo. Devem-se levar em conta que o meio, suas complicações e suas contradições, são fortes componentes produtores de situações que favorecem uma ação dessa natureza. Assim sendo, a violência não deve ser analisada como uma somatória de casos isolados, vinculados à maldade ou à falta de controle dos indivíduos, mas, como destaca Faleiros:

(...) um fenômeno societário complexo que envolve não só o crime enquanto transgressão, mas as relações entre as forças sociais e políticas da sociedade assim como as relações familiares. (2001, p.88)

Assim sendo, a violência doméstica apresenta-se como uma expressão da questão social de intensa preocupação para diversos grupos sociais, atingindo desde menos favorecidos até os mais afortunados econômica, social e culturalmente. Não podemos afirmar que a violência doméstica contra a mulher

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ocorra somente entre as classes sociais empobrecidas, ao contrário, suas vítimas não ocupam uma determinada posição social.

Convém ressaltar que se entende questão social como sendo

(...) fruto das desigualdades e injustiças que se estruturam na realidade do continente, ocasionadas pelas profundas assimetrias nas relações sociais em todos os níveis e dimensões expressas, principalmente pela concepção de poder e de riqueza em certos setores e classes sociais, e pela pobreza e opressão de outros setores e classes, que foram e continuam sendo a maioria populacional (BÓGUS, YAZBEK, WANDERLEY, 2007, p.09).

Segundo as autoras, estas problemáticas se transformam efetivamente em questão social quando são percebidas e assumidas por um setor da sociedade que tenta, por algum meio, equacioná-la, torná-la pública, transformá-la em demanda política, implicando em tensões e conflitos sociais. Complementam, afirmando que a questão social diz respeito:

(...) aos vínculos históricos que amalgamam cada sociedade e ás tensões e contradições que levam á sua ruptura. Nesse sentido, ela é parte constitutiva dos componentes básicos da organização social

– Estado, Nação, cidadania, trabalho, etnia, gênero, entre outros –

considerados essenciais para a continuidade e mudança da sociedade (BÓGUS, YAZBEK, WANDERLEY, 2007, p.09).

Tratando-a historicamente, encontram-se registros de conflitos de diferentes sociedades antigas que foram permeadas por situações de exploração, assim como exclusões, tais como o escravagismo, a caça às bruxas, a lepra, a loucura, eram também, efetuadas: expulsões dos indivíduos do convívio com a sociedade ou matá-los (ex: judeus ou mouros espanhóis); construir espaços específicos para esses indivíduos, isolados da comunidade (ex: guetos, asilos e prisões); permitir que esses indivíduos vivessem na mesma comunidade, mas sem alguns direitos e sem

participação na sociedade (ex: judeus na França, indígenas). (CASTEL, 2007, p.41-45).

As relações humanas são compostas de comportamentos e crenças que se manifestam através das interações estabelecidas com o meio. Portanto, a violência ocorre por condutas e ações aprendidas ao longo do tempo, transformadas em

expressões de questão social. Deste modo, não podemos reduzi-la a simples

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Com base no exposto, questionar os modelos sociais, políticos e econômicos que pautam as ações do Estado e o cotidiano dos cidadãos em uma sociedade injusta e excludente. É inegável que nas sociedades capitalistas as relações sociais se estruturam em complexas ramificações, potencializadas pela ordem e supremacia masculina (ideologia dominante), oprimindo e excluindo a mulher. Como defendido

nesse trabalho, violência contra mulher é construída pela cultura machista e

suscitada por comportamentos e ações que auferem a influência do moderno sistema capitalista que persiste em definir o homem como ser produtivo de maior importância, enquanto que a mulher é apenas a parte complementar dessa trama de relações. No dizeres de Kollontay (1978), “a ideologia patriarcal subordina a mulher

utilizando-se da disciplina para obtenção de sua sujeição, o que vem resultar na neutralização do fenômeno violência contra a mulher”.

Para elucidar, o comércio de produtos e os meios de comunicação, tais como novelas, programas e seriados, peças publicitárias, revistas, jornais, rádio e televisão, além de filmes, dentre outros, são veículos de exploração do capital que possuem o poder da informação que forma e suscita à opinião pública, englobando toda a população, independente da classe social, reafirmando, intencional e subliminarmente, a dicotomia dos papéis sexuais, e evidenciando o poder do homem sobre a mulher. É notável essa presença nos comerciais e propagandas brasileiras, principalmente de cerveja e de carros, que têm nas suas matrizes belas mulheres com seus corpos estruturados, que são utilizados como objeto de desejo, sedução e incitação à compra e à pornografia. Fagundes comenta:

(...) em alguns estabelecimentos há a pizza Carla Perez, Tiazinha, do doce Marta Rocha, mulheres objetos a serem digeridas. Pra não mencionar a mercadorização e consumo voyeur de corpos na mídia, no mundo do espetáculo e da simulação da ida. Em algumas falas cotidianas, piadas, músicas, numa banalização e descaracterização do feminino, recorre-se ao mundo animal para designá-las:

cachorras”, “galinhas”, “piranhas”, ou são expostas como pedaços de

carne “filés”, “popozudas” e eles os “tigrões”, “garanhões” viris. Se

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O comércio de produtos é outra forma de exploração do capital que rege os comportamentos da maioria das pessoas entorno dos estereótipos sexuais, preparando, assim, meninas e meninos para ocupar seus papéis na sociedade, impulsionando a violência.

Temos como exemplo as lojas de roupas infantis, que vende suas vestimentas com prevalência de modelos e cores10 de acordo com o sexo biológico; para meninos, as cores azul, verde, branco, preto compõem roupas como calças, camisas, camiseta, short, macacão, sapato, tênis, todos básicos sem acessórios de enfeite e sem mistura de cores. Diferentemente, nas roupas das meninas o colorido é permitido, com prevalência das cores, rosa, lilás e amarelo; as peças são delicadas, rendadas, vestidos imitando as princesas dos contos de fadas, saias com desenhos de flores; os sapatos, sapatilhas e sandálias com lacinhos, brilhantes, além dos enfeites como presilhas, pulseiras, brincos, colares e muitos outros.

As crianças geralmente não escolhem seus brinquedos ou brincadeiras, mas são direcionados pelas instituições familiares, sociais, educacionais, e são suscitados pelo comércio, que os seleciona como apropriados de acordo com o sexo.

Aos meninos cabe bola, carrinho, dinossauro, skate, espada, brincadeiras que estimulam o desenvolvimento da coordenação motora como correr, pular, subir. Com isso, são preparados para superar os desafios, proteger e salvar a princesa como nos contos de fadas e nos quadrinhos, onde os super-heróis são invencíveis, além do aprendizado de gerenciamento da própria vida e o assumir do desenvolvimento do espaço público (trabalho), sem medos ou sentimentos.

Às meninas são reservados os brinquedos como bonecas, roupinhas, casinhas, panelinhas, vassourinhas, fogãozinho, tudo no diminutivo, estimulando-se brincadeiras mais quietinhas, a leitura dos contos de fadas, tudo dentro de casa, criando o cenário propício para futuras donas-de-casa (rainhas do lar), esposas e mães.

10 A utilização dessas cores para meninos e meninas é reforçada pelo mercado, mídia, escola e até

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Desde os primórdios de nossa cultura, a menina aprende, na família, que ser mulher é saber cuidar de crianças, cozinhar, lavar, passar, cuidar da casa e do marido; ser mulher é adotar a postura do servir, do submeter-se, do obedecer ao pai, irmão, marido, etc.; é ser dependente, passiva, dócil, carinhosa, gentil, paciente, emotiva; é ser aquela que sabe agradar, e mais uma série interminável de 'atributos' tidos como femininos. O menino, por outro lado, aprende que ser homem é ter sob seu comando as experiências dos outros, especialmente das mulheres, é poder tomar decisões por todo um grupamento social como a família, é ser ativo, viril, corajoso, intransigente, etc (FAGUNDES, 1991, p.03).

Verifica-se ainda no mercado trabalhista, não casualmente, que as atividades voltadas aos homens encorajam a liderança, a criatividade, a praticidade e a ousadia, qualidades, dentre outras, requeridas para profissões ditas masculinas como dirigente de empresas, construtor, pesquisador, altos cargos e salários. Entretanto isso, as atividades menos pragmáticas, facilmente conduzidas por regras e normas, são ocupadas por mulheres, mais afeitas às ciências humanas, às letras, às artes; profissões consideradas tradicionalmente femininas como extensão de tarefas do lar como lavar, passar, cozinhar, cuidar, são socialmente desvalorizadas, exemplo disso é o trabalho doméstico não remunerado, sem férias, 13º salário, licença maternidade, sem direito à aposentadoria. Esta e muitas outras atividades desenvolvidas por mulheres têm significativo valor social; no entanto, é conveniente ao sistema capitalista ocultar a contribuição social dessas atividades, por ainda ter no comando uma maioria de homens que perpetua e cultiva a cultura machista.

É preciso compreender que a violência contra a mulher faz parte dos recursos de poder utilizados pelos homens para manter os privilégios e os benefícios que o sistema capitalista oferece e a hierarquia cultural machista lhes tem assegurado.

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compõem o conjunto de iniciativas de conquistas e empoderamento das mulheres, que está sendo construído com a perspectiva de mudança nos comportamentos e ações que promovam a coibição da violência e a igualdade entre os gêneros.

Referências

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