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VENTILAÇÃO NÃO-INVASIVA NO CARDIOPATA GRAVE

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Academic year: 2021

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CTI-Adultos — Hospital Israelita Albert Einstein

UTI Respiratória do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência: Hospital Israelita Albert Einstein — Av. Albert Einstein, 627 — CEP 05651-901 — São Paulo — SP

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A insuficiência cardíaca congestiva leva a aumen-to na água extravascular pulmonar, redução do volu-me e da complacência pulmonar e auvolu-mento da resis-tência de vias aéreas, resultando em aumento do tra-balho respiratório, aumento do consumo de oxigênio e aumento da sobrecarga ventricular esquerda. A utili-zação de pressão positiva contínua nesses pacientes melhora a oxigenação, diminui o trabalho respirató-rio, melhora a mecânica pulmonar, reduz a pressão transmural sobre o ventrículo esquerdo e diminui o re-torno venoso, contribuindo para maior desempenho cardíaco. O uso de pressão positiva contínua diminui a necessidade de ventilação mecânica no edema agu-do de pulmão e reduz o tempo de internação na unida-de unida-de terapia intensiva. A utilização unida-de pressão

positi-va contínua noturna em cardiopatas crônicos demons-trou melhora significativa da fração de ejeção durante o dia, em associação com melhora da classe funcional, após o tratamento por um mês em pacientes com cardi-omiopatia dilatada e apnéia obstrutiva do sono conco-mitante. O uso de pressão positiva contínua deve ser entendido não só como o primeiro suporte ventilatório no edema agudo dos pulmões, como também um trata-mento não-farmacológico que tem o potencial de me-lhorar a função cardíaca nos pacientes clinicamente estáveis, porém com insuficiência cardíaca grave.

Descritores: pressão positiva contínua, ventilação não-invasiva, ventilação com pressão positiva, insufici-ência respiratória aguda, edema pulmonar, insuficiên-cia cardíaca congestiva.

I

NTRODUÇÃO

Insuficiência cardíaca esquerda aguda leva a au-mento na água extravascular pulmonar, redução do volume e da complacência pulmonar, e aumento da resistência pulmonar, resultando em aumento do tra-balho respiratório e aumento do consumo de oxigê-nio por volume ventilado (custo de oxigêoxigê-nio da ven-tilação)(1, 2). Em muitos casos, a combinação entre

insuficiência cardíaca esquerda e insuficiência respi-ratória gera um ciclo vicioso que culmina no edema agudo dos pulmões, situação clínica na qual o risco de vida é iminente, a menos que medidas apropria-das e imediatas sejam adotaapropria-das.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 1998;3:420-7) RSCESP (72594)-712

No edema pulmonar cardiogênico, apesar da su-plementação de oxigênio e da administração de dro-gas que têm como finalidade reduzir a quantidade de água extravascular e melhorar o dsempenho miocárdi-co, muitos pacientes caminham para insuficiência res-piratória aguda(3). A utilização de ventilação mecânica

invasiva restabelece a oxigenação, alivia o trabalho respiratório e diminui a sensação de dispnéia, porém essa modalidade ventilatória pode acarretar complica-ções hemodinâmicas e respiratórias(4). Porém, hoje

sa-bemos que os mesmos objetivos também podem ser alcançados, em pacientes selecionados, com o uso da ventilação não-invasiva com pressão positiva(5), sem os

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faci-lidade de descontinuação da ventilação não-invasiva sempre que necessário.

V

ENTILAÇÃO MECÂNICA NÃO

-

INVASIVA

C

ONCEITO

A ventilação não-invasiva é definida como uma técnica de ventilação mecânica onde não é empregado qualquer tipo de prótese traqueal (tubo orotraqueal, nasotraqueal, ou cânula de traqueostomia), sendo a conexão entre o ventilador e o paciente feita através do uso de uma máscara. Dessa forma, diversas moda-lidades ventilatórias podem ser aplicadas utilizando-se essa técnica(6, 7). Segundo Chatburn e Branson(8, 9),

quando a ventilação é iniciada e/ou finalizada exclusi-vamente pelo ventilador, sem qualquer interferência do paciente, é chamada de mandatória. A ventilação mandatória pode ser assistida (disparo por pressão ou fluxo), controlada (disparo por tempo), ou assistida/ controlada (o ciclo é deflagrado de forma mista, pre-dominando o primeiro sinal que surgir). Ventilação espontânea é aquela em que o paciente de alguma maneira determina o início e o final da ventilação. A ventilação espontânea pode ter um suporte pressórico a cada inspiração (por exemplo, modo pressão de su-porte) ou não (por exemplo, pressão positiva contínua nas vias aéreas). A forma mais estudada de ventilação mecânica não-invasiva no cardiopata é a pressão posi-tiva contínua(10). Essa razão deve-se principalmente à

facilidade de instalação do mesmo, bem como à sim-plicidade de utilização dos equipamentos que forne-cem pressão positiva contínua.

H

ISTÓRICO

A partir da década de 1930, surgiram trabalhos pi-oneiros, publicados por Motley e colaboradores(11) e

Barach e colaboradores(12, 13), que descreveram a

técni-ca e os benefícios do uso da ventilação com pressão positiva, oferecida através de uma máscara, para paci-entes com insuficiência respiratória de variadas etio-logias. O uso de pressão positiva contínua fornecida através de máscara facial, em pacientes com edema pulmonar, foi primeiramente descrito por Poulton, há mais de 60 anos(14). Muitas dessas observações e

reco-mendações referentes ao uso da ventilação não-invasi-va permanecem absolutamente atuais, apesar de pas-sado mais de meio século.

A década de 1960 trouxe novos horizontes para a ventilação mecânica com pressão positiva. A utiliza-ção dos conhecimentos de mecânica desenvolvidos durante a Segunda Guerra Mundial, os avanços

tecno-lógicos, principalmente da eletrônica, provenientes da corrida espacial, e a incorporação de microprocessa-dores tornaram os ventilamicroprocessa-dores artificiais mais sofisti-cados, confiáveis e acessíveis. A crescente experiência com o uso das cânulas de traqueostomia e dos tubos orotraqueais tornou a utilização dessas próteses o pro-cedimento padrão para a ventilação mecânica em Uni-dades de Terapia Intensiva(4).

Os tubos traqueais, com os respectivos balonetes para oclusão da traquéia, mostraram-se de grande uti-lidade para a manutenção da permeabiuti-lidade da via aérea superior e para a garantia do volume corrente ofertado durante o suporte ventilatório no atendimen-to de pacientes graves. Por outro lado, não tardaram a surgir as descrições de complicações diretamente re-lacionadas ao uso dessas próteses artificiais(15, 16). Hoje

sabemos que, além da lesão local, secundária à isque-mia da mucosa da via aérea superior, a agressão aos mecanismos de defesa pulmonar facilita a ocorrência de pneumonia nosocomial, sendo esta, atualmente, a mais temida complicação relacionada à intubação tra-queal(17, 18).

O sucesso obtido por Sullivan e colaboradores(19) com

o uso da pressão positiva contínua para o tratamento da apnéia obstrutiva do sono foi um passo importante para o retorno da ventilação não-invasiva ao ambiente hospi-talar. Esse fato levou ao aperfeiçoamento das máscaras, tornando-as cada vez mais confortáveis, assim como dos ventiladores, que passaram a ser desenhados especial-mente para a ventilação não-invasiva.

Diversos relatos de sucesso no emprego da venti-lação não-invasiva, principalmente com o uso da pres-são positiva contínua, para o tratamento da insuficiên-cia respiratória tornaram-se freqüentes(20-22). Bersten e

colaboradores(3) atenderam 39 pacientes consecutivos

com insuficiência respiratória por edema pulmonar cardiogênico que foram, após randomização, tratados segundo a rotina clínica (20 casos), ou esta associada ao uso da pressão positiva contínua não-invasiva (19 casos). Dos sete pacientes que necessitaram de intuba-ção traqueal, todos pertenciam ao grupo submetido exclusivamente ao tratamento clínico, e nenhum dos pacientes do grupo tratado com pressão positiva contí-nua necessitou de ventilação mecânica invasiva. Neste trabalho, não houve diferença na mortalidade entre os grupos.

Um número crescente de trabalhos, criando casu-ística consistente, foi sucessivamente publicado, enal-tecendo o poder de a ventilação não-invasiva evitar a intubação, e diminuir a freqüência de complicações relacionadas à ventilação mecânica e o tempo de per-manência em Unidades de Cuidados Intensivos para

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os pacientes com insufici-ência respiratória(23-26).

Re-centemente, um estudo multicêntrico europeu(27),

no qual 43 pacientes com doença pulmonar obstruti-va crônica agudizada foram randomizados para o trata-mento clínico “convencio-nal” comparado com este associado à ventilação não-invasiva (pressão de supor-te através de máscara faci-al), demonstrou redução da mortalidade hospitalar no grupo tratado com ventila-ção não-invasiva, consoli-dando essa forma de supor-te ventilatório na descom-pensação aguda da doença pulmonar obstrutiva crôni-ca. Com relação à

insufici-ência respiratória aguda, de origem cardiogênica, ain-da não há evidência de redução ain-da mortaliain-dade nesses pacientes, porém vários trabalhos demonstram inequi-vocamente os benefícios agudos do uso de pressão positiva contínua na insuficiência cardíaca congesti-va(1-3, 10, 28, 29).

E

FEITOS FISIOLÓGICOS DO USO DA PRESSÃO POSITIVA CONTÍNUA

Efeitos hemodinâmicos

Sabe-se que a pressão intratorácica é capaz de in-terferir no desempenho cardíaco(30). Para a melhor

com-preensão dos efeitos fisiológicos da pressão positiva contínua, iniciaremos esta exposição pelos efeitos fi-siológicos da pressão negativa intratorácica. Durante a realização voluntária de pressão negativa intratorácica, o aumento da capacitância venosa pul-monar diminui o enchimento do ventrículo esquerdo e concomitantemente aumenta também o volume sistólico final do ventrículo esquerdo, refletindo em redução do desempenho cardíaco(30). Essa explicação

encontra-se na sugestão de que a pós-carga do ventrículo esquerdo relaciona-se mais fielmente à são transmural do ventrículo esquerdo do que à pres-são na raiz da aorta. Durante esforço inspiratório in-tenso e prolongado, criam-se pressões negativas intratorácicas de grande magnitude, que modificam o volume sistólico final do ventrículo esquerdo, correlacionado diretamente à magnitude de pressão

transmural do ventrículo esquerdo. De fato, a pressão transmural do ventrículo esquerdo pode ser traduzida na fórmula pressão transmural (PTM) = pressão do ventrículo esquerdo (PVE) - pressão pleural (PPL). Por meio dessa fórmula podemos perceber que a pós-car-ga do ventrículo esquerdo depende não apenas da pres-são da raiz da aorta, como também das variações da pressão pleural. Na Figura 1, pode-se observar como uma diminuição da pressão pleural (manobra de Müller) pode provocar o mesmo efeito sobre a pós-carga que o aumento de pressão na raiz da aorta pro-vocado pela infusão de uma droga vasopressora.

Em contrapartida, a manobra de Valsalva, que é oposta à manobra de Müller, provoca diminuição do gradiente de pressão transmural do ventrículo esquer-do, tendo efeito de redução da pós-carga desse ventrículo. Na verdade, esses efeitos da pressão intratorácica sobre a função cardíaca são mais acentu-ados no paciente com insuficiência cardíaca congestiva. A aplicação de pressão positiva contínua, através de máscara facial ou nasal, em pacientes com insufici-ência cardíaca congestiva descompensada pode pro-vocar aumento agudo no débito cardíaco ou aumento do desempenho do ventrículo esquerdo(1, 2, 10, 29). Os

efei-tos positivos da pressão positiva contínua sobre o de-sempenho cardíaco podem ser traduzidos como redu-ção da pré-carga, por meio da reduredu-ção do retorno ve-noso, e de redução da pós-carga, por meio de redução da pressão transmural do ventrículo esquerdo. Efeitos crônicos sobre a melhora da fração de ejeção do

Figura 1. Aumento da pressão transmural (PTM) do ventrículo esquerdo com uso

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ventrículo esquerdo também foram relatados após a aplicação noturna diária de pressão positiva contínua em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva e, concomitantemente, apnéia obstrutiva do sono(31).

Os efeitos hemodinâmicos agudos da pressão po-sitiva contínua no cardiopata estável são controversos, principalmente o efeito sobre o débito cardíaco, que pode aumentar, diminuir, ou ficar inalterado(2). Essas

diferenças refletem as variadas populações de cardiopatas estudadas. Pacientes que respondem à pres-são positiva contínua com aumento de débito cardíaco apresentam, como efeito predominante da pressão po-sitiva contínua, a redução da pós-carga, ao passo que nos que não respondem o efeito principal da pressão positiva contínua concentra-se na redução do retorno venoso(10). Admite-se que, na insuficiência cardíaca

congestiva, o débito cardíaco seja mais sensível às modificações da pós-carga do que da pré-carga. Ape-sar dessas controvérsias sobre a modificação do débi-to cardíaco induzidas pelo pressão positiva contínua, há unanimidade sobre os efeitos benéficos da pressão positiva contínua quando aplicada no paciente com edema agudo dos pulmões de origem cardiogênica(2),

especulando-se, ainda, a colaboração de mecanismos reflexos para a melhora do desempenho cardíaco(32). Efeitos respiratórios

O edema pulmorar cardiogênico causa deteriora-ção da mecânica respiratória, ocorrendo aumento da resistência de vias aéreas e diminuição da complacên-cia pulmonar(2). Esses efeitos somados aumentam o

trabalho respiratório e o gasto de oxigênio pela venti-lação e provocam uma necessidade de geração de pres-sões intratorácicas mais negativas para a manutenção da ventilação. Esse aumento de trabalho respiratório e redução da pressão pleural submete o paciente a au-mento da pós e da pré-carga, bem como a auau-mento do consumo de oxigênio, submetendo o paciente cardiopata a sobrerga adicional a seu sistema circula-tório. Já está bem documentado que a aplicação de pressão positiva contínua nesses pacientes reduz a fre-qüência respiratória, a PaCO2, a pressão transpulmonar e o trabalho respiratório(1-3, 33). Quando o trabalho

res-piratório foi mensurado utilizando-se medidas da pres-são esofágica, pôde-se observar redução nos compo-nentes resistivos e elásticos do sistema respiratório(2).

No edema pulmonar cardiogênico, a oxigenação encontra-se afetada pelo aumento de “shunt” pulmo-nar. A utilização de pressão positiva contínua melhora a oxigenação desses pacientes reduzindo o “shunt”(1).

Esse efeito é explicado pela capacidade da pressão positiva contínua de recrutar unidades alveolares

colapsadas(34).

A combinação dos efeitos sobre a mecânica respi-ratória, a oxigenação e o sistema circulatório resulta em melhora no balanço entre a oferta e o consumo de oxigênio nos pacientes com insuficiência cardíaca congestiva. A soma desses efeitos pode ser demons-trada na redução da necessidade de ventilação mecâ-nica nos pacientes que se submeteram ao tratamento com pressão positiva contínua(3). Teoricamente, o uso

de outras modalidades de ventilação não-invasiva, que utilizem ventilação assistida (como, por exemplo, pres-são de suporte associada a prespres-são positiva contínua), no cardiopata agudo traria redução ainda maior do tra-balho respiratório, podendo ter efeitos adicionais no tratamento da insuficiência respiratória aguda de ori-gem cardiogênica. O único trabalho que explora o su-porte ventilatório não-invasivo através de ventilação em dois níveis de pressão (BIPAP) em pacientes com edema agudo dos pulmões demonstra melhora mais rápida dos parâmetros ventilatórios na população que utilizou BIPAP, quando comparada a outra população que utilizou a pressão positiva contínua. O tempo de permanência hospitalar, a mortalidade e a necessidade de ventilação mecânica não foram diferentes entre es-ses dois grupos, porém a incidência de infarto agudo do miocárdio na população que utilizou BIPAP foi de 71%, contra 31% do grupo que utilizou pressão positi-va contínua(35). Essa incidência elevada de infarto

agu-do agu-do miocárdio (mais elevada inclusive que o contro-le histórico) ressalta a necessidade de novos estudos para a elucidação da influência de outros modos de ventilação assistida sobre a hemodinâmica e sobre as taxas de infarto.

E

FEITOS CRÔNICOS DA PRESSÃO POSITIVA CONTÍNUA EM PACIENTES COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

O uso crônico noturno de pressão positiva contí-nua tem papel importante em pacientes com concomitância de insuficiência cardíaca congestiva e distúrbios respiratórios do sono, os quais incluem apnéia obstrutiva do sono e respiração de Cheyne-Stokes com apnéias centrais. A apnéia obstrutiva do sono é caracterizada por perda do tono da musculatura inspiratória das vias aéreas superiores durante o sono, que é superimposta a uma faringe estreita e altamente complacente. Como resultado, a faringe colaba duran-te o sono, levando a apnéias obstrutivas. A respiração de Cheyne-Stokes é uma forma de respiração periódi-ca, caracterizada por apnéias centrais, que se alternam com períodos regulares de ventilação, ocorrendo de

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forma crescente-decrescente. Portanto, a maior di-ferença entre apnéia obstrutiva do sono e respira-ção de Cheyne-Stokes é a caracterizarespira-ção da nature-za das apnéias. Enquanto durante a apnéia obstrutiva do sono o paciente, na tentativa de respirar contra uma via aérea superior fechada, gera pressão nega-tiva intratorácica, durante a respiração de Cheyne-Stokes não existe geração de esforço respiratório, o que permite classificar as apnéias como centrais. A prevalência de apnéia obstrutiva do sono em populações de indivíduos normais, entre os 30 e os 60 anos de idade, é relativamente alta (aproxima-damente 9% em homens e 4% em mulheres)(36). Em

pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, além de alta incidência de apnéia obstrutiva do sono, grande número apresenta respiração de Cheyne-Stokes (em torno de 30% de pacientes com insufi-ciência cardíaca congestiva grave). Quando soma-dos, os distúrbios respiratórios do sono em pacien-tes com insuficiência cardíaca congestiva são ex-tremamente comuns, chegando a 45%(37). Apesar

desses números extremamente altos, o diagnóstico de distúrbios respiratórios do sono em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva é baixo. O principal fator está provavelmente relacionado ao pequeno reconhecimento da importância dos dis-túrbios respiratórios do sono pela comunidade mé-dica. Adicionalmente, em pacientes com insufici-ência cardíaca congestiva, sintomas como dificul-dades para manter o sono, dispnéia noturna, sono-lência e fadiga diurna superpõem-se aos sintomas relacionados à insuficiência cardíaca, tornando o diagnóstico desses distúrbios ainda mais difícil.

Durante o sono, em condições normais, existe redução do metabolismo basal, da atividade nervosa simpática, da freqüência cardíaca, do débito cardíaco e da pressão arterial sistêmica. A resultante de todas essas alterações fisiológicas é uma redução do trabalho imposto ao miocárdio. Em contraste, nos pacientes com apnéia obstrutiva do sono, os múltiplos episódios de apnéias obstrutivas desencadeiam uma complexa cadeia de eventos fisiopatológicos que incluem geração de pressão intratorácica negativa com aumento da pós-carga imposta ao ventrículo esquerdo, hipoxia, retenção de CO2, freqüentes despertares, ativação do sistema nervoso simpático (desencadeada por todos os mecanismos citados) e aumento cíclico da pressão arterial sistêmica. Todos os elementos descritos são potencialmente deletérios para o sistema cardiovascular, em especial nos pacientes que já apresentam disfunção cardíaca. O tratamento da

apnéia obstrutiva do sono em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva é similar ao tratamento quando na ausência de insuficiência cardíaca congestiva. O objetivo principal é a manutenção da patência das vias aéreas superiores e a prevenção da apnéia e suas conseqüências. Algumas medidas gerais, como perder peso e evitar o uso de álcool e de medicamentos sedativos, podem ajudar a evitar o fechamento das vias aéreas durante a noite. O tratamento específico de eleição na maioria dos casos de apnéia obstrutiva do sono é o uso de pressão positiva contínua. A pressão positiva contínua elimina as apnéias obstrutivas ao atuar como uma “tala pneumática” que previne o colapso das vias aéreas superiores. Malone e colabora-dores(31) demonstraram melhora significativa da

fração de ejeção durante o dia em associação com melhora da classe funcional após o tratamento por um mês em pacientes com cardiomiopatia dilatada e apnéia obstrutiva do sono concomitante. Adicionalmente, a retirada por apenas uma semana da pressão positiva contínua foi suficiente para determinar o retorno da fração de ejeção para valores pré-tratamento(31).

A respiração de Cheyne Stokes pode existir como conseqüência de disfunção cardíaca grave ou de doenças neurológicas. O elemento fisiopatoló-gico principal envolvido na gênese da respiração de Cheyne-Stokes em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva é a congestão pulmonar, que, por meio da estimulação vagal, determina hiperven-tilação e hipocapnia, que, por sua vez, desencadeia apnéias centrais. A respiração de Cheyne-Stokes não é somente um marcador de mau prognóstico em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, como também existem evidências de que uma vez estabelecida a respiração de Cheyne Stokes, esta participa de um ciclo vicioso que contribui para rápida deterioração cardiovascular. Os elementos fisiopatológicos que podem estar envolvidos na deterioração cardíaca em pacientes com respiração de Cheyne-Stokes incluem despertares freqüentes, hipoxia recorrente, oscilações da pressão arterial, e freqüência cardíaca e ativação do sistema nervoso simpático. Ao contrário da apnéia obstrutiva do sono, onde o tratamento com pressão positiva con-tínua elimina as apnéias quase que imediatamente, o tratamento de respiração de Cheyne-Stokes com pressão positiva contínua é mais lento e envolve mecanismos que não são completamente conheci-dos. Entre eles incluem-se diminuição da pré e da pós-carga do ventrículo esquerdo, diminuição do

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trabalho respiratório e melhora da função cardíaca com diminuição da congestão pulmonar e sua con-seqüente hiperventilação. A pressão positiva contí-nua também funciona como uma resistência expi-ratória que pode elevar o CO2 e estabilizar o siste-ma respiratório. Vários trabalhos demonstraram que a aplicação de pressão positiva contínua noturna em pacientes clinicamente estáveis sob terapia máxi-ma para a insuficiência cardíaca congestiva, por períodos de um a três meses, levou à melhora de grande número de parâmetros. Entre eles incluem-se: melhora da força da musculatura respiratória, redução da atividade nervosa simpática, redução de regurgitação mitral com concomitante redução dos níveis de fator natriurético atrial e aumento da fra-ção de ejefra-ção(38-40).

Portanto, o reconhecimento e o tratamento ade-quado de distúrbios respiratórios do sono associa-dos a insuficiência cardíaca congestiva por meio de pressão positiva contínua envolvem não só a me-lhora da qualidade do sono e sintomas de sonolên-cia diurna, mas principalmente deve ser entendido como um tratamento não-farmacológico, que tem o potencial de melhorar a função cardíaca nos

paci-entes clinicamente estáveis, porém com insuficiên-cia cardíaca grave.

C

ONCLUSÃO

A utilização da pressão positiva contínua em cardiopatas já faz parte do arsenal terapêutico não-farmacológico. O benefício da pressão positiva contí-nua no edema agudo dos pulmões sobre as condições respiratórias e hemodinâmicas é indiscutível. Está de-finido que a pressão positiva contínua melhora a oxigenação e diminui o trabalho respiratório e o esfor-ço ventilatório, reduzindo a necessidade de intubação e de ventilação mecânica. A pressão positiva contínua reduz a pressão transmural do ventrículo esquerdo, sugerindo melhora do desempenho cardíaco. Os efei-tos da utilização da pressão positiva contínua noturna em cardiopatas crônicos parecem promissores no tra-tamento do cardiopata estável, principalmente se este apresentar distúrbio do sono concomitante.

Ainda faltam estudos que correlacionem esses efei-tos benéficos (agudos e crônicos) com a influência sobre a mortalidade dos pacientes com insuficiência cardíaca grave.

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ONINVASIVE VENTILATION IN THE SEVERE CONGESTIVE HEART FAILURE PATIENT

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Congestive heart failure results in an increase in extravascular lung water, a reduction in lung volume and lung compliance, and an increase in airway resistance, promoting an increase in oxygen consumption and a left ventricle overload. The use of continuous positive airway pressure in the congestive heart failure patient im-proves oxygenation, work of breathing, and lung mechanical properties. Continuous positive airway pressure improves heart performance by reducing left ventricle transmural pressure and decreasing venous return. The use of continuous positive airway pressure in the acute pulmonary edema reduces the need of mechanical ven-tilation and the duration of intensive care unit stay. After one month treatment with nocturnal continuous posi-tive airway pressure, stable congesposi-tive heart failure patients with coexisting obstrucposi-tive sleep apnoea syndrome showed a significantly improve in the left ventricle ejection fraction during the day, and an improve in the functional class. Continuous positive airway pressure should not only be considered as the first ventilatory strategy choice in the acute pulmonary edema, but also a non pharmacologic therapy for the stable but severe congestive heart failure patient.

Key words: continuous positive airway pressure, noninvasive ventilation, positive-pressure ventilation, acute respiratory failure, pulmonary edema, congestive heart failure.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 1998;3:420-7) RSCESP (72594)-712

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R

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