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TCC INDUSTRIA EDITORIAL TRADUCOES ADAPTACOES LIVROS INFANTO JUVENIS

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Academic year: 2018

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO

CURSO PÓS-GRADUAÇÃO EM PROJETOS EDITORIAIS IMPRESSOS E MULTIMÍDIA

A INDÚSTRIA EDITORIAL NAS TRADUÇÕES E ADAPTAÇÕES PARA LIVROS INFANTO-JUVENIS: ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS E O LEITOR BRASILEIRO

ALUNO: Luciane Marazzi ORIENTADOR: Profª Drª Ana Elisa Ribeiro

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Luciane Marazzi

A INDÚSTRIA EDITORIAL NAS TRADUÇÕES E ADAPTAÇÕES PARA LIVROS INFANTO-JUVENIS: ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS E O LEITOR BRASILEIRO

Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso do Programa de Pós-Graduação, nível

Latu Sensu do Centro Universitário UNA, como

requisito para obtenção do título de especialista em Projetos Editoriais Impressos e Multimídia.

ORIENTADOR: Profª Drª Ana Elisa Ribeiro

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Resumo

Este artigo tem como objetivo fazer uma breve abordagem sobre o processo editorial na tradução e adaptação de textos infanto-juvenis para o português, considerando os aspectos que motivam a produção destas obras. Como estudo de caso, é utilizado o livro Alice no

País das Maravilhas, de Lewis Carroll. A pesquisa analisa as traduções e adaptações dos escritores Monteiro Lobato, Ruy Castro e Nicolau Sevcenko. Pretende-se, assim, utilizando o referencial teórico e o roteiro de consulta às editoras que se dedicaram a publicar as edições analisadas, elucidar sobre vários desmembramentos que o texto vem sofrendo ao longo dos anos nas releituras propostas para meios impressos. O estudo gera novas perspectivas e discussões.

Palavras-Chave: Adaptação; tradução; literatura infanto-juvenil; Alice no País das

Maravilhas

Abstract

This paper evaluates aims to make a discussion about the editorial process for translation and adaptation of the juvenile texts into Portuguese, considering the aspects that motivate the production of these works. It´s use the book Alice in Wonderland, by Lewis Carroll, as a

case study. The research examines the translations and adaptations of writers Monteiro Lobato, Ruy Castro and Nicholas Sevcenko. It is intended, therefore, using the theoretical framework and roadmap query to publishers who have dedicated themselves to publish editions analyzed to elucidate on various encumbrances that the text has suffered over the years in the readings proposed for the print media. This study provides new insights and discussions.

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Introdução

O mercado editorial de livros infanto-juvenis no Brasil tem crescido a cada ano e grande parte do bolo é abocanhado por autores de outros idiomas. Um bom exemplo é a série Harry Potter, da escritora britânica J. K. Rowling. Desde o lançamento do primeiro

volume, Harry Potter e a Pedra Filosofal, em 1997, os livros ganharam popularidade e

sucesso comercial no mundo todo, inclusive no Brasil. A presença destas publicações, que se multiplicam nas prateleiras das livrarias, chegam às mãos do leitor por meio de traduções e adaptações. Mas esse fenômeno é bem mais antigo do que se imagina, pois está presente no Brasil há mais de dois séculos. No intuito de retratar melhor os mecanismos e o interesse editorial na publicação de traduções e adaptações de textos estrangeiros no Brasil e apresentar um embasamento teórico sobre o assunto, utiliza-se, como exemplo, o clássico

Alice no País das Maravilhas.

Desde o período vitoriano, época em que Lewis Carroll (1832-1898) escreveu Alice

País das Maravilhas e, passados 145 anos, a obra ainda encanta crianças e adultos. Se

existe um texto que tem suscitado tantas traduções e releituras este é Alice’s Adventures in

Wonderland, título original da obra. Da literatura enigmática e nonsense (sem sentido em

português) do autor, surgiram livros dos mais variados estilos e formatos, destinados ao público infanto-juvenil e adulto. No tempo das novas mídias, a pequena Alice, que já trazia

consigo uma legião de fãs da literatura de Carroll, saltou do impresso, invadiu as redes sociais, livros eletrônicos, games e caiu no gosto da nova geração, que manifesta toda a sua fascinação por meio de blogs, adereços, camisetas e uma infinidade de produtos comerciais que giram em torno da história. Contudo, a produção impressa de traduções e adaptações para a língua portuguesa, ainda desperta de forma intensa o mercado editorial.

Charles Lutwidge Dodgson, nome verdadeiro de Lewis Carroll, lecionou matemática em Oxford, na Inglaterra. Em 4 de julho 1862, durante um passeio de barco com Alice Lidell, de 10 anos e suas outras duas irmãs, filhas do reitor da universidade onde Carroll dava aulas. O autor improvisou uma estória para distraí-las em que Alice, a sua preferida entre as irmãs era a personagem principal. Assim, pouco tempo depois, nasceu “Alice no País das

Maravilhas”. Nesta época, apesar do conservadorismo moral, Carroll idealizou uma história voltada para crianças, mas que possuía embutido em suas entrelinhas, questionamentos à sociedade inglesa. Mesmo assim, as críticas de Carroll são coadjuvantes entre jogos de palavras, trocadilhos, diálogos com pouco sentido, o que o tornou um dos primeiros escritores a aderir ao estilo nonsense. Pode-se atribuir a este ritmo único a marca que

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Em 1931, Monteiro Lobato traduziu para o português a versão mais famosa do texto original de Alice no País das Maravilhas, publicada pela Companhia Editora Nacional, da

qual o autor era acionista. Contudo, de acordo com Pereira (2003) esta não era a única publicação de Alice na época. Na tese "Alices no Brasil: traduções, adaptações e

ilustrações" ela descreve algumas referências das traduções na época. De acordo com a

autora, o Catálogo do Instituto Nacional do Livro dá notícia de outras duas obras. Uma delas é a de Pepita de Leão (1934), publicada pela Globo de Porto Alegre e a de Oliveira Ribeiro Netto, pela editora do Brasil, sem data, mas supostamente anterior à publicação do catálogo, em 1955. Em uma pesquisa sobre as edições de Alice até 1960, feita por Warren

Weaver, relaciona ainda a tradução de Maria Tereza Cunha de Giacomo, sem data, pela Melhoramentos.

Ainda de acordo com Pereira (2003) a maioria das publicações de Alice foi lançada

na segunda metade do século XX. A partir deste período as Alices não pararam mais de

surgir. Monteiro Lobato foi sem dúvida uma das mais importantes figuras que, além de traduzir, era totalmente a favor da adaptação de textos à realidade brasileira e um dos primeiros a trazer esse pensamento para o mercado editorial brasileiro. Para Corso (2007), Lobato foi também promotor e divulgador dessa literatura, desenvolvendo a viabilização da circulação do livro no país e a expansão editorial, conforme endossa Ceccantine (2004) sobre o autor:

A desgraça da maior parte dos livros é sempre o excesso de ‘literatura’.” Em relação aos textos narrativos, era categórico: “A coisa tem de ser narrativa a galope, sem nenhum enfeite literário. O enfeite literário agrada aos oficiais do mesmo ofício, aos que compreendem a Beleza literária. Mas o que é beleza literária para nós é maçada e incompreensibilidade para o cérebro não envenenado das crianças. (CECCANTINI, 2004, p. 85, apud Corso, 2007)

Mas onde e de que maneira a indústria editorial, especificamente no Brasil, se encaixa e torna-se parte responsável por este processo? Mesmo considerando os estudos que atribuem aos brasileiros o pouco hábito de leitura e o crescimento da indústria cultural, as versões impressas com traduções e adaptações de Alice têm ganhado o mercado a cada

ano e das mais variadas formas. Este é o principal ponto que este artigo aborda. Espera-se com isso, verificar os principais motivos que impulsionam a publicação de Alice no País das

Maravilhas pelas editoras brasileiras e identificar a relação entre a demanda dos leitores

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adaptação no âmbito editorial. Para traçar este percurso faz-se necessário declinar sobre a época e o contexto que Lewis Carroll escreveu Alice, juntamente com o leitor e a literatura

infanto-juvenil no Brasil.

Outra questão que deve ser considerada em relação ao mercado editorial impresso, está ligada ao atrativo comercial que uma edição de Alice no País das Maravilhas pode

oferecer. O texto enigmático de Carroll, dentro de invólucros fantásticos é por si só um chamariz para o leitor e, consequentemente, para as vendas. Literalmente, a “toca do coelho” que dá acesso às descrições e imagens que podem ser construídas na imaginação do leitor. Talvez esta tenha sido a intenção de Carroll: criar um mundo surreal, tão peculiar, que proporcione a cada leitor criar um mundo de fantasias e enigmas. Para Castro (2006) o que mais chama a atenção na literatura de Carroll é a capacidade de trazer o “logos fantástico”, imprimindo no texto um encadeamento de imagens e sensações. Segundo a autora, capítulos como a hora do chá ou o jogo do croqué com a rainha são de fundamental importância para que seja despertado e se realize o processo imaginativo do leitor. E as editoras demonstram estar dispostas a investir nesta roupagem para atrair o público. Ainda sim, a autora acredita na necessidade de explorar melhor esse lado do autor e do texto.

Em alguns textos esse mecanismo simplesmente não existe mais — quer seja por economia de imagens ou de palavras, ou ambos. De muitas adaptações, foram retirados o fantástico e o maravilhoso, exatamente o leitmotiv do texto original, o que encanta e fora construído para chamar o interesse do leitor, desafiando-o no campo da imaginação (CASTRO, 2006, p. 2).

Contudo, uma onda em sentido contrário parece conduzir de certa forma, este processo e não pode deixar de ser considerada. Apesar da farta oferta de Alices em

português, é um ponto contundente o fato de que a animação produzida por Walt Disney, em 1951, é a referência dos adultos contemporâneos ao invés do texto de Carroll. Este é um desafio para editoras: atrair seus leitores, em um mundo repleto de imagens e tecnologia de última geração.

O processo de pesquisa do tema proposto para este artigo inicia-se com uma leitura cuidadosa do livro Alice no País da Maravilhas, na íntegra, e com as ilustrações originais de

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têm poupado investimentos e criatividade ao lançar a cada ano novas edições de Alice.

Deve-se considerar, porém, que o mercado editorial infanto-juvenil em 2010, foi bombardeado por novas Alices, inclusive com biografia de Alice Lidell, Eu sou Alice, de

Melaine Benjamin (2010), sobre a menina que inspirou a heroína de Carroll, devido ao filme do diretor Tim Burton.

Para entender o funcionamento do mercado editorial sobre a publicação de textos em outros idiomas e o interesse que nele desperta são consultadas, por meio de questionário, três editoras brasileiras que publicaram traduções e adaptações de Alice no

País das Maravilhas: Editora Campainha Nacional, que laçou o texto de Monteiro Lobato;

Cosac Naify, com Nicolau Sevcenko e Compainha das Letrinhas, com Ruy Castro. O critério para a escolha das editoras baseia-se na seleção das traduções e adaptações mais citadas durante a pesquisa prévia feita pela internet e livrarias. Como todas as editoras têm sede em São Paulo, optou-se por encaminhar os questionários por correio eletrônico para facilitar a agilizar o processo.

Descendo a toca do coelho: Alice cai no gosto dos leitores de todas as idades

A história de Alice faz parte da literatura infanto-juvenil mundial desde que foi

publicada, em 1865. Tida como um símbolo de curiosidade, a obra traduz a pureza de ideias próprias da infância e dão o tom ao texto de Lewis Carroll. Vista como transgressora e classificada como nonsense, sobretudo, considerando a época em que foi escrita, a história

preza pelo princípio de não proporcionar ao leitor um sentido moral à interpretação do texto. “Cuide do sentido e os sons das palavras cuidarão de si mesmos” (Carroll, citado em Sevcenko, 2009, p. 158)

Com tudo, apresar da magnitude e complexidade textual, Alice é, até hoje, traduzida

e adaptada para inúmeros idiomas, mantendo vivo o interesse do mercado editorial de livros. No Brasil este processo remonta à década de 1930, que representou o período de ouro para a indústria editorial. Foi nesta época que, segundo Milton e Euzébio (2004), aconteceu a reforma do ensino básico, resultando por uma maior demanda de livros escolares.

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estudo sobre a censura no Brasil, apresenta dados de que, até 1930, vivemos quase exclusivamente de livros impressos no exterior e traduções importadas de Portugal e França.

Existiam apenas pequenas editoras que enfrentavam grandes dificuldades para a aquisição de máquinas e papel importado e concentravam seus recursos na produção de uns poucos livros didáticos. (WYLER, 2002, p. 110)

Até a década de 1950, o aumento do poder aquisitivo da população proporcionou o crescimento industrial brasileiro e, por conseqüência, o do mercado editorial. Foram publicadas várias coleções traduzidas para o leitor de classe média baixa, com o objetivo de entreter e incluía inclusive, obras adaptadas do cinema americano, roteiros de novelas e folhetins.

Quanto ao ofício do tradutor, para Ribeiro e Martins (2003) foi Monteiro Lobato que, no meio editorial, veio resgatar profissionalmente o tradutor, elevando seu oficio a uma atividade intelectual no mesmo patamar da produção original, é ele quem vai fazer a ponte, tão necessária, para que um povo se aposse do patrimônio cultural da humanidade.

Alice e o período vitoriano

Em 1865, a Inglaterra era um país em pleno desenvolvimento industrial e científico, mas sob o conservadorismo do reinado da rainha Vitória tornava-se difícil as relações sociais e à educação de crianças, que eram vistas como seres sem opinião. Foi então que neste cenário, Lewis Carroll propôs uma história voltada para crianças, mas que satirizava nas entrelinhas a sociedade inglesa, que em meio a jogos de palavras e de ideias, rimas e poemas garantem diálogos aparentemente sem pé nem cabeça, que dão a falta de sentido o próprio sentido.

Para Monteiro e Fonseca (2010) inicialmente, Alice no país das Maravilhas e Através

do Espelho mais parecem uma brincadeira.

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Em depoimento a jornalista Livia Deorsola, o escritor Nicolau Svecenko exprime um pouco das convenções da Inglaterra vitoriana, dizendo que o texto de Lewis Carroll apresenta um mundo atravessado de irracionalidade, de situações absurdas e de diálogos desconcertantes, e, no entanto, é movido por uma lógica política implacável. “Ele representa uma ordem opressiva em que prevalecem a violência, o medo, a coação, as ameaças, que se impõem de cima para baixo, numa estrutura hierárquica em que os mais fracos e vulneráveis são os mais expostos a atos arbitrários”. O escritor e tradutor de Alice, acredita

que é exatamente como se sentem as crianças e os jovens, num mundo dominado por gente grande, arrogante, autoritária e brutal. “É como se sentem também as pessoas pobres, os deficientes, as minorias, os estrangeiros, os imigrantes e as criaturas da natureza. Alice, não nos esqueçamos, é uma estrangeira no País das Maravilhas”.

Svecenko (2009) enfatiza ainda que o outro lado da história, ainda mais fascinante, é que, sendo uma criança, Alice não incorporou ainda a norma e o hábito da subserviência.

Nesse sentido, onde quer que ela detecte alguma situação de prepotência ou desrespeito, imediatamente reage e encara o ser truculento de igual para igual, sem medo e sem dobrar a espinha. “Ela implode a lógica do autoritarismo vitoriano”. Svecenko (2009) é enfático ao dizer que só uma criança pode ter esse desprendimento de ignorar as regras que sustentam um sistema opressivo. “Alice ainda é e sempre será a melhor lição de ética, de irreverência

e de inconformismo, tanto para crianças quanto para adultos”

O contexto e a época que Carroll escreveu Alice tornam-se um fator de extrema

relevância para os tradutores de Alice. É notado que na maioria das edições brasileiras, o

texto é voltado para a realidade do país, proporcionando um maior contato com o estilo de Carroll, que propõe uma leitura imaginativa e a qualquer ambientação com os idos 1965 pode parecer um tanto desestimulante para o leitor.

Utiliza-se Lobato como exemplo, pois o escritor tinha uma maneira especial de traduzir obras literárias. Em Alice no País das Maravilhas, logo no prefácio ele diz:

As crianças brasileiras vão ler as histórias de Alice por artes de Narizinho. Tanto insistiu esta menina em vê-la em português (Narizinho anda não sabe inglês), que não houve remédio, apesar de ser, como dissemos uma obra intraduzível. (LOBATO, 2005, p. 9)

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autor, “a boa velha Dona Benta lia traduzindo aquele português de defunto em língua de

Brasil de hoje”

Sobre a Alice de Carroll, Lobato acrescenta: Traduzir é sempre difícil. Traduzir uma

obra como a de Lewis Carroll, mais que difícil, é dificílimo. Trata-se do sonho de uma menina travessa – sonho em inglês, coisas inglesas, com palavras, referências, citações, alusões, versos, humorismo, trocadilhos, tudo em inglês -, isto é, especial, feito exclusivamente para a mentalidade dos inglesinhos. (LOBATO, 2005, p. 7)

A literatura infantil

Segundo Cabral e Ramos (2003) a literatura infantil é um gênero bem recente. Na sociedade antiga, não havia a “infância”: nenhum espaço separado do “mundo adulto”.

As crianças trabalhavam e viviam junto com os adultos, testemunhavam os processos naturais da existência (nascimento, doença, morte), participavam junto deles da vida pública (política), nas festas, guerras, audiências, execuções, etc., tendo assim seu lugar assegurado nas tradições culturais comuns: na narração de histórias, nos cantos, nos jogos. (CABRAL e RAMOS, 2003, p. 3)

Associada à ascensão da burguesia européia, a família torna-se uniforme, mais voltada para a preservação dos elos sangüíneos. A criança passa então a receber o tratamento de indivíduo especial, em processo de formação. A presença do maravilhoso e do fantástico aparece nos contos de fadas, possuem em sua estrutura a preocupação do adulto com a formação da criança. Com isso, os textos tendem a revelar a visão do adulto por traz da história, sendo este o responsável pela produção e circulação do impresso. Neste período, de acordo com Cabral e Ramos (2003) a criança é apenas o receptor, fato que pode tornar a literatura infantil assimétrica. É justamente aqui que as autoras sinalizam a aplicação dos pressupostos da adaptação.

Assim, é necessário que o adulto, com uma visão de mundo diferente da criança, um conhecimento lingüístico mais amplo, se coloque na posição do infante, indivíduo em formação, com fantasias e pouca experiência de vida, desejoso de alimentar seus sonhos e que está à procura de algo significativo. (CABRAL e RAMOS, 2003, p. 4)

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pedagogia. Aguiar (2008) relata que não é por acaso, que Monteiro Lobato, com A menina

do narizinho arrebitado, em 1921, inaugurou oficialmente o gênero entre nós pelos caminhos

da sala de aula, fazendo enorme sucesso entre os alunos do ensino elementar. Desde então, principalmente com o desenvolvimento da indústria do livro, entre as décadas de 1950 e 1970, a literatura infanto-juvenil cresceu qualitativamente.

Em 1971, a Lei 5692, tornou obrigatória a leitura e literatura em todas as escolas. Aguiar (2008) acrescenta que, com isso as editoras facilitavam as tarefas dos professores, enviando, junto com os livros, materiais de apoio pedagógico, como fichas de leitura, a serem adotadas no ensino.

Houve, por conseguinte, um crescimento tanto no número de obras quanto no de leitores, o que significou um fortalecimento do sistema literário para crianças e jovens, que despertou o interesse dos diferentes setores da sociedade voltados ao assunto. (AGUIAR, 2008, p. 5)

Para Carvalho (2004, p. 127) o processo “de leitura da literatura contribui para a formação do sujeito não só como leitor, mas, sobretudo, como indivíduo historicamente situado”. Esta interação entre texto-leitor promove o diálogo entre o conjunto de normas sociais e literárias.

Alice no País das traduções

A história da tradução no Brasil apresenta uma singularidade bibliográfica. No final dos anos 30, havia um grande número de escritores conhecidos em outros gêneros que publicaram livros de literatura infantil. Para Wyler (2002) isso parece não apontar para as conclusões a que chegaram outros autores que consideraram as traduções e livros infantis atividades alternativas a que se dedicavam alguns escritores da época para continuar a ganhar e a publicar sem se indispor com os órgãos encarregados de zelar pela cultura nacional, na época fortemente repressora.

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Eis então uma possível justificativa para o fato de que abordar a tradução1 literária no Brasil é deparar-se com o mesmo questionamento levantado pelos autores pesquisados: a falta de estudos sobre o tema, que se deve às dificuldades de pesquisa; e, pelo número diminuto de acervo histórico bibliográfico e deficiente catalogação. Paes (1990) observa em um estudo sobre o tema, que não há nenhum levantamento histórico, abrangente e seletivo, sobre as traduções literárias no Brasil. O estudo das relações entre tradução e adaptação é um tema que tem encontrado espaço exíguo nos estudos da tradução (Paes, 1990; Amorim, 2005).

Amorim (2005) concorda que a tradução ainda é um objeto de pesquisa relativamente recente nas universidades, deixando o tema muito ligado ainda ao escopo da conceituação. Assim a adaptação torna-se um tema não central, e mesmo não relevante.

Quando o tema adaptação ocupa um maior espaço nas pesquisas de pós-graduação, tende a estar mais correlacionado aos estudos intersemióticos, campo em que a adaptação de obras literárias para o cinema, televisão ou teatro assume posição central de objeto de pesquisa. (AMORIM, 2005, p. 15)

No texto Leituras da permanência dos textos de Alice de Lewis Carroll: às múltiplas

versões e os produtos em série, Monteiro e Fonseca (2010) citam o tradutor Sebastião Uchoa Leite que faz alusão aos obstáculos com que se depara todo tradutor e sugere uma crítica às histórias recontadas de forma sintetizada – as releituras.

A produção literária apresenta unicamente os elementos que, segundo o autor e tradutor, são considerados essenciais para que a história seja narrada. Desta forma, fugimos das narrativas fantásticas e do nonsense de Lewis Carroll e nos aproximamos muito dos contos de fadas tradicionais, onde não existe a preocupação com o discurso, que é, verdadeiramente, uma das propostas da produção literária carrolliana. (MONTEIRO e FONSECA, 2010, p. 4)

Quanto às traduções, Paes (1990) aponta que o ponto de maior dificuldade para o autor, além da escassez de obras que discutam o assunto, é também o isolamento do universo da língua portuguesa. Essa situação pode estar relacionada ao serviço do ensino e da aprendizagem de idiomas estrangeiros, esse tipo de exercício tradutório privilegia a chamada tradução justalinear, alternando linha a linha o texto da língua-fonte com o da língua-alvo. Tal disposição gráfica visa acentuar, tanto quanto possível, os paralelismos

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léxicos e sintáticos entre um e outro idioma, donde não estranhar seja o seu ideal uma tradução por assim dizer literal, palavra-por-palavra. Isto é, a um substantivo da língua-fonte fazendo corresponder um substantivo equivalente na língua-alvo, a um adjetivo outro adjetivo, a um verbo outro verbo, a um advérbio outro advérbio, e assim por diante. (PAES, 1990)

Costa (2008) afirma que a tradução pode ser observada por diversos ângulos. As dificuldades têm a ver com a definição do valor literário da tradução, vista em relação ao texto-fonte como uma obra secundária.

Estudos já privilegiam aspectos com a importância da fidelidade; a manutenção do sentido e/ou da forma; e a independência do novo texto em relação ao original. Entretanto, embora a tradução venha gradativamente gerando estudos nas últimas décadas, esse domínio ainda carece de teorias literárias que a abordem com profundidade e singularidade. (COSTA, 2008, p. 18)

Estudiosos contemporâneos tendem a supor que a tradução não oferece uma compreensão verdadeira do texto estrangeiro, nem uma contribuição válida ao conhecimento da literatura doméstica ou estrangeira (VENUTI, 2000 apud Costa 2008, p.

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Apesar de todas essas discussões, as editoras brasileiras, estão inseridas em uma realidade mercadológica que pede este tipo de texto. Considerando a tênue linha que hoje separa as diversas culturas em todo o mundo, opta-se por atender às necessidades do público, ávido por consumir este tipo de literatura, sem grandes questionamentos sobre a qualidade literária da tradução.

As adaptações de Alice: “cortem as cabeças!”

De acordo com Formiga (2005) as adaptações2 de clássicos literários para jovens leitores circulam no Brasil desde o século XIX, quando a literatura escolar era fortemente influenciada por autores estrangeiros. No entanto, a pesquisadora conclui que, embora seja uma leitura que veicula em nosso país há algum tempo, assim como no caso da tradução, não há muitos estudos acerca da adaptação. Por trás dessa ausência encontra-se a

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Adaptação: ação ou efeito de adaptar (-se). Transformação de uma obra literária em representação teatral, cinematográfica, radiofônica ou televisionada. (HOLANDA, 1999, p. 49)

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concepção segundo a qual o texto literário é um objeto intocável. Stam (2006) credita este fato à logofilia, a valorização oposta, típica de culturas enraizadas na “religião do livro”. O autor cita, em seu estudo sobre adaptações de textos para histórias em quadrinhos, Bakhtin, que chama este fenômeno de “palavra sagrada” dos textos escritos.

Para adaptar um texto para um novo idioma, Formiga (2005) relembra Ezra Pound, figura importante da tradução de poesia de língua inglesa no século XX, que defende que na tradução não se pode manter tudo no original, porque nessa atividade deve-se acrescentar a voz do tradutor ao texto de partida. Para ela, a adaptação se constitui outra forma de ler, além de assumir um papel social, proporcionando o acesso inicial do leitor a obras difíceis de serem lidas e compreendidas em determinada época de sua vida. A adaptação se constitui de um exercício efetivo entre os leitores, não apenas os infantis/juvenis, mas todo aquele que se disponha a lê-la, por isso deve-se buscar subsídios para que se enquadre esse tipo de texto como gênero literário legítimo (FORMIGA, 2005).

Lidar com situações como estas, em que é impossível não pensar no público ao qual o livro se dirige, menciona-se que para ter o suporte livro em mãos, o leitor não conta apenas com textos, mas também com recursos gráficos (editores, impressores, desenhistas etc). Formiga (2005) cita a perspectiva abordada por Michel de Certeau (2000, p. 226) que afirma: quer se trate do jornal ou de Proust, o texto só tem sentido graças a seus leitores; muda com eles; ordena-se conforme códigos de percepção que lhe escapa; e também defendida por Chartier (1990, p. 127) ao afirmar que não existe nenhum texto fora do suporte que o dá a ler, que não há compreensão de um escrito, qualquer que ele seja, que não dependa das formas através das quais ele chega ao seu leitor.

Ao adaptar, o novo autor trabalha com uma série de fenômenos, como as variedades lingüísticas, culturais e temporais, que constituirão um outro texto, resultado de uma relação entre o dito (o texto de partida) e o instituído pelo adptador. Há uma aproximação entre os dois textos, nunca uma identificação, dado os interlocutores serem diferentes. Essa habilidade em estabelecer relações de equivalência entre elementos lingüísticos, culturais e históricos dos textos – de chegada e de partida – é o que configura um trabalho de adaptação. (FORMIGA, 2005, p. 6)

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(...) o vocabulário e a formulação sintática não costumam exceder o domínio cognitivo do leitor. Por isso, a preferência dos escritores é por uma redação que coincida com as particularidades do estilo infantil. (BETTELHEIM, 1996, p. 16 apud CABRAL e RAMOS, 2003)

Esta questão pode ser um indicador de que a literatura infantil exige um cuidado especial, adequando o texto à pedagogia própria da idade, exigindo o estreitamento comunicativo do autor com o leitor, e a complexidade do mundo por ele apresentado.

No livro Tradução e adaptação: encruzilhadas da textualidade em Alice no País das

Maravilhas, Amorim (2005) considera a hipótese da impossibilidade de uma liberdade sem limites, apresenta várias ponderações sobre leitura e interpretação. Sair das fronteiras da tradução ainda é uma dificuldade, principalmente quando se tenta estabelecer uma hierarquia entre versões e adaptações, baseando-se na noção de “exatidão” entre essas categorias. O autor vê isso como uma crença de que o texto é percebido como “um objeto que somente pode produzir uma leitura única e invariante, de forma que qualquer ‘desvio’ por parte do leitor/tradutor é julgado como uma transgressão” (AMORIM, 2005, p. 44). Aspectos como este, levam Amorim (2005) a observar que muitos autores deslocam a transgressão para “fora” do campo de realização da tradução o que acaba identificando as como versões ou adaptações. Foi possível para o autor, com base em suas pesquisas, afirmar que adaptar significa “transgredir” limites do que é considerado aceitável como “tradução” e traduzir significa “manter-se” no interior desses limites.

Contudo, outra ponderação deve ser feita. Essa “transgressão não é uma característica intrínseca à adaptação”. É comum perceber em algumas obras, inclusive

Alice, a condição de “histórias recontadas”, o que faz com que a transgressão seja de certa

forma amenizada eu até suprimida, o que pode ser atribuído a Alice de Ruy Castro. Outra

possibilidade é tomar a adaptação para se denotar, explicitamente, a modificação do texto original com objetivos bem definidos. Esta atitude pode legitimar a autorização para uma segunda reescritura como uma adaptação sem ser vista como transgressora. Com isso, Amorim (2005) conclui que a tradução aproxima-se o máximo possível do texto original e que as adaptações promovem desvios.

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textos, da leitura e dos leitores na literatura. Além de valorizar outras práticas que não só reconhecem o estatuto do leitor aos do texto canônico literário.

É inegável que as adaptações circulam, comprovadas pelo volume de edições que movimentam a indústria do livro, atingindo um público diversificado, dados os variados formatos, os diferenciados preços e as múltiplas reescrituras. Se há a prática de leitura de adaptações, isso nos estimula a continuar pesquisando esse suporte que atrai tantos leitores, de diferentes épocas, idades e categorias. (FORMIGA, 2005, p. 6)

Para Amorim (2005) outra questão a ser abordada é a condensação dos textos. Na tradução e adaptação de Monteiro Lobato (2005) há grande recorrência de omissões que poderiam levar os leitores a classificá-lo como uma condensação. Essa situação já não pode ser vista na adaptação de Nicolau Sevcenko (2009).

A noção de condensação é apenas um traço, entre outros possíveis, que poderia ser utilizado para caracterizar as adaptações, mas não é suficiente para explicar por que uma reescritura é apresentada como adaptação. (AMORIM, 2005, p. 43)

Levantar hipóteses de que a apresentação de uma obra como “adaptação” levaria a legitimação de modificações empreendidas pela editora e pelo adaptador não deve significar que tal situação não possa recorrer a um livro publicado como adaptação. Levar a legitimação das modificações empreendidas pela editora e pelo adaptador não deve significar que tal situação não possa ocorrer em um livro publicado como tradução (AMORIM, 2005).

Os leitores de Alice

Apesar do fato da indústria editorial demonstrar o crescente interesse na publicação de traduções e adaptações nas várias edições disponíveis no mercado, o direcionamento ao leitor é um ponto fundamental nesta discussão. Principalmente, quando consideramos a concorrência com outros suportes, como no cinema e nos games, por exemplo. Entender como as editoras se dirigem ao público deve ser avaliado para entender este processo. A faixa etária e o desenvolvimento psicológico dos indivíduos são fatores decisivos para este tipo de publicação. A receptividade do público depende da capacidade de atualização, informação e investimento das editoras. Mesmo que o público hipotético de Alice seja a

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De acordo com Costa (2008) a classificação de obras como literatura infanto-juvenil é um tanto controversa. Sobre a definição deste gênero, a autora acredita que literatura infantil é antes de tudo literatura. Vista como algo “pueril” pelo adulto, estes textos têm sido minimizados como criação literária, vista como gênero menor.

Entretanto, Carroll parece fugir a regra. Costa (2008) relara que Alice está em um

outro extremo. Há obras que escapam do objetivo de ensinar e entreter e por sua sensibilidade e complexidade. Mesmo possuindo uma linguagem adequada para crianças intrigam adultos, e mais que isso, constituem-se como arte.

É importante, contudo, deixar claro as diferenças entre literatura infantil e livro didático. A literatura infantil emergiu de fato no século XVIII, quando a criança se torna um eixona organização da sociedade burguesa. Com isso, produtos culturais destinados a este público começam a surgir. Segundo Coelho (2000, apud Benevit, 2010, p. 32) este gênero

foi redescoberto no século XX, a partir dos estudos de psicologias experimental, que determinam que o desenvolvimento intelectual humano passa por determinadas fases até atingir a maturidade. De acordo com o autor, a literatura infantil é uma comunicação entre um locutor ou escritor adulto e um destinatário criança, que dispõe de modo parcial da experiência do real e das estruturas lingüísticas, intelectuais, afetivas e outras que caracterizam a vida adulta.

Para Formiga (2005) a concepção de que a qualidade do texto pode variar conforme a condição sócio-cultural de quem lê é vista de forma limitada pela política editorial, que desconsidera o leitor e suas práticas de leitura.

É inegável que os dispositivos textuais e formais – os suportes – estão intimamente ligados à “comunidade de leitores”, porém não podemos limitar as distâncias sociais a fatores exclusivos que determinam a materialidade de um texto, pois outros princípios devem marcar as diferenciações: idade, sexo, geração, elementos que precisam ser considerados por alguns editores, que, ao produzirem ou reconstruírem textos para crianças/jovens, representam esse público apenas como grupo hierarquizado, e, mesmo considerando a idade, representam-no como incapaz. (FORMIGA, 2005, p. 6)

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Chartier (1990, apud FORMIGA, 2005, p.7) explica que a oposição macroscópica

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Para Chartier (2001, apud FORMIGA, 2005, p.7), o texto não atua sobre o leitor por

si só, mas através de uma materialidade, um formato, imagens, uma capa, uma distribuição e outros elementos que vão contribuir no processo de construção de sentido do leitor. Dessa forma, na literatura infantil, para atingir os fins a que se propõe, o autor não deve descuidar da feição material, não só pela leitura que ficará mais acessível, como também pela riqueza de formatos e impressão que podem tornar a recepção mais agradável e mais fácil de manusear, sem esquecer das ilustrações e da modernidade na escolha do formato, tipos gráficos e atratividade visual. Esta ideia é endossada por Benevit (2010).

A apresentação física do livro – seu design, a utilização ou não de imagens, escolha da tipografia e disposição do texto sobre as páginas diz muito acerca de uma edição. O editor, ofício que se delineou historicamente e que assumiu contornos mais aproximados à nossa realidade atual a partir da invenção da prensa com tipos móveis por Gutenberg, realiza a mediação entre o público e a obra, de forma que um mesmo texto pode resultar em diferentes produtos editoriais. (BENEVIT, 2010, p. 10)

As Editoras

De acordo com Chartier (1999 apud Benevit, 2010, p. 17), o editor como

conhecemos na atualidade surgiu das revoluções industriais pelas quais o livro passou no século XIX. O papel do editor segue o pressuposto de mediar entre o leitor e o conteúdo da obra, em sua forma e conteúdo, a forma mais adequada para atingir a audiência e atender às necessidades mercadológicas. Benevit (2010) afirma que cabe ao editor estabelecer de que forma será realizado o direcionamento de cada obra para atingir este nicho determinado, de modo a atender a demanda de livros que tratem de determinado assunto.

Para entender alguns dos motivos que levam algumas editoras brasileiras, a traduzirem e adaptarem, Alice no País das Maravilhas, foram utilizadas como objeto de

pesquisas as editoras: Editora Campainha Nacional; Cosac Naify e Compainha das Letrinhas. Como parte da metodologia de pesquisa, foi enviado e aplicado, por e-mail, um questionário simples direcionados às editoras. As perguntas são:

1. A publicação do livro partiu de um interesse da própria editora, se não como foi feito?

2. Como e de onde partiu a decisão de traduzí-lo ou adaptá-lo?

3. Como foi determinado público alvo ou nicho de marcado?

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5. Como a empresa vê o mercado para este tipo de publicação?

6. Como foi a recepção da audiência?

7. Qual é o retorno mercadológico da editora?

Companhia Editora Nacional

De acordo com Célia de Assis, gerente editorial da IBEP/Companhia Editora Nacional, fazia parte da programação da editora a tradução de clássicos infantis. Como a abra de Monteiro Lobato foi editada em 1931, não se soube responder como foi determinado o público alvo ou nicho de marcado na época. A nova estratégia adotada pela editora é a de divulgar os livros intensamente na rede escolar e fazer a edição de adaptações baseadas na tradução de Monteiro Lobato para o público infantil, com a coleção Primeiros Clássicos.

Quanto ao mercado, Célia de Assis relata ser bastante competitivo, pois estes tipos de clássicos têm várias adaptações e o importante é introduzir na sua versão um diferencial, seja pelo renome do tradutor, pela adaptação adequada para o púbico infantil, seja pelas características do projeto visual (formato, ilustrações, acabamento). Em relação à recepção da audiência e ao retorno mercadológico, a editora preferiu não responder à pergunta, alegando a confidencialidade da informação.

Cosac Naify

Lançada recentemente, em 2009, pela Editora Cosac Naify, a adaptação do historiador Nicolau Sevcenko preocupa-se em transpor o espírito de Carroll, mantendo rimas e nonsense e eliminando referências à Inglaterra vitoriana. Esta publicação inova também

com ilustrações de Luiz Zerbini. Em entrevista a Livia Deorsola, Nicolau Sevcenko disse que sempre foi apaixonado pela história de Alice. Sevecenko publicou a sua tradução de Alice,

primeiro pela editora Scipione. “A editora pediu uma tradução do texto na íntegra e não apenas uma adaptação, o que foi um processo árduo e lento e levou aproximadamente um ano”. Encarar os jogos gramaticais, semânticos, contextuais, poéticos, filosóficos, estéticos e éticos das poesias e canções do livro “foi um desafio enorme. Mas quanto maior a complexidade e amplitude do desafio, maior é o prazer de enfrentar e se divertir com o jogo”.

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“Tínhamos há algum tempo o desejo de publicar este clássico, por sua importância histórica e por sua afinidade com o nosso catálogo, marcado pela inventividade e originalidade. Mas, dada a grande quantidade de edições de Alice disponíveis no mercado, buscávamos fazer algo diferente de tudo o que existia, tanto no que diz respeito ao cuidado com o texto quanto ao acabamento gráfico. Algo em sintonia com o projeto editorial da Cosac Naify. Por isso, o livro demorou anos até finalmente ser publicado e resultou do trabalho incansável de uma equipe que envolve desde o tradutor e o ilustrador até o editor, o design e o produtor gráfico.

A decisão de traduzir Alice partiu do próprio Nicolau Sevcenko, um apaixonado pelo livro. No final dos anos 1980 ou início dos anos 1990 (o tradutor não se lembra com precisão), a Cristina Carletti, na época editora da Scipione, o incentivou a realizar o trabalho, que levou cerca de um ano para ser concluído. Anos depois, a partir de uma conversa entre a Cristina Carletti e o diretor-presidente da Cosac Naify Augusto Massi, surgiu a ideia de fazer um projeto completamente revisto e reconfigurado, com um novo tratamento gráfico e editorial, a ser publicado pela Cosac. Para a nova edição, Sevcenko retraduziu os poemas originais de Lewis Carroll, que na primeira versão haviam sido aproveitados de uma tradução do Geir Campos. Há ainda um posfácio inédito nesta edição da Cosac Naify escrito pelo próprio tradutor. Nele, Sevcenko refaz seus caminhos para a tradução do texto e levanta as questões históricas e culturais da época em que Lewis Carroll escreveu o livro para justificar suas escolhas de tradução. Vale lembrar que a tradução do Nicolau Sevcenko é integral, e não uma adaptação, como a maioria das que estão no mercado.

Como em todos os livros da Cosac Naify, nós nunca imaginamos um nicho de mercado específico para nossas publicações. Evitamos, inclusive, qualquer classificação por faixa etária ou outros tipos de segmentação. Há muitos títulos em nosso catálogo que consideramos inclassificáveis, que transitam entre o público adulto e o juvenil e infantil. Alice

é um destes casos. Temos registro de adoção deste título para turmas de alunos do quarto ano, por exemplo, ou seja, crianças de nove anos, assim como estudantes do Ensino Médio (com idade entre quinze e dezessete anos). A nossa edição também foi muito comentada por designers, artistas plásticos etc. Quando concebemos um livro, não estamos preocupados propriamente com o público-alvo, mas em oferecer a melhor edição, sob todos os aspectos. Alice, sem dúvida, superou as mais otimistas expectativas. Ganhamos, inclusive, o segundo lugar no prêmio Jabuti deste ano pelo Projeto Gráfico.

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pesquisa para conhecer as edições já disponíveis no mercado. A ideia de editar um clássico é revisitá-lo com olhos contemporâneos, a partir de uma leitura do nosso tempo, mas levando em consideração aspectos históricos literários. É por isso que, no nosso catálogo, convivem o passado e o presente. O clássico acaba sendo ainda mais contemporâneo. Pelo excelente desempenho de vendas da Alice, certamente há um amplo mercado para este tipo de publicação. Nestes casos, o grande desafio é bolar algo inédito e original em meio a tanta oferta.

Alice foi muitíssimo bem recebido. Em menos de um ano, o livro já vendeu mais de 25 mil exemplares e está na terceira reimpressão. Também foi adquirido pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) em 2010. A edição de colecionador, com tiragem de 3000 exemplares, se esgotou em menos de um mês após o lançamento. É um dos

best-sellers da editora. Além disso, foram mais de cinquenta matérias e resenhas nos principais

veículos de imprensa de todo o país.

A opção pelo Zerbini foi da editora. Escolhemos não exatamente um ilustrador, mas um artista plástico que pudesse dar a sua interpretação ao clássico de Carroll. Quando foi convidado para o projeto, Zerbini cogitou não aceitar, por considerar o texto de Carroll com uma enorme força visual, o que, na sua opinião, dispensaria o trabalho de um ilustrador. Mas ele próprio provou ser possível criar a sua versão da Alice. O artista começou a trabalhar no livro em 2007 e, quando teve a ideia de utilizar as cartas de baralho, sentiu que havia encontrado o tom, criando uma poesia visual surpreendente à altura de Carroll e de Sevcenko”.

Companhia das Letrinhas

Outra publicação “contada” como define a editora, utilizada neste artigo, é o texto do jornalista Ruy Castro, publicado pela Editora Companhia das Letrinhas, em 1982. O livro traz textos curtos e ilustrações grandes. O tradutor se ateve aos pontos principais e montou uma história curta, deixando transparecer a proposta de prender a atenção do público infantil. Este pode ser um indício de que o mercado editorial tem como proposta a abertura de mais espaço para tradutores e adaptadores do texto original para versões destinadas, principalmente para o público mais jovem.

Segundo Nahima Maciel (2010) o escritor Ruy Castro ganhou o livro Alice no País

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ainda, durante a entrevista a Maciel, que não se propôs a fazer uma simples tradução, mas sim uma condensação, visando atingir a garotada por volta de 10 anos. A dificuldade foi a de resumir a história usando o máximo possível de palavras do original.

Alice é riquíssimo, pode-se passar uma vida inteira estudando e não se roçar mais que a superfície do livro. É fascinante do ponto de vista da narrativa, da lógica, da simbologia, de tudo. É uma obra-prima, um patrimônio da humanidade. (MACIEL, 2010)

As informações obtidas no questionário respondido por Lilia Schwarcz, editora da Companhia das Letrinhas, desde a sua fundação, mostram que o interesse na publicação de

Alice contada por Ruy Castro partiu da própria editora. “Ruy Castro tinha interesse em fazer

uma tradução e nós estávamos começando a Letrinhas, com a ideia de combinar livros clássicos, com novos. Além do mais, queríamos ligar a imagem do selo infantil com os autores da casa. Por isso, casando dois mais dois nasceu o projeto que inaugurou junto com o livro do Paulo Paes (uma letra puxa a outra) e com Babar e Peter Rabbit, o selo Letrinhas”. Sobre a opção de traduzir e depois adaptar o texto de Lewis Carroll e não apenas traduzí-lo, Lilia Schwarcz disse que a editora “pensou em fazer uma obra mais criativa, com o tom brincalhão do Ruy. Daí a ideia”.

Sobre a forma como foi determinado o público alvo ou nicho de marcado, Lilian relata que: “como o livro abria o selo Letrinhas, logo pensamos numa linguagem mais infantil. A princípio o livro saiu em versão capa dura e mole, mas depois vimos que o público brasileiro seguia mais o preço e que a versão capa mole era imbatível”.

Quanto à decisão de editar um clássico da literatura como Alice, Lilia respondeu que

“o mercado brasileiro é hoje em dia muito atento aos clássicos. Naquela época (1982) não era tanto, mas é esse o papel das editoras, apostar em novas mentalidades, novas preocupações e objetivos”.

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Considerações finais

Os resultados esperados são de que as editoras apostam na força comercial de obras clássicas da literatura mundial e com o apreço pessoal que tradutores e adaptadores possuem pelo texto de Carroll. De tempos em tempos, quando estas histórias são alvo de algum produto da indústria cultural, como, por exemplo, o cinema, as empresas apostam no lançamento impresso de livros, aproveitando o interesse momentâneo do público e evidenciando o fato comercial.

Outra possibilidade é a necessidade de manter disponível nas prateleiras das livrarias, de forma atual e repaginados, os grandes clássicos da literatura infanto-juvenil, referenciados tradicionalmente por pais e escolas.

Foi observado o fato de que, não obrigatoriamente, tradutores e adaptadores de

Alice estão ligados emocionalmente à história, e de alguma forma (o que ainda poderá ser

verificado) acrescentam particularidades pessoais na publicação, ligadas ao impacto do texto no período de infância. Trata-se em sua maioria de autores renomados que se envolvem nestes projetos, o que de certa forma acaba por despertar o interesse de editoras.

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Referências

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