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Protagonismo feminino e traços memorialísticos em Malinche, de Laura Esquivel e Inés del alma mía, de Isabel Allende

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Academic year: 2021

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(1)0. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES MESTRADO EM LITERATURA COMPARADA. NATHALIA OLIVEIRA DE BARROS CARVALHO. PROTAGONISMO FEMININO E TRAÇOS MEMORIALÍSTICOS EM MALINCHE, DE LAURA ESQUIVEL E INÉS DEL ALMA MÍA, DE ISABEL ALLENDE. NATAL/ RN 2017.

(2) 1. NATHALIA OLIVEIRA DE BARROS CARVALHO. PROTAGONISMO FEMININO E TRAÇOS MEMORIALÍSTICOS EM MALINCHE, DE LAURA ESQUIVEL E INÉS DEL ALMA MÍA, DE ISABEL ALLENDE. Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de Pós Graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, vinculada à linha de pesquisa Literatura e Memória Cultural, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Literatura Comparada.. Orientador: Prof.ª Dra. Regina Simon da Silva. NATAL/ RN 2017.

(3) 2. Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes- CCHLA Carvalho, Nathalia Oliveira de Barros. Protagonismo feminino e traços memorialísticos em Malinche, de Laura Esquivel e Inés del alma mía, de Isabel Allende / Nathalia Oliveira de Barros Carvalho. - 2017. 132f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, 2017. Orientador: Prof.ª Dr.ª Regina Simon da Silva. 1. Memória. 2. Narrativas de extração histórica. 3. Malinche. 4. Inés Suárez. I. Silva, Regina Simon da. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA. CDU 82:931.2-055.2.

(4) 3. NATHALIA OLIVEIRA DE BARROS CARVALHO. BANCA EXAMINADORA. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos à obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem (Área de Literatura Comparada). Natal, 21 de julho de 2017.. __________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Regina Simon da Silva – UFRN (Orientadora). __________________________________________________________ Prof. Dr. Gerardo Andres Godoy Fajardo – UFRN (Examinador). __________________________________________________________ Prof.ª Dra. Cristina Bongestab – UEPB (Examinadora). Natal-RN JULHO/2017.

(5) 4. AGRADECIMENTOS. A Deus, pela constante presença em minha vida, por atender prontamente as minhas orações, por colocar paz em meu coração nos momentos mais difíceis e por mostrar que, apesar de todas as nossas inseguranças, ao final tudo acaba dando certo. Aos meus pais, por terem me criado com carinho e amor incondicionais, por sempre me incentivarem a seguir o caminho da busca pelo conhecimento e por acreditarem em minha capacidade dando apoio as minhas decisões e estando presentes em todos os momentos importantes da minha vida. A Micael, meu marido, por roubar meu coração e fazer com que me apaixone mais a cada olhar seu, por ter paciência e me confortar com seu carinho e seu abraço, restabelecendo minha paz e meu equilíbrio. Ao meu irmão, que tem seu jeito próprio de demonstrar carinho e que me enlouquecia e me fazia rir quando cantava alto pela casa com sua inigualável desafinação, legado que agora pertencerá à doce Ádila Maria. À Regina Simon, por ser uma pessoa encantadora e uma orientadora tão compreensiva, sensata e presente, fazendo com que minha paixão pela Literatura HispanoAmericana tenha crescido ainda mais. Às amigas Sânzia e Liane, pessoas estupendas com quem sei que posso contar a qualquer hora e com quem compartilho boas risadas em nossos encontros semanais que só aumentam nossa amizade e cumplicidade a cada dia. À amiga Camilla, essa coisinha linda, com um coração do tamanho do mundo e disposição para ouvir meus desabafos. Aos companheiros de “top secret”, pelo carinho e apoio sempre. Às amigas conquistadas através da vida acadêmica, Erivaneide, Raquel, Larissa, que mesmo não tendo contato diário, o carinho e a cumplicidade seguem os mesmos. Aos meus professores do mestrado, pois cada um, em seu campo de conhecimento e a seu modo, contribuiu para minha evolução intelectual e profissional, além de direta ou indiretamente participar na construção deste trabalho..

(6) 5. RESUMO. Ao longo do século XVI, diversas áreas do continente americano passaram pelo processo de conquista empreendido por nações europeias como a Espanha e Portugal, por exemplo. Partindo desse contexto histórico como cenário, temos as obras literárias Malinche (2005) e Inés del alma mía (2006), narrativas de extração histórica escritas por Laura Esquivel e Isabel Allende, respectivamente, que apresentam um olhar voltado para figuras femininas que participaram de modo significativo na ocupação do México e do Chile pelos espanhóis. A presença de protagonistas femininas é um traço recorrente em ambas as escritoras latinoamericanas e, no caso das narrativas que nos propusemos analisar, esta característica se mantém, acrescida da memória como elemento fundamental na construção dos textos. Desse modo, buscamos neste trabalho, analisar como Esquivel e Allende constroem suas narrativas dando voz à mulher como protagonista na conquista da América e como o abandono, presente na vida de Malinalli e Inés Suárez, influenciou significativamente seus destinos, deixando marcas em suas memórias, elementos que são resgatados pelas autoras. Nosso estudo é baseado em pesquisa bibliográfica, utilizando como base teórica Costa Lima (1986; 2006) e suas discussões sobre as relações entre texto histórico e texto ficcional; Menton (2003) e Trouche (2006) e suas sistematizações teóricas sobre romance histórico; Todorov (1993), Díaz del Castillo (2003) e Delgado (1987) e suas abordagens acerca dos dados históricos referentes às protagonistas das narrativas em estudo; Le Goff (2003) e Ricoeur (2007) e suas concepções acerca da memória, entre outros autores relacionados ao tema da pesquisa. Diante dos objetivos propostos, verificamos que o abandono foi um fator determinante para o destino delineado das protagonistas Malinalli e Inés Suárez. Ademais, através da análise, pudemos identificar uma clara intenção das escritoras de elaborar releituras e/ou reescritas das memórias de ambas personagens históricas ficcionalizadas, destacando o protagonismo da mulher na conquista da América e questionando os registros históricos sobre elas, bem como as imagens construídas em torno de suas figuras.. Palavras chave: Memória; Narrativas de extração histórica; Malinche; Inés Suárez..

(7) 6. RESUMEN. A lo largo del siglo XVI, diversas áreas del continente americano pasaron por el proceso de conquista realizado por naciones europeas como España y Portugal, por ejemplo. A partir de este contexto histórico como escenario, tenemos las obras literarias Malinche (2005) e Inés del alma mía (2006), novelas escritas por Laura Esquivel e Isabel Allende, respectivamente, que presentan una mirada direccionada a las figuras femeninas que participaron de modo significativo en la ocupación de México y Chile por los españoles. La presencia de protagonistas femeninas es un rasgo recurrente en las dos escritoras latinoamericanas y en el caso de las narrativas que nos proponemos analizar, esa característica se mantiene, añadida de la memoria como elemento fundamental en la elaboración de los textos. De este modo, buscamos en este trabajo, analizar cómo Esquivel y Allende construyen sus narrativas de extracción histórica dando voz a la mujer como protagonista en la conquista de América y cómo el abandono, hecho presente en la vida de Malinalli e Inés Suárez, influyó significativamente sus destinos, dejando huellas en sus memorias, elementos estos rescatados por las autoras. Nuestro estudio está basado en investigación bibliográfica, utilizando como fundamentación teórica Costa Lima (1986; 2006) y sus discusiones sobre las relaciones entre el texto histórico y el texto ficcional; Menton (2003) y Trouche (2006) y sus sistematizaciones teóricas sobre la novela histórica; Todorov (1993), Díaz del Castillo (2003) y Delgado (1987) y sus abordajes de los datos históricos relacionados a las dos personajes principales de las narrativas en estudio; Le Goff (2003) y Ricoeur (2007) y sus concepciones sobre la memoria, entre otros autores relacionados al tema de la investigación. Delante de los objetivos propuestos, verificamos que el abandono ha sido un factor determinante para el destino diseñado de las protagonistas Malinalli e Inés Suárez. Además, a través del análisis, hemos podido identificar evidente intención de las escritoras en elaborar relecturas y/o reescrituras de las memorias de las dos personajes históricas ficcionalizadas, llamando la atención para el protagonismo de la mujer en la conquista de América y cuestionando los registros históricos sobre ellas, así como las imágenes construidas en torno a sus figuras.. Palabras clave: Memoria; Narrativas de extracción histórica; Malinche; Inés Suárez..

(8) 7. SUMÁRIO. 1 INTRODUÇÃO............................................................................................................ 07. 2 O TEXTO HISTÓRICO, A LITERATURA E A ESCRITA FEMININA............. 15. 2.1 O TEXTO HISTÓRICO E O TEXTO FICCIONAL.................................................. 16. 2.2 A ESCRITA FEMININA............................................................................................ 31. 2.3 A MEMÓRIA: RETOMADA DO PASSADO CONTRA O ESQUECIMENTO NO PRESENTE............................................................................................................ 37. 3 A CONQUISTA NÃO FOI COISA SÓ DE HOMENS............................................ 48. 3.1 MALINALLI: O PASSADO OCULTO, O ABANDONO E A ESCRAVIDÃO....... 49. 3.2 INÉS SUÁREZ: DO ABANDONO À LIBERDADE ............................................... 68. 4 NA. CONTRAMÃO. NO. ESQUECIMENTO:. AS. MEMÓRIAS. DE. MALINALLI E INÉS SUÁREZ........................................................................... 92. 4.1 MALINCHE: PALAVRAS E MEMÓRIAS AO VENTO......................................... 92. 4.2 INÉS SUÁREZ: MEMÓRIAS DE UMA CONQUISTADORA................................ 111. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 123. REFERÊNCIAS............................................................................................................... 128.

(9) 7. 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho, intitulado “Protagonismo feminino e traços memorialísticos em. Malinche, de Laura Esquivel e Inés del alma mía, de Isabel Allende”, está atrelado aos questionamentos que passamos a fazer sobre obras de escritoras hispano-americanas cujos textos trazem protagonistas femininas e que são de extração histórica. O interesse por essas obras surgiu no âmbito de disciplinas cursadas na graduação de Licenciatura Plena em Espanhol, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), quando a leitura obrigatória para cumprimento de créditos se converteu em uma interessante jornada pelo mundo da escrita feminina, sobretudo de narrativas de extração histórica. O fato de os dois livros terem sido publicados recentemente e com um pequeno intervalo de tempo entre um e outro, também chamou nossa atenção para as possíveis motivações de suas produções, visto que, segundo registros das próprias autoras, embora ambas tenham realizado pesquisas por vários anos para então construir seus textos, elas não tiveram qualquer contato nem teriam sabido das intenções de publicação uma da outra até que os livros fossem efetivamente lançados no mercado. Além disso, outro elemento de motivação para nosso estudo está ligado ao diálogo que entendemos ser possível estabelecer entre as duas obras literárias, dadas as suas temáticas. A eleição de personagens históricas para ser ficcionalizadas, o fato de se tratarem de duas mulheres em um contexto de dominação masculina, sendo apresentadas em textos de escrita feminina, são apenas alguns dos pontos de contato. Além disso, identificamos um reduzido número de estudos dessas obras em nosso país em nível de mestrado e doutorado, e não encontramos nenhum trabalho que proponha uma análise conjunta dos dois textos. Esse fato nos parece relevante na medida em que reconhecemos a necessidade de aprofundar, no Brasil, as pesquisas sobre escritores e obras literárias produzidas pelos vizinhos latino-americanos que compartilham conosco experiências de colonização com inúmeras semelhanças. Nessa perspectiva, nossa proposta de estudo analisa as obras literárias Malinche (2005) e Inés del alma mía (2006), textos que trazem em seu enredo protagonistas femininas inseridas no contexto social da época em que viveram. Tratam-se de figuras históricas do início do século XVI que viveram no México e no Chile, respectivamente, e participaram de modo relevante na conquista e colonização desses territórios. As narrativas são de escritoras hispano-americanas que se projetam para o mundo na década de 80 e atingem êxito desde suas primeiras publicações. Laura Esquivel e Isabel.

(10) 8. Allende se destacam ao lado de outras escritoras, mostrando à América Latina e ao mundo, as potencialidades e os traços específicos da escrita feminina, cada uma com características próprias, mas compondo seus romances de modo a expressar os olhares da mulher frente aos contextos sociais em que vivem. Nossa compreensão é reforçada pela afirmação de Bella Jozef (2005, p. 250):. Se nos anos 70 começa a reconhecer-se a relevância da mulher também como agente no processo de transformação social, e sua contribuição aos acontecimentos históricos, com o surgimento do interesse específico pela investigação e os estudos interdisciplinares sobre a mulher, pode considerarse a década de 80 como a do boom na literatura escrita por mulheres.. Como vemos, Malinche e Inés del alma mía estão inseridas nesse contexto de mudanças sociais e culturais, em que os textos escritos por mulheres na América Latina passam a ter maior projeção e a valorização do feminino leva à construção de obras também com protagonistas femininas. Vale ressaltar que nessas personagens valoriza-se o real, a mulher com defeitos e virtudes participando ativamente da sociedade na qual está inserida. Sobre os enredos, de modo sucinto, Malinche conta a história de uma índia que em determinado momento de sua vida conheceu Hernán Cortés e, por dominar as línguas faladas pelos astecas e maias, atuou como intérprete e acabou ajudando no processo de conquista do México pelos espanhóis. O livro conta a vida de Malinalli desde seu nascimento (marcado por fenômenos naturais), passando pela perda de sua avó, sua passagem à condição de escrava até chegar a sua relação com Cortés e seu posterior casamento com Jaramillo. Na outra obra em análise, Inés del alma mía, temos Inés Suárez como protagonista. A narrativa conta a saga dessa mulher que saiu de Placencia, Espanha, em direção ao Novo Mundo em busca de seu marido. Entretanto, ao descobrir que o cônjuge morreu em batalha, decide permanecer na América e lutar pela sua sobrevivência nas novas terras. É nesse ínterim que a espanhola conhece Pedro de Valdivia, por quem se apaixona perdidamente e com quem participa da conquista do Chile. Posteriormente, Inés se separa de Valdivia, mas se torna uma pessoa extremamente respeitada socialmente devido ao papel desempenhado na construção da cidade de Santiago e por sua condição de esposa de Rodrigo de Quiroga, que assume o posto de governador do Chile após a morte de Valdivia. Esses enredos, conforme explicitado anteriormente, despertaram nosso interesse para o estudo das obras desde a graduação. Já nesse período e na elaboração do projeto, nosso foco de análise esteve centrado nas duas protagonistas, sobretudo no aspecto da sexualidade.

(11) 9. presente em Malinche e em Inés del alma mía e no diálogo estabelecido entre as figuras históricas e as personagens das narrativas de extração histórica de Laura Esquivel e Isabel Allende; porém, faltava-nos uma delimitação melhor do tema. À medida que realizamos novas leituras das narrativas, cursamos as disciplinas relacionadas à nossa linha de pesquisa e fizemos inúmeras reuniões de orientação, pudemos então identificar a temática central de nosso trabalho e delimitar nossos objetivos. Com base nessas reflexões, definimos como tema de nosso trabalho “a memória e o protagonismo feminino na conquista da América nas obras Malinche e Inés del alma mía”, visto ser a memória um elemento que perpassa as duas narrativas do primeiro ao último capítulo, aparecendo sob diferentes aspectos e revelando como as autoras dão voz a Malinalli e Inés Suárez e como essas mulheres chegaram a ser figuras tão relevantes na conquista e colonização dos territórios nos quais viveram. Constatamos que Esquivel e Allende utilizam o recurso da memória como estratégia para construir suas narrativas de modo a realizar outra possível leitura das histórias dessas mulheres, lançando um olhar para o passado delas e destacando o trabalho que realizaram na conquista do Novo Mundo – possibilidade pouco provável de aparecer nos relatos históricos oficiais, nos quais predominam as figuras masculinas. Assim, lançamos os seguintes questionamentos: de que formas a memória se faz presente nas obras? Como o episódio do abandono presente na vida de ambas influencia em seus destinos? Como essas memórias dão voz às personagens, possibilitando a elas lançar luz sobre seu próprio passado e qual a relevância dessa ação? A hipótese da qual partimos, portanto, é a de que as escritoras constroem seus textos de modo a enfatizar a importância de Malinalli e de Inés Suárez nas sociedades das quais fizeram parte, destacando a forma como se delinearam seus destinos (tendo o abandono como elemento fundamental e desencadeador desse processo) e a consciência de ambas sobre seus papéis ao lado dos conquistadores Hernán Cortés e Pedro de Valdivia, respectivamente. Desse modo, o objetivo principal deste trabalho é analisar como Laura Esquivel e Isabel Allende constroem suas narrativas de extração histórica dando voz à mulher como protagonista na conquista da América e como o abandono, presente na vida de Malinalli e Inés Suárez, influenciou significativamente seus destinos, deixando marcas em suas memórias, elementos que são resgatados pelas autoras ao longo dos relatos. Diante do exposto, torna-se relevante destacarmos a concepção de Pável Medviédev, na medida em que auxilia na compreensão de nossa postura analítica ao longo deste trabalho..

(12) 10. O autor afirma haver uma relação dialética entre a literatura e a realidade circundante, entre o que lhe é interno e o que lhe é externo: “aquilo que hoje ocupa uma posição externa em relação à literatura e representa uma realidade extraliterária amanhã poderá fazer parte da literatura como seu fator construtivo interno.” (Medviédev, 2012, p.221). O movimento contrário também é possível diante dessa lógica dialética e, portanto, o literário hoje pode passar a realidade extraliterária amanhã. Esse entendimento reforça a percepção de entrelaçamento entre obra e contexto, e a capacidade de influência de um sobre o outro nesse processo de transfiguração ou internalização do mundo externo. Porém, precisamos atentar para o fato de que a literatura não se converte, por isso, em um reflexo do mundo, mas em uma refração dele, pois o personagem e todos os elementos da narrativa passam pelo filtro que é o escritor – cheio de valores, ideias, vivências, etc. – e são projetados na obra, porém, não tal qual o mundo. Por essa razão também, uma vez que a realidade se materializa na obra literária, ela deixa de ser realidade e passa a ser refração desta. Esse conceito de refração ao qual nos referimos a partir da abordagem de Medviédev aparece mais nitidamente em Mikhail Bakhtin (2015). O autor defende que todo discurso é permeado por outros discursos decorrentes das concepções de quem o profere e, portanto, o narrador de uma obra, por exemplo, irá refratar um determinado ponto de vista proveniente de seu criador. Segundo Bakhtin (2015, p. 51), “a dialética do objeto se entrelaça com o diálogo social em torno dele”, em outras palavras, o objeto, no caso o texto literário, tem contradições e uma dinâmica interna relacionada diretamente à forma assumida por ele em sua refração da realidade, mas isso se dá em relação com o meio social em torno dele. A abordagem desses dois autores enfatiza a relevância do diálogo entre obra e contexto representado e, em nosso caso especificamente, colabora também para o entendimento da necessidade de estabelecer relações e recorrer aos dados históricos sobre as personagens e o contexto social em que viveram para uma análise mais precisa. Lembramos ainda, não ser nosso objetivo fazer comparações com uma perspectiva de apontar o que seria certo ou errado, mas sim estabelecer relações entre as obras literárias e os dados históricos, conforme compreensão das ideias de Machado e Pageaux (2001) para os estudos em literatura comparada, podendo assim encontrar justificativas para as escolhas feitas pelas escritoras. Nesse sentido, de modo a complementar esse entendimento, recorremos à abordagem de Eduardo Coutinho (2003), quando o autor destaca as mudanças de perspectiva nos estudos de Literatura Comparada no século XX, de modo a valorizar as literaturas antes tidas como.

(13) 11. periféricas, bem como a revalorização da perspectiva histórica. O autor defende a proposta de estudos comparatistas de modo a estabelecer relações entre obras literárias ou de proporcionar diálogos interdisciplinares, contexto no qual a Literatura Latino-Americana entra em cena de maneira mais acentuada. Isso porque a partir dessa perspectiva de análise, torna-se possível realizar um estudo mais adequado das obras considerando a pluralidade de produções característica de nosso continente. Assim, para atender aos objetivos definidos, organizamos nossa base teórica utilizando referências como Lima (1986; 2006) para as discussões sobre as relações entre texto histórico e texto ficcional; Lukács (2011), Menton (1993) e Trouche (2006) e suas sistematizações teóricas com relação ao romance histórico; Miralles (2004), Todorov (1993) e Delgado (1987) para tratar dos dados históricos referentes às protagonistas dos romances em estudo; Maurice Halbwachs (2003), Le Goff (2003) e Ricoeur (2007) para as discussões a respeito da memória; Rivera Garretas (1995), Navarro (1995) e Perrot (2008), e suas pesquisas sobre a escrita feminina e história das mulheres; Pierre Bourdieu (2012) e suas reflexões sobre a dominação masculina, entre outros autores com discussões relacionadas à pesquisa e que aparecem ao longo de nosso texto. Destacamos ainda, a opção de utilizar os textos literários originais em espanhol, com uso de edições do ano de 2011, tanto de Malinche quanto de Inés del alma mía. Com base nessas leituras, definimos a estruturação do trabalho, bem como o desenvolvimento de nossa análise, visto que este se configura como um estudo de caráter qualitativo, baseado em investigação bibliográfica. Dessa forma, fizemos sua divisão em três partes, nas quais buscamos sistematizar as leituras e análises realizadas para atender ao objetivo inicialmente proposto. O primeiro capítulo, intitulado “O texto histórico, a literatura e a escrita feminina”, traz as considerações teóricas propondo uma contextualização das duas obras. Para isso, será subdividido em três tópicos: em “O texto histórico e o texto ficcional” analisaremos as semelhanças existentes entre os formatos dessas narrativas, partindo da relação entre real e ficção. Seguindo nessa discussão, apresentaremos as características do romance histórico tradicional segundo Lukács, do novo romance histórico definido por Menton e das narrativas de extração histórica definidas por Trouche, de modo a caracterizar o gênero literário em estudo e justificar a nomenclatura adotada neste trabalho. No segundo tópico, “A escrita feminina”, apresentaremos aspectos gerais sobre a literatura produzida por mulheres, sobretudo no contexto latino-americano, no qual se enquadram Laura Esquivel e Isabel Allende (sobre as quais também fazemos uma breve apresentação biográfica), destacando o.

(14) 12. período que marca seu surgimento para o cenário literário não só de nosso continente, mas mundial. Por fim, faremos uma discussão nesse capítulo sobre a memória, intitulada “A memória: retomada do passado contra o esquecimento no presente”. Neste ponto, discutiremos o conceito de memória e alguns de seus aspectos, não esgotando a discussão, visto se tratar de um tema bastante amplo que será aprofundado, conforme seja necessário, no transcorrer das análises dos textos literários. No segundo capítulo, “A conquista não foi coisa só de homens”, propomos um estudo no qual verificaremos os acontecimentos que levaram Malinalli e Inés Suárez a se integrar às expedições de conquista do México e do Chile, respectivamente, tornando-se figuras de grande importância para o cumprimento dos objetivos dos espanhóis. Para isso, o capítulo será dividido em duas partes – uma para cada protagonista – e consideraremos os eventos desde o nascimento dessas mulheres, passando pelo abandono sofrido por ambas, fato que repercutiu de modo distinto em cada uma delas, sendo decisivo para que se tornassem as personagens históricas em foco. Nesta análise, outro elemento fundamental é o contexto sociocultural dessas mulheres, levando-nos a refletir não somente no modo como isso influenciou em seus destinos, como também na maneira como elas eram vistas pelas pessoas que as cercavam. No terceiro capítulo, intitulado “Na contramão do esquecimento: as memórias de Malinalli e Inés Suárez”, passaremos aos traços memorialísticos propriamente ditos. Ainda que no capítulo anterior sejam necessárias algumas reflexões acerca da memória, é nesse momento de nosso trabalho que ocorre o aprofundamento do tema, analisando a memória como elemento estrutural das obras e como parte essencial no processo de construção de sentido das narrativas. Para uma melhor organização deste tópico, também proporemos sua divisão em duas partes, uma para a obra de Esquivel e outra para a obra de Allende. Uma vez definidos os objetos de estudo deste trabalho, buscamos fazer uma revisão sobre o tema em questão. Identificamos que os textos literários Malinche e Inés del alma mía apresentam uma representação específica de Malinalli e Inés Suárez, porém, essas obras não são as únicas a trazer essas mulheres como personagens. Antes de suas publicações, livros como Guatimozín (1846), de Gertrudis Gomes de Avellaneda, e El corazón de piedra verde (1942), de Salvador Madariaga, trouxeram em seus enredos a figura de Malinalli. No primeiro, a personagem aparece apenas no final da obra e sem grande destaque, e no segundo, embora apareça com frequência ao longo da narrativa, destaca-se apenas seu papel de.

(15) 13. intérprete e sua condição de amante de Hernán Cortés. Jicoténcal (1826)1, de Félix Varela, não traz a personagem como protagonista, mas parece reforçar a imagem de traidora atribuída à indígena (AGUIAR, 2014). Por outro lado, estudos de cunho histórico-biográficos são bastante abundantes, como é o caso de Doña Marina, la dama de la conquista (1942), de Federico Gómez de Orozco, La Malinche (2004) de Juan Miralles, Doña Marina (La Malinche) y la formación de la identidade mexicana (2002), de Cristina González Hernández, entre outros. Considerando obras nas quais aparece a figura de Inés Suárez, pudemos identificar os textos literários Ay mamá Inés (1993), de Jorge Guzmán, La condoresa (1968), de Josefina Cruz de Caprile, e Inés...y las raíces en la tierra (1964), de María Correa Morandé. Os três livros constroem seus enredos em torno da conquista do Chile, tendo como protagonista Inés Suárez, destacando, inclusive, a relação amorosa da espanhola com Pedro de Valdivia. A ênfase a esse fato induz a pensar que essa foi a motivação para que a moça participasse de modo tão ativo na ocupação do território chileno. Uma vez que essas obras não constituem nosso objeto de análise nesta dissertação, não nos aprofundaremos em seus enredos e demais características, entretanto, parece-nos relevante apontar sua existência, como forma de trazê-las ao conhecimento em estudos brasileiros e delinear o caminho percorrido por Malinalli e Inés Suárez pela literatura antes das personagens construídas por Esquivel e Allende. Os estudos mencionados brevemente, a partir desse momento, são dissertações de mestrado2 e teses de doutorado, embora também tenhamos encontrado um número relevante de artigos que abordam os romances do nosso corpus, sobretudo textos sobre o livro de Laura Esquivel, provavelmente pelas controvérsias acerca da imagem da índia Malinalli. Em nosso levantamento sobre trabalhos de pós-graduação que tenham em seu material de análise o romance Malinche, encontramos apenas a tese El sexto sol de Malinalli, do ano de 2014, produzida por Janaína de Azevedo Baladão de Aguiar, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Na tese em questão, a autora faz uma análise da figura de Malinalli construída por Laura Esquivel na perspectiva da escritora mexicana de romper com a imagem de que a indígena teria traído seu próprio povo. Discute para isso aspectos. 1. A obra Jicoténcal, foi publicada pela primeira vez em 1826 como sendo de autoria anônima. Uma série de estudos posteriores levou à publicação da terceira edição, em 1995, com a autoria identificada e atribuída ao cubano Félix Varela (1788-1853). 2 Devido ao fato de não termos identificado a existência de trabalhos de doutorado no âmbito das universidades brasileiras sobre a narrativa de Isabel Allende, optamos por destacar as produções de mestrado envolvendo a obra a título de conhecimento..

(16) 14. relacionados aos diferentes nomes que a indígena assume ao longo de sua vida, estabelece relações com os códices criados para ilustrar a obra literária e que representam a reafirmação da cultura autóctone, bem como dialoga com outro romance histórico, Jicoténcal (1826), de Félix Varela, que figuraria entre os primeiros registros depreciativos, por assim dizer, da imagem de Malinche. Entre os trabalhos que apresentam em seu corpus o livro Inés del alma mía, temos as dissertações de mestrado: Isabel Allende entre a arte e o mercado: Inés del alma mía e El zorro – comienza la leyenda, de 2008, escrita por Marilene Canello, da Universidade Estadual Paulista (UNESP); Cativas, degredadas e aventureiras: mulheres na colonização latinoamericana, do ano de 2014, escrita por Bruna Otani Ribeiro, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Marilene Canello propõe uma análise na qual ressalta as estratégias narrativas utilizadas por Isabel Allende em suas obras, especialmente as selecionadas para o estudo em questão, partindo do princípio de que se trata de uma escritora com grande receptividade por parte do público. Discute-se ainda, as diferentes estratégias de Inés del alma mía e El zorro – comienza la leyenda, sob a ótica da variedade de temas abordados pela autora ao longo de sua carreira e o suposto caráter mercadológico de alguns de seus livros. Marilene Canello aponta que não tem por objetivo fazer uma categorização das obras de Allende, mas sim, explicitar os elementos e as estratégias narrativas que fazem com que as obras alcancem diferentes públicos sem perder os traços característicos da escritora, dada sua elevada produção nos últimos anos. No segundo estudo, Bruna Otani propõe uma análise comparativa entre três obras, de séculos distintos, mas que retratam figuras femininas presentes na colonização da América: Lucía Miranda (1860), de Eduarda Mansilla, Desmundo (1996), de Ana Miranda, e Inés del alma mía (2006), de Isabel Allende. O trabalho está centrado na representação das figuras femininas na colonização, considerando-se o fato de que os textos são romances históricos protagonizados e escritos por mulheres, e propõe também um olhar crítico sobre isso, na medida em que faz repensar como as mulheres, de modo geral, tiveram sua importância reduzida na historiografia oficial em detrimento das figuras masculinas. A identificação desses estudos já realizados contribuiu para ampliar nosso olhar sobre as obras que nos propusemos analisar, despertando-nos para a realização de uma apreciação mais detalhada da temática escolhida, seguindo por um caminho talvez pouco explorado..

(17) 15. 2 O TEXTO HISTÓRICO, A LITERATURA E A ESCRITA FEMININA O discurso literário não se apresenta como prova, documento, testemunho do que houve, porquanto o que nele está se mescla com o que poderia ter havido; o que nele há se combina com o desejo do que estivesse; e que por isso passa a haver e a estar. Luis Costa Lima. Malinche (2005), de Laura Esquivel, e Inés del alma mía (2006), de Isabel Allende, são obras literárias escritas por mulheres, têm figuras femininas como protagonistas e fazem uso de matéria histórica em sua constituição. Suas autoras se projetam para o mundo em um período em que as mulheres conseguem mais espaço para publicar suas obras no contexto latino-americano, algo que reflete as lutas das décadas de 60 e 70 pelo maior reconhecimento do papel feminino na sociedade. Como podemos notar, os dois romances apresentam uma combinação de características que demonstram a relevância de seu estudo e, por esses aspectos, faremos neste capítulo inicial uma abordagem mais teórica a fim de obter subsídios e definir alguns parâmetros para a análise. Partindo desses aspectos mais latentes, faremos uma breve discussão sobre a relação entre o real e a ficção, distinguindo o texto histórico e o texto ficcional e especificando as características do gênero em estudo, desde o definido “romance histórico” de Lukács, passando pelo “novo romance histórico” de Seymour Menton, e chegando às “narrativas de extração histórica” de André Trouche. Vale salientar que não propomos aqui um tratado teórico de discussão sobre o tema, mas uma sistematização de conceitos e ideias que auxiliem em uma melhor compreensão das obras em análise. Após esse tópico, trataremos das características da literatura produzida por mulheres no contexto hispano-americano, percebendo as nuances das produções de um modo geral, além de identificarmos em qual período se inserem as autoras das narrativas por nós estudadas, bem como suas obras propriamente ditas, pois entendemos que essas informações podem favorecer a compreensão da escolha das autoras por esse gênero, pelas personagens históricas que decidiram retratar, e pela forma como o fizeram. Por fim, passamos a um estudo sobre a memória em suas diferentes formas, considerando as concepções de memória individual e memória coletiva e tomando como base para isso, as abordagens teóricas de Jacques Le Goff, Paul Ricoeur e Maurice Halbwachs. Realizamos tal abordagem por reconhecer a memória como parte indispensável tanto de.

(18) 16. Malinche quanto de Inés del alma mía, não somente como elemento estrutural das narrativas, mas como parte fundamental para a construção de sentido dos textos.. 2.1 O TEXTO HISTÓRICO E O TEXTO FICCIONAL. Ao propor a discussão sobre essa temática, em um primeiro momento surgem os questionamentos: o que são textos históricos? E textos ficcionais? E onde se encontra o limite entre a realidade e a ficção? Pensar essas indagações implica em tentar estabelecer algumas definições ou algumas relações que nos permitam entender como se dá a construção dos discursos histórico e ficcional e como eles se relacionam na criação do gênero que nos propomos trabalhar. Wolfgang Iser discorre sobre a suposta oposição entre realidade e ficção, e aqui usamos o termo “suposta” porque o autor, para além de uma discussão dicotômica, propõe o entendimento do aspecto relacional entre ficção e realidade. Nesse sentido, Iser inclui outro elemento e sugere, na verdade, uma relação triádica entre o real, o fictício e o imaginário. Antes de avançarmos na apreciação dessa tríade, vale recordar a relação dialética existente entre a sociedade e a literatura, no sentido de que esta reflete e refrata o contexto social em que está surgindo, assim como é capaz de traçar o caminho inverso, sendo, enquanto literatura, instrumento de reflexão sobre a realidade. Essa ressalva se faz necessária, pois a relação que se estabelece entre o real e o ficcional não segue um padrão definido ao longo da história, mas sim, passa por modificações de acordo com o contexto sociocultural vivido pelos escritores. Tal entendimento também nos auxiliará em uma melhor compreensão da tríade proposta por Iser, explicada da seguinte maneira:. Se o texto ficcional se refere à realidade sem se esgotar nesta referência, então a repetição é um ato de fingir, pelo qual aparecem finalidades que não pertencem à realidade repetida. Se o fingir não pode ser deduzido da realidade repetida, nele então surge um imaginário que se relaciona com a realidade retomada pelo texto. Assim, o ato de fingir ganha a sua marca própria, que é de provocar a repetição do texto da realidade vivencial, por esta repetição atribuindo uma configuração ao imaginário, pelo qual a realidade repetida se transforma em signo e o imaginário em efeito do que é assim referido (ISER in LIMA, 1983, p. 385-386).. A partir da citação podemos deduzir, de modo bem simplificado, que o texto ficcional, ao se valer da realidade para sua criação, não se esgota nela e pode, portanto, ter objetivos, criar finalidades, propor discussões que não fazem parte dessa realidade tomada.

(19) 17. como ponto de partida. Além disso, o ato de fingir, o ato de criar do texto ficcional se relaciona com o imaginário que, apesar de seu caráter difuso, nesse momento se organiza e se torna signo, ganha uma significação que lhe é própria e só existe nessa configuração de elementos. Esse imaginário, não se transforma em realidade devido a essa determinação proporcionada pelo ato de fingir, entretanto devemos admitir a possibilidade de aquisição de aparência de real na medida em que pode penetrar no mundo e agir nele com essa configuração sígnica. Nesse processo relacional entre real, ficção e imaginário, há consequentemente, um caráter de seleção. Para a construção do texto ficcional, o autor seleciona os elementos contextuais que irão fazer parte ou não de sua obra e essas escolhas fazem parte do trabalho de criação; ao definir o que se fará presente no texto, evidenciam-se também os elementos ausentes. Ademais, a seleção configura-se em uma transgressão de limites na proporção em que os elementos acolhidos pelos textos deixam de fazer parte de um sistema sígnico para compor outro. Sobre essas escolhas realizadas pelo escritor, Wolfgang Iser afirma que. como ato de fingir, a seleção possibilita então apreender a intencionalidade de um texto. Pois ela faz com que determinados sistemas de sentido do mundo da vida se convertam em campos de referência do texto e estes, por sua vez, na interpretação do contexto (ISER in LIMA, 1983, p. 389. Grifo do autor).. Em outras palavras, as seleções feitas pelo escritor permitem que identifiquemos a intencionalidade do texto, ou seja, o que ele se propõe questionar, qual ponto de vista ele está encaminhando, como ele está refratando a realidade. Há ainda o caminho de como as escolhas do escritor estão conduzindo à reflexão da realidade contextual da obra, fazendo pensar sobre as razões para esses questionamentos no momento de produção da obra literária e, se for o caso, sobre o período sócio-histórico representado por ela. Esse entendimento resvala ainda na questão da intencionalidade do autor, que muitas vezes acaba se convertendo em um exercício inútil em busca de algo que não se pode determinar. Dito isso, concordamos com Iser, quando este coloca que a intenção do autor se revela na “decomposição dos sistemas com que o texto se articula” (ISER in LIMA, 1983, p. 390), ou seja, não é detendo-se à consciência ou à psique do autor, mas aos elementos constitutivos da obra (presentes e ausentes), aos seus campos de referência que será possível identificar essa “intenção”..

(20) 18. Todavia, a seleção não é o único ato de fingir na produção do texto ficcional, temos ainda a combinação, também caracterizada como uma transgressão de limites e que juntamente com a primeira faz com que a ficção seja capaz de unir diversos elementos, linguagens, pontos de vistas, discursos, etc., em um único espaço – o da obra produzida – que poderiam ser relações impensáveis ou contraditórias no âmbito de outros discursos. Essa complexidade de formação da ficção, em sua relação com o real e o imaginário existe, afirma Iser, por meio da língua, estando esta, nesse caso, a serviço da criação daquilo que vai além dela. A ficção permite inúmeras e variadas criações, combinações de elementos, de acordo com as seleções feitas pelo escritor, e é a língua que dará materialidade a isso; garantirá a existência da ficção ainda que ela própria também precise se recriar para dar conta de representar o que a transborda, o que a excede. Como já dissemos anteriormente, há uma relação complexa entre real, ficção e imaginário na construção do texto ficcional. Porém, seguindo nossas discussões, cabe-nos agora estabelecer um paralelo entre os chamados textos ficcionais e os textos históricos, pois, inevitavelmente, é uma questão que se revela nesses estudos não somente pela suposta oposição entre real e ficção, mas também por ser de relevante abordagem quando pensamos na estrutura das narrativas de extração histórica. De acordo com o pensamento de Luis Costa Lima (1986), o “problema da ficção” surge no período da Baixa Idade Média (período compreendido entre os séculos XI e XV) com uma redescoberta, por assim dizer, da subjetividade. Essa discussão se dá na medida em que passam a ser identificados traços de subjetividade nos textos produzidos – o autor destaca não querer dizer que isso não tenha acontecido em períodos anteriores –, característica que levaria a um suposto distanciamento da realidade e aproximação da ficção. Essa lógica de pensamento aliada aos contextos sócio-históricos teriam conduzido ao estabelecimento da contraposição entre textos históricos e textos ficcionais. Nesse sentido, Lima (1986, p. 23) afirma que “ao reconhecimento da instância subjetiva passa a corresponder o estabelecimento de uma linha divisória entre a História e a ficção”. O ficcional acaba sofrendo significativa repulsa por ser tomado como discurso falso, inverídico. Em contraposição, há o crescimento e a valorização do discurso histórico devido ao seu caráter de verdade, mais conveniente e lógico para a constituição da ideia de razão no Ocidente. Desse modo, o discurso histórico se constrói como estando em busca da verdade, não querendo dizer que seja detentor de uma razão absoluta, mas apresenta de fato uma verdade. Esse discurso é elaborado mediante o trabalho de análise de documentos à luz de teorias que,.

(21) 19. após a interpretação do historiador é apresentado como verdadeiro. Sendo assim, cabe chamar a atenção para essa figura do historiador que, segundo Lima (1986, p. 25), “é aquele que confronta os testemunhos, que coteja as fontes com o que outros escreveram, o que não teria outro cuidado senão o de talhar na pedra do texto as letras da verdade”. Nesse contexto, exalta-se o papel do historiador na busca pela verdade, indivíduo este que irá utilizar o documento como instrumento capaz de comprovar a existência de algo anterior ao próprio registro. Porém, o registro por si só não é o fato ou o objeto, mas o relato dele; os documentos, como meios neutros, não têm vida própria e, por essa razão, precisam ser filtrados, interpretados e coordenados pelo historiador para, a partir disso, compor o discurso histórico, cuja intenção é a de apresentar a verdade (LIMA, 1986). Distingue-se, portanto, do discurso ficcional e mais precisamente da literatura, porque esta não se depara com a obrigação de dar foros de verdade ao que declara, embora seu discurso possa ser construído nesse sentido e apresentar possibilidades para uma realidade tida como incontestável. Assim, partindo do entendimento do aspecto relacional e não-excludente entre real e ficção, apontamos ainda o fato de que o documento, como matéria primeira e fundamental de trabalho do historiador na construção do discurso histórico, pode sim relacionar-se com o texto literário, porém de modo secundário. Por não ter a obrigação de ser verdade, como dissemos anteriormente, o discurso ficcional das obras literárias pode fazer uso dos documentos, dos registros históricos em seu processo constitutivo em maior ou em menor grau, de acordo com as intenções do escritor materializadas nos sistemas sígnicos criados por ele. Nesse ínterim, não esqueçamos também do papel dos documentos no processo de análise da obra já pronta, uma vez que podem expressar informações de grande relevância para o entendimento do sentido geral da obra e do seu contexto de produção. Dessa forma, retomamos nossa epígrafe para reforçar a compreensão de que o discurso literário não se apresenta como documento, embora tenha sua existência real ao se materializar em uma obra, entretanto configura-se em um lugar de encontros entre o que houve e o que poderia ter havido; entre os elementos que nele estão e os que se gostaria que estivessem. O discurso literário converte-se em lugar de presenças, ausências, encontros, combinações e possibilidades. Uma vez traçado este caminho da relação entre os discursos histórico e ficcional, e dando continuidade às discussões sobre o tema, chegamos ao gênero literário romance histórico. Para tecermos nossas considerações a respeito, iniciaremos pelas ideias de György.

(22) 20. Lukács (2011) acerca das origens do romance histórico e suas principais características; passaremos, então, para Seymour Menton (1993) e sua abordagem do gênero no contexto da América Latina, levando em conta seus aspectos gerais. Finalizando esse tópico, traremos as ideias um pouco mais recentes de André Trouche (2006), cujos estudos remetem-nos também ao contexto latino-americano. Começando pelo filósofo húngaro György Lukács, este nos apresenta em seu livro O romance histórico (1936-37) sua teoria sobre o gênero literário que intitula a obra. O autor nos aponta para o surgimento do romance histórico por volta do início do século XIX, com a publicação de Waverly, em 1814, por Walter Scott. Lukács considera que, mesmo havendo pretensões anteriores a Scott no sentido de elaboração de romances históricos, é somente a partir deste autor que há efetivamente a presença da história como elemento em discussão na narrativa, não aparecendo apenas como pano de fundo do enredo desenvolvido. Nessa lógica de pensamento, torna-se admissível que o protagonista da trama desempenhe um papel de coadjuvante, posto que a discussão de maior relevância é a das relações históricas entre as classes sociais do período escolhido para ser abordado na obra ficcional e do lugar onde essas relações se materializam – no caso de Walter Scott, isso se dá na Inglaterra. Além disso, admite-se a possibilidade de um personagem secundário, e, não necessariamente o protagonista, tornar-se o responsável pelos atos mais heroicos e de maior impacto na vida da sociedade descrita na obra literária. Essa característica parece-nos compreensível, na medida em que entendemos as personagens como seres históricos, como grupos de pessoas que são fruto de um contexto social e partilham valores que defendem e pelos quais lutam. A partir das considerações apresentadas por Lukács, deduzimos, portanto, haver no romance histórico de Walter Scott, o reconhecimento da consciência do homem como ser social, como ser pensante e crítico, capaz de identificar seu papel na sociedade e sua possibilidade de atuar sobre ela. E, o desenvolvimento dessa consciência é decorrente dos constantes acontecimentos sociais, como lutas de classe bem ou malsucedidas ou convulsões políticas e sociais. Em outras palavras, notamos os fatos históricos tendo papel significativo e mesmo determinante na formação dos sujeitos de uma comunidade ou grupo social mais amplo. Diante disso, Scott, em seu fazer literário, busca aproximar seu herói a uma imagem mais humana, mais real. Quer situá-lo como ator na dinâmica social da qual faz parte, sem torná-lo o centro de todas as coisas. O escritor se destaca por “dar vida humana a tipos sociais.

(23) 21. históricos” (LUKÁCS, 2011, p. 51). Esses tipos não são seres perfeitos ou superiores como os heróis épicos e tampouco lutam por valores extremos, aparecem como mediadores de conflitos, como reflexos da procura pelas soluções das convulsões sociais nas quais estão inseridos. É importante atentar também para o fato de que Scott não costuma apresentar esses tipos, essas personalidades desde seu surgimento, mas sim, surgem como figuras já prontas, representantes de uma corrente importante e correspondente à perspectiva da maior parte da nação da qual se fala. Uma vez que o elemento mais relevante para o escritor em seus romances históricos é o próprio fato histórico, não parece haver uma necessidade de descrever o surgimento, a formação do protagonista da narrativa. Mesmo aparecendo pronto, por assim dizer, o herói de Scott não está isento de ter defeitos, é dotado de virtudes e fraquezas, de boas e más qualidades, traz ainda em sua personalidade os traços de suas vivências e as atitudes exigidas pela sociedade para que ele seja capaz de atuar e transformar sua realidade. A partir desses traços, Lukács afirma:. No romance histórico, portanto, não se trata do relatar contínuo dos grandes acontecimentos históricos, mas do despertar ficcional dos homens que os protagonizaram. Trata-se de figurar de modo vivo as motivações sociais e humanas a partir das quais os homens passaram, sentiram e agiram de maneira precisa, retratando como isso ocorreu na realidade histórica (LUKÁCS, 2011, p. 60).. Por essa perspectiva, o romance histórico resgata o perfil, as especificidades dos grupos que atuaram efetivamente em seu contexto social e provocaram mudanças a partir de suas atitudes e ideologias em determinado período histórico. Porém, vale destacar seu aparecimento a partir dos eventos, não tomando como ponto de partida o indivíduo. Assim, surgem figuras de heróis representantes dos ideais e dos desejos de sua nação ou de boa parte dela. As personagens surgem com perfil definido porque para Scott o que importa, de fato, é a atuação delas em dado contexto histórico-social e suas ações estão plasmadas de suas experiências sociais. Ademais, Lukács destaca que essa forma de construção do romance histórico de Walter Scott obviamente não foi a única, embora tenha sido considerada por ele como a primeira. O filósofo menciona vários escritores com publicações posteriores a Scott e em contextos políticos um pouco diferentes do ambiente inglês, embora estejam, em sentido mais amplo, no mesmo continente. Entre esses escritores, estão o suíço Conrad Ferdinand Meyer e o francês Romain Rolland..

(24) 22. Conrad Ferdinand Meyer foi um importante narrador no período posterior a 1848, cuja concepção de mundo foi diretamente influenciada pelo seu contexto sócio-histórico relacionado ao advento da unidade alemã, decorrente da unificação dos povos germânicos e da anexação dos territórios da Alsácia e da Lorena, sob a liderança da Prússia. Esta visão representada por Meyer ressalta o contraste entre a imagem de um passado glorioso e um presente mesquinho. Na produção literária, segundo suas palavras, ele adota “uma forma muito objetiva e eminentemente artística; uma forma que, por sua essência, é muito individual e subjetiva.” (LUKÁCS, 2011, p. 275-276). Tal afirmação nos leva a refletir sobre o fato de Meyer trazer uma carga significativamente mais subjetiva para o romance histórico, enfatizando que se trata de um gênero objetivo, mas que em sua objetividade não deixa de representar um sentimento individual e de ter sim seu traço de subjetividade. Ou seja, é objetivo por apresentar em sua composição o elemento histórico como peça central da narrativa, por ter os dados históricos definindo o desenrolar do enredo. Porém, é também subjetivo porque as personagens são produto do período histórico retratado na obra literária e, por mais que representem ideais de um grupo mais amplo, possuem valores e opiniões individuais, pessoas com consciência de sua existência e importância para a dinâmica social. Meyer se vale, então, desse gênero para expressar os próprios pontos de vista e diferencia-se de Scott, na medida em que dá mais subjetividade à narrativa, carregando as personagens de emotividade e desejos. Confirmando esse entendimento e estabelecendo uma comparação com o romance histórico produzido por Walter Scott, Lukács faz a seguinte afirmação:. Em Conrad Ferdinand Meyer, o romance histórico constitui-se como gênero particular. Essa é sua importância decisiva para a evolução literária. [...] Mas Meyer é o único escritor verdadeiramente expressivo dessa época de transição que concentra sua obra no romance histórico e elabora um método particular para sua criação. Já está claro, a partir de nossas considerações anteriores, quão grande é a diferença entre essa abordagem da história e aquela do antigo romance histórico. Em Walter Scott, uma forma nova, histórica, de ver a realidade surgira da própria vida. A temática histórica brotava organicamente, de certo modo por si mesma, a partir do nascimento, da expansão e do aprofundamento do sentido histórico. A temática histórica de Walter Scott expressa apenas o sentimento de que a verdadeira compreensão dos problemas da sociedade do presente só pode surgir da compreensão da sua pré-história, da história do surgimento dessa sociedade (LUKÁCS, 2011, p. 282)..

(25) 23. De acordo com o excerto, Meyer é uma figura representativa de sua época pelo modo como elabora seus romances históricos, pela forma como conseguiu usar a subjetividade em um gênero tido como objetivo. Este autor centra a discussão no personagem cujo contexto social é de alguém que busca ascender na vida e que acredita ser somente nas camadas mais elevadas da sociedade que ocorrem as grandes mudanças, onde ocorrem os grandes acontecimentos históricos. Diferentemente disso, os trabalhos de Scott assumem a ideia de que a própria dinâmica da vida motiva novas visões acerca da realidade. Há o entendimento do ser humano como elemento histórico e a percepção de que apenas compreendendo o passado, é possível ter uma apreensão real e significativa do presente. O outro escritor mencionado por Lukács e que entendemos ser relevante destacar quanto à produção dos romances históricos é o francês Romain Rolland. O fato de Romain Rolland dedicar-se aos romances históricos não é algo aleatório, sobretudo porque os escritores franceses contemporâneos a ele e mesmo os de períodos anteriores, apresentam um grande engajamento político. De acordo com Lukács, esse perfil francês é tão marcante que. sempre que uma conspiração ou um ataque da reação provoca uma situação de crise na república, a melhor parte da intelectualidade, os escritores mais talentosos e de visão mais ampla abandonam esse splendide isolement3 e participam ativamente da luta pela salvação da democracia (LUKÁCS, 2011, p. 394. Grifo do autor.).. Como podemos notar, os escritores franceses da época participavam ativamente dos acontecimentos sociais e isso se refletiu em suas obras, além, é claro, de haver também o movimento contrário, em que a literatura proporcionou reflexões acerca da realidade. A figura de Rolland é destacada por Lukács, principalmente por sua obra Colas Breugnon (1919), reconhecendo nesse escritor o papel importante para a produção de romances históricos de seu período. O francês não idealiza seus heróis e, inclusive destaca seus defeitos, os traços negativos de suas personalidades. O herói criado por Romain Rolland é rude, mas é também meigo e sutil, é bom no trato com as pessoas, forte e decidido, e em situações que exijam sua ação mais contundente, ele se mostra capaz de agir com firmeza e heroísmo.. 3. Lukács apresenta a tradução da expressão splendide isolement como „esplêndido isolamento‟..

(26) 24. No contexto social de Meyer, ele retratou em sua obra a visão de que as mudanças importantes da sociedade são gestadas e ocorrem nas classes ditas “altas”. Em contrapartida, Rolland traz à tona a massa plebeia, destacando que o povo é capaz de pensar e agir e que, no caso do ambiente histórico francês, essas pessoas se veem em situação de desconfiar de tudo que vem das classes mais altas. O herói elaborado por Romain Rolland tem valores e atitudes que correspondem à sociedade, ao período histórico em que vivem, mas não podemos pensar que eles estejam presos a esse recorte temporal. A intenção do autor é que transcendam o tempo e sejam notados como heróis tipo, presentes na classe menos abastada de diferentes épocas. Por fim, quanto à obra de Rolland, Lukács enfatiza o aspecto de retrato do trabalho do escritor francês, explicando que essa característica faz com que a narrativa não represente tanto um quadro da época, ainda que os acontecimentos estejam plasmados no perfil e ações do protagonista. Essa estrutura traz um narrador em primeira pessoa reforçando esse formato do romance histórico de Rolland. Além disso, o francês desenvolve seu texto de modo que o objetivo maior é revelar, esclarecer um comportamento humano. Colas Breugnon surge como um quadro que vai sendo pintado sem novos acontecimentos, mas que no final, permite um melhor entendimento da situação retratada do que no princípio de sua criação. Seguindo nosso breve estudo sobre o romance histórico, nos deslocaremos um pouco no tempo e no espaço, chegando ao contexto latino-americano. Para isso, teceremos algumas considerações baseadas na teoria de Seymour Menton e, em seguida, de André Trouche. O escritor e crítico literário estadunidense Seymour Menton em seus estudos sobre a literatura latino-americana tratou de modo relevante o gênero que aqui nos propusemos estudar. Menton nos apresenta o contexto histórico das nações latino-americanas e como isso influenciou diretamente na produção de romances históricos por diversos escritores, bem como destaca o fato desse contexto ter contribuído para que essas narrativas assumissem novas formas e fizessem uso de novas estratégias em sua produção. Esses elementos diferenciais deram origem ao que Menton denominou de “Novo Romance Histórico”, cujos aspectos relacionados ao surgimento e à forma propriamente dita, discutiremos mais detalhadamente. A obra literária El reino de este mundo, de Alejo Carpentier, é apontada por Seymour Menton como o primeiro Novo Romance Histórico4 propriamente dito, com data de publicação em 1949. As contribuições dessa primeira obra para a literatura são de extrema 4. A partir desse momento, utilizaremos também a sigla NRH para nos referir ao novo romance histórico definido por Menton..

(27) 25. importância e precisam ser ressaltadas, ainda que o período do auge do NRH seja considerado como sendo a partir de 1979, com a publicação de El arpa y la sombra, também de Carpentier. Para exemplificar tais contribuições de El reino de este mundo, Menton cita o trabalho do escritor cubano com a distorção da história. Neste caso, existem os inúmeros personagens históricos (muitos deles com papel relativamente secundário do ponto de vista dos acontecimentos reais), mas muitos que seriam inclusive mais significativos acabam sendo omitidos da narrativa. Para chegar à definição do que seria esse NRH, Seymour Menton faz, primeiramente, alguns apontamentos sobre o romance histórico tradicional, como demonstra a seguinte afirmação:. En el sentido más amplio, toda novela es histórica, puesto que, en mayor o menor grado, capta el ambiente social de sus personajes, hasta de los más introspectivos. […] No obstante, para analizar la reciente proliferación de la novela histórica latinoamericana, hay que reservar la categoría de novela histórica para aquellas novelas cuya acción se ubica total o por lo menos predominantemente en el pasado, es decir, un pasado no experimentado directamente por el autor (MENTON, 1993, p. 31-32).. A citação nos conduz a uma delimitação mais precisa do que considerar, em âmbito latino-americano, como sendo romance histórico. Menton destaca o aspecto histórico do contexto social dos personagens em detrimento de características mais psicológicas e individuais, fazendo uma clara delimitação dos acontecimentos narrados como pertencentes a um passado anterior ao do escritor. Esses traços aparecem como forma de justificativa para a proposta desenvolvida por Menton, na qual há uma categorização do romance histórico, proposta que se diferencia do estudo tradicional de Lukács com análises comparativas entre o romance realista e o histórico, de modo a não reconhecer a divisão em subgêneros. Desse modo, Menton exclui de seu estudo os romances que mesmo sendo conhecidos e, tendo a história como elemento constituinte fundamental, trazem em seu enredo um determinado período histórico sendo vivenciado pelo escritor. Podemos citar como exemplos o caso de La muerte de Artemio Cruz (1962), de Carlos Fuentes, Conversación en la catedral (1969), de Mario Vargas Llosa e El recurso del método (1974), de Alejo Carpentier, entre outros. Essa exclusão dos romances cujo enredo apresenta momentos de ligação com o presente do escritor, leva-nos à reflexão de que esta distinção reforça a ideia do romance.

(28) 26. histórico como releitura ou reescrita do passado. É o olhar para trás e considerar as diferentes possibilidades do fato histórico, considerar a possibilidade de “outras verdades”. Entendemos ainda a relação disto com o contexto no qual o romance histórico latinoamericano se proliferou, a saber, a proximidade da celebração do quinto centenário do descobrimento da América e, posteriormente, as diversas ditaduras instauradas em nosso continente. Todo o discurso, as festividades, a suposta magia das comemorações em virtude dessa data, levou muitos escritores a lançar um olhar mais crítico para o conceito de “descobrimento” e para as ações desenvolvidas em terras latino-americanas por parte dos europeus. No cenário literário, fizeram-se mais presentes os temas sobre a conquista da América, em muitos momentos tendo como protagonistas os “conquistadores”, porém sob um olhar crítico de seus atos e reais intenções, analisando as consequências dessa presença e pensando novas versões dos fatos. Todavia, vale destacar que até o romance histórico chegar a essa discussão, houve estéticas literárias anteriores com romancistas importantes, elaborando suas obras com outras temáticas relacionadas à história. Com base nisso, Seymour Menton afirma que o romance histórico latino-americano teve início no século XIX, identificando-se principalmente com o romantismo, embora tenha evoluído de modo importante apenas no século XX. Defende que houve não somente inspiração no romance histórico de Walter Scott, como também nas crônicas coloniais. Nesse ínterim, a obra considerada como marco da produção de romances históricos na América Latina, é Jicoténcal (1826), de Félix Varela5 e que traz “la historia del „Encuentro de los dos mundos‟ en que se exalta a los tlaxcaltecas y se denuncia a los españoles” (MENTON, 1993, p. 35)6. Passando então à discussão das características do NRH, torna-se necessário destacar que escritores como o próprio Alejo Carpentier, Jorge Luis Borges, Carlos Fuentes e Augusto Roa Bastos, implementaram elementos que contribuíram para diferenciar suas obras dos romances históricos tradicionais produzidos antes de 1949. Desse modo, Menton elenca seis traços observados nos NRH que encaixam tais obras nessa categoria, mas que não precisam aparecer simultaneamente nelas. Os traços elencados são:. 5. O texto de Seymour Menton apresenta a obra Jicoténcal como de autoria anônima, uma vez que ela permaneceu dessa maneira até 1995, quando houve a publicação de edição especificando autor, conforme já mencionado na nota de número 2. 6 “A história do „Encontro de dois mundos‟ em que se exaltam os tlaxcaltecas e se denuncia os espanhóis.” Tradução nossa..

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