RELATÓRIO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO AZEVEDO (RELATOR CONVOCADO): Apelações interpostas por Natércia Maria Correia de Araújo e pela União contra a sentença de fls. 807/815, que julgou procedente a pretensão deduzida na petição inicial, para efeito de condenar a União a conceder pensão por morte à Autora, a partir da data do requerimento administrativo (21-5-1997), tudo atualizado monetariamente e acrescido de juros moratórios, estes últimos a partir da citação, no montante de 1% (um por cento) ao mês, e a cancelar definitivamente a pensão concedida à litisconsorte passiva Natércia Maria Correia de Araújo. Os honorários advocatícios foram fixados em 10% (dez por cento) sobre o total dos valores das parcelas vencidas.
No julgamento dos Embargos de Declaração às fls. 825/826, de ofício, o magistrado monocrático determinou que se acresça à conclusão da sentença que deixou de submetê-la ao duplo grau de jurisdição porque fundamentada em Súmulas dos Tribunais Superiores, E. Superior Tribunal de Justiça e C. Supremo Tribunal Federal e ex-Tribunal Federal de Recursos (§ 3º do art. 475 do CPC).
Em sua Apelação (fls. 830/837), Natércia Maria Correia de Araújo argumenta que, apesar de ser maior de 21 anos, não é ocupante de cargo público permanente, mas sim de emprego público, regido pela CLT, o que possibilita a percepção de 50% (cinqüenta por cento) da pensão por morte do seu pai, ex-servidor do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, a teor da Lei nº 1.711/52, regulamentada pela Lei nº 3.373/58, com as alterações impostas pela Lei nº 6.782/80, todas vigentes à época do óbito (11-1-1987), a ser rateada com a companheira do mesmo, a Autora Juvenilha Policarpo Nobre.
Contra-razões apresentadas pela Autora às fls. 855/868, pela manutenção da sentença.
Nas suas razões de Apelação (fls. 894/897), requer a União a reforma da sentença quanto ao mérito, bem como em relação aos juros de mora, para que sejam reduzidos para 0,5% (meio por cento) ao mês, tudo de acordo com o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Contra razões às fls. 905/913. É o relatório. Dispensada a revisão.
VOTO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO AZEVEDO (RELATOR CONVOCADO): Penso que a sentença apelada deve ser mantida, pelos fundamentos a seguir delineados. Vejamos.
A atual Carta Política de 1988, em seu artigo 226, caput, preconiza, in verbis:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
...
§ 3°: Para efeito de proteção do Estado, é reconhec ida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Releva destacar que as conquistas da(o) companheira(o) foram inúmeras, tanto no campo de Direito Constitucional como no do Previdenciário. Dentre elas tem-se a equiparação entre o cônjuge e o companheiro, tal como estampado no art. 201, V, da Constituição Federal:
“Art. 201 – Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a:
I a IV – omissis
V – pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 5° e no art. 202.”.
Ao caracterizar a união estável como entidade familiar, o legislador constituinte acolheu uma orientação jurisprudencial avançada, que se veio sedimentando ao longo dos anos; mercê dessa construção pretoriana, já se afastavam quaisquer obstáculos à concessão de pensão à companheira, tendo-se em conta a finalidade social da norma instituidora do benefício.
É certo que a inovação suscitou reações contrárias de vários setores vinculados às concepções mais conservadoras da família e que anteviam, na disposição constitucional, um sério “perigo” aos alicerces da sociedade.
Entendo, outrossim, que não prosperam as alegações esboçadas na Apelação da litisconsorte passiva necessária, no sentido de que a Autora não logrou comprovar a sua união estável com o “de cujus”.
Há, no processado, provas não ilididas, que evidenciam, indubitavelmente, a convivência da Autora com o falecido.
Além do mais, segundo o entendimento sumulado no extinto TFR, “não é requisito para caracterização da união estável a efetiva separação judicial do companheiro” (Súmula n° 159).
Não há dúvida, portanto, quanto à convivência “more uxório” entre o “de cujus” e a Autora, o que, ao meu sentir, autoriza a que se reconheça o direito à percepção da pensão, nos moldes requestados.
Dessa forma, entendo que a ausência de previsão acerca dos direitos previdenciários da companheira na legislação vigente à data do óbito – Lei n° 3.373/1958 -, não vejo como afastar-se a dep endência presumida da mesma, diante da nova conjuntura constitucional.
No caso concreto, a Autora logrou comprovar a relação concubinária com o servidor falecido, pela prova documental e testemunhal trazida aos autos e, em especial, pela existência de prole em comum, conforme documento de fl. 32.
Conclui-se, pois, que, comprovada a união estável, irrefutável o direito da companheira ao benefício de pensão por morte, ainda que com fundamento na Lei n° 3.373/1958.
No tocante à Apelação da litisconsorte passiva necessária, entendo que os argumentos não são pertinentes. Justifico.
A Apelante requer lhe seja assegurado o direito de manter benefício de pensão por morte, que recebe na qualidade de filha solteira, não ocupante de cargo público.
Entendo que o referido pleito encontra empecilho na própria Lei n° 3.373/1958, in verbis:
“Art 5º Para os efeitos do artigo anterior, considera-se família do segurado:
...
II - Para a percepção de pensões temporárias: ...
Parágrafo único. A filha solteira, maior de 21 (vinte e um) anos, só perderá a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente”.
Dessa forma, o direito ao benefício de pensão por morte, em favor da filha maior de 21 anos, é condicionado às qualidades de ser solteira e não ocupante de cargo público.
Ora, a Apelante é ocupante de emprego público desde 01/05/1981, quase 06 (seis) anos antes da morte de seu genitor.
Cabe aqui transcrever excerto do voto do Desembargador Francisco Cavalcanti proferido no julgamento do AGTR 26002-PE:
“Em ocupando emprego público, não poderia a referida senhora estar percebendo a pensão decorrente de morte de seu pai, mesmo porque esta pensão tem natureza temporária, estando sua percepção condicionada, NOS TERMOS DAS NORMAS DE REGÊNCIA, à menoridade do beneficiado, ou, ainda que maior, ao seu ingresso no serviço público”.
Dessa forma, entendo devido o cancelamento da pensão da litisconsorte passiva necessária.
Passo à apreciação do pleito da União em relação à reforma dos juros de mora fixados na r. sentença ora vergastada no montante de 1% (um por cento) ao mês.
O Col. Superior Tribunal de Justiça havia formulado o entendimento, com base no art. 3º, do Decreto-Lei nº 2.322/87, no sentido de que os juros moratórios incidentes sobre dívidas de natureza alimentar custeadas pela Fazenda Pública, que é o caso dos autos, deveriam ser fixados em 1% (um por cento) ao mês1, a contar da citação, nos termos da Súmula 204, do Col. STJ.
Por outro lado, em 24 de agosto de 2001, foi editada a Medida Provisória nº 2.180/2001, que alterou a redação do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/97, dispondo que os “juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano”.
Nesse diapasão, o Col. STJ reformulou sua jurisprudência, passando a decidir no sentido de que o dispositivo legal supra referido seria aplicável às ações propostas depois de sua vigência.
No caso concreto, tendo sido ajuizada a ação em 31 de agosto de 1999, em data anterior, portanto, à vigência da referida Medida Provisória,
1
Nesse sentido, cf. REsp 175.827/SC, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Sexta Turma; Resp 255.223/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, Quinta Turma.
entendo que devam incidir, sobre o montante devido, os juros de mora no percentual de 1% (um por cento) ao mês.
Seguindo esse raciocínio, transcrevo o seguinte aresto:
“ADMINISTRATIVO. PENSÃO DE EX-COMBATENTE. PAGAMENTO DE PARCELAS ATRASADAS. ART. 13, DA LEI Nº 8.059/90. REGISTRO DO TCU. JUROS DE MORA. 1. O registro do ato de apreciação quanto à legalidade da concessão da pensão por morte de ex-combatente, perante o Tribunal de Contas da União (TCU), é ato administrativo que objetiva atribuir o caráter de definitividade ao benefício, nos termos do art. 13, da Lei 8.059/90, não constituindo pressuposto de exigibilidade das prestações pretéritas. Incidência da prescrição qüinqüenal, na forma da Súmula 85, do STJ.
2. Juros moratórios que devem ser aplicados no percentual de 1% (um por cento) ao mês, tendo em vista que a demanda foi ajuizada em tempo anterior à vigência da Medida Provisória nº 2.18-35/2001, que acrescentou o art. 1º-F, na Lei nº 9.494/97. Apelação e Remessa Oficial improvidas”. (TRIBUNAL - QUINTA REGIAO, AC - 324681/RN, Terceira Turma, Decisão: 19/10/2006, DJ - Data: 13/03/2007 - Página: 573 - Nº: 49, Desembargador Federal Manoel Erhardt ) - destaquei
À vista dos argumentos acima expendidos, entendo que o percentual dos juros de mora sejam fixados no patamar de 1% (um por cento) ao mês.
Forte nestas razões, nego provimento às Apelações. É como voto.
APTE : NATERCIA MARIA CORREIA DE ARAUJO
ADV/PROC : JARBAS FERNANDES DA CUNHA FILHO E OUTROS APTE : UNIÃO
APDO : JUVENILHA POLICARPO NOBRE
ADV/PROC : MARIA RIZOMAR QUEIROZ CYSNEIROS E OUTROS
RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO AZEVEDO (CONVOCADO)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. SERVIDOR PÚBLICO. LEI 3373/1958. COMPANHEIRA. UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA. FILHA MAIOR, SOLTEIRA, OCUPANTE DE EMPREGO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. JUROS MORATÓRIOS. ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/97. AÇÃO AJUIZADA ANTES DE SEU ADVENTO.
1. Demonstrada, mediante início de prova material corroborado por prova testemunhal idônea, a convivência marital entre a Autora e o "de cujus", é de ser concedido o benefício de pensão por morte à companheira.
2. A filha do servidor público, por ser detentora de emprego público, não faz jus à percepção de pensão por morte, por não se enquadrar no disposto no art. 5°, parágrafo único, da Lei nº 3.373/58.
3. Juros moratórios que devem ser aplicados no percentual de 1% (um por cento) ao mês, tendo em vista que a demanda foi ajuizada antes da vigência da Medida Provisória nº 2.18-35/2001, que acrescentou o art. 1º-F, na Lei nº 9.494/97.Apelações improvidas.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima identificadas.
Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento às Apelações, nos termos do relatório, voto do Desembargador Relator e notas taquigráficas constantes nos autos, que passam a integrar o presente julgado.
Custas, como de lei.
Recife (PE), 26 de julho de 2007 (data do julgamento).
Desembargador Federal Frederico Azevedo Relator convocado