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A mediação pedagógica na interação de crianças com o desenho na Educação Infantil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

NATÁLIA MARINA DANTAS CUNHA

A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA NA INTERAÇÃO DE CRIANÇAS COM O

DESENHO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

NATAL/RN 2019

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NATÁLIA MARINA DANTAS CUNHA

A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA NA INTERAÇÃO DE CRIANÇAS COM O

DESENHO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientador(a): Profª. Dra. Denise Maria de Carvalho Lopes.

NATAL/RN 2019

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NATÁLIA MARINA DANTAS CUNHA

A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA NA INTERAÇÃO DE CRIANÇAS COM O

DESENHO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

APROVAÇÃO em 30 de agosto de 2019

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Denise Maria de Carvalho Lopes (Orientadora) Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Profa. Dra. Elaine Luciana Sobral Dantas (Examinadora Externa) Universidade Federal Rural do Semi-Árido - UFERSA

Profa. Dra. Mariangela Momo (Examinadora Interna) Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

Profa. Dra. Maria Cristina Leandro de Paiva (Examinadora Interna – Suplente) Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes – CE

Cunha, Natália Marina Dantas.

A mediação pedagógica na interação de crianças com o desenho na Educação Infantil / Natália Marina Dantas Cunha. - Natal, 2019. 177 f.: il.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Educação, Programa de Pós-graduação em Educação. Orientador: Denise Maria de Carvalho Lopes.

1. Mediação Pedagógica - Dissertação. 2. Desenho - Dissertação. 3. Educação Infantil - Dissertação. I. Lopes, Denise Maria de Carvalho. II. Título.

RN/UF/BS - Centro de Educação CDU 373.3.016

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ser meu alicerce e minha força.

Aos meus pais, que sempre dedicaram suas vidas em prol da minha; que serviram de conforto nas horas difíceis, que confiaram em meu potencial quando eu não mais confiava, que me apoiaram e continuam a me apoiar nas minhas escolhas. A vocês, o meu eterno agradecimento por infinito amor e cuidado. Não menos importante, agradeço aos meus familiares pelo carinho e paciência em acolher minhas ausências.

De modo especial, dedico e expresso minha gratidão ao meu esposo, Ênnio, por ter estado ao meu lado a todo tempo, sendo fortaleza, calmaria e paciência, dedicando muito de si para que fosse possível alcançarmos mais esta conquista, não mais minha, mas nossa. Obrigada, pela infinita paciência, pelo ombro amigo, pelo amor e dedicação em me ajudar.

Aos meus amigos irmãos, presentes de Deus em minha vida. Agradeço pelo acalento, orações, distrações, risadas e pela paciência em ouvirem tanto sobre o mesmo. Vocês tornaram o percurso menos árduo.

À professora Denise, minha orientadora. Obrigada pela confiança, pela oportunidade dada, pelo acolhimento e ensinamentos que rompem os muros da graduação e adentram a vida.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão de bolsa.

A todos os Outros que fizeram/fazem parte dessa construção, o meu sincero agradecimento.

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RESUMO

O presente trabalho teve por objetivo analisar modos de mediação de professores(as) na promoção de interações e experimentações de crianças com o desenho na Educação Infantil. Para isso, tematizou questões relativas ao lugar do desenho nesta etapa educativa e ao papel mediador das professoras como mediadoras de sua aprendizagem. O desenvolvimento da investigação orientou-se pelas seguintes premissas: a) o desenho é uma linguagem fundamental ao desenvolvimento das crianças; b) seu aprendizado implica interações e mediações/intervenções sistemáticas e intencionais; c) essa mediação compete, de modo fundamental, ainda que não exclusivo, às professoras, responsáveis por promover, nos espaços e tempos institucionais, condições para que as crianças possam viver experiências significativas com o desenho. A pesquisa visou responder à questão: de que modos as professoras mediam interações/experimentações das crianças com o desenho na Educação Infantil? Como aportes teórico-metodológicos, o estudo assumiu princípios da abordagem qualitativa e da abordagem histórico-cultural de L. S. Vygotsky e proposições de M. Bakhtin para a pesquisa sobre processos humanos, segundo os quais, em tais pesquisas é preciso considerar: que os objetos de estudo não estão dados, mas existem como permanente construção; que sua compreensão exige sua situação em contexto de relações que o constituem; que tanto o objeto, como sua compreensão são produções discursivas-textos; que as relações de pesquisa são relações co-construídas entre pesquisadores e sujeitos de pesquisa e exigem, do pesquisador, movimentos de aproximação e afastamento, de responsabilidade e sensibilidade. A metodologia envolveu, como procedimentos, a análise documental, observação do tipo semi participativo e entrevistas semiestruturadas. O estudo foi realizado em uma instituição de Educação Infantil da rede pública do Natal/RN, em duas turmas de “Nível IV”, com crianças de 5 a 6 anos. A análise dos dados possibilitou perceber que as mediações realizadas pelas professoras restringem as possibilidades de experimentação do desenho pelas crianças, visto que quantitativamente, são poucas as situações de atividades de desenhar. De uma perspectiva qualitativa, foi possível constatar que as mediações se realizam dos seguintes modos: i) Intervenções que oportunizam possibilidades de exploração e criação às crianças; - Quando as professoras definem temas e oferecem modelos, mas instigam à criação; - Quando as professoras definem temas, não oferecem modelos e instigam ao enriquecimento do registro/da produção; ii) Intervenções que restringem possibilidades de exploração e criação às crianças: - Quando as professoras definem temas, oferecem modelos e controlam as ações/escolhas das crianças; - Quando as professoras não oferecem ajudas solicitadas pelas crianças em suas produções; - Quando as professoras intervêm nas produções das crianças sem solicitação/autorização. Esses modos de intervenção evidenciados revelam, igualmente, restrição de possibilidades de interações das crianças com o desenho enquanto linguagem e, portanto, do desenvolvimento de seu potencial criativo, visto que há uma predominância de intervenções de controle das produções das crianças com vistas a um produto definido pelas professoras. Ao mesmo tempo, apontam a necessidade de reconfiguração dessas práticas a fim de possibilitar às crianças a vivência e exploração do desenho de modo significativo às suas capacidades criadoras e ao desenvolvimento pessoal integral. Nosso estudo revela que, quanto ao desenho, assim como as crianças, as professoras – e demais profissionais da instituição – precisam de mediações intencionais e sistemáticas de modo a poderem ressignificar o desenho, seu aprendizado, seu ensino e seu papel docente, o que implica formação – inicial e continuada, bem como compromisso ético, político e estético com as crianças e com sua educação.

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ABSTRACT

The present work aimed to analyze ways of mediation of teachers in the promotion of interactions and experimentation of children with drawing in early childhood education. For this, thematic issues related to the place of drawing in this educational stage and the mediating role of teachers as mediators of their learning. Research development was guided by the following premises: a) drawing is a fundamental language for children's development; b) its learning implies systematic and intentional interactions and mediations / interventions; c) this mediation is fundamentally, although not exclusively, the responsibility of the teachers, responsible for promoting, in institutional spaces and times, conditions for children to live significant experiences with drawing. The research aimed to answer the question: how do teachers mediate children's interactions/experimentation with drawing in early childhood education? As theoretical-methodological contributions, the study assumed principles of the qualitative approach and the historical-cultural approach of L. S. Vygotsky and M. Bakhtin's propositions for the research on human processes, according to which, in such research it is necessary to consider: that the objects of study are not given, but exist as permanent construction; that your understanding requires your situation in the context of relationships that constitute it; that both the object and its comprehension are discursive-text productions; that research relations are relations co-constructed between researchers and research subjects and demand from the researcher movements of approach and withdrawal, responsibility and sensitivity. The methodology involved, as procedures, document analysis, semi-participatory observation and semi-structured interviews. The study was carried out in a kindergarten institution of the public school of Natal/RN, in two "Level IV" classes, with children from 5 to 6 years old. The data analysis made it possible to realize that the mediations performed by the teachers restrict the possibilities of drawing experimentation by the children, since quantitatively, there are few situations of drawing activities. From a qualitative perspective, it was found that mediations are carried out in the following ways: i) Interventions that provide opportunities for exploration and rearing for children; - When teachers define themes and offer models, but instigate creation; - When teachers define themes, they do not offer models and encourage the enrichment of the record/production; ii) Interventions that restrict children's possibilities for exploitation and rearing: - When teachers define themes, they provide role models and control children's actions/choices; - When teachers do not offer help requested by children in their productions; - When teachers intervene in children's productions without request / authorization. These evidenced modes of intervention also reveal a restriction on the possibilities of children's interactions with drawing as a language and, therefore, on the development of their creative potential, since there is a predominance of interventions to control children's productions with a view to a product. defined by the teachers. At the same time, they point to the need to reconfigure these practices in order to enable children to experience and explore drawing in a meaningful way to their creative abilities and integral personal development. Our study reveals that, as for the drawing, as well as the children, the teachers - and other professionals of the institution - need intentional and systematic mediations in order to be able to reframe the drawing, its learning, its teaching and its teaching role, which implies initial and continuing training, as well as ethical, political and aesthetic commitment to children and their education.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Entrada do CMEI ... 44

Figura 2 – Corredor de acesso às turmas de Níveis IV “A” e “B” e Nível III “C” ... 45

Figura 3 – Corredor de acesso às turmas de Nível IV “A” e “B” e Nível III “C” visto por outro ângulo ... 45

Figura 4 – Parque e espaço denominado “Caixa de areia” ... 46

Figura 5 – Parque visto por outro ângulo ... 47

Figura 6 – Parque de madeira ... 47

Figura 7 – Espaço da tenda ... 48

Figura 8 – Vista dos janelões das salas de referência ... 49

Figura 9 – Sala de referência Nível IV “A” ... 49

Figura 10 – Quadro branco e chamada ... 50

Figura 11 – “Cantinho da leitura”, representado por um objeto que porta livros ... 51

Figura 12 – Sala de referência Nível IV “B” ... 51

Figura 13 – Pias onde as crianças lavam as mãos ... 61

Figura 14 – Desenhos sobre a Feira Literária feitos pelas crianças ... 123

Figura 15 – Sequência de atividades da árvore de Natal ... 141

Figura 16 – Mural da turma com a exposição das atividades do “kiwi” ... 143

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Caracterização do quantitativo de turmas e crianças por turno ... 43 Quadro 2 – Situações/atividades de desenho propostas pelas professoras às crianças ... 117

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LISTA DE SIGLAS

ANPED – Associação Nacional de Pesquisas em Educação BDTD – Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações BNCC – Base Nacional Comum Curricular

CAPES – Comissão de Aperfeiçoamento Pessoal do Nível Superior CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil

DCNEI – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

RCNEI – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 14

1.1 CONTEXTOS DE ORIGEM E PROBLEMATIZAÇÃO DO ESTUDO ... 14

1.2 A QUESTÃO, O OBJETO E O OBJETIVO DE PESQUISA ... 24

1.2.1 Questão de Estudo:... 24

1.2.2 Objeto de Estudo:... 25

1.2.3 Objetivo de Estudo:... 25

1.3 O OBJETO DE ESTUDO NO CONTEXTO DAS PESQUISAS ... 25

1.4 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ... 28

2 APORTES TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISAO: UM CAMINHO PERCORRIDO ... 30

2.1 PROPOSIÇÕES DA ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL DE L. S. VIGOTSKI PARA A PESQUISA ... 31

2.2 PROPOSIÇÕES DE M. BAKHTIN PARA A PESQUISA EM CIÊNCIAS HUMANAS ... 33

2.3 PROCEDIMENTOS DE CONSTRUÇÃO DOS DADOS ... 37

2.3.1 Observação de tipo semi participativa ... 37

2.3.2 Entrevistas ... 39

2.4 O CAMPO DE PESQUISA ... 42

2.4.1 Estrutura e funcionamento da instituição ... 42

2.4.2 As salas de referência... 48

2.4.3 A rotina das crianças do nível IV ... 52

2.5 OS SUJEITOS PARTICIPANTES DA PESQUISA ... 64

3. A CRIANÇA, O DESENHO, A LINGUAGEM E O OUTRO ... 66

3.1 O DESENHO SOB O PONTO DE VISTA DAS TEORIZAÇÕES ... 69

3.1.1 As abordagens psicológicas do desenho infantil ... 70

3.1.2 A sociologia da infância e o grafismo infantil ... 78

3.1.3 O desenho como linguagem artística e criadora ... 79

3.2 O PAPEL DA MEDIAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM DA CRIANÇA ... 83

3.2.1 O desenho como uma das múltiplas linguagens constitutivas da criança ... 89

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5 MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA NAS INTERAÇÕES DAS CRIANÇAS COM O

DESENHO: de que modos as professoras intervêm? ... 114

5.1 INTERVENÇÕES QUE OPORTUNIZAM POSSIBILIDADES DE CRIAÇÃO/EXPRESSÃO DAS CRIANÇAS ... 119

5.1.1 Quando as professoras definem temas e oferecem modelos, mas instigam à criação ... 119

5.1.2 Quando as professoras definem temas, não oferecem modelos e instigam ao enriquecimento do registro/da produção ... 123

5.2 INTERVENÇÕES QUE RESTRINGEM POSSIBILIDADES DE CRIAÇÃO/EXPRESSÃO DAS CRIANÇAS ... 127

5.2.1 Quando as professoras definem temas, oferecem modelos e controlam as ações/escolhas das crianças ... 129

5.2.2 Quando as professoras não oferecem a ajuda solicitada pelas crianças em suas produções ... 144

5.2.3 Quando as professoras intervêm nas produções das crianças sem solicitação ... 147

5.3 E às professoras, o que tem sido possibilitado aprender sobre as linguagens artísticas, em específico, o desenho infantil? ... 150

CONSIDERAÇÕESFINAIS ... 154

REFERÊNCIAS ... 158

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14 INTRODUÇÃO

No retrato que me faço - traço a traço - às vezes me pinto nuvem, às vezes me pinto árvore... às vezes me pinto coisas de que nem há mais lembrança... ou coisas que não existem mas que um dia existirão... e, desta lida, em que busco - pouco a pouco - minha eterna semelhança, no final, que restará? Um desenho de criança... Terminado por um louco! (Mário Quintana, 2007)

A paixão pelas múltiplas linguagens infantis nos levou novamente à memória da infância vivida, onde nos redescobrimos na criança que éramos, encantada pela liberdade de imaginar, criar e desenhar. E assim, delineamos nossos primeiros traços. Semelhante ao retrato de Mário Quintana, a cada novo traço, refizemos, pintamos e recriamos um novo retrato resultante neste trabalho a ser “desenhado” nas próximas páginas.

1.1 CONTEXTOS DE ORIGEM E PROBLEMATIZAÇÃO DO ESTUDO

As inquietações relativas ao lugar do desenho na Educação Infantil, especificamente, a modos de mediação de professores(as) na promoção de interações das crianças com o desenho nessa etapa educacional – objeto deste estudo – emergiram durante o processo de pesquisa, redirecionando o nosso olhar para novos “traços” das linguagens infantis.

O interesse pelas múltiplas linguagens da criança, a princípio, decorreu de experiências enquanto graduanda do curso de Pedagogia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, nas quais adentramos no campo das discussões relativas à educação da criança, ao papel da linguagem na constituição dos sujeitos, bem como às especificidades e função social da Educação Infantil. Tais estudos foram

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15 aprofundados com a inserção na base de pesquisa Processos de Aprender e Ensinar na Educação Infantil1 enquanto bolsista de iniciação científica.

Assim, os primeiros passos no fazer-se pesquisadora se deram por meio da pesquisa intitulada Escrita na Educação Infantil: o quê? Para quê? Como? Significações de crianças e professores. Esta, por sua vez, resultou no trabalho de conclusão de curso O lugar da linguagem escrita na vida das crianças da Educação Infantil (CUNHA, 2016), em que analisamos o lugar dado à linguagem escrita nas instituições dessa etapa, visando compreender como essa linguagem está sendo pensada, ofertada às crianças e por elas experimentada.

O estudo, desenvolvido em uma instituição de Educação Infantil da cidade do Natal/RN, junto a uma turma de crianças de cinco anos, propiciou constatar que as práticas desenvolvidas pela professora não propiciavam a exploração do caráter simbólico e discursivo da linguagem escrita pelas crianças, apresentando-a de modo marcadamente descontextualizado e desprovido de sua função social, explicitando uma perspectiva de aprendizagem como processo mecânico, decorrente de repetição e memorização. As vivências das crianças com a escrita realizavam-se, nas atividades propostas, em situações não reais de uso e produção de textos escritos, de modo restrito e lacunar, sem sentido e significado.

Essas constatações despertaram novos questionamentos que colocavam em pauta o papel do professor no processo de inserção da criança pequena na cultura escrita, visto que suas intervenções podem definir a qualidade das interações e experimentações das crianças com essa linguagem. Logo, essas inquietações nos levaram a ingressar no mestrado em educação, com uma intenção de estudo voltada, inicialmente, para modos de mediação docente na experimentação da linguagem escrita por crianças da Educação Infantil.

A inserção no campo empírico, contudo, foi reconfigurando o objeto de estudo e reestruturando nosso projeto de pesquisa, à medida que, ao assumirmos as proposições de Vigotski (2007), entendemos que, nas pesquisas que têm como foco os processos humanos, os sujeitos da pesquisa e pesquisador estão em relação de interação, de modo que não há um “dado” pronto, mas uma coprodução de sentidos, na qual os processos estão em constante movimento. Dessa forma, os sujeitos da pesquisa foram gradativamente afetados pela nossa presença e, 1 O grupo assumiu, há dois anos, nova designação, passando a chamar-se “Crianças, infâncias, cultura e educação infantil”.

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16 consequentemente, se reconfigurando, e, igualmente, nós também fomos afetados pelas observações realizadas que, por sua vez, nos davam indícios de práticas que não se distanciavam das já constatadas na pesquisa realizada anteriormente e já referida (CUNHA, 2016).

Ao mesmo tempo, as observações passaram a revelar a presença do desenho no contexto da rotina diária das crianças, estando, na maioria das vezes, vinculado às atividades de escrita, chamando nossa atenção para essa prática não muito considerada em estudos da área.

As crianças necessitam e produzem múltiplas linguagens por meio das quais se relacionam com o mundo e o internalizam, se desenvolvendo como pessoas (CRUZ, 2010). Em todas as culturas o desenho, como modo de representação empregada e desenvolvida pelo homem e, portanto, como prática cultural, composta de imaginação e figuração, é uma das múltiplas linguagens fundamentais em sua constituição. Sendo linguagem, é modo de dizer, significar e elaborar sentidos, e, como atividade simbólica é essencial ao desenvolvimento e à capacidade criadora das crianças.

Ao desenhar, a criança age sobre o mundo e sobre si e, por isso, está constantemente interagindo e atribuindo sentidos às suas vivências. É no processo de desenhar que ela internaliza, consolida imagens mentais e passa a prestar mais atenção nos objetos de seus desenhos, de maneira que é na dinâmica dessas interações que o desenho vai sendo constituído. Logo, o desenho passa a ser compreendido como modo de internalização de suas significações, o que envolve suas relações, interações e vivências com os Outros.

Conforme nos aponta Silva (1993), as crianças desenham porque estão inseridas em uma cultura que tem a linguagem gráfica como uma de suas formas de expressão. Reconhecemos que o desenho está presente nas práticas das instituições de Educação Infantil, e que isso não causa objeção ou questionamento, todavia, é preciso considerar de que modos ele tem sido experimentado pelas crianças? O que tem sido oportunizado a elas aprenderem sobre essa linguagem? Como as professoras encaminham a aprendizagem do desenho e possibilitam essas interações?

Tais questionamentos contribuíram, então, para a continuidade das nossas preocupações relativas à aprendizagem e interações das crianças com as múltiplas

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17 linguagens. Sendo assim, passamos a olhar o lugar do desenho na Educação Infantil, questionando de que modos as crianças interagem e experimentam o desenho nessa etapa educacional e qual o papel de professores(as) na configuração desses modos.

Segundo Gobbi (2009), embora os desenhos se façam presentes nas práticas pedagógicas dessas instituições de maneira recorrente, estes não têm sido foco de atenção de professoras, sendo oferecidos como passatempo entre as atividades consideradas mais relevantes – as de escrita – e, além disso, sendo formatados segundo modelos impostos pelo adulto, em práticas centradas no produto e não no processo de produção de traços e formas de modos singulares pelas crianças.

Estas observações, dentre outras advindas das experiências como pesquisadora e professora, apontam a necessidade de investigar acerca de tais práticas, uma vez que assumimos que estes espaços têm como função e finalidade social promover o desenvolvimento integral das crianças mediante a criação de oportunidades nas quais elas possam vivenciar experiências que lhe possibilite aprender e se desenvolver de modo efetivo convivendo, brincando, explorando, criando, transformando, ressignificando e ampliando seus saberes em articulação com os saberes da cultura que lhes rodeia.

Por outro lado, entendemos que, enquanto prática cultural, sua aprendizagem pelas crianças implica interação mediada com seus modos de produção – finalidades, instrumentos, suportes, ações envolvidas, referências já construídas historicamente e presentes no meio social, compartilhadas com os Outros. Ao pensarmos no contexto das instituições de Educação Infantil, essa mediação compete, de modo fundamental, ainda que não exclusivo, posto que esse papel pode ser exercido por pares mais experientes, às professoras2, por serem, historicamente, as responsáveis por prover, nos espaços e tempos institucionais, condições em que as crianças possam viver experiências significativas com o desenho, entre outras múltiplas linguagens, de modo sistemático e intencional.

Mas é preciso considerar que, nos diferentes contextos pedagógicos vigem diferentes concepções e práticas envolvendo o desenho infantil, que se distinguem, tanto em relação a sua finalidade e valor educacional, quanto à concepção de sua 2 De agora em diante iremos nos referir às profissionais que atuam como responsáveis diretas pelo trabalho pedagógico com as crianças nas instituições de Educação Infantil como professoras, empregando o gênero feminino, considerando que tal função é primordialmente exercida por mulheres.

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18 aprendizagem e ensino. Assim, é possível encontrar propostas que revelam uma visão do desenho infantil como recurso que tranquiliza e distrai as crianças ou que promove o desenvolvimento de habilidades meramente perceptomotora e reprodutivas, preparatórias para a escrita.

Por outro lado, em relação ao seu aprendizado e ensino, é ainda muito presente nos meios sociais a ideia de que a “arte” de desenhar é um “dom”, algo inato que prescinde de ensinamento, o que acaba por desconsiderar os sujeitos e suas histórias de vida, bem como, por outro lado, é frequente a presença de práticas de excessiva instrumentalização e homogeneização das ações das crianças.

A par dessas práticas vigentes historicamente, o desenho infantil tem sido objeto de estudo de diferentes campos do conhecimento como a Psicologia, Sociologia, Pedagogia e Artes, havendo, por consequência, múltiplas abordagens e enfoques, tanto em relação ao desenho e seu papel no desenvolvimento das crianças, quanto ao seu desenvolvimento pelas crianças e consequente papel do meio social nesse processo. Essas perspectivas colocam no centro das discussões concepções acerca do desenho – em que consiste –; de seu aprendizado – como se processa e o papel dos sujeitos aprendizes e do meio social.

No âmbito da Psicologia, em uma perspectiva inatista, o desenho é considerado uma atividade natural da criança que, “espontaneamente” passará as etapas de evolução da capacidade gráfica. De uma perspectiva de cunho mais ambientalista-comportamentalista, a criança é uma tábula rasa, que necessita de extrema intervenção do adulto para desenvolver suas capacidades, sendo a capacidade criadora decorrente de treinamento específico e controlado.

É possível encontrar traços de concepções inatistas-maturacionistas nas descrições da evolução do desenho infantil por autores considerados referências clássicas como Luquet (1969) e Lowenfeld (1977), que apresentam estudos sobre esse processo identificando/descrevendo fases necessariamente atravessadas pelas crianças no desenvolvimento da capacidade de produzir representações gráficas figurativas, revelando uma perspectiva de prontidão, ao afirmarem a necessidade, para essa evolução, de maturação de aspectos neuromotores, socioafetivos e cognitivos.

Para esses autores, sobretudo Luquet, a produção de grafismos se processa desvinculados do meio sociocultural, o que nos permite corroborar com as

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19 afirmações de Silva (1993) de que a criança tratada por esses teóricos está solta no tempo e no espaço, onde o social e o cultural aparecem superficialmente mencionados, de maneira que a presença e participação do outro cultural no percurso do desenvolvimento humano é visto como interferência na evolução natural da criança. Assim, os processos de produção e aprendizagem do desenho são vistos sob uma ótica individualista, onde o olhar do adulto se prende a modelos que isolam o desenho e a criança de um contexto histórico, social, cultural, e consequentemente, significativo, estando sempre à espera do “natural” e “esperado”.

Ao lado dessas concepções que se distanciam da compreensão da criança como sujeito ativo, consolida-se, em contrapartida, a perspectiva de crianças como sujeitos concretos, pessoas capazes, “com seus próprios direitos como seres humanos individuais e membros plenos da sociedade [...] são atores sociais [...] com voz própria” (MOSS, 2003, p. 70-71), ainda que vulneráveis e dependentes em relação ao meio sociocultural para aprenderem e se desenvolverem. Dito isto, compreendemo-las como sujeitos sociais e históricos, contextualizados, capazes, desde cedo, de intervirem e agirem nos contextos onde vivem, de participarem, se apropriarem das práticas da cultura por meio das vivências e experiências que lhes são propiciadas, bem como produzir cultura (VIGOTSKI, 2007; KRAMER, 2007). Nesses termos, as interações e as mediações sociais assumem papel preponderante na constituição dos sujeitos.

Ancorando-nos nas teorizações que assumem a gênese social da constituição humana, como a abordagem histórico-cultural de L.S. Vigotski (2008; 2007), reconhecemos que o desenvolvimento da criança se processa mediante as relações sociais e o compartilhamento das práticas da cultura, o que propicia sua apropriação, processo em que se reconhece o caráter mediador da(s) linguagem(s) e do(s) Outro(s). A partir disso, Vigotski (2007) formula que as funções psicológicas superiores se constituem nas interações humanas, de modo que a base biológica e as relações socioculturais estão em constante movimento. Assim, o acesso das crianças aos objetos/práticas da cultura não se dá em relação direta, mas por mediações-intervenções, por sua vez mediadas pelos signos e instrumentos criados pelo homem para o auxiliarem na atividade humana (VIGOSTKI, 2007).

A produção e uso de signos produz transformações qualitativas nos processos psíquicos, uma vez que o acesso ao universo de significação se dá

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20 mediante apropriação dos sistemas semióticos e pelo emprego de instrumentos disponíveis no contexto sociocultural. Ao longo do desenvolvimento humano esses sistemas se processam, inicialmente, a nível interpsíquico, sendo posteriormente internalizados, passando a ocorrer intrapsiquicamente. Ao postular a Lei Genética Geral do Desenvolvimento Cultural, Vigotski explica que:

No desenvolvimento cultural da criança cada função aparece em cena duas vezes, em dois planos, primeiro o social, depois o psicológico, primeiro entre pessoas como uma categoria interpsicológica, depois no interior da criança como uma categoria intrapsicológica. (VIGOTSKI, 2000, p. 26).

Ao dar ênfase ao papel das relações sociais na constituição dos sujeitos, Vigotski (2007, p. 20) enfatiza o papel mediador dos outros e da linguagem, ao postular: “o caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa”. Isso significa que só é possível ingressar no mundo cultural por meio da mediação do Outro – entendendo esse “Outro” – os outros da cultura ou parceiros mais experientes na relação (professor ou criança em nível mais avançado de desenvolvimento), o que, necessariamente, requer dos sujeitos a inserção nas relações humanas e práticas sociais (PINO, 2005).

Ao mesmo tempo, o autor afirma que a internalização de modos intermentais de funcionamento só se realiza por meio da ação com signos (VIGOTSKI, 2007), o que aponta o caráter, além de social, simbólico do processo de constituição humana. A mediação se processa, portanto, por meio de ações de um Outro e da linguagem. Isso significa que “o conhecimento não é adquirido, mas construído na relação com o outro. Uma relação dialética entre o sujeito e o meio histórico [...] uma relação não só com objetos, mas principalmente, uma relação entre pessoas, entre sujeitos” (FREITAS, 2010, p. 60). Há, então, um sujeito do conhecimento que não é apenas ativo, mas interativo (GÓES, 2000), que aprende e se desenvolve mediante apropriações da cultura em situações que envolvem tempo, reiteração de vivências e compartilhamento de práticas, por meio das quais, gradativamente, cada sujeito torna próprio o que foi construído socialmente, em processo de significação (SMOLKA, 2002).

Desse modo, podemos afirmar que a mediação dos sujeitos mais experientes no aprendizado da criança torna-se essencial ao seu processo de desenvolvimento e ampliação de conhecimentos, visto que este não se torna possível pela mera

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21 exposição aos objetos da cultura/conhecimento. Esse papel é afirmado quando, ao discutir as relações entre aprendizagem e desenvolvimento infantil, Vigotski (2007) apresenta o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), propondo a existência de níveis diferenciados de desenvolvimento, os quais denomina de nível real, quando a criança – sujeito humano – consolida a apropriação de processos necessários à ação, sendo capaz de atuar de modo autônomo; e nível potencial, representado pelo estágio em que operações necessárias a uma dada função ainda não estão dominadas e requerem, para sua realização, a mediação de outro mais experiente. O autor postula que entre os dois níveis há uma zona de desenvolvimento propícia à intervenção pedagógica e às aprendizagens ainda não constituídas e desenvolvidas no sujeito. Assim, a mediação/intervenção intencional e sistemática no processo de experimentação de linguagens torna-se fator decisivo para ampliar ou limitar as possibilidades de vivências, criações, interações e aprendizagens das crianças com as linguagens, em especial, o desenho.

Ao assumirmos as proposições da abordagem histórico-cultural de Vigotski (2007), compreendemos o desenho como prática simbólica, como linguagem constituída historicamente nas relações sociais, como modo de relação com o real, com finalidades diversas, dentre as quais, a de registro e auxílio à memória. Dada a sua concepção histórico-social, não podemos vê-lo como algo que se desenvolve mediante maturidade orgânica e psicológica infantil, resultado de estágios evolutivos que homogeneízam as crianças ditando percursos os quais elas todas devem percorrer, caracterizando-as sob termos que regulam a normalidade de seu desenvolvimento.

Da perspectiva da Sociologia da Infância, podemos, segundo Sarmento (2007), vê-lo como uma das linguagens às quais todas as crianças têm direito de vivenciar, explorar, produzir, aprender e desenvolver. De modo especial, o desenho, por suas características, constitui, junto à brincadeira, à oralidade e outras práticas simbólicas vivenciadas pelas crianças, possibilidades significativas para o exercício da imaginação, da fantasia e da ludicidade, marcas da racionalidade infantil, considerada característica distintiva fundamental das crianças.

Essas premissas têm sido assumidas em abordagens pedagógicas e curriculares reconhecidas como referências por respeitarem as especificidades infantis e promoverem seu reconhecimento, como as propostas italianas de Reggio

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22 Emília3 e de San Miniato4, como também por documentos oficiais pertinentes à Educação Infantil produzidos em nosso país na perspectiva de orientar propostas e práticas pedagógicas que respeitem as crianças e promovam seu desenvolvimento.

Dentre esses documentos destacamos, em sua ordem cronológica: o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (2009) e a Base Nacional Comum Curricular (2017).

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI, publicado pelo Ministério da Educação (BRASIL, 1998) com a finalidade de orientar a organização de práticas pedagógicas nessa etapa, sendo ainda hoje citado pelos professores e instituições como uma das referências para suas práticas. Composto por três volumes traz no terceiro, denominado “Conhecimento de mundo”, conteúdos e proposições didáticas para os segmentos de 0 a 3 anos e 4 a 6 anos5 e, como um dos eixos do currículo, as Artes Visuais, destacando a importância do desenho infantil no fazer artístico e na construção das demais linguagens visuais, assumindo, dessa forma, o desenho como linguagem por meio da qual a criança, tanto pode comunicar seus saberes, ideias e percepções de mundo, quanto constituí-los. O documento ainda afirma as professoras como responsáveis pela ampliação do repertório gráfico da criança, enriquecendo seus trabalhos.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil revisada pelo Conselho Nacional de Educação e homologadas pelo parecer CNE/SEB 20/2009, em 11 de novembro de 2009, bem como, aprovada, em 17 de dezembro de 2009, pela Resolução nº 5, diferentemente do RCNEI, têm caráter mandatório. Suas proposições têm, portanto, força de lei e demandam observância por todas as instituições nacionais de Educação Infantil. Entre as suas definições encontra-se a centralidade da criança no planejamento curricular e as interações e brincadeira enquanto eixos norteadores das práticas curriculares da Educação Infantil. 3 Abordagem mundialmente conhecida de trabalho pedagógico com crianças da Educação Infantil, desenvolvida na região da Emilia Romana, na Itália, desde o final dos anos de 1940, liderada por Loris Malaguzzi.

4 Proposta construída sob a liderança de Aldo Fortunnatti que se desenvolve na região da Toscana, com muitos pontos em comum com a abordagem reggiana, mas com foco na educação de crianças de zero a quatro anos.

5 A faixa etária de zero a seis anos integrava a Educação Infantil até a promulgação da Lei 11.274 de 2006 que cria o Ensino Fundamental de Nove Anos e institui a matrícula das crianças de seis anos no primeiro ano, reconfigurando a faixa etária da Educação Infantil para zero a cinco anos.

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23 Reconhece, portanto, que a aprendizagem e desenvolvimento das crianças se dão em contextos significativos de interações, relações, vivências e experiências partilhadas entre crianças e adultos, envolvendo diferentes linguagens, dentre estas, o desenho.

Além desses documentos, citamos a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2017), homologada em 20 de dezembro de 2017. Em sua terceira versão revisada, configura a culminância de uma ruptura, decorrente das intensas mudanças no plano político do país e das perspectivas do grupo que assumiu o governo federal, após o impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Na composição inicial – nas duas primeiras versões – a elaboração do documento envolveu a participação de diversas instâncias sociais, na definição de um conjunto de aprendizagens consideradas essenciais ao desenvolvimento dos estudantes da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, denominadas “direitos de aprendizagem”. A versão homologada traz reconfigurações significativas nas concepções e proposições pertinentes ao Ensino Fundamental em relação à composição anterior. A parte relativa ao Ensino Médio foi retirada desta versão e somente aprovada posteriormente, homologada em 2018.

A parte do documento referente à Educação Infantil é considerada, no contexto da área, como sendo a que menos sofreu interferências em sua versão final, conservando, mediante intensa mobilização da área, definições e proposições anteriormente discutidas socialmente. Considerando que as aprendizagens das crianças constituem direitos decorrentes de suas necessidades de desenvolvimento humano, o documento define, como organizadores das práticas pedagógicas a serem garantidos, seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se.

E considerando, por sua vez, as especificidades infantis e a necessária distinção entre as práticas curriculares dessa etapa e das etapas posteriores – ainda que se reconheça a necessária articulação entre elas – o documento propõe uma organização curricular por “Campos de Experiências”, identificando cinco desses campos: “O eu, o outro e o nós”; “Corpo, gestos e movimentos”; Traços, sons, cores e formas”; “Escuta, fala, pensamento e imaginação” e “Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações”. A perspectiva dessas proposições é

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24 assegurar às crianças condições para que aprendam e se desenvolvam em situações de interações significativas.

Em relação às linguagens artísticas contempladas, principalmente, no campo Traços, sons, cores e formas, vemos que é por meio das várias experiências de interação, apreciação e criação que as crianças aprendem e desenvolvem nas diferentes linguagens, como o desenho. É experimentando desenhar e na interação com suas produções e seus pares que elas aprendem sobre o que é e como se desenha.

O que se aponta, a partir das teorizações, bem como dos documentos oficiais relativos à Educação Infantil é que o desenho, enquanto uma das linguagens pelas quais as crianças se relacionam com o mundo e consigo mesmas – envolvendo compreensão e expressão – tem um papel relevante em seu desenvolvimento, ao mesmo tempo que tem, em cada criança, um processo de desenvolvimento que implica interações e mediações nos contextos socioculturais onde elas vivem. Dessa forma, entendemos que os modos como o desenho é vivenciado e mediado podem, ou não, possibilitar a ampliação do repertório cultural das crianças, oferecendo a elas maiores ou menores possibilidades e condições de vivências significativas com essa linguagem e, portanto, de sua aprendizagem e desenvolvimento.

Esse reconhecimento – advindo de nossas experiências de estudos – articulado com nossas observações iniciais no campo de pesquisa onde estávamos inseridas em interação com crianças, professoras e suas práticas em uma instituição de Educação Infantil, adensou nossos questionamentos em relação aos modos pelos quais as crianças vivenciam-experimentam o desenho na Educação Infantil e aos modos de mediação de professoras nessas vivências – quais suas proposições e intervenções. Dessas reflexões emergiram os elementos definidores de nossa pesquisa:

1.2 A QUESTÃO, O OBJETO E O OBJETIVO DE PESQUISA

1.2.1 Questão de Estudo:

De que modos as professoras mediam interações/experimentações das crianças com o desenho na Educação Infantil?

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25 1.2.2 Objeto de Estudo:

Modos de mediação de professores(as) nas interações/experimentações das crianças com o desenho na Educação Infantil.

1.2.3 Objetivo de Estudo:

Analisar modos de mediação de professoras na promoção de interações/experimentações das crianças com o desenho na Educação Infantil.

1.3 O OBJETO DE ESTUDO NO CONTEXTO DAS PESQUISAS

Com a definição do nosso objeto de estudo consideramos relevante situá-lo no âmbito das pesquisas e produções já desenvolvidas na perspectiva de respaldar nosso estudo, buscando aproximar/ampliar diálogos, bem como justificar a importância de sua realização. Definimos nossa busca mediante consulta a teses e dissertações produzidas nos últimos dez anos, considerando um recorte temporal entre 2008 a 2018.

Em consulta ao banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal do Nível Superior – CAPES e a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – BDTD, localizamos alguns trabalhos que se aproximam da nossa temática relativa à mediação docente nas interações da criança com o desenho na Educação Infantil, entre eles destacamos pesquisas que analisam o desenho infantil na Educação Infantil e/ou discutem o papel do(a) professor(a), dentre eles, destacamos: Gobbo (2011), Góes (2009; 2014), Monteiro (2013), Barbosa (2013), Brito (2013), Melo (2014), Tsuhako (2016).

O estudo de Gobbo (2011) intitulado A inserção da criança pré-escolar no universo da cultura escrita pela mediação do desenho, da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, evidenciou o papel do desenho (e do professor) enquanto mediador no processo de inserção das crianças pré-escolares na cultura escrita, revelando que as práticas vivenciadas pelas crianças pré-escolares como a contação de histórias e os registros destas por meio do desenho possibilitam adentrar na cultura escrita.

Goés (2009) em sua dissertação intitulada As marcas da cultura nos desenhos das crianças, realizada na Universidade Federal do Espírito Santo,

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26 analisou elementos sociais e culturais presentes nos desenhos de crianças da Educação Infantil, tomando estes como simbolizações de suas apropriações do contexto social em que vivem. A autora destaca, como resultado do estudo, a inexistência de articulação, por parte das crianças, entre seus desenhos e as marcas sociais e culturais neles impressas, o que é atribuído pela autora à falta de diálogo entre professora e crianças, e à falta de mediação na promoção da reflexão das crianças sobre seus desenhos.

Já em sua tese As relações entre desenho e escrita no processo de apropriação da linguagem escrita, da Universidade Federal do Espírito Santo, a mesma autora (GOÉS, 2014) investigou as relações entre desenho e escrita estabelecidas por crianças da Educação Infantil, concluindo que para algumas crianças não havia distinção entre essas linguagens, no entanto, elas eram levadas a diferenciá-las a partir das orientações do professor e na entrega dos materiais por parte deste.

Monteiro (2013), em sua tese Desenho infantil na escola: a significação do mundo por crianças de quatro e cinco anos, na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, buscou compreender e analisar o desenho infantil a partir de uma análise microgenética e de outros referenciais que superassem o olhar etapista, investigando as influências da interação social, das linguagens e das significações das crianças da Educação Infantil, destacando a participação destas na pesquisa. A autora ressalta a importância de atentarmos não somente ao produto final do desenho, mas para as riquezas do processo de sua produção, que envolve escolhas, interações, influências do outro e do meio, sendo o desenho um produto coletivo que possibilita as crianças se expressarem e comunicarem. Além disso, a autora destaca a importância do papel da professora na promoção de experiências que as crianças venham a ter ao desenharem.

Em Criação, imaginação e expressão da criança: caminhos e possibilidades do desenho infantil, da Universidade Federal de São João Del-Rei, Barbosa (2013) discute questões referentes à maneira como o desenho é utilizado em salas da Educação Infantil e como este pode contribuir enquanto possibilitador para o processo criador e expressivo das crianças. A autora conclui que o desenho é um modo de expressão da imaginação infantil, em que os professores podem contribuir no processo criador das crianças estimulando-o com atividades diversas. Além

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27 disso, Barbosa (2013) atenta para a necessidade de se observar que não somente as experiências e formação do professor, mas outras instâncias como a legislação, os pais e crianças podem também influenciar nesse processo.

O estudo desenvolvido por Melo (2014) O desenho como prática pedagógica na educação infantil e o papel do professor como mediador desse recurso, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, analisou os desenhos infantis a partir de seus usos como ferramenta pedagógica em turmas da Educação Infantil e as contribuições do docente nesse processo. Para isso, realizou observações e intervenções pedagógicas em duas turmas do “maternal”, cujo objetivo era identificar as atividades de desenho realizadas por crianças de três e quatro anos, observando as relações do professor mediador durante a elaboração desses desenhos. As análises revelaram práticas e características diferenciadas entre as turmas quanto ao controle das produções das crianças e a liberdade destas em desenhar. Melo (2014) conclui que as características especificas decorrem da postura do professor em relação à sua orientação didática, ao planejamento e orientações das atividades que por sua vez se refletem em práticas de cobrança do realismo visual das produções das crianças, e práticas em que estas possuíam mais liberdade de criar, com poucas intervenções do adulto.

Tsuhako (2016) em seu estudo O ensino do desenho como linguagem: em busca da poética pessoal, da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho”, analisou um curso de formação continuada de professores acerca do desenho infantil. A autora discute as práticas pedagógicas que assumem o desenho como linguagem, visando a superação de concepções e práticas que limitam o desenvolvimento do desenho, concluindo ser possível desenvolver a percepção, imaginação e atividade criadora através do processo educacional, de maneira que a poética pessoal pode estar ao alcance de todos, professores e crianças.

Os estudos que encontramos, aqui sumariamente descritos, revelam que a tematização do desenho como linguagem e objeto de mediação de professores é pouco expressiva em termos quantitativos e que, embora o desenho constitua o foco dos estudos, a centralidade da mediação docente em sua experimentação por crianças não aparece de modo explícito, o que configura a necessidade de estudos sobre esse tema específico, e afirma a pertinência de nossa investigação numa

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28 perspectiva de contribuir para uma ampliação de discussões acerca da temática. Anima-nos a compreensão, fundamentada na proposição de Vigotski (2007), de que a relação entre o sujeito e o objeto de conhecimento implica, necessariamente, a mediação de outros da cultura. Sendo a Educação Infantil concebida como instituição com finalidade de promover esses encontros entre as crianças e os objetos/práticas da cultura e sendo as professoras as principais – embora não únicas – responsáveis por promover essas interações, e sendo o desenho uma dessas práticas culturais – objetos de conhecimento – cabe perguntar como as professoras promovem – mediam – essas relações.

1.4 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

O presente texto, organizado em seis capítulos, sistematiza o percurso que vivenciamos durante a pesquisa, bem como o que foi possível construir a partir dela. Nesta primeira parte, denominada Introdução, visamos apresentar as origens das nossas inquietações que nos motivaram até a temática de pesquisa, à definição do objeto, da questão e do objetivo, elementos definidos com base nos pressupostos teóricos brevemente apresentados, e que, por sua vez, nortearam a nossa pesquisa e discussões.

No segundo capítulo, tratamos do nosso percurso teórico-metodológico, seus fundamentos, os procedimentos utilizados para a construção e análise dos dados. Apresentamos, ainda, os caminhos percorridos na pesquisa, a definição, identificação e caracterização do lócus de pesquisa, e dos sujeitos participantes.

No terceiro capítulo, situamos parte do nosso referencial teórico, sistematizando nossas concepções de infância e criança, bem como as concepções acerca do desenho infantil e o papel do outro na aprendizagem dessa linguagem.

No quarto capítulo, aprofundamos nossas discussões acerca do lugar do desenho na Educação Infantil, a partir de teorizações de precursores dos estudos relativos à criança e sua educação, bem como de reflexões pedagógicas contemporâneas acerca das múltiplas linguagens que vêm ganhado centralidade e espaço nos meios científicos educacionais, além dos documentos oficiais pertinentes à Educação Infantil produzidos em nosso país.

No quinto capítulo, trazemos a discussão que desenvolvemos a partir da construção e análise dos dados construídos relativos aos modos de mediação de

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29 professoras na promoção de interações das crianças com o desenho nessa etapa educacional.

Por fim, tecemos nossas considerações finais que retomam nossa questão de pesquisa e ressaltam aspectos que consideramos relevantes durante nosso percurso de pesquisa e estudo, além da abertura de novas questões relativas a essa temática.

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30 2 APORTES TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISAO: UM CAMINHO PERCORRIDO

O que a gente procura muito e sempre não é isto nem aquilo. É outra coisa. (Carlos Drummond de Andrade, 2013)

Neste capítulo, sistematizamos os “caminhos” de nossa pesquisa, apresentando, inicialmente, os aportes teórico-metodológicos que embasaram as etapas de construção da investigação, além das decisões que redesenharam nossos estudos e procura. Posteriormente, serão apresentados o campo de estudo e os sujeitos participantes – critérios de definição e caracterização.

Nosso percurso metodológico, desde a definição do objeto de estudo, foi orientado fundamentalmente por princípios da abordagem histórico cultural de Lev S. Vigotski (1896-1934), bem como as proposições do dialogismo de Mikhail Bakhtin (1895-1975), cujas bases teórico-metodológicas se pautam no materialismo histórico dialético de Karl Max.

Nessa perspectiva, buscar compreender “modos de mediação de professoras” junto às crianças em situações em que lhes são oportunizadas interações com a linguagem do desenho na Educação Infantil, implica considerar que as relações sociais nas quais os sujeitos estão envolvidos constituem seus modos de ser, agir, significar o mundo, mediante as relações que vivenciam com os objetos da cultura e de sua apropriação; o que, por sua vez, configura-se em ações que adquirem múltiplos sentidos, que tornam as práticas significativas, a depender, como aponta Smolka (2000), da participação dos sujeitos nas relações.

Ancorada na tese formulada por Vigotski (2007) de que as funções mentais humanas têm gênese social e que são relações sociais internalizadas mediante a ação com signos, a autora citada (SMOLKA, 2000) aponta que o processo de internalização se realiza como internalização de/por meio de signos – como significação, como produção de sentidos, o que implica a singularidade do processo em cada sujeito.

Ao orientarmos nossa pesquisa nas proposições supracitadas, reconhecemos o papel central das interações, da mediação social e da linguagem, tanto no desenvolvimento humano, quanto na compreensão desse desenvolvimento. Assim,

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31 a produção do conhecimento sobre processos humanos tem como fundamento a construção de significações que se produzem nos contextos em que emergem e são estudados.

Privilegiar as significações que os processos adquirem em seus contextos exige de nós esforço em evidenciar como a perspectiva sócio-histórica de pesquisa, a qual, como propõe Freitas (2007) contempla princípios da abordagem histórico-cultural de L. S. Vigotski, bem como proposições do dialogismo de Mikhail Bakhtin, materializa-se na prática. Nessa perspectiva, Freitas (2007, p. 27-28) organiza algumas características de ambas as abordagens que dialogam com os princípios da abordagem qualitativa de pesquisa de Bogdan e Biklen (1994), ao apontar as aproximações que compartilham: a) a fonte direta dos dados é o texto – o contexto natural de onde emerge a situação, de modo que compreender os seus sujeitos, implica em compreender também seus contextos; b) as questões formuladas para a pesquisa orientam-se para a compreensão dos fenômenos em seu acontecer histórico, com toda sua complexidade; c) o pesquisador é um dos principais instrumentos da pesquisa, visto que sua compreensão é construída a partir de seu lugar sócio-histórico, o que depende das relações intersubjetivas que estabelece com os sujeitos com quem pesquisa; d) o critério que se busca não é a precisão do conhecimento, mas a profundidade da penetração e esforço de compreensão.

Isso significa que, corroborando com Freitas (2007) e ancoradas em uma perspectiva sócio-histórica, cuja base é o materialismo histórico-dialético, buscamos compreender o sujeito em sua totalidade e nas relações das quais faz parte nos contextos em que vive, sendo, portanto, a pesquisa uma relação dialógica entre sujeitos, reconhecendo, como procedimentos fundamentais à compreensão, a descrição e a interpretação – compreendidos como produção de sentidos, de textos. Para tanto, ampliaremos as discussões acerca dessas perspectivas a seguir.

2.1 PROPOSIÇÕES DA ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL DE L. S. VIGOTSKI PARA A PESQUISA

Em seus escritos, Vigotski (2007, p. XXIII), ao fundamentar seus princípios na abordagem do materialismo histórico dialético, revoluciona a Psicologia acreditando não existir, nesse campo científico, escolas cujas bases fossem firmes o suficiente para estabelecer uma teoria unificada dos processos psicológicos humanos, visto

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32 que procurava uma abordagem que possibilitasse a descrição e explicação das funções psicológicas superiores. Diante desse contexto, torna-se o primeiro a considerar, de modo dialético, o papel da cultura na constituição humana, ao postular que o ponto central do método para a pesquisa precisa compreender os processos psíquicos como interativos e relacionais, não naturais ou acabados, mas em constante transformação e movimento, onde cada fenômeno carrega consigo uma história em permanente construção.

O autor afirma que “o desenvolvimento psicológico dos homens é parte do desenvolvimento histórico geral de nossa espécie e assim deve ser entendido” (VIGOTSKI, 2007, p. 62), o que implica construir uma metodologia que atenda à natureza dialética e histórica da constituição humana, admitindo a influência da natureza sobre o homem, e deste, que age sobre ela, recriando-a e modificando-se, em constante processo de mudanças (VIGOTSKI, 2007), o que significa afirmar que não é possível isolar o sujeito de sua história e das interações que estabelece com o meio social e com os outros da cultura.

Para o autor, as funções tipicamente humanas de funcionamento mental emergem do curso da história do sujeito, mediante processos de internalização de funções psicológicas, que por sua vez sofrem transformações ao longo do seu aprendizado e desenvolvimento e se consolidam no plano de ação entre sujeitos (GOÉS, 2000). Desse modo, os processos de internalização se constituem a partir da “reconstrução interna de uma operação externa” (VIGOTSKI, 2007, p. 56), ou seja, ocorre, inicialmente, no nível social, entre pessoas – intermental, para posteriormente acontecer a nível individual, no interior da criança – intramental, o que por sua vez se configurará em algo próprio de cada um. Para o autor, as funções mentais psicológicas são constituídas socialmente, em um processo interativo possibilitado pela linguagem e que antecede a apropriação pessoal (FREITAS, 2002).

Tal transformação ocorre gradualmente e resulta de uma série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento; por meio da mediação dos outros, da cultura e dos signos no campo das relações e interações, os sujeitos internalizam formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico. Em decorrência disso, Vigotski (2007) atribui à linguagem lugar de centralidade, enquanto mediadora dos

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33 processos de constituição social (SMOLKA, 2000; PINO, 2005), processos de significação, modos singulares de ser, agir e pensar.

Diante desses apontamentos, entendemos que os princípios propostos por Vigotski (2007) contribuem para o desenvolvimento de pesquisas acerca dos processos humanos, ao assumir uma abordagem metodológica que não apenas descreve ou evidência fenômenos, mas também busca compreender as questões próprias do humano como processos em movimento, dentro de um conjunto de relações e não como fenômenos acabados e isolados. Por isso, assumimos que estudar algo historicamente implica em estudá-lo em seu processo de mudança, em seu acontecer histórico (VIGOTSKI, 2007), de maneira que o papel do pesquisador no processo de análise está na busca em captar essas relações, ao interagir com o “objeto de pesquisa” e seu contexto.

Como afirma Freitas (2002), a pesquisa na perspectiva vigotskiana visa compreender os fenômenos de investigação, descrevendo-os e buscando suas possíveis relações, a fim de aprofundar a descrição em seu movimento de compreensão do que se pesquisa, de maneira tal que essa descrição precisa ser complementada pela explicação, indo à gênese da questão, recuperando sua origem e desenvolvimento. Nessa perspectiva, Vigotski (2007) ressalta a importância de se manter uma relação aproximada entre o objeto e o método, onde se faz necessário, ao pesquisador, o rigor em descrever os eventos, e posterior avanço em explicá-los e interpretá-los, apontando as relações possíveis que os constituem. Assim, o autor vê a pesquisa como uma relação promotora de desenvolvimento mediado por um outro – pesquisador (FREITAS, 2002).

2.2 PROPOSIÇÕES DE M. BAKHTIN PARA A PESQUISA EM CIÊNCIAS HUMANAS

Segundo Bakhtin (2011), a linguagem e a vida são indissociáveis. A linguagem, atividade socialmente construída, é produto da atividade humana coletiva, lugar de interação e produção de sentidos. É nas inter-relações entre sujeitos que se encontram e se confrontam discursos que os constituem – suas vozes sociais e seus enunciados. Falamos sempre através da palavra dos outros, de forma que nosso enunciado é produto da relação com o discurso de outrem que se faz dentro da interação verbal. O autor adverte para a necessidade de análise dos

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34 enunciados considerando seus contextos amplos, seu horizonte social onde se materializam diversas esferas de análise, apontando que as vozes, as palavras de cada sujeito são interpretadas, valoradas e respondidas em função da posição social que ocupa nas relações sociais.

Bakhtin (2011) apresenta contribuições significativas para o fazer pesquisa em Ciências Humanas. Compreendendo que o que se estuda são produções humanas constituídas por signos e materializadas em textos, o autor reflete sobre a relação entre pesquisador e pesquisado, sobre a natureza do “objeto” de/em estudo, bem como sobre a pesquisa enquanto relação dialógica entre sujeitos. Para ele, “o objeto das ciências humanas é o ser expressivo falante [...] inesgotável em seu sentido e significado” (BAKHTIN, 2011, p. 395), que se expressa sempre a partir de textos/signos, de modo que sendo o homem objeto de estudo, este não é um objeto sem voz, mas outro sujeito que interage ativa e dialogicamente com seus interlocutores.

Assim, pesquisador e pesquisado configuram-se em duas pessoas em interação, que participam ativamente do processo de pesquisa, onde o pesquisador não deve se limitar ao ato contemplativo, mas buscar dialogar com ele, e não sobre ele (FREITAS, 2009), para entendê-lo em seu contexto de relações, estabelecendo um espaço dialógico, orientando-se para o outro, para, posteriormente, voltar-se para si. Isso significa, que é preciso considerar o outro como importante, pessoa com voz, consciente, com valores e visões de mundo diferentes, de maneira que quando esses se olham, dois diferentes mundos são refletidos na pupila de seus olhos (Bakhtin, 2011), por isso é possível afirmar que nesse encontro emergem embates ideológicos, já que em ambos há muitas outras vozes e discursos que os constituem.

Diante disso, Bakhtin (2011, p. 394) afirma que “a penetração no outro (fusão com ele) e a manutenção da distância (do lugar) [...] asseguram o excedente de conhecimento”, ou seja, é necessário ao pesquisador que se dispõe a observar e analisar um “objeto” assumir um olhar exotópico, aproximando-se, conforme afirma Oliveira (2012), da subjetividade alheia, conhecendo seu ponto de vista, dialogando com ele, para posterior distanciamento a fim de confrontar com outros sentidos e assim buscar compreensões, porque como aponta Bakhtin (2011):

(35)

35 A grande causa para a compreensão é a distância do indivíduo que compreende – no tempo, espaço, na cultura – em relação àquilo que ele pretende compreender de forma criativa. Isso porque o próprio homem não consegue perceber de verdade e assimilar integralmente nem a sua própria imagem externa, nenhum espelho ou foto o ajudarão; sua autêntica imagem externa pode ser vista e entendida apenas por outras pessoas, graças à distância espacial e ao fato de serem outras. (BAKHTIN, 2011, p. 366)

Desse modo, Bakhtin (2011) ressalta a importância de compenetrar no universo do outro, olhar o mundo com os olhos dele, pois esse é um elemento indispensável à sua compreensão. Entretanto, não podemos apenas nos limitar a esse posicionamento, pois se caso fosse, nossa compreensão seria uma “simples dublagem” (2011, p. 365), não trazendo nada de novo e enriquecedor, visto que tal distanciamento se instaura como meio possível para novos diálogos, questões e posicionamentos, inclusive para revelar ao outro aquilo que ele não consegue ver.

Nesse sentido, o movimento de aproximar-se e distanciar-se torna-se uma tarefa necessária e desafiadora ao pesquisador, que por sua vez, precisa reconhecer que o lugar em que se situa e que constrói suas interpretações não é neutro, pois a leitura que faz do outro e do contexto que o cerca está impregnada do lugar de onde fala e de sua perspectiva teórico-metodológica de pesquisa (FREITAS, 2002). Sendo assim, para Oliveira (2012), as interpretações feitas implicam em uma tomada de posição do sujeito cognoscente sobre o dizer do sujeito cognoscível em que esse possa dar respostas ao enunciado alheio, de modo a “[...] não renunciar a si mesmo, ao seu lugar no tempo, à sua cultura” (BAKHTIN, 2011, p. 366).

Segundo Freitas (2009), para Bakhtin o homem não pode ser apenas explicado, mas compreendido, o que acontece em seu encontro dialógico com o pesquisador, onde ambos compartilham enunciados, significados, buscam respostas, resistem ou argumentam. Tal atenção se assemelha à proposta por Vigotski (2007) ao referir-se à necessidade de adentrar à gênese das questões a fim de compreender as relações existentes; vemos com isso a preocupação de ambos em compreender o “objeto de estudo” em sua profundidade. Para isso é preciso que:

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