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História e filosofia da ciência na pesquisa em ensino de ciências no Brasil: manutenção de um mito?

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

JULIO DE MESQUITA FILHO

FACULDADE DE CIÊNCIAS

Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência - Bauru - SP

TESE DE DOUTORADO

HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NA PESQUISA EM ENSINO

DE CIÊNCIAS NO BRASIL: MANUTENÇÃO DE UM MITO?

VALÉRIA SILVA DIAS

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

JULIO DE MESQUITA FILHO

FACULDADE DE CIÊNCIAS

Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência

HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NA PESQUISA EM ENSINO DE CIÊNCIAS NO BRASIL: MANUTENÇÃO DE UM MITO?

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, como exigência parcial para obtenção do grau de doutora em Educação para a Ciência.

Doutoranda: Valéria Silva Dias

Orientador: Prof. Dr. Alberto Villani

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DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO UNESP – Campus de Bauru

Dias, Valéria Silva.

História e filosofia da ciência na pesquisa em ensino de ciências no Brasil : manutenção de um mito? / Valéria Silva Dias, 2008

116 f. : il.

Orientador: Alberto Villani

Tese (Doutorado)– Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2008.

1. Psicanálise. 2. Mito. 3. Pesquisa em ensino de ciências. 4. História e filosofia da ciência. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título.

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BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Alberto Villani (orientador)

Profa. Dra. Elizabeth Barolli

Prof. Dr. Jorge Megid Neto

Prof. Dr. Roberto Nardi

Profa. Dra. Sonia Maria Dion

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Alberto Villani, orientador dessa tese, pela insistência e confiança na realização do trabalho.

Ao Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, pela flexibilidade e compreensão, sem as quais não seria possível finalizar o projeto.

Aos colegas do Grupo de Pesquisa sobre Formação de Professores e Psicanálise, pelo apoio e colaboração nas discussões sobre a tese.

Aos professores e professoras que concederam as entrevistas para essa pesquisa.

Aos membros das bancas de qualificação e defesa, pelas preciosas contribuições na análise crítica do texto.

Ao meu marido, meus familiares (particularmente, meus irmãos e minha irmã) e amigos, pela compreensão, pela escuta paciente e pela ajuda nos momentos difíceis.

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No limite, o que veremos é que o mito se deixa eternamente interpretar, e esta interpretação torna-se, ela mesma, um novo mito. Em outras palavras, as interpretações não esgotam o mito. Antes, de outra maneira, a ele se agregam como novas formas de o mito expor suas mensagens. Numa cápsula, poderia ser dito: novas interpretações, outros mitos. Isto é, talvez, aquilo que de mais sedutor se encontra no mito.

(Rocha, 1999, p. 48)

Mudaram as estações e nada mudou Mas eu sei que alguma coisa aconteceu Está tudo assim tão diferente Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar Que tudo era pra sempre Sem saber Que o para sempre

Sempre acaba?

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RESUMO

A institucionalização da pesquisa sobre Ensino de Ciências (EC) teve início no Brasil no final da década de 1960 e apenas recentemente, no ano 2000, foi reconhecida como área pela Capes. Durante esse tempo, tivemos a produção de vários trabalhos que buscaram analisar sua história, descrevendo os fatores determinantes de sua constituição e sustentação. Em nossa pesquisa resgatamos alguns desses trabalhos, focando o olhar sobre os aspectos subjetivos que contribuíram para seu desenvolvimento. Elegemos como referências os trabalhos de Nardi (2005) e Villani, Pacca e Freitas (2002), bem como alguns conceitos psicanalíticos desenvolvidos por René Kaës sobre a vida psíquica de grupos e instituições. Esses elementos permitiram interpretar os eventos que marcaram a história da área de EC, considerando que todo grupo se constitui, se organiza e evolui de acordo com a configuração que reveste o sistema de representação de seus membros, da tarefa proposta, do grupo em si mesmo e do contexto social. Após identificarmos os quatro momentos organizadores no desenvolvimento dos vínculos intersubjetivos estabelecidos na instituição - o Momento Originário, o Primeiro, o Segundo e o Terceiro Organizador Grupal - buscamos pelos intermediários que marcaram os intercâmbios, os lugares, as atribuições, a atividade representacional e os afetos. Reconhecemos na História e Filosofia da Ciência (HFC) intermediários fundamentais em cada fase do desenvolvimento da área e buscamos elementos para entender melhor os papéis desempenhados pela HFC na pesquisa, principalmente, suas contribuições para a fundação e sustentação da área. Para obtermos informações com potencial mais subjetivo fizemos entrevistas com pesquisadores da área, cujas produções científicas revelaram aproximação com a HFC. A nossa interpretação avançou quando integramos um novo conceito no suporte das análises: o mito. Nossos resultados revelaram que, embora manifestada de diferentes formas, a exploração da HFC na pesquisa em EC parece cumprir a missão fundamental de manutenção do mito da ciência, ou seja, de transmitir através das gerações a narrativa da ciência como um mito de origem e de verdade.

Palavras-chave: Pesquisa em Ensino de Ciências, História e Filosofia da Ciência, psicanálise, mito.

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ABSTRACT

The establishment of research into Science Education began in Brazil in the end of the decade of the 1960’s and only recently, in the year 2000, was it recognized as a field by Capes. During this time, many works tried to analyse its history, describing the determinant factors of its constitution and upholding. In our research we look back on some of these works, focusing on subjective aspects that contributed to its development. We chose as reference the works of Nardi (2005) and Villani, Pacca & Freitas (2002), and some other psychoanalytic concepts developed by René Kaës referring to psychic life of groups and institutions. These elements allowed us to interpret the events that highlighted the history in the field of Science Education, taking into consideration that any group is made up of, organizes itself and develops itself according to the configuration that overlays the representation system of its members, of the task proposed, the group itself and the social context. After we were able to identify the four organizational moments in the development of the intersubjective links existing in an institution which are -the arising moment, -the first, -the second and -the third group organizer, we searched for the intermediates that highlighted the interchanges, the places, the attributions, the representational activities and the affection. One can recognize in the History and Philosophy of Science (HPS) the fundamental intermediary in each developing phase of the field and search for elements to better understand the roles played by the HPS in research, especially its contributions to the foundation and establishment in the field. To obtain more potential and subjective information, many researchers in this field were interviewed whose scientific works showed some proximity with the HPS. Our interpretation took a head start when we integrated a new concept to support our analysis: the myth. Our results revealed that, although manifested in many different ways, exploring the HPS in the Science Education research seems to fulfill the fundamental mission in maintaining the science of myth, or rather, transmitting from generation to generation the science narrative as a myth of origin and truth.

Key words: Research in Science Education, History and Philosophy of Science, psychoanalysis, myth.

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ÍNDICE

1. APRESENTAÇÃO ____________________________________________ 02 1.1 A METODOLOGIA DA PESQUISA ____________________________________ 04

2. UM PANORAMA DA ÁREA DE ENSINO DE CIÊNCIAS NO BRASIL ____ 09 2.1 O PANORAMA ANTERIOR À DÉCADA DE 1960 __________________________ 12

2.2 FASE1: O INÍCIO DAS PESQUISAS NA ÁREA ___________________________ 21

2.3 FASE2: A CONSOLIDAÇÃO DA ÁREA ________________________________ 28 2.4 FASE3: O MOMENTO ATUAL DA ÁREA _______________________________ 30

3. INTERPRETANDO A HISTÓRIA DA ÁREA DE EC E DESTACANDO

CONTRIBUIÇÕES DA HFC_________________________________________ 36 3.1 MOMENTO ORIGINÁRIO _________________________________________ 41

3.2 PRIMEIRO ORGANIZADOR GRUPAL _________________________________ 43

3.3 SEGUNDO ORGANIZADOR GRUPAL _________________________________ 45 3.4 TERCEIRO ORGANIZADOR GRUPAL__________________________________ 49

4. PAPÉIS DA HFC NA HISTÓRIA DA ÁREA ________________________ 52 4.1 ASPECTOS OBJETIVOS: PUBLICAÇÕES E MODELO DE MUDANÇA CONCEITUAL____ 54 4.2 ASPECTOS SUBJETIVOS: REFERÊNCIA SIMBÓLICA E TRANSMISSÃO DA HERANÇA _ 63

5. UMA OUTRA TENTATIVA DE INTERPRETAÇÃO: MITO ____________ 71 5.1. COMPLEXO DE ÉDIPO: UMA INTERPRETAÇÃO E UMA PONTE________________ 78

5.2. MITO DE ORIGEM _____________________________________________ 79

5.3. MITO DA VERDADE ____________________________________________ 82 5.3. MITO DE ORIGEM E DE VERDADE __________________________________ 83

6. CONCLUSÕES _____________________________________________ 87

REFERÊNCIAS __________________________________________________ 91

APÊNDICE 1 - ROTEIRO PARA ENTREVISTA _________________________ 99

APÊNDICE 2 - AUTORIZAÇÃO ____________________________________ 101

APÊNDICE 3 - INTERMEDIÁRIO ___________________________________ 102

APÊNDICE 4 - REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE FÍSICA ___________ 104

APÊNDICE 5 - O REAL, O SIMBÓLICO E O IMAGINÁRIO ______________ 108

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1.

APRESENTAÇÃO

Nesse início de trabalho não poderia me furtar à explicitação da trajetória que me levou a pesquisar sobre as contribuições da História e Filosofia da Ciência (HFC) para a pesquisa na área de Ensino de Ciências (EC). Esse trajeto talvez tenha começado a se delinear em 1999 quando iniciei minha iniciação científica sob orientação do professor Roberto de Andrade Martins. O desafio que me foi proposto em meu primeiro contato com a História da Ciência foi estudar os trabalhos desenvolvidos por Michael Faraday que resultaram na lei da indução eletromagnética.

De repente me vi diante de dezenas de artigos publicados por Faraday no início do século XIX, de diferentes biografias sobre ele e, como desafio suplementar, tinha seu caderno de laboratório com anotações do seu próprio punho para estudar. A tarefa era ao mesmo tempo árdua e fascinante e os resultados se traduziram em uma profunda marca na minha formação científica.

Este estudo, realizado durante a licenciatura em Física, foi determinante para as escolhas que fiz para o mestrado, primeiro ao decidir pela área de EC e depois ao definir o tema da dissertação que tinha como eixo as contribuições de Faraday para a metodologia do trabalho experimental. Essas decisões foram amparadas pelas indicações do professor Martins que me incentivou a buscar um novo orientador que tivesse experiência na pesquisa em EC e que, ao mesmo tempo, tivesse vínculos com a pesquisa em HFC.

Na experiência do mestrado ampliamos os estudos sobre a história do eletromagnetismo e iniciamos um estudo mais sistemático sobre historiografia e seus diferentes enfoques teóricos. Além disso, tivemos a oportunidade de entrar em contato com um referencial que possibilitou tratar de aspectos subjetivos envolvidos na relação ensino-aprendizagem. Nesse movimento, emprestamos conceitos do referencial psicanalítico lacaniano que nos permitiu ampliar o universo de interpretações dos dados disponíveis.

O pertencimento a dois grupos de pesquisa foi particularmente importante nesse processo. O Grupo de História e Teoria da Ciência (GHTC) sediado na Unicamp, onde era possível debater sobre as questões relativas a

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história do trabalho de Michael Faraday; e o Grupo de Pesquisa em Formação de Professores de Ciências e Psicanálise, onde as questões subjetivas ligadas ao relacionamento entre professores e alunos puderam vir à tona.

Desde o início dessa fase eu já estava convencida de que o conhecimento da HFC poderia contribuir para o ensino das Ciências e buscava a introdução de textos históricos (fontes primárias) como forma de contextualizar e dar sentido a aprendizagem de meus alunos. Portanto, na atuação docente no Ensino Médio e também no Ensino Superior já lidava com as dificuldades que o uso de textos históricos na sala de aula apresentava e comecei a questionar sobre sua viabilidade prática. Mas foi durante o processo de desenvolvimento da dissertação de mestrado que tive contato com estudos sobre esse tipo de aplicação, sobre sua importância enquanto temática de pesquisa. Comecei a vislumbrar a possibilidade de obter respostas a algumas questões que me inquietavam e que geraram a tese ora apresentada.

Com a participação em congressos e outros eventos científicos na área da Educação em Ciências e da HFC foi possível partilhar percepções e experiências sobre o uso da HFC no ensino e, revisando a bibliografia da área, foi possível ter acesso aos resultados de diversas pesquisas (Bizzo, 1991; Silva e Martins, 2003; Dias e Villani, 2004; Greca e Freire, 2004; Silva, 2006; Borges, 2007) sobre esse assunto.

Algumas pesquisas revelavam as potencialidades para uso da HFC desde o Ensino Fundamental até o Ensino Superior, apontando fatores como: desmitificação da ciência e da atividade científica, concepções alternativas e suas superações, contextualização, evolução dos conceitos etc. Outras pesquisas apontavam os empecilhos: falta de material adequado aos diferentes níveis de ensino, despreparo dos professores relacionado à formação inicial, redução do número de aulas de ciências nas escolas, principalmente, no que se refere à escola pública de Ensino Médio, entre outros fatores.

Enquanto nos envolvíamos com o levantamento desses dados, percebemos que esse tema era recorrente nas pesquisas da área de Educação em Ciências há muito tempo. Encontramos artigos sobre essa temática desde as primeiras publicações especializadas da área. Também percebemos que o

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espaço para discussão das questões relativas ao ensino foi ficando cada vez maior nos eventos científicos da área de HFC.

No quadro geral a HFC pareceu-nos reveladora de uma característica preocupante das pesquisas sobre EC e suas aplicações: a distância entre os resultados das pesquisas e a sala de aula. Como pudemos constatar, enquanto tema de pesquisa, a HFC estava presente desde o início da área, mas poucos trabalhos enfocavam experiências concretas de sua aplicação no ensino1.

Inquietamo-nos ao constatar que esse distanciamento não era exclusividade das pesquisas sobre o uso de HFC no ensino, pelo contrário, se revelava também no estudo de outras temáticas, como a experimentação e o laboratório didático, por exemplo. Então, questionamos: como e porque essa temática permanece presente nas pesquisas? O que sustentou e sustenta a permanência desse tema de pesquisa na área ao longo do tempo? Essas questões nos levaram ao tema dessa tese e nos indicaram que, muito provavelmente, as respostas sobre o status que a HFC tem na área precisariam ser buscadas na própria história da pesquisa em EC.

1.1 A METODOLOGIA DA PESQUISA

O caminho escolhido foi começar por uma pesquisa bibliográfica em periódicos da área de EC. Acreditávamos que um levantamento das publicações que tratavam da inserção da HFC no ensino poderia nos ajudar a responder perguntas do tipo: quem são as pessoas que escrevem sobre o uso da HFC no ensino? Quais as temáticas abordadas pelos autores em seus artigos?

Após a revisão bibliográfica em dois periódicos ligados ao ensino de Física percebemos que somente parte das questões poderia ser respondida. Listar pesquisadores e os temas dos artigos não nos permitiu enxergar além de uma mudança na perspectiva das produções, ou seja, conseguimos detectar apenas que o número de artigos que tratavam de traduções ou leituras de episódios da história sem articulação com o ensino foi diminuindo com o passar

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Existem várias iniciativas visando diminuir esse distanciamento, como exemplos, citamos o livro organizado por Silva (2006) “Estudos de História e Filosofia das Ciências: subsídios para Aplicação no Ensino” e o artigo de González e Pérez (2000) “Un currículo para el estúdio de la Historia de la Ciência en secundaria”.

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do tempo. A impossibilidade de avançar na análise nos remeteu à necessidade de aprofundar o conhecimento sobre a história da pesquisa em EC, principalmente, no tocante às temáticas de pesquisa que conquistaram espaço no Brasil.

Essa tarefa nos levou ao encontro de vários trabalhos (Almeida, 1980; Goergen, 1986; Krasilchik, 1989; Conrado, 2005; André, 2006; Ferreira, 2006) de natureza parecida quanto à intencionalidade de mapear os aspectos objetivos (publicações, eventos científicos, criação de pós-graduações, etc.) que levaram a consolidação da pesquisa em ensino de Física, Química e Biologia2.

Uma pesquisa particularmente inspiradora foi realizada por Nardi (2005) na tese intitulada “A área de ensino de Ciências no Brasil: fatores que determinaram sua constituição e suas características, segundo pesquisadores brasileiros”. A metodologia de coleta de dados foi baseada em entrevistas com representantes da área escolhidos pelos próprios pares através de uma consulta nacional, em que foram indicados os pesquisadores mais influentes na área, na opinião dos consultados3.

Os dados provenientes das falas dos entrevistados foram analisados com o referencial de Análise do Discurso de linha francesa, e sua leitura levou-nos a perceber que seria possível fazer um levantamento mais específico dos aspectos subjetivos (as crenças, os preconceitos, os impasses vividos, os conflitos etc.) que envolveram a atuação dos pesquisadores ao longo dos anos.

Surgiu então uma nova idéia: buscar trabalhos que retratassem a trajetória da pesquisa em EC, porém, que analisassem os eventos considerando a subjetividade envolvida na interface dos sujeitos individuais com o coletivo do grupo/área. Encontramos nas pesquisas desenvolvidas por

2

Cabe aqui a ressalva que, embora a área seja oficialmente reconhecida como Ensino de Ciências e Matemática, as pesquisas sobre o ensino de Matemática e, conseqüentemente, sobre o papel da História da Matemática no ensino estão circunscritas a uma comunidade específica, diferente daquela que retratamos no âmbito desse estudo. Uma exceção dessa situação talvez seja encontrada no programa de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

3

A consulta foi feita através de correio eletrônico e atingiu 973 pesquisadores. Foram indicados 501 nomes para entrevistas, em um total de 202 respostas obtidas. O critério do número de citações foi estabelecido para definir os 24 pesquisadores que foram entrevistados, sendo que todos tiveram oito ou mais indicações.

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Villani, Pacca e Freitas (2002) também em Villani et al. (2006) as referências que procurávamos. Essas pesquisas utilizaram alguns conceitos da psicanálise lacaniana visando uma nova compreensão sobre os aspectos que marcaram a constituição e sustentação da área, ajudando com isso na reflexão sobre os caminhos já trilhados e sobre aqueles que poderiam se mostrar possíveis de serem trilhados.

Outras pesquisas, estas empreendidas por Valadares e Villani (2001, 2006), utilizaram conceitos elaborados por René Kaës (1991, 1997, 2001, 2005) e permitiram enxergar a área de pesquisa em EC, no conjunto de seus pesquisadores e produções, como uma instituição ou um grupo com uma vida psíquica singular, passível de estudos e análises. Um trabalho específico apresentado por Villani na mesa de abertura do X Encontro de Pesquisa em Ensino de Física (X EPEF) retratou a história da área dividida em quatro grandes momentos (ou fases), apontando os elementos caracterizadores de cada uma delas.

Essa interpretação dos aspectos subjetivos envolvidos na história da área nos revelou que a HFC não foi apenas mais uma temática explorada nas pesquisas da área em meio a tantas outras; ela parece ter atuado como fator determinante em algumas fases, contribuindo, entre outras coisas, para aproximação de pesquisadores e referenciais teóricos específicos.

A questão norteadora de nossa tese ganhou novos contornos nessa etapa do trabalho definindo-se como uma indagação sobre os papéis que a HFC desempenhou na história da área. Decidimos então entrevistar alguns dos pesquisadores que fizeram essa história e que poderiam nos ajudar não só a entender mais sobre o assunto, mas também vislumbrarmos possibilidades de resposta a nossa pergunta de pesquisa. Contamos também com os relatos das experiências vividas pelo próprio orientador do trabalho, que se constituíram em contribuições valiosas para a construção da tese.

Assim, o que buscamos nos entrevistados foi a memória individual que se expressa apoiada em tempos e espaços institucionais, que se traduzem em dados histórico-afetivos de cada um. Segundo Kaës (2005), a memória é dependente de uma experiência vivida e integrada a uma história de um grupo,

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que sustenta as memórias comuns e partilhadas, seus contratos e pactos ao longo de sua trajetória.

A escolha dos entrevistados foi pautada nas referências obtidas durante a revisão dos periódicos empreendida em etapa anterior da pesquisa. O critério principal foi selecionar pesquisadores, reconhecidos dentro da área de ensino de Ciências, que tivessem publicações sobre o uso da HFC no ensino. Também buscamos referências nas atas do Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia, principal evento promovido pela Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC) no Brasil, sobre os pesquisadores que estavam envolvidos com a questão do ensino de Ciências.

A participação da pesquisadora em eventos científicos realizados no âmbito das duas comunidades alvo facilitou, em parte, a realização das entrevistas. Entre as dificultadas enfrentadas citamos: a distância, pois as entrevistas foram realizadas nas residências ou locais de trabalho dos entrevistados espalhados por diversos estados brasileiros; a necessidade de transcrição integral das fitas (gravadas em áudio) feita pela própria pesquisadora - opção que se justifica pois entendemos que em um trabalho como esse em que se busca pelos detalhes, aquilo que está subjacente à fala, a terceirização desse serviço não seria uma vantagem; e o insucesso na tentativa de contatar algumas pessoas, principalmente alguns pesquisadores já aposentados.

Para realização das entrevistas elaboramos um roteiro semi-estruturado, que pode ser encontrado no Apêndice 1. Em várias ocasiões, porém, a dinâmica das questões foi adaptada para a situação manter-se confortável em função da relação estabelecida entre a pesquisadora e o entrevistado. De maneira geral, as entrevistas duraram cerca de uma hora e trinta minutos, todos os entrevistados se mostraram comprometidos e envolvidos com as questões apresentadas e alguns, inclusive, ofereceram materiais adicionais para ajudar na pesquisa (sugeriram nomes para novas entrevistas, indicaram bibliografia). Obtivemos permissão escrita dos entrevistados para transcrição e uso dos dados gravados para fins dessa pesquisa (modelo no Apêndice 2). Salientamos ainda que as transcrições não foram utilizadas na íntegra,

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selecionamos os trechos que se mostraram interessantes para a sustentação da tese, conforme apresentado nos capítulos seguintes.

A análise das entrevistas (de uma lista preliminar de vinte pesquisadores, treze entrevistas foram realizadas e doze entrevistas foram utilizadas efetivamente4) suscitou a necessidade de buscar uma nova referência teórica para complementar a discussão sobre os elementos de perpetuação da HFC durante toda a história da área.

Na tentativa de encontrar esse referencial, uma atividade relevante foi a submissão dos dados ao grupo de pesquisa coordenado pelo orientador desse trabalho. A atividade do grupo se configura pela dinâmica de associação livre e atenção flutuante através das quais os pesquisadores (em número que varia em torno de dez pessoas a cada reunião) levantam questões e sugerem hipóteses sobre a dinâmica dos eventos relatados, a partir do referencial adotado5. Foi durante uma dessas seções que a idéia de explorar a dimensão mítica da ciência foi proposta como possibilidade interpretativa dos dados relatados, nos levando ao conceito de mito e à referência que faltava.

Consideramos que entre os principais resultados alcançados, nesse trabalho, estão o reconhecimento da História e Filosofia da Ciência (HFC) como um intermediário nos quatro momentos da história da área de pesquisa em EC, a descrição de elementos que possibilitam entender melhor os papéis desempenhados pela HFC no desenvolvimento dos vínculos intersubjetivos estabelecidos e ainda suas contribuições para a fundação e sustentação dessa área de pesquisa. Esses resultados, mais a utilização do conceito de mito, nos possibilitaram sustentar a tese de que, embora manifestada de diferentes formas, a exploração da HFC na pesquisa em EC parece cumprir a missão fundamental de valorização e manutenção do mito da ciência, ou seja, de transmitir através das gerações a narrativa da ciência como um mito de origem e de verdade.

4 Uma entrevista foi descartada, pois objetivava apenas testar o roteiro semi-estruturado e

promover os ajustes quanto á duração, tempo de transcrição, etc.

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Para saber mais sobre a dinâmica de trabalho desse grupo de pesquisa consultar Villani et al. (2006) ou Valadares (2008).

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2.

UM PANORAMA DA ÁREA DE ENSINO DE CIÊNCIAS NO

BRASIL

O reconhecimento da existência de uma área específica de pesquisa em Ensino de Ciências é uma situação relativamente nova para a comunidade científica brasileira. A criação da área de Ensino de Ciências e Matemática na CAPES6 ocorreu em setembro de 2000, embora possamos dizer que seu delineamento tenha se iniciado bem antes, aproximadamente no final da década de 1960.

Sabemos que o estabelecimento dessa nova área foi influenciado pelo crescimento da comunidade científica no Brasil, especialmente, de pesquisadores provenientes das chamadas “ciências duras” – Física, Química, Biologia e Matemática. Sabemos também que a comunidade foi marcada em sua história pelos pesquisadores e materiais didáticos estrangeiros que aqui chegaram, trazendo com eles tradições e temáticas de pesquisa.

Mas como traçar em poucas linhas um panorama da história da área de Educação em Ciências no Brasil? Optamos por sintetizar alguns estudos já realizados com essa perspectiva, entrelaçando principalmente os dados apresentados por Schwartzman (1979) sobre a construção geral da comunidade científica no Brasil, a pesquisa realizada por Nardi (2005) com os pesquisadores da área de EC e os trabalhos de Villani (2002, 2007) em que apresenta a história da área dividida em quatro fases distintas.

Schwartzman contou sua história apoiado no depoimento de dezenas de cientistas, brasileiros ou provenientes de diferentes partes do mundo para trabalhar aqui, dar aulas, fundar institutos ou montar laboratórios. Além de se constituir como uma excelente fonte de dados sobre a formação da comunidade científica nacional, chamou-nos atenção a metodologia de coleta de dados utilizada no trabalho, talvez pela similaridade com a metodologia de coleta de dados eleita por Nardi na pesquisa já referida.

De fato, a construção de um acervo de depoimentos tem sido uma estratégia bem utilizada quando se trata de reconstruir a história de instituições,

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grupos, comunidades. Também seguimos esse processo, através das entrevistas, para tentar entender os mecanismos engendrados pela HFC que deram sustentação a essa área (esses dados serão expostos no próximo capítulo). Entretanto, é preciso ficar claro que as condições de produção dos depoimentos, dos discursos coletados por nós, por Nardi (2005) e Schwartzman (1979), são bem distintas: ocorreram em momentos diferentes da história, envolveram números diversos de participantes, escolhidos por critérios diferentes e se prestaram a análises distintas. Contudo, ao nosso ver, isso não impede que tais dados sejam aproveitados em uma mesma pesquisa como essa que ora apresentamos.

Schwartzman inicia sua obra sobre a história do desenvolvimento da comunidade científica no Brasil comparando o trabalho dos primeiros cientistas com o trabalho realizado por Sísifo a partir da maldição que foi imposta a este pelos deuses. A descrição da maldição revela que “Sísifo tem a sina de levar

uma grande pedra morro acima, para vê-la rolar ladeira abaixo, e recomeçar tudo novamente. É um trabalho insano, inglório, interminável. Mas ele persiste”

(1979, p.1).

A comparação claramente trata dos resultados dos esforços dos cientistas, considerados poucos e efêmeros por Schwartzman, diante do tamanho do desafio que representava fazer ciência no Brasil naquela época.

Nardi (2005), focalizou a formação de uma comunidade mais específica dentro da comunidade científica que foi objeto de estudo de Schwartzman. Ele buscou pela comunidade de pesquisadores sobre Ensino de Ciências. Esses pesquisadores apontaram os fatores que contribuíram para a constituição da área de EC no Brasil, que foram reunidos por Nardi (p. 98ss) em doze pontos:

I. Os projetos de Ensino, ou seja, a tradução e implantação dos projetos estrangeiros como PSSC, BSCS, CBA, IPS, Harvard e outros; e o posterior surgimento das versões nacionais como PEF, PBEF e FAI;

II. As políticas públicas nacionais de fomento à pós-graduação, à pesquisa e a projetos de ensino de Ciências e Matemática;

III. O Projeto CAPES/PADCT7/SPEC8;

7

Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico

8

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IV. A criação de programas de pós-graduação em Ensino de Ciências no Brasil;

V. O papel das faculdades de Educação na formação dos primeiros pesquisadores;

VI. Movimentos para melhoria do ensino;

VII. O papel das sociedades científicas na luta pela democratização das oportunidades educacionais no país, pelo restabelecimento do estado de direito e apoio aos cientistas marginalizados durante o período militar, também pela organização dos primeiros simpósios, encontros e outros eventos sobre o ensino de Ciências;

VIII. A própria pesquisa em ensino de Ciências;

IX. Esforços pontuais, ou iniciativas individuais de pesquisadores de diversas áreas científicas que trouxeram o reconhecimento (dado pelos pares) de sua competência para a pesquisa em EC;

X. Os eventos iniciados pelas sociedades científicas; XI. O surgimento de publicações periódicas da área; XII. As reestruturações da educação básica.

Na frase apresentada abaixo, ele lembra que vários desses aspectos que contribuíram para formação dessa área específica de pesquisa já foram objeto de estudos no Brasil.

No caso do Brasil, a instituição da ciência em disciplinas escolares, a criação dos cursos de licenciatura destinados à formação de professores de ciências, a criação de sociedades de pesquisa com secretarias de ensino, a implantação de centros de apoio e assessoria à construção de equipamentos para o ensino e à capacitação de professores de ciências, o advento dos primeiros simpósios específicos sobre ensino das áreas de ciências, a publicação de periódicos científicos destinados à divulgação sobre o tema, os encontros e congressos de pesquisa específicos em ensino das ciências, de uma forma ou outra, já foram tratados em estudos que se constituíram em dissertações, teses, artigos e capítulos de livros publicados no país e no exterior (NARDI, 2005, p.15).

Já nos trabalhos de Villani, Pacca e Freitas (2002) e naquele apresentado por Villani (2007) no X EPEF, parte-se do pressuposto que essa

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área de pesquisa em EC está consolidada, e empreende-se a tentativa de contar a história dessa área em quatro partes: a primeira relativa ao panorama científico brasileiro anterior a década de 1960, a segunda parte refere-se ao nascimento e primeira constituição da área (fase 1), a terceira parte do texto é referente ao processo de amadurecimento da Instituição (fase 2) e a quarta parte referente ao desenvolvimento mais recente, caracterizado por uma multiplicidade de linhas de pesquisa e de desafios a serem enfrentados (fase 3).

Através de recortes dos trabalhos citados, procuramos caracterizar abaixo cada uma das quatro partes em que se dividiu a história da área, localizando os acontecimentos mais significativos em cada período conforme indicados pelos autores citados.

Aos dados das pesquisas de Schwartzman, Nardi e Villani somamos outros, encontrados em trabalhos como de Goergen (1986), Krasilchik (1989), Bizzo (1996) e André (2006), quando julgamos que ajudariam na composição desse panorama geral da área. Nossa intenção é que a leitura de um panorama geral dê suporte para uma análise mais específica, que faremos na seqüência, sobre as contribuições da HFC para a área.

2.1 O PANORAMA ANTERIOR À DÉCADA DE 1960

A história dos pioneiros da ciência no Brasil é, sem dúvida, interessante e importante para entendermos a formação das instituições e das comunidades de pesquisa que se organizaram no país em suas diferentes regiões. Entretanto, como afirma Schwartzman (1979), não foram os pioneiros, como Frei Velloso ou Martius9 - em sua maioria viajantes que passaram pelo país estudando nossa fauna, nossa flora, nosso solo - que fundaram as instituições

9

Os relatos sobre plantas brasileiras iniciaram-se logo após o descobrimento do país. O marco inicial dos estudos foi a elaboração da Flora Fluminensis, por Frei Mariano da Conceição Velloso, no século XVIII. Outra obra importante e mais abrangente foi a Flora brasiliensis, programada e iniciada por Martius incluiu todas as espécies brasileiras conhecidas na época. Martius viveu entre 1794 e 1869, e dedicou grande parte de sua vida ao estudo da flora do Brasil. A Flora brasiliensis levou 66 anos para ser concluída e envolveu 65 botânicos sob a direção sucessiva de Martius, Eichler e Urban. Seu primeiro volume foi publicado em 1823. Foi realizada com o patrocínio de três monarcas: o Rei da Baviera, o Imperador da Áustria e o Imperador do Brasil. A Flora brasiliensis compreende 40 volumes (130 fascículos), descreve 2253 gêneros, dos quais 160 novos e 22767 espécies, das quais 5689 novas.

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científicas ou agregaram outros cientistas ao seu redor criando tradição de pesquisa que tivesse continuidade.

Fundador, certamente, foi Oswaldo Cruz, criador do Instituto que hoje leva seu nome e que deu origem a toda uma tradição de pesquisa biológica no Brasil. Fundador foi Teodoro Ramos, com sua grande influência na Escola Politécnica de São Paulo e seu papel na organização da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP; ou Heinrich Rheinbolt, professor de química de origem alemã que cria toda uma linha de trabalho a partir de sua vinda para São Paulo (SCHWARTZMAN, 1979, p. 4).

Outros nomes são acrescentados por Schwartzman a esses fundadores e participantes da organização do desenvolvimento das instituições científicas do país, como o do físico Gleb Wataghin, do matemático Lélio Gama, do geólogo Othon Leonardos, do físico Francisco Magalhães Gomes e do biólogo Olympio da Fonseca. Mas, não seria possível no espaço desse trabalho, mapear o trabalho destes e de tantos outros que tiveram seus nomes inscritos nessa história.

Em comum se verifica que muitos desses “cientistas primeiros” eram estrangeiros que vieram se radicar no Brasil ou brasileiros que haviam se formado no exterior. Muitos buscaram colocações nos institutos, faculdades ou nas universidades brasileiras que cresciam em número, sobretudo pela união de faculdades ou institutos isolados10.

Schwartzman recorreu ao trabalho de Azevedo (1971) para contar um episódio símbolo dessa necessidade de importação de pessoal especializado

10

Uma das primeiras universidades fundadas no Brasil foi a Universidade Federal do Amazonas, em 1909 (www.ufam.edu.br). Logo depois outras universidades foram surgindo como a Universidade Federal do Paraná, em 1912 (www.ufpr.br), a Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1920 (www.ufrj.br) e a Universidade de Porto Alegre, fundada em 1934, que é conhecida hoje como Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O ano de 1934 também marcou a fundação da Universidade de São Paulo (www4.usp.br), com a união de vaárias faculdades já existentes em São Paulo, como a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, por exemplo. Dentre todas as demais universidades que surgiram no Brasil, destacamos ainda a fundação da Universidade Federal da Bahia, em 1946, cuja primeira célula foi a Escola de Cirurgia da Bahia fundada em 1808, considerada oficialmente a primeira oferta de ensino superior no país (www.fameb.ufba.br). Os dados foram retirados dos sites das

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que ocorreu na Universidade de São Paulo (USP), cuja fundação data de 25 de janeiro de 1934.

Outra dificuldade, e não menor, é a que nos surgiu quando, criada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, pensamos em constituir o seu quadro de professores. Para muitas matérias não havia, no país, mestres altamente especializados e em condições, portanto, de inaugurar cursos novos e de alto nível e com as técnicas de pesquisa para assegurar uma contribuição constante aos progressos científicos. Não se tratava apenas de professores que pudessem dar cursos de alta qualidade, mas capazes, por seu espírito e suas técnicas de pesquisa, de concorrer para o progresso das ciências, a cujo ensino teriam de dedicar-se. Tínhamos por isso de recorrer a professores estrangeiros (SCHWARTZMAN, 1979, p. 208).

E, para trazer da Europa professores, que se encarregassem dos novos cursos em nossa Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, foi incumbido Teodoro Ramos, que partiu logo, a fim de contratar em nome do governo do estado as comissões de professores que deveriam inaugurar e instalar os novos cursos. Três foram essas comissões, a de alemães, a de italianos e a de franceses, além de um professor português para língua e literatura portuguesa, e um outro espanhol para língua e literatura espanhola. Com esses professores e mais as referidas comissões – a francesa, de sete especialistas, a italiana, de seis, e a alemã, de cinco – completou-se o quadro de professores contratados na Europa para inaugurarem e darem cursos na faculdade que acabava de ser criada (p. 209).

Outra característica interessante ressaltada pelo autor foi a vocação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras para a pesquisa, que inaugurou uma fase diferente para o papel das universidades no país: de valorização da universidade como local privilegiado para formação de novos pesquisadores e para a própria prática científica. Até aquele momento a atividade científica brasileira se havia firmado fora do sistema de educação superior. Segundo Schwartzman (1979, p. 139), no início do século XX existiam “apenas seis

instituições em que se podia falar de um espírito científico e do gosto pela experimentação” - o Museu Paranaense, a Escola de Medicina da Bahia, o

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Instituto Agronômico de Campinas, o Museu Paulista, o Jardim Botânico e o Instituto Manguinhos – “e destas apenas uma poderia ser considerada

diretamente pertencente ao âmbito universitário”, tratava-se da Escola de

Medicina da Bahia onde existiu um esforço sistemático de pesquisas na área de medicina legal.

Ademais, permaneceu por muito tempo a inclinação das universidades pela formação na área do direito. Azevedo (1963) apud Schwartzman (1979, p. 140) afirma que “em 1940, para cada dez escolas de engenharia, onze de

medicina, catorze de farmácia e odontologia, cinco de agronomia e veterinária, contavam-se vinte escolas de direito, oficiais ou fiscalizadas”.

Visto que a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP representou um marco na história das universidades nacionais, vale a pena lembrar que existia uma separação rigorosa entre a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (que tinha responsabilidade integral na formação científica dos professores) e o Instituto de Educação (que era responsável apenas pela instrumentação didática). E, se Schwartzman apontou que a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras teve o papel de levar a pesquisa e a formação de pesquisadores para dentro da universidade, Nardi apontou que foram nas Faculdades de Educação que se formaram os primeiros doutores na área de ensino de Ciências, visto que nos institutos de origem existia (e existe até hoje) “supostas incoerências de objetos de estudos” (p. 100), ou seja, uma resistência a pesquisar as questões relativas ao ensino.

Outro dos fatores apontados por Nardi (2005) e também por Villani, Pacca e Freitas (2002), cujo estopim se localiza nessa fase da área e fora do Brasil, é o surgimento dos projetos de ensino. O marco ocorre no final da década de 1950, por um evento extraordinário do ponto de vista científico, social, político e educacional: a colocação em órbita do primeiro satélite Sputnik, em 1957. Nos Estados Unidos, e também nos outros países do bloco ocidental, a comoção geral foi grande e gerou uma reação imediata: recuperar o tempo perdido em relação ao avanço russo. Para vencer a batalha espacial, foram feitos investimentos de recursos humanos e financeiros sem paralelo na história da educação. Esses recursos foram utilizados principalmente na

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produção de projetos de ensino de Ciências e Matemática para o Ensino Médio.

A justificativa desse empreendimento baseava-se na idéia de que a formação de uma elite que garantisse a hegemonia norte-americana na conquista do espaço dependia, em boa parte, de uma escola secundária em que os cursos das Ciências identificassem e incentivassem jovens talentos a seguirem carreiras científicas. Esse movimento, teve a participação intensa das sociedades científicas, das universidades e de acadêmicos renomados, apoiados pelo governo (KRASILCHIK, 2000, p.85).

Em particular, o governo americano promoveu a criação da NSF (National Science Foundation), que deveria financiar a pesquisa básica e os programas de educação em ciências; sua primeira decisão foi oferecer incentivos para a elaboração de um projeto novo e grandioso, o PSSC (Physical Science Study Committee), que circulou nos EUA e depois na Europa e na América Latina, inclusive no Brasil.

Projetos similares foram criados no âmbito das demais ciências naturais e da Matemática, seguindo o exemplo da Física. Como exemplos citamos quena Matemática foi desenvolvido o SMSG (School Mathematics Study Groups), na Biologia desenvolveram o BSCS (Biological Science Curriculum Study) e na Química formularam o CBA (Chemical Bond Approach).

Na Inglaterra esse movimento encontrou ressonância na insatisfação dos professores de ciências que pressionavam por reformas curriculares e, como resultado das pesquisas de professores das universidades, criaram o Nuffield Foundation’s Science Teaching Project.

Esses projetos educacionais provocavam nas escolas um rearranjo das disciplinas científicas de forma a formarem um quadro estruturado que pudesse levar o estudante, numa visão positivista, a pensar e agir como se fosse um cientista (Nardi, 2005).

O projeto Nuffield e, mais tarde, também o projeto Harvard (Harvard Project Physics) tiveram pequena penetração em nosso país. O projeto Harvard era menos exigente, do ponto de vista experimental, que o PSSC e tinha ênfase em aspectos históricos e filosóficos. Essas características do

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projeto Harvard eram reveladoras de um movimento importantíssimo que se dava no exterior, no âmbito da Filosofia da Ciência, que “questionava

fortemente essa linha epistemológica (empirista) e introduzia uma nova visão que teria efeitos na caracterização do ensino das ciências vinte anos depois”

(Villani, Pacca e Freitas, 2002, p.5).

O movimento de inovação na educação científica que deu origem a tantos projetos estava embasado em dois pressupostos: 1) se a ciência fosse apresentada na forma como é conhecida pelos cientistas, ela seria interessante para todos; 2) qualquer conteúdo poderia ser ensinado de uma forma adequada, para qualquer aluno, em qualquer estágio de desenvolvimento, contando com o material e o planejamento de ensino corretos.

Villani, Pacca e Freitas (2002, p. 3) consideram que “em geral,

esperava-se que a produção de material instrucional, baesperava-seada, principalmente, na competência científica, na experiência de magistério e na sensibilidade pedagógica de seus autores, se constituísse numa bússola para a preparação e realização de atividades didáticas de qualidade para o ensino”. Os projetos,

de certa forma, contemplavam essa crença, pois a maioria fornecia “materiais

suplementares específicos para sala de aula e oferecia cursos de treinamento para o professor desenvolver habilidades para a aplicação dos materiais instrucionais”.

Segundo Nardi (p. 99), no Brasil, uma iniciativa particular para viabilizar esta proposta de renovação se deu através do IBECC11, da FUNBEC e dos Centros de Ciências.

O IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura) surgiu em 1946, “sob a liderança de Isaias Raw, congregou um grupo de professores

universitários com a tarefa específica de promover o ensino das ciências, sobretudo, no Ensino Fundamental: sua meta era a iniciação científica das crianças” (Villani, Pacca e Freitas, 2002, p. 3). As ações dos professores do

IBECC, porém, não se restringiram apenas ao Ensino Fundamental. Em sua tese, Nardi aponta que, entre os movimentos para melhoria do ensino, teve

11

Essa iniciativa de renovação do Ensino de Ciências antecedeu a corrida espacial e seus desdobramentos nos EUA, pois o IBECC foi criado em 1946, logo, podemos falar de um pioneirismo do Brasil nesse sentido.

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lugar destacado pelos entrevistados a implantação da disciplina ‘Instrumentação para o Ensino da Física’ na licenciatura do Instituto de Física da USP e em outras instituições.

Esta disciplina acabou sendo adotada nos demais cursos de Física pelo país, e também por muitos cursos de Química, como foi o caso da licenciatura em Química do Instituto de Química da USP; note-se ainda que em diversos cursos essa disciplina fica a cargo de mestres e doutores capacitados na área de ensino de Ciências (NARDI, 2005, p. 100).

A FUNBEC (Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências) foi criada na década de 1960, pelo grupo do IBECC. Era uma organização que visava promover as ciências no Ensino Médio, com tarefas de preparação de manuais e cursos para aperfeiçoamento do professor. Inicialmente a organização dedicou-se à produção de protótipos de equipamentos de laboratório similares aos importados. Esse objetivo estava em harmonia com um novo programa governamental de substituição da importação dos materiais instrucionais.

Os Centros de Ciências foram criados em 1965, em seis regiões diferentes do país12. Foram implantados no Rio de Janeiro - RJ (CECIERJ), em São Paulo - SP (CECISP), no Recife - PE (CECINE), em Salvador - BA (CECIBA), em Belo Horizonte - MG (CECIMIG) e em Porto Alegre - RS (CECIRS). Inicialmente desempenharam um papel significativo no treinamento de professores em serviço e na disseminação das inovações, principalmente encorajando atividades de observação e de uso de laboratórios nas escolas.

Este movimento em favor dos projetos de ciências encontrou ressonância nas reestruturações da Educação Básica, sendo um fator importante na constituição da área, como apontado por Nardi. Uma situação peculiar foi a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), em 1961, que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino para os primeiros quatro anos, com a complementaridade facultativa de mais dois. Permitiu a criação de novos cursos com flexibilidade curricular e incentivou a experimentação e a

12

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construção de uma maior responsabilidade social e profissional dos alunos em sua formação, harmonizando-a com o ensino acadêmico. Na área das Ciências, a disciplina de Iniciação Científica foi introduzida no atual Ensino Médio e a carga horária das disciplinas científicas (Física, Química e Biologia) aumentou.

As demandas de reformas advindas com a LDB ofereceram maior liberdade para a introdução dos projetos americanos no Ensino Médio, fomentaram as traduções e adaptações desses projetos, e promoveram cursos para sua disseminação, que contaram muitas vezes com a participação dos autores originais. Para tanto existia um financiamento da Fundação Ford13 e a garantia da United States Agency for International Development (USAID)14.

A tradução “garantia a fidelidade dos textos e, ao mesmo tempo,

introduzia modificações apropriadas para tornar os livros úteis para as escolas brasileiras” (Barra e Lorenz, 1986, p. 1974). É neste contexto que localizamos a

elaboração do Projeto Piloto financiado pela UNESCO. Um projeto de ensino de Física que contou com a participação de professores de vários países latino-americanos, dos EUA e da Suécia, em que foi elaborado um material para o "Ensino Programado" e atividades experimentais sobre o tema "Luz". Quanto ao objetivo de permitir a vivência da atividade científica, o projeto se assemelhava àqueles anteriormente importados.

Villani, Pacca e Freitas (2002) alertam que, contudo, o esforço nacional -sobretudo a inserção dos projetos de ensino - não produziu todos os efeitos esperados na melhoria da aprendizagem de ciências.

13

A Fundação Ford é uma organização privada, sem fins lucrativos, criada nos Estados Unidos para ser uma fonte de apoio a pessoas e instituições inovadoras em todo o mundo, comprometidas com a consolidação da democracia, a redução da pobreza e da injustiça social e com o desenvolvimento humano (http://www.fordfound.org).

14

USAID é uma agência independente do Governo Federal dos Estados Unidos e foi criada em 1961 pelo presidente John F. Kennedy. A divisão da USAID – Brazil desenvolve e apóia projetos em diversas áreas, hoje com foco principal no desenvolvimento sustentável. No site da agência (http:\\brazil.usaid.gov) encontramos as finalidades das atividades em curso no país: “Os programas e as atividades da USAID contribuem com os esforços brasileiros de buscar

soluções a temas de interesse global incluindo a proteção de florestas tropicais e de ecossistemas naturais, a diminuição da mudança climática global e a redução da transmissão de doenças comunicáveis tais como a tuberculose. A Missão está também trabalhando lado a lado com parceiros brasileiros para atender às necessidades dos jovens em situação de risco, promover o crescimento comercial de micro e pequenas empresas, e deter a prática deplorável

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Apesar da renovação das expectativas dos professores, do movimento produzido e das assessorias dos especialistas quando os projetos foram para as salas de aulas, os resultados não se concretizaram da maneira esperada. De certo modo, os professores eram considerados simples executores dos projetos, nos quais a explicitação das etapas do método científico ajudaria a moldar o aluno na direção da prática científica, dependendo da qualidade do produto produzido (p.3).

Outros autores compartilham das conclusões de Villani, Pacca e Freitas.

[...] embora muito se tenha feito em termos de tradução e divulgação dos novos materiais, bem como de treinamento de professores para a sua utilização, no que se refere especificamente a melhoria da aprendizagem, os resultados demonstram que, em geral, os mesmos ficaram aquém do esperado [...] a falta de recursos das escolas, aliada ao despreparo dos professores, dificultou a utilização, em larga escala, dos novos materiais didáticos (BARRA E LORENZ, 1986, p. 1982).

De fato, somente uma minoria dos professores conseguia se apropriar dos projetos tornando-os parte do seu saber docente; a maioria era incapaz de satisfazer aos novos padrões estabelecidos. Como aponta Villani, Pacca e Freitas

[...] os Grandes Projetos Institucionais, caracterizados por uma visão empirista do conhecimento científico, continuaram a orientar a renovação do ensino de ciências, tornando progressivamente mais clara a distinção entre a minoria que conseguia se apropriar desse espírito e a maioria que desistia da mudança (2002, p. 5).

Em síntese, parece-nos que o clima dominante nas atividades referentes ao Ensino de Ciências era de valorização e de mudanças, até a tomada de poder dos militares. Marcaram esse período a criação de instituições de pesquisas, o atrelamento a centros de poder externos (simbolizado pelos financiamentos e importação de projetos) e o incentivo governamental para desenvolvimento de materiais didáticos e projetos nacionais.

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Os projetos talvez sejam o grande símbolo desse momento e, na maioria dos casos, eram pautados por uma visão empirista da Ciência. Uma exceção era o Projeto Havard que dava destaque aos conteúdos da História e Filosofia da Ciência ao invés de destacar as atividades experimentais como os demais. Esses conteúdos revelaram-se, nas décadas seguintes, fundamentais para a pesquisa em EC, como veremos a seguir.

2.2 FASE 1: O INÍCIO DAS PESQUISAS NA ÁREA

Uma mudança neste processo aconteceu após a instauração da ditadura militar no Brasil, em 1964, quando um novo elemento passou a figurar no cenário da pesquisa educacional: a segurança. Foi introduzido um controle na educação com diretrizes contrárias ao clima anterior de experimentação. A idéia era garantir a ordem e a estabilidade das instituições tradicionais.

Para Villani, Pacca e Freitas (2002) as universidades públicas foram pressionadas para que seu corpo docente restringisse a sua atuação no ensino, na pesquisa e na extensão à sua dimensão academicista, ou seja, destituída de um maior compromisso com a cultura popular e a sociedade, num quadro de acordo velado de renúncia a uma oposição explícita ao regime político. Dentro desse quadro os resultados encontrados por Nardi apontam o importante papel das sociedades científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Sociedade Brasileira de Física (SBF) e a Sociedade Brasileira de Química (SBQ) que “apoiaram resolutamente a luta

pelo restabelecimento do estado de direito e pela democratização das oportunidades educacionais no país” (p.100).

Instalou-se um clima contraditório no que se refere às pesquisas educacionais, pois

Este novo elemento introduziu uma ruptura que ‘divide o campo da pesquisa educacional colocando, de um lado, uma tendência que poderíamos caracterizar como ‘oficial’, numa linha de pesquisa bastante voltada para o aprimoramento do próprio trinômio educação-desenvolvimento-segurança e, de outro, uma tendência de reflexão e, conseqüentemente, de investigação e de pesquisa educacional onde predominarão a crítica e a denúncia deste

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atrelamento da educação e do desenvolvimento às questões de segurança (MELLO, 1985 apud GOERGEN, 1986, p. 6).

Em compensação, o governo garantiu o apoio às iniciativas da universidade, principalmente financiando as pesquisas e o aperfeiçoamento do seu corpo docente em programas de pós-graduação. Esse foi um dos fatores fundamentais para constituição da área de pesquisa em EC, segundo os pesquisadores entrevistados por Nardi, pois como efeito desse comportamento da academia tivemos a institucionalização da pesquisa e da pós-graduação no país.

Particularmente, o caso da melhoria do ensino de Ciências, os editais do SPEC, além de apoiar projetos na área de ensino de Ciências e Matemática, favoreceram, segundo os entrevistados, a capacitação de docentes das universidades brasileiras nessa área, através da saída dos primeiros docentes do ensino superior para cursar mestrado e doutorado no exterior. Assim, a instituição do SPEC [...] no final da década de 1970, dentro do PADCT [...] é um dos fatores citados pela maioria dos entrevistados; há quase uma unanimidade em atribuir a este programa a nucleação dos grupos de pesquisa em ensino de Ciências que se consolidaram e foram responsáveis pela constituição da área e criação dos atuais programas de pós-graduação existentes no país (NARDI, 2005, p. 99)15.

No caso da Educação isso criou uma mudança significativa na organização da pesquisa. Até aquele momento, ela era desenvolvida principalmente em institutos e centros ligados a órgãos governamentais. Na universidade, “a maior parte [...] dos trabalhos realizados por professores

universitários resultava de esforços individuais relacionados com interesses intelectuais ou acadêmicos. A pesquisa [era] praticamente negligenciada nos orçamentos das universidades e, em geral, [desempenhava] papel secundário na carreira do professor universitário” (Gouveia, 1971, p.10).

15

SPEC – Subprograma de Educação para a Ciência

PADCT – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, criado pelo governo brasileiro em 1984 como um instrumento complementar a política de fomento à Ciência e Tecnologia.

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Para o campo da Educação em Ciências, a entrada da pesquisa na universidade teve um efeito singular nas universidades do Rio de Janeiro, de Brasília e, sobretudo, de São Paulo e Porto Alegre. No Instituto de Física da UFRGS, o Mestrado em Física incorporou uma linha de pesquisa em Ensino de Física e o Instituto de Física da USP se juntou a outras unidades da instituição para oferecer o Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências.

A trajetória desses institutos revela dados semelhantes. No Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS):

[...] a partir de 1967 e até o fim dos anos sessenta, foram contratados vários professores com a finalidade, mais ou menos explícita, de lecionarem Física Geral. Esses professores, no entanto, não se limitaram somente a dar aulas, pois partiram para a busca de soluções para o grande problema que era o ensino de Física Geral. Essa busca, a princípio à base de tentativa e erro, foi aos poucos assumindo o caráter de pesquisa em ensino de Física e contribuiu, pelo menos em parte, para a formação do grupo de ensino (MOREIRA, 1977, p.1 apud NARDI, 2005, p.21).

Inicialmente este grupo começou utilizando metodologias de análise quantitativa e testando o sucesso das metodologias inovadoras propostas.

[...] A utilização de novos métodos de ensino trouxe resultados didáticos bastante favoráveis e a pesquisa em torno desses métodos trouxe muita experiência ao grupo... [entretanto]... as pesquisas em torno de métodos, via de regra, não estão baseadas em teorias ou modelos de aprendizagem [...] assim sendo, pesquisas mais recentes procuram basear-se em teorias de aprendizagem e atacar questões mais fundamentais, como, por exemplo, aprendizagem de conceitos. Essa é, no entanto, uma linha recém iniciada. Paralelamente, está se dedicando bastante atenção ao ensino de laboratório através da montagem e testagem de novas experiências (Op.cit., p. 23).

No Instituto de Física da USP a ênfase inicial foi na elaboração de projetos. A realização do Projeto Piloto da UNESCO, começada no IBECC,

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terminou nesta instituição e foi o ponto de partida para uma primeira tentativa de pós-graduação, que acabou sendo reconhecida somente lato sensu (especialização). Vários dos docentes que participaram deste curso se envolveram também em outros projetos.

No início dos anos 70, foi desenvolvido o Projeto de Ensino de Física (PEF) compreendendo textos e conjuntos experimentais para o ensino de 2º grau [...] Aproximadamente na mesma época, surgiram dois outros projetos nacionais para o ensino de Física em nível secundário: o Projeto FAI (Física Auto-Instrutiva) e o Projeto Brasileiro para o Ensino de Física (PBEF), desenvolvidos por professores em sua maioria ligados ao IFUSP (RODRIGUES e HAMBURGER, 1993, p. 4 apud NARDI, 2005, p.49).

Estes projetos foram inspirados nos projetos norte-americanos, porém, seu desenvolvimento estava focado, desde o início, para a situação das escolas brasileiras. Eles enfatizavam o ensino ativo e as atividades dos alunos, sobretudo de laboratório.

Outro grupo do IFUSP desenvolveu um curso personalizado de Física Básica para graduação e outro ainda produziu filmes didáticos destinados ao ensino universitário com a colaboração da Escola de Comunicação e Artes da USP.

Todos estes projetos tiveram continuidade em pesquisas desenvolvidas na recém instituída pós-graduação em Ensino de Física, que envolveu o Instituto de Física e a Faculdade de Educação, e contava com a colaboração de docentes de ambas as unidades acadêmicas. Estas pesquisas em geral realizavam análises, parciais e sob diferentes aspectos, dos vários projetos produzidos e adotavam sistematicamente como referenciais teóricos: Skinner (principalmente suas idéias sobre condicionamento operante), Keller (principalmente sua proposta de instrução personalizada) e Piaget (principalmente sua teoria dos estágios de desenvolvimento).

Em seguida, em várias universidades e em outras áreas (Química, Biologia, Geologia) surgiram trabalhos caracterizados pelo acoplamento entre projetos de ensino de ciências locais e pesquisas sobre os mesmos.

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Este momento foi caracterizado por uma expansão da área muito maior e mais rápida do que a das outras áreas da Educação, pois as pesquisas começaram a ser realizadas com o apoio tanto dos institutos de pesquisa básica (Física, Matemática, Geociências, Química e Biologia) quanto da Educação.

Em aproximadamente três décadas multiplicou-se os programas de pós-graduação que visavam a Educação em Ciências, sediados tanto nas Faculdades de Educação quanto nos Institutos Científicos. Esses programas, embora numerosos e frutíferos, não tiveram um balizador comum, ou não tiveram uma área de pertencimento própria, até a criação da área 46 na CAPES.

Depois surgem os atuais programas de pós-graduação em ensino de Ciências, sediados em institutos de Ciências ou nas faculdades de Educação, e cuja maioria foi cadastrada na Área 46 da CAPES (Área de Ensino de Ciências e Matemática). Notar que essa Área foi criada por pressão dos pares, a partir do ano 2000, a fim de congregar e avaliar os programas de pós-graduação existentes, e hoje conta com cerca de 300 programas de mestrado e/ou doutorado espalhados pelas universidades brasileiras (NARDI, 2005, p. 99).

É importante notar que nas pesquisas em Educação em Ciências foi importante o trabalho de doutores recém formados e, sobretudo, o envolvimento de pesquisadores com doutorado nas disciplinas científicas que, junto com seus orientandos, procuravam apreender os novos referenciais e desenvolver caminhos que conduzissem a resultados significativos.

Esta parceria parece ter marcado de forma singular o desenvolvimento da área, diferenciando-o da pesquisa anterior em Educação, tanto por introduzir uma sensibilidade ao rigor científico quanto por estar disponível para todas as linhas de pesquisa de outras áreas.

Esta situação de busca, diferente da tradição dos institutos de pesquisa básica, gerava dúvidas nos colegas pesquisadores em Física, que tendiam a diminuir a importância da área pela sua falta de tradição e questionavam sua coexistência em institutos de grande prestígio. Esse questionamento foi

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retratado no trabalho de Moreira (1977) através da explicitação de uma pergunta crucial que foi resgatada na tese de Nardi (2005).

Cabe, dentro de uma instituição dedicada à pesquisa em Física, a existência de um grupo dedicado somente ao ensino e à pesquisa em ensino de Física? Um grupo dessa natureza não deveria estar dentro de um departamento ou faculdade de educação? (p. 22).

Essa resistência reforçava os laços entre os membros dos grupos de ensino que não podiam duvidar de que seu trabalho fosse legítimo e reconhecido. Alguns esforços pontuais, ou iniciativas individuais, foram apontados pelos pesquisadores entrevistados por Nardi (2005, p.101) como fatores que ajudaram na constituição da área. “Pesquisadores de diversas

áreas científicas, considerados competentes por seus pares, passaram a se dedicar à pesquisa em ensino de Ciências, quando esta ainda era considerada uma atividade de ‘segunda categoria’”.

O clima de tensão era quebrado em ocasiões nos quais os trabalhos em ensino resultavam em méritos para as instituições que os abrigavam. Um evento que tornou visível essa nova realidade acadêmica foi o primeiro Simpósio Nacional em Ensino de Física, realizado em São Paulo em 1970, com o auxílio da Sociedade Brasileira de Física.

O Simpósio reuniu professores de Física de 3º e 2º graus para discutir as iniciativas e os problemas dessa área de ensino. O Simpósio passou a ser realizado regularmente a cada 3 anos em diferentes cidades, e constituiu-se no principal encontro dos pesquisadores em ensino e professores de Física. Havia consciência de que os problemas relativos ao ensino de Física deveriam ser tratados de forma sistemática, com a realização de pesquisas e desenvolvimentos sobre o assunto (NARDI, 2005, p. 6)16.

Diversos outros eventos, de abrangência estadual ou nacional, também deram sua contribuição.

16

Ao informar a periodicidade Nardi referiu-se aos primórdios do evento, atualmente o Simpósio Nacional de Ensino de Física é bienal, acontecendo nos anos ímpares.

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Os eventos iniciados pelas sociedades científicas na década de 1970, como Simpósio Nacional de Ensino de Física (1970), no IFUSP, e os EDEQ – Encontro e Debates sobre o Ensino de Química, no Rio Grande do Sul, por volta de 1980, que originaram posteriormente os ENEQ – Encontro Nacional de Ensino de Química [...] foram também citados como decisivos para constituição e consolidação da área. Os entrevistados que militam na área há mais tempo também citam como importantes eventos anteriores promovidos pela UNESCO (Op. cit., p. 101)

Nessa fase inicial das pesquisas sobre EC no Brasil, destacam-se a instituição das pós-graduações nas universidades e a criação de eventos e periódicos específicos para divulgação desse novo campo de conhecimento. Esses elementos guardam em comum o fato de abrigarem desde os primórdios uma linha de investigação com a temática da epistemologia, da história e da filosofia da Ciência.

Em sua tese, Nardi (2005, p. 145) afirma que “a forte presença da

epistemologia, da história e da filosofia da Ciência como uma das importantes linhas de pesquisa na área de ensino de Ciências faz-se notar em eventos, programas de pós-graduação e na produção da área”. O autor ressalta ainda

que,

[...] em muitos casos, os pesquisadores envolvidos com esta linha de investigação, embora participem dos eventos de pesquisa em ensino promovidos por sociedades como a SBF, a SBQ, a Abrapec e outras, congregam-se e têm sua afiliação científica principal em entidades próprias, como a SBHC (Sociedade Brasileira de História da Ciência) e sociedades internacionais; ou seja, esses pesquisadores também freqüentam círculos acadêmicos próprios, e sua pesquisa pode estar mais direcionada para a Epistemologia, a História e/ou Filosofia da Ciência, e não tanto para as questões de ensino (p. 145 – 146).

De fato, algum dos pesquisadores envolvidos nessa linha de investigação como citou Nardi, são historiadores da Ciência que se interessam pelas questões relativas ao EC. Muitos participam de eventos de pesquisa em

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ensino e eventos científicos da área de HFC nos quais também podem encontrar espaço para divulgação de suas pesquisas sobre EC. O Simpósio Nacional de História da Ciência e da Tecnologia é um exemplo de evento desse tipo, pois mantém uma sessão para trabalhos sobre o uso da HFC no EC há bastante tempo.

2.3 FASE 2: A CONSOLIDAÇÃO DA ÁREA

Além da realização sistemática dos eventos como o Simpósio Nacional de Ensino de Física, a área conseguiu criar outros instrumentos importantes de divulgação de seus trabalhos: as publicações periódicas. Nardi (2005, p. 101) cita “a revista Cultus, a Revista de Ensino de Ciências (da FUNBEC), a

Revista de Ensino de Física (criada no IFUSP) e o Caderno Catarinense de Ensino de Física (da Universidade Federal de Santa Catarina)”. Esses

periódicos deram mais visibilidade à área e representaram um dos “fatores de

aglutinação dos esforços em prol da melhoria do ensino, tendo sido importantes para configurar os primórdios da área de ensino de Ciências no país”.

Essas publicações revelam que durante toda a década de 1970, a análise e a avaliação de projetos e propostas metodológicas, como o método Keller privilegiando análises estatísticas, sustentou a elaboração de artigos, dissertações e teses.

A modificação das características das pesquisas constitui por si só um outro elemento decisivo para a área como apontam os entrevistados por Nardi. Fundamentalmente, como apontam Villani, Pacca e Freitas (2002), houve o aprofundamento dos referenciais teóricos, marcados principalmente pelo movimento das pesquisas sobre as concepções alternativas e o modelo de mudança conceitual (MMC).

Esse movimento foi tão importante na consolidação da área que vale a pena entender melhor o MMC. Para um docente ensinar promovendo uma mudança conceitual, algumas estratégias deveriam ser privilegiadas (Scott et al., 1992). A primeira seria o conflito cognitivo nas suas mais variadas formas (por ex. Dreyfus et al., 1990). A seqüência “prever, observar e refletir” deveria conduzir os alunos a tomarem consciência de seus conflitos cognitivos e

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