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REPENSANDO A DESIGUALDADE RACIAL EM SAÚDE NO BRASIL

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REPENSANDO A DESIGUALDADE RACIAL EM SAÚDE NO BRASIL*

Camila de Castro Rios Ferreira1

Juliana de Almeida Silva2

Resumo

As divisões raciais, ou o status racial atribuído aos grupos sociais, influenciam na distribuição assimétrica da saúde, do adoecimento e do risco fatal; geram uma desigualdade de alocação ou acesso à estrutura de classes e esta, condiciona os padrões de saúde e doença na população. As diferenças socioeconômicas e o controle desigual de recursos fundamentais para vida social causam conflitos entre os estratos sociais. Os recursos sociais são de fundamental importância para manutenção da saúde e prolongamento da vida. Porém eles não se apresentam distribuídos equitativamente entre os grupos sociais, gerando vantagens de acesso para um grupo em relação a outros. A associação entre raça e saúde traduz a exposição cumulativa à discriminação econômica, ideologia racial e exclusão política. Os dados utilizados para analisar o país foram extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 2008, cujo questionário suplementar investigou as características de saúde dos moradores dos domicílios brasileiros.

Palavras-Chave: Fatores socioeconômicos; Saúde; Classe Social; Raça.

RETHINKING THE RACIAL INEQUALITY IN HEALTH IN BRAZIL

Abstract

The racial divisions, or the racial status attributed to the social groups, influence the asymmetric distribution of health, of illness and of the fatal risk; they generate an allocation inequality or access to the structure of classes and this, it conditions the patterns of health and disease in the population. The socio-economic differences and the unequal control of fundamental resources for social life cause conflicts among the social strata. The social resources are important for maintenance of health and prolongation of the life. However, it doesn't present distributed equitably among the social groups, generating access advantages for a group in relation to other. The association between race and health translates the cumulative exhibition to the economical discrimination, racial ideology and political exclusion. The data engaged in order to analyze the country have been extracted from the

National Household Sample Survey - NHSS 2008, from which a supplemental questionary investigated health characteristics of the Brazilian domiciles’ inhabitants.

Key-Words: Social-economic factors; Health; Social Class; Race.

* Trabalho apresentado no XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Águas de Lindóia/SP – Brasil, de 19 a 23 de novembro de 2012.

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Mestranda do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora - MG.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Prevalência ajustada por idade da autoavaliação do estado de saúde como não boa, conforme as categorias de classe, gênero e cor (pessoas de 18 a 64 anos). Brasil,

2008... 11

Tabela 2 – Prevalência ajustada por idade da autoavaliação do estado de saúde como não boa, conforme as categorias de renda familiar per capita, gênero e cor (pessoas de 18 a 64 anos). Brasil, 2008... 12

Tabela 3 – Prevalência ajustada por idade da autoavaliação do estado de saúde como não boa, conforme as categorias os recursos do domicílio em décimos (dez partes), gênero e cor (pessoas de 18 a 64 anos). Brasil, 2008... 13

Tabela 4 – Indicadores da condição de saúde ajustada por idade, conforme a renda familiar per capita, gênero e cor (pessoas de 18 a 64 anos). Brasil, 2008... 14

Tabela 5 – Prevalência ajustada por idade da autoavaliação do estado de saúde como não boa, conforme as categorias de educação, gênero e cor (pessoas de 18 a 64 anos). Brasil, 2008... 15

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ... 2

2 METODOLOGIA ... 2

3 DESIGUALDADE SOCIAL: AMARTYA SEN E CHARLES TILLY... 4

4 CLASSE SOCIAL... 5

5 CONTEXTO HISTÓRICO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL... 7

6 DESIGUALDADE EM SAÚDE... 7

7 O PODER CAUSAL DE RAÇA SOBRE A DESIGUALDADE EM SAÚDE... 8

8 ANÁLISE DE CASO... 10

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 15

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2 1 INTRODUÇÃO

No Brasil, a desigualdade social tem raízes fortes e duradouras devido o passado colonial e baseada na influência ibérica, nos padrões de títulos de posse de latifúndios e na escravidão. É resultante dos arranjos socialmente construídos e que levam à exclusão ou à inclusão de certos grupos na estrutura social. Em parte, é sustentada pelo processo de modernização que tomou o país a partir do início do século XIX. Junto com o próprio desenvolvimento econômico, cresceu também a miséria, as disparidades sociais – educação, renda, saúde, etc. – a grande concentração de renda, o desemprego, a fome, a desnutrição, a mortalidade infantil, a baixa escolaridade, a violência; decorrentes das divisões sociais que ordenam a vida social e representam formas estruturadas de controle de recursos e de interação social que estabelecem assimetrias de poder social e de oportunidades de vida (Payne apud SANTOS, 2008b).

A escravidão, um dos pilares da causa da desigualdade social no Brasil, deixou suas marcas na posição social de sucessivas gerações da população negra. Edward Telles no seu livro "Racismo à Brasileira" (2003) salientou que a ideologia racial brasileira leva os brasileiros a acreditarem que não há distinções raciais e que elas não são importantes nas relações sociais, e que a desigualdade racial se dá pelas diferenças entre classes sociais e não pela raça. É reforçada pela ideia de que o mestiço aparece como uma categoria com maior mobilidade social, tendo a imagem do brasileiro típico. Porém, tal ideologia esconde que muitos dos mulatos também são marginalizados e estão mais próximos das condições dos negros que dos brancos na estrutura de classes no Brasil (TELLES, 2003).

As divisões raciais, ou o status racial atribuído aos grupos sociais, influenciam na distribuição assimétrica da saúde, no adoecimento e no risco fatal; geram uma desigualdade de alocação ou acesso à estrutura de classes e esta, condiciona os padrões de saúde e doença na população. Há evidências em estudos contemporâneos no Brasil que apontam a existência de um "ciclo cumulativo de desvantagens" que afeta a trajetória e os resultados atingidos pelos não brancos, onde brancos tem maiores recompensas materiais (SANTOS, 2009).

Porém, a desigualdade racial em saúde não pode ser o principal fator de explicação de vantagens e desvantagens nos padrões de saúde. As dimensões socioeconômicas interferem nas causas da saúde e da doença, pois podem ser associadas a melhores condições de moradia e trabalho, já que se relaciona diretamente com as condições de saúde/doença. A utilização de recursos sociais é de fundamental importância para manutenção da saúde e prolongamento da vida, pois podem ser usados para amenizar os fatores de risco a saúde (LINK & PHERLAN, 1995). Estes recursos não se apresentam distribuídos equitativamente entre os grupos sociais, o que gera vantagens de acesso de um grupo em relação a outros. As desvantagens de acesso também afetam a distribuição das formas existentes de doença, associando-se aos fatores de risco comportamentais, sócio-psicológicos e ambientais que produzem algumas doenças. O presente trabalho pretende verificar o poder causal que raça tem sobre as condições de saúde. Pretende também verificar como os fatores socioeconômicos - renda, classe social e educação - agem na desigualdade racial em saúde. E em todas as tabelas os dados serão ajustados por idade (18 a 64 anos) e controlados por gênero para melhores especificarem os resultados. 2 METODOLOGIA

O presente estudo utilizará os dados amostrais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do ano de 2008, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2009) e que possui um questionário suplementar sobre as características de saúde dos moradores dos domicílios pesquisados. A PNAD contém informações sobre as características individuais e familiares, idade, sexo e ocupação, ente outras, e aborda quatro

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grandes subtemas: “1) necessidades de saúde, estimadas a partir da avaliação do estado de saúde, restrição de atividades rotineiras por motivo de saúde, morbidade referida e limitação de atividade física; 2) cobertura por plano de saúde; 3) acesso a serviços de saúde; e 4) utilização de serviços de saúde” (VIACAVA, 2010). O levantamento de dados da PNAD é realizado por meio de uma amostra probabilística de domicílios obtida em três estágios: municípios, setores censitários e unidades domiciliares. A amostra é representativa para o Brasil, para grandes regiões, para estados e dez regiões metropolitanas. Em 2008, a pesquisa envolveu 150.591 domicílios, com 391.868 indivíduos entrevistados. Até 2003, a amostra não incluía a população rural da região Norte, sendo que em 2008 tais dados estão incluídos (IBGE, 2009).

Nesse trabalho será utilizada a variável tipologia de classe, criada por Santos (2002; 2011a; 2011b) para explicar classe social no Brasil, e as variáveis referentes à raça, gênero, a renda familiar per capita, recursos do domicilio em décimos (dez parte), nível de instrução e região. Serão feitas análises de dados tabulares. A variável raça será a variável independente, pois esta será o fator explicativo. Gênero (tabulação separada por gênero) e idade (padronização por idade) são utilizados como variáveis de controle, visando isolar de modo mais claro o efeito gerado por raça e pelos fatores socioeconômicos. Os indicadores da condição de saúde como o “estado de saúde auto-declarado pelos pesquisados”, “possuir problemas de coluna, artrite ou tendinite”, “possuir alguma mobilidade ocasionada por alguma limitação física” e “se possuem plano de saúde” serão as variáveis dependentes. É pertinente salientar que se optou por destacar os tipos de doenças crônicas causadas por problemas de coluna, artrite ou tendinite, porque apesar do indicador de doenças crônicas, que na PNAD são doze doenças3, neste estudo as doenças crônicas foram mensuradas pela presença ou ausência de algumas dessas, ou seja, as que podem ser auto diagnosticadas4

O indicador de autoavaliação da PNAD é constituído de cinco categorias (muito bom; bom; regular; ruim, e muito ruim), e no presente trabalho será transformado em variável binária bom (muito bom e bom agrupados) e não bom (regular, ruim e muito ruim agrupados) para realizar algumas análises. Optou-se por transformar essa variável em binária devido ao fato que na PNAD, a variável referente ao estado de saúde dos indivíduos apresenta um problema, pois existem evidências de subestimação das respostas “ruim” e “muito ruim”, o que acaba gerando problemas de mensuração. Tal opção metodológica foi adotada porque permite contornar esse problema. Também é importante ressaltar que se optou por esta variável devido à importância que esta possui como indicador poderoso de saúde pois tem a vantagem de capturar a saúde média da população em vez da prevalência de condições específicas ou de alto risco. Além do mais, mostra-se associado a múltiplos fatores sociais de risco a saúde e é útil para as necessidades de avaliação e intervenção de saúde pública (Borrell, 2004 apud SANTOS, 2011a). A avaliação geral pelo indivíduo do seu estado de saúde é uma medida que pode ser aplicada e servir para aferir riscos à saúde em diferentes estágios da vida. A autoavaliação do estado de saúde é provavelmente a medida mais

. O mesmo pode ser aplicado para aferir a limitação de mobilidade, de maneira a tornar os dois últimos indicadores variáveis binárias. A limitação da mobilidade física foi analisada a partir de indicadores que apresentam melhor mensuração, como, a prática de atividades cotidianas. Estes apresentam um viés de acesso ao trabalho, ou seja, possuir tais doenças quando diagnosticas dificultaria ou restringiria o acesso a determinado tipo de serviço.

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São as doenças: de coluna ou costas, artrite ou reumatismo, câncer, diabetes, bronquite ou asma, hipertensão, doença do coração, doença renal crônica, depressão, tuberculose, tendinite ou tenossinovite, cirrose.

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Este estudo se limita a análise das doenças musculoesqueléticas. Na PNAD o questionário suplementar sobre saúde pergunta aos entrevistados se: “Algum médico ou profissional de saúde disse que tem doença de...”, o que faz com que a resposta dependa ao acesso aos serviços de saúde e do conhecimento da doença. A consideração de três doenças crônicas “externas”, com menor grau de não diagnóstico, contorna uma parte deste problema.

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acessível, abrangente e informativa em estudos populacionais, que captura dimensões que não são apreendidas por questões mais detalhadas e dirigidas (Jylha, 2009 apud SANTOS, 2011a).

As variáveis referentes à classe, renda familiar per capita, recursos do domicilio em décimos (dez parte), nível de instrução e gênero serão as variáveis independentes de controle. A variável raça será transformada em variável binária (brancos e não brancos) para que possamos perceber o contraste entre esses grupos.

Para calcular a porcentagem de quanto o grupo não branco tem a mais de saúde não boa em relação ao grupo branco, será usado o seguinte cálculo: o número de não brancos dividido pelo de brancos menos um multiplicado por cem. E também em todas as tabelas os dados estarão ajustados por idade (pessoas de 18 a 64 anos), pois as disparidades existentes na saúde muda com a idade. Todas as variáveis serão estimadas usando o programa Stata, versão 10.

3 DESIGUALDADE SOCIAL: AMARTYA SEN E CHARLES TILLY

A desigualdade social brasileira apresenta-se como multidimensional, transversal e durável. Como uma construção social, ela depende das circunstâncias e das escolhas realizadas ao longo da história de cada sociedade (SCALON e SANTOS, 2010). É caracterizada pela vantagem de um grupo socioeconômico em relação a outro. As diferenças de acessos a recursos e bens materiais e não-materiais geram divisões sociais que exercem grande influência na vida de indivíduos, grupos e instituições. Os recursos mais importantes na geração das desigualdades são os que podem ser restringidos, apropriados, e que podem somar-se a outros recursos dando-lhes um valor adicional (LEÃO, 2011).

Amartya Sen e Charles Tilly foram grandes autores que abordaram a desigualdade entre indivíduos e desigualdade entre os grupos sociais, respectivamente.

A abordagem elaborada por Amartya Sen sobre a desigualdade entre indivíduos está baseada no conceito de capacidade (liberdade real). Essas capacidades seriam as possibilidades que um ator tem para atingir determinado fim. As sociedades e comunidades as quais pertencemos oferecem oportunidades bastante diferentes quanto ao que podemos ou não podemos fazer. Mas, além dessas diferenças, nos ambientes social e natural e nas características externas, também diferimos em nossas características pessoais. Há uma heterogeneidade básica entre as necessidades básicas dos indivíduos, ou seja, as necessidades não são as mesmas e que as pessoas, mesmo recebendo as mesmas oportunidades, não são capazes de convertê-las nos mesmos ganhos ou perdas.

Em seu livro “Desigualdade Reexaminada” (2008), Sen abre um questionamento sobre a pergunta “igualdade de quê?”. De acordo com o autor, devemos buscar a igualdade de capacidade dos indivíduos, e são essas que devem ser igualadas para que assim sejam amenizadas as consequências da desigualdade social. Quando Sen defende que o que precisa ser igualado são as capacidades, ele está trabalhando dentro desta mesma chave dos “igualitaristas de oportunidades”. Isto porque a noção de capacidade está diretamente relacionada à perspectiva da igualdade de oportunidades, na medida em que toma a liberdade substantiva que os indivíduos têm para atingirem os objetivos que traçaram para si. Ter liberdade para escolher o que se quer realizar, ter liberdade para realizar aquilo que se escolheu como objetivo último corresponde a ter igualdade de oportunidades.

As capacidades representam, portanto, as oportunidades reais que os indivíduos dis-põem para alcançar os objetivos traçados que, por sua vez, estão relacionados à busca do bem-estar. Em outras palavras, são os “poderes” que os indivíduos têm para fazer ou deixar de fazer algo, os quais envolvem bem mais do que a disponibilidade ou não de renda.

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A análise da desigualdade social sobre grupos é sugerida por Chales Tilly, que considera a desigualdade uma relação entre um conjunto de indivíduos na qual a interação gera mais vantagem para um dos lados (TILLY, 2006). O autor propõe uma análise categórica, na qual analisa conjuntos opostos de pessoas que recebem tratamentos diferenciados – como a desigualdade de gênero, de raça, étnica, etc. As categorias moldam a desigualdade e identidades, estabelecendo fronteiras entre os que se beneficiam dos recursos e os que são excluídos deste benefício. Quando são ativadas, a combinação de fronteira, relações e significados constitui uma identidade social, especialmente o “nós’ e o “eles”.

A desigualdade categórica duradoura refere-se a diferenças nas vantagens organizadas por gênero, raça, nacionalidade, etnia, religião, comunidade e outros sistemas similares. Ela ocorreria quando as transações através de uma fronteira categórica gerassem regularmente vantagens líquidas a pessoas em um dos lados da fronteira, reproduzondo-a.

Os mecanismos geradores de desigualdade seriam a exploração e a reserva de oportunidade. Segundo o autor, a exploração ocorre quando as pessoas que controlam um recurso arregimentam o esforço de outras para produzir um valor por meio desse recurso, mas excluem as outras do valor total acrescentando por seus esforços. O outro mecanismo gerador de desigualdade, a reserva de oportunidade, consiste em limitar a disposição de um recurso produtor de valor aos membros de um grupo, concentrando-se na exclusão completa ou parcial dos benefícios gerados pelo controle de recursos.

Os recursos geradores de desigualdade são: meios de coerção, trabalho, animais, terra, instituições que mantêm o comprometimento, máquinas, capital financeiro, informação, meios que disseminam essa informação e o conhecimento técnico científico (TILLY, 2006). Tais recursos relevantes são de suprimentos restritivo, fáceis de circunscrever, sujeitos a apropriação, valorizados amplamente, e capazes de produzir valor adicional em combinação com outros recursos e/ou esforço coordenado (SANTOS, 2008b).

No artigo “O acesso desigual ao conhecimento” (2006) Tilly ressalta que o problema do acesso científico envolve temas da ação, da identidade e da liberdade em três aspectos distintos, sendo eles:

Em primeiro lugar, a produção e a distribuição do conhecimento científico que dependem de agentes informados que, de forma quase inevitável, reservam o conhecimento para vantagem própria e de seus financiadores. Em segundo lugar, o controle sobre o conhecimento científico se organiza em torno de fronteiras definidoras de identidades que dividem, de um lado, os que têm direitos a esse conhecimento e, de outro, os que carecem de tais direitos. Em terceiro lugar, a superação das barreiras entre os beneficiários e as vítimas do acesso desigual exige, normalmente, a ação heróica de advogados e autoridades políticas. (TILLY, 2006, p. 48)

Observando todos os pontos salientados até aqui sobre os dois autores, podemos destacar que Tilly abriu um diálogo com a teoria de Sen, ao considerar que o acesso ao conhecimento possibilita o acesso à liberdade e, consequentemente, ao bem-estar.

4 CLASSE SOCIAL

Para analisar a desigualdade e os fatores que determinam as relações entre as posições sociais constituídas, é preciso basear os estudos sobre a estratificação e mobilidade social dos indivíduos na hierarquia socioeconômica e política na sociedade. Por estratificação social entende-se um sistema de organização dos indivíduos na sociedade em grupos (estratos) relativamente homogêneos quanto ao estilo de vida, a interesses ou valores comuns, segundo suas participações desiguais no processo de distribuição de recompensas socialmente valorizadas, tais como riqueza, poder e prestígio. Isso significa que indivíduos e grupos têm

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acesso diferenciado às recompensas valorizadas na sociedade, de acordo com sua posição na hierarquia socioeconômica e política do sistema de estratificação.

A noção de classe que iremos adotar no estudo será com viés neo-marxista do autor Erick O. Wright. Antes de entrarmos no conceito de Wright, é necessário destacar a definição do autor clássico da Sociologia Karl Marx.

Segundo Marx, as classes sociais são definidas pelo sistema de produção – os que detêm os meios de produção e os que não detêm tais meios. Daí se encontra os dois pólos fundamentais da teoria marxista: a classe capitalista, ou burguesia; e a classe trabalhadora, ou proletariado. A relação de exploração entre as classes envolve relações de interdependência, exclusão e apropriação (MARX, 1982). O conceito de classe para Marx não se limita às relações de mercado, envolve também as questões de divisão do trabalho.

A vida dos indivíduos e suas formas de vinculação em classes seriam definidas a partir da posição ocupada pelo indivíduo no sistema de produção, de modo que os interesses, valores e visões de mundo compartilhados pelos indivíduos de uma mesma classe seriam antagônicos aos compartilhados pelos indivíduos de outra classe. Um exemplo clássico, de Marx, são as visões de mundo e os interesses diferentes entre as classes da burguesia e dos trabalhadores (ENGELS & MARX, 1990).

Com a divisão e especialização do trabalho, surgem novos segmentos de classe. Para tratar essa questão, estudiosos marxistas, como Wright, dedicaram-se a desenvolver um esquema de classe que mapeasse as constâncias e as variações nas estruturas de classe capitalista (SANTOS, 1998).

Na tradição marxista, classe social trata-se de um conceito relacional, pois as classes são sempre definidas no âmbito das relações sociais, em particular nas relações das classes entre si; e também são antagonísticas, pois geram interesses opostos, ou seja, geram bem-estar de uma classe e privação da outra. O conceito de classe deve abarcar apenas a exploração enraizada nas relações de produção.

Na interpretação de Wright (apud SANTOS, 1998; 2002; 2004; 2008a), classe social representa uma forma especial de divisão social gerada pela distribuição desigual de poderes e direitos sobre os recursos produtivos relevantes de uma sociedade. A condição de classe afeta os interesses materiais, as experiências de vida e as capacidades para a ação coletiva dos indivíduos. Os ativos produtivos que a pessoa tem determinam o que ela obtém (bem-estar material), e o que deve fazer para conseguir o que obtém (oportunidades, dilemas e opções).

O conceito de classe que Wright elaborou é baseado na conexão ativo-exploração, mas nem por isso deixa de sustentar a ideia de que “dominação sem apropriação não constituem relações de classe”. Segundo ele, classe é um conceito intrinsecamente político, já que requer relações de dominação (SANTOS, 1998, p.42). As relações de classe são a unidade das relações de apropriação e dominação. Em outras palavras, existe uma conexão entre propriedade de ativos produtivos, exploração, dominação na produção e diferenciação de classe.

Wright (apud SANTOS, 1998) elaborou uma tipologia básica de classe na sociedade capitalista em função da propriedade de ativos de capital, do controle diferenciado de ativos de qualificação e da relação com o exercício de autoridade dentro da produção. Essas três dimensões da tipologia podem ser “tricotomizadas”, por opção metodológica, diferenciando-se a posição dominante, contraditória e subordinada. O objetivo dessa solução metodológica é construir uma tipologia em que as posições assimétricas (por exemplo, gerente e trabalhador) estejam relativamente bem mensuradas. As categorias intermediárias concentram as situações ambíguas e as deficiências de mensuração. Na verdade, cria-se uma variável tricotômica para capturar e representar uma dicotomia teórica (SANTOS, 2008b).

O esquema de classe utilizado nesse trabalho foi elaborado por Santos (2002; 2011a; 2001b) incorporando da teoria de Wright (apud SANTOS, 2011b; 2001b) algumas divisões

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que auxiliam na compreensão das particularidades da estrutura de classe brasileira. A demarcação de classes de Santos (2011b; 2001b) considera a posição na ocupação, ou o status do emprego, distinguindo-se as posições de empregador, empregado, trabalhador por conta própria e empregado doméstico, e a partir daí, por um processo de desagregação, obteve-se o esquema de posições de classe resultante. Inicialmente o esquema obteve 13 posições estruturais, aumentadas e modificadas para 15 nos estudos de desigualdade de saúde, com a inclusão do trabalhador de subsistência e trabalhador excedente (SANTOS, 2011a; 2011b). As categorias são denominadas: capitalistas; especialistas autônomos; gerentes; empregados especialistas; pequenos empregadores; autônomos com ativos; empregados qualificados; supervisores; trabalhadores típicos; trabalhadores elementares; autônomos precários; empregados domésticos; trabalhadores de subsistência e trabalhadores excedentes.

5 CONTEXTO HISTÓRICO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL

No Brasil, o problema da desigualdade social é político e econômico já que a distribuição da riqueza social é uma das mais desiguais do mundo. Os brancos, que estão no alto da estrutura de classes, são mais privilegiados que os negros, que estão na base da estrutura. Os fatores responsáveis pela desigualdade racial são: hiperdesigualdade, as barreiras discriminatórias invisíveis e uma cultura racista (TELLES, 2003). O preconceito racial, tal como foi definido por Oracy Nogueira (apud COSTA, 2011), é uma disposição desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência étnica que se lhes atribui ou reconhece. O preconceito de marca, comumente no Brasil, se dá em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas manifestações os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gestos, o sotaque. Nos Estados Unidos o preconceito de origem é mais evidente, onde basta a suposição de que o indivíduo descende de certo grupo étnico para que seja discriminado.

A desigualdade não é apenas material, abrange também relações de poder desiguais, a sensação subjetiva de inferioridade de um cidadão ou seu tratamento como inferior e sua inabilidade de participar efetivamente da vida social. O privilégio é fortalecido através de uma defesa de classe, que os brancos, por sua vez, costumam usar para assegurar e manter controle sobre a riqueza e os recursos da sociedade e reduzir a competição por outras competições. Telles (2003) destacou que "no que tange à desigualdade de renda, o Brasil é um dos países com pior distribuição de renda, sendo que a renda média dos 10% mais ricos da população brasileira é 28 vezes maior que a renda média dos 40% mais pobres" (TELLES, 2003, p.185).

De acordo com pesquisas, no Brasil a disparidade de renda entre brancos e não-brancos é imensa, enquanto que entre pretos e pardos é menor, o que sugere a existência de uma posição destinada à população negra no país. Essa pequena diferença pode ser explicada pela maior discriminação dos pretos. Nos Estados Unidos às diferenças são mais uniformemente distribuídas pelos tons de pele.

Telles destacou também duas teorias opostas que apontam como a industrialização afetou a desigualdade racial no Brasil. A visão liberal argumenta que a industrialização reduz a desigualdade racial devido às oportunidades de emprego e o surgimento de novas relações sociais, já que o pré-requisito para o trabalho não seria a cor, e sim a produtividade de cada um. A teoria da persistência da desigualdade defende que a industrialização reforça a ordem tradicional a fim de evitar conflitos trabalhistas, onde o grupo dominante de trabalhadores se beneficia com a eliminação dos membros do grupo subordinado como competidores potenciais por emprego.

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Segundo Wright (apud SANTOS, 2005b), as divisões raciais são formas de ordenamento social. Ocorre uma vinculação entre raça e o controle de exclusão, o qual se dá de várias maneiras, por exemplo, a estigmatização do grupo excluído. No Brasil o critério central da classificação racial é a cor, uma classificação baseada na ideologia racial. Raça no Brasil é uma variável explicativa fundamental na reprodução de desigualdade social. O cálculo racial brasileiro é influenciado pelo contexto social e representa certa ambiguidade referencial.

No texto "A interação estrutural entre a desigualdade de raça e de gênero no Brasil" (2009) do autor José Alcides Figueiredo Santos, é destacado que os estudos contemporâneos da estratificação social de cor no Brasil demonstraram que, em termos de desigualdades de recompensas materiais, o contraste marcante se faz entre brancos e não brancos (pardos e pretos). Estudo das interseções e interações entre classe social e raça no Brasil contribuiu para demonstrar que grande parte da desigualdade racial de renda é uma desigualdade de acesso a contextos e recursos valiosos, notadamente alocação à estrutura de classes, posse de credenciais educacionais e distribuição sócio-espacial.

6 DESIGUALDADE EM SAÚDE

Não se pode confundir desigualdade em saúde com o estado de saúde de um determinado grupo ou determinados indivíduos. A desigualdade se remete às vantagens e desvantagens de alguns destes agentes em relação a outros: é o acesso desigual aos recursos presentes na sociedade. Os recursos são meios de poder e controle social, e os que mais contribuem para a desigualdade são aqueles que podem ser restritos e vetados a algumas classes. O modo de distribuição e utilização de tais recursos também afetam a desigualdade. As pessoas que possuem recursos como conhecimento, dinheiro, poder e prestígio usam estas vantagens para melhorar a sua saúde e bem-estar em quaisquer fatores de risco ou proteção de um determinado momento, obtendo ganhos de saúde dento de um contexto de um sistema estruturalmente desigual (SANTOS, 2011b). A relação entre informação e desigualdade de recursos é essencial para entender as disparidades em saúde.

As disparidades são sustentadas como conseqüências da expansão social do controle das condições de saúde, fazendo com que quem tem mais recursos se apropriem desses meios. Classe social é considerada um determinante verdadeiro de saúde e o efeito da posição social é atribuível às condições materiais.

O alto nível de posição socioeconômica está associado a melhores níveis de saúde, mas existem também retornos substancialmente decrescentes da posição socioeconômica. Estudos indicam que a posição socioeconômica afeta tanto a exposição quanto a vulnerabilidade a fatores mediadores comportamentais, psicosociais e ambientais (SANTOS, 2011b).

7 O PODER CAUSAL DE RAÇA SOBRE A DESIGUALDADE EM SAÚDE

Raça representa um status principal, ou seja, um determinante central tanto do acesso a recursos e recompensas quanto de obrigações e regras sociais. Porém, raça em si não pode ser invocada como uma explicação auto-evidente de padrões de saúde. O conceito raça, construído socialmente, denota relações entre categorias de pessoas e não qualidades essenciais possuídas pelos indivíduos (SANTOS, 2011b). As desvantagens socioeconômicas e raciais afetam a distribuição das formas existentes de doença, associando-se aos fatores de risco comportamentais, sócio-psicológicos e ambientais que produzem algumas doenças. A associação entre raça e saúde traduz a exposição cumulativa à discriminação econômica, ideologia racial e exclusão política.

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Raça tem efeitos na saúde que independe das diferenças socioeconômicas entre os grupos raciais, já que negros apresentam piores resultados em saúde quando comparados a brancos de mesma posição socioeconômica (SANTOS, 2011b). Há evidências de que diferenças socioeconômicas acumuladas ao longo da vida de sucessivas gerações constituem explicação fundamental para as desigualdades raciais em saúde no Brasil. Assim, raça e status são relacionados, mas não intercambiáveis. Embora exista uma considerável sobreposição entre raça e posição socioeconômica, devem-se levar em conta outros fatores como racismo e discriminação institucional (SANTOS, 2011b).

As exposições à discriminação e ao racismo afetam diretamente a saúde através do âmbito social e do acúmulo de adversidades em múltiplos domínios e aspectos, tais como residência em bairros pobres, viés racial no serviço de saúde, estresse advindo de experiências de discriminação ou do estigma social de inferioridade. A desvantagem socioeconômica seria um dos mecanismos através do qual a discriminação contribui para as desigualdades raciais de saúde (CHOR, 2011). A discriminação racial é definida como um tratamento diferenciado em função da raça (ou em função de outros fatores), que coloca em desvantagem grupos raciais específicos.

As discriminações raciais surgem como reação racional ao conflito desencadeado pela escassez de recursos sociais e econômicos. Estas discriminações podem se tornar cumulativas através das gerações. Nesta dinâmica, as divisões de classe geram importantes assimetrias na distribuição das chances de saúde e de doença dentro de uma sociedade, ou seja, quanto pior a posição social, tanto pior a saúde (SANTOS, 2011b).

A renda é um indicador forte de saúde, e muitas vezes os impactos de outras variáveis são mediados através dela. Mas ao analisar renda como variável, deve-se incluir também a riqueza como recurso auxiliar, já que representa fonte de segurança econômica e poder. As riquezas acumuladas durante a vida da pessoa - como domicílio - e a renda familiar são recursos que podem ser facilitadores do estado de saúde. Estudos apontam que famílias com maior renda têm maiores chances de saúde, porém, entre não-brancos do mesmo nível socioeconômico, essa chance pode ser menor.

Em relação ao gênero, estudos demonstram um tratamento desigual no mercado de trabalho, ou seja, trabalhadores igualmente produtivos apresentam diferenças entre os rendimentos, conforme o gênero (SANTOS, 2008b), causando um tipo de discriminação interna ao emprego ou de posição, em que mulheres recebem menor salário ocupando a mesma posição de homens no trabalho. Na dimensão da saúde, as diferenças de gênero variam conforme os contextos de classe, mas de modo geral, mulheres apresentam piores condições de saúde do que homens, mesmo quando, em algum âmbito, manifeste condições positivas (LEÃO, 2011).

A educação é uma variável fácil de mensurar, pois é aplicável a quem não se encontra na população economicamente ativa e está associada com muitos indicadores de saúde. A dificuldade de utilizar a educação está na sua assimetria variada quando é analisada com outros coortes, como nascimento, posição de classe, raça e gênero. Estando diretamente associada aos indicadores de saúde, ela indica o bem-estar da população que apresenta menor acesso a recursos materiais, sendo esta um recurso substitutivo. A escolaridade tem um importante papel na prevenção de emergência de problemas de saúde, mas a idade seria o determinante na percepção do estado de saúde, enquanto raça influencia no curso ou progressão dos problemas de saúde. A variável cor nas chances de progressão escolar é importante. Estudos demonstram que a probabilidade de os brancos serem aprovados na 1ª série é de 27% maior do que a dos pretos e que pretos e pardos, que se distinguiam mais nitidamente quanto ao acesso ao sistema como um todo, uma vez na escola, desfrutam do mesmo tratamento. As vantagens da cor branca mostram-se fortes e positivas em praticamente todas as transições, exceção feita à última (completar a universidade dado que

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ingressou nela), quando o efeito, apesar de positivo, não é estatisticamente diferente de zero (SANTOS, 2005b).

8 ANÁLISE DE CASO

Será analisado o papel que raça tem sobre as condições de saúde e verificar como os fatores socioeconômicos - como gênero, renda, classe social e educação - agem na desigualdade racial em saúde.

Raça afeta o modo como os indivíduos são alocados na estrutura social e o acesso a recursos valiosos (SANTOS, 2005b). Porém, ela não pode ser o único fator explicativo para a desigualdade em saúde, já que outros fatores também interferem nas chances de saúde dos indivíduos. Por isso, é necessário abordar outras categorias para observar a trajetória da desigualdade.

A noção de gênero como uma divisão social realça a idéia de que as diferenças são predominantemente de origem social e estrutural, de modo que o homem, como uma categoria, possui mais poder social do que a mulher. As relações de gênero, no entanto, ao representarem desigualdades, categorizam homem e mulher. Gênero, portanto, é uma construção social usada para definir, explicar e justificar desigualdades (SANTOS, 2008a).

A noção de classe aqui utilizada segue os pressupostos de Wright, sendo definida e mensurada em termos de relações de propriedade, ou seja, direitos e poderes sobre vários ativos produtivos. É uma divisão social constituída pela distribuição desigual dos recursos produtivos relevantes de uma sociedade e que condicionam o bem-estar material que ela pode obter e o que deve fazer para conseguir o que obtém. O efeito de classe varia conforme o grupo racial, pois a condição de classe afeta os interesses materiais, as experiências de vida e as capacidades para a ação coletiva dos indivíduos. Sendo assim, classe social é considerada um determinante de saúde, pois condiciona o acesso a recursos produtivos e influencia na maneira como cada pessoa percebe seu estado de saúde. Como exemplo, podemos destacar a desvantagem dupla que uma mulher negra sofre quando pertence a uma classe destituída de ativos produtivos e que apresentará pior estado de saúde comparada a uma mulher branca e ao homem da mesma posição na classe social.

A tabela 1 mostra o efeito de raça na distribuição das chances de saúde nas diferentes categorias de classe. O recorte de idade entre pessoas com 18 e 64 anos foi feito já que a saúde muda ao longo da vida. As variáveis foram controladas por gênero e classe social para que os efeitos de raça sejam mais visíveis e especificados. Percebermos que as categorias que são proprietárias de ativos produtivos – capitalista e especialista autônomo - possuem a menor porcentagem de saúde não boa, comparado com as posições destituídas de classe, do trabalhador elementar ao trabalhador excedente. As mulheres, na maioria das posições, obtêm porcentagem maior de saúde não boa, sendo as mulheres negras com pior estado de saúde.

O total (não diferenciado) tanto entre os homens quanto entre as mulheres, os não brancos são os que piores autoavaliaram sua saúde. Quando observamos a porcentagem de quanto o grupo não branco tem a mais de saúde não boa em relação ao grupo branco, percebemos com mais clareza os impactos raciais na autoavaliação do estado de saúde dos indivíduos, pois no total (não diferenciado) a diferença entre os homens chega a 36,91% e entre as mulheres esta diferença chega a 50,15%. Também é pertinente observarmos que as maiores porcentagem de quanto o grupo não branco tem a mais de saúde não boa em relação ao grupo branco ocorrem nas categorias de classe que controlam algum tipo de ativo. Também observamos nesta tabela alguns valores negativos na diferença de não branco/branco entre os homens nas categorias de empregado doméstico e trabalhador de subsistência, tal fato ocorre porque nestas categorias o número de brancos que autoavaliaram sua saúde como não boa é maior do que os de não brancos.

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11 Tabela 1

Prevalência ajustada por idade da autoavaliação do estado de saúde como não boa, conforme as categorias de classe, gênero e cor (pessoas de 18 a 64 anos). Brasil, 2008.

Fonte: Elaborada pelas autoras com base nos microdados da Pnad de 2008.

* Porcentagem de quanto o grupo não branco tem a mais de saúde não boa em relação ao grupo branco.

O Brasil é um dos países onde há maior desigualdade de distribuição de renda no mundo, com grande concentração da renda nas posições mais privilegiadas. O indicador renda é usado para indicar posição social pelo fato de ser um determinante forte em saúde e porque é usada para avaliar os impactos de outras variáveis mediados através dela (SANTOS, 20011a). Atrelada à classe social, a renda que a pessoa obtém depende da posição que ela ocupa na estrutura social, causando diferenças na saúde, mesmo que esse ganho ou perda não seja tão visível. Por esse motivo, usar renda como simples variável intervalar, supondo um efeito constante na saúde por cada unidade de mudança da renda, pode parecer inapropriado, já que pequenas diferenças na renda estão associados com mudanças muito maiores no status de saúde dos pobres quanto dos ricos (Krieger, Williams & Moss, 1997 apud SANTOS, 2011a). Devido à volatilidade e flutuação de renda, há uma dificuldade em estabelecer relações causais. Assim, a riqueza é colocada como indicador complementar, já que é cumulativa e representa fonte de segurança econômica e de poder. Na definição de Telles (2003), riqueza é o que as pessoas possuem e podem usar, além das fontes de renda, e permite que seus possuidores e filhos tenham acesso a bens caros, como educação e educação privada; é passada também de geração em geração. O acúmulo de riqueza no Brasil permite

Gênero/ Cor (%) Categorias de classe Homem branco Homem não branco Diferença % NB/B * Mulher branca Mulher não branca Diferença % NB/B * Capitalista 06,80 11,10 63,23 04,86 11,35 133,53 Pequeno empregador 13,46 21,11 56,83 11,32 20,40 80,21 Autônomo com ativos 15,48 23,72 53,22 17,62 28,99 64,52 Autônomo agrícola 27,50 29,70 08,00 36,46 37,29 02,27 Especialista autônomo 05,46 08,97 64,28 04,42 08,96 102,71 Gerente 09,67 14,08 45,60 10,52 14,87 41,34 Empregado especialista 06,73 08,74 29,86 07,84 12,96 65,30 Empregado qualificado 10,04 13,68 36,25 11,68 19,42 66,26 Supervisor 11,67 15,27 30,84 11,77 19,10 62,27 Trabalhador típico 16,03 19,81 23,58 16,71 24,24 45,06 Trabalhador elementar 22,50 25,75 14,44 27,29 31,88 16,81 Autônomo precário 21,70 24,90 14,74 25,22 32,10 27,27 Empregado doméstico 22,90 20,26 -11,52 26,30 31,48 19,69 Trabalhador de subsistência 38,51 36,06 -06,36 37,23 40,78 09,53 Trabalhador excedente 20,85 27,75 33,09 24,28 31,94 31,54 Total (não diferenciado) 16,39 22,44 36,91 18,94 28,44 50,15

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12

melhorar a qualidade de vida para além do que a renda por si só possibilita.

A variável renda foi construída baseada nos décimos da renda familiar per capita por ser considerado mais apropriado por refletir a relação não linear entre renda e saúde, em que a maior parte da relação está concentrada na base inferior da distribuição da renda (SANTOS, 2011a). Como complemento, foi construído o indicador de riqueza computando os bens disponíveis no domicilio que mensura a presença ou ausência da propriedade do domicilio, carro, água encanada (proxy de padrão inferior de moradia), telefone fixo, geladeira, geladeira de duas portas, freezer, computador, telefone celular e máquina de lavar. Foi atribuído um peso a cada item baseado no complemento da sua freqüência relativa apurada em toda a amostra, de modo a aumentar o peso dos itens mais escassos (SANTOS, 2011a).

Na Tabela 2 foi analisado apenas o efeito de raça e renda sobre o estado de saúde não boa. Comparado com classe, a variável renda não diminuiu as diferenças de saúde entre brancos e não brancos, permanecendo quase inalterado. Note-se para efeito de compreensão dos resultados apresentados que os décimos de renda estão ordenados dos 10% mais pobres (1) aos 10% mais ricos (10). Nas categorias de renda elevada, os não brancos – homens e mulheres – possuem desvantagens em saúdes comparados com os brancos; e a mulher negra, na maioria das categorias, apresenta pior estado de saúde, com exceção das categorias 4, 5 e 6, em que ela aparece com menor porcentagem de saúde não boa com relação as mulheres brancas. Nas categorias com renda média (categorias 5, 6 e 7), o homem negro apresentou pior estado de saúde comparando com as outras categorias. Quando analisamos a porcentagem de quanto o grupo não branco tem a mais de saúde não boa em relação ao grupo branco percebemos que entre os homens as maiores diferenças entre não brancos e brancos ocorrem nas categorias 6 com 63,83%; 7 com 62,94%; e 5 com 54,52%. Já entre as mulheres a maior diferença ocorre na categoria 10 com 63,07%. Ainda sobre a diferença no que se refere à porcentagem de quanto o grupo não branco tem a mais de saúde não boa em relação ao grupo branco observamos que entre os homens nas categorias 8 e 9, e entre as mulheres nas categorias 4, 5 e 6 o resultado dessa diferença negativo, tal fato ocorre, porque nestas categorias o número de brancos apresentando saúde não boa é maior do que o de não brancos.

Tabela 2

Prevalência ajustada por idade da autoavaliação do estado de saúde como não boa, conforme as categorias de renda familiar per capita, gênero e cor (pessoas de 18 a 64

anos). Brasil, 2008. Gênero/ Cor (%) Renda familiar per capita Homem branco Homem não branco Diferença % NB/B * Mulher branca Mulher não branca Diferença % NB/B * 1 30,12 31,26 03,78 34,92 39,72 13,74 2 27,56 27,71 0,54 33,84 35,20 04,01 3 23,29 25,29 08,58 27,42 32,71 19,29 4 19,47 19,71 01,23 25,89 23,42 -09,54 5 19,46 30,07 54,52 23,74 21,60 -09,01 6 16,59 27,18 63,83 21,49 20,36 -05,25 7 15,76 25,68 62,94 18,74 22,77 21,50 8 17,14 13,93 -18,72 15,56 20,34 30,71 9 12,31 11,56 -06,09 14,07 18,24 29,63 10 07,82 09,97 27,49 07,42 12,10 63,07 Total (não diferenciado) 16,47 22,55 36,91 19,11 28,59 49,60

Fonte: Elaborada pelas autoras com base nos microdados da Pnad de 2008.

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A Tabela 3 mostra os efeitos dos bens de domicílio na avaliação de saúde não boa, que serve para avaliar de modo mais confiável o grau de associação entre riqueza domiciliar e os resultados de saúde por se tratar de um indicador alternativo de riqueza acumulada. O ordenamento dos recursos acumulados vai do menor décimo (1) para o topo (10). Mais uma vez mostra-se a prevalência da saúde não boa entre os não brancos, tanto homem quanto mulher. Somente na categoria 1 que a saúde não boa é maior no homem branco, porém a diferença de percentual chega a -2,16%, que é pequena comparado com a maior diferença encontrada entre os homens, que é de 40,15% na categoria 10. Entre as mulheres, a maior diferença também é encontrada na categoria 10 com 45,58%; a menor diferença é 7,35% na categoria 3.

Tabela 3

Prevalência ajustada por idade da autoavaliação do estado de saúde como não boa, conforme as categorias os recursos do domicílio em décimos (dez partes), gênero e cor

(pessoas de 18 a 64 anos). Brasil, 2008.

Gênero/ Cor (%) Recursos do domicílio em decis (dez partes) Homem branco Homem não branco Diferença % NB/B * Mulher branca Mulher não branca Diferença % NB/B * 1 27,70 27,10 -02,16 32,93 37,67 14,39 2 24,18 26,68 10,33 31,11 35,78 15,01 3 24,06 25,68 06,73 30,72 32,98 07,35 4 19,85 24,86 25,23 26,05 31,04 19,15 5 20,56 22,23 08,12 23,63 28,98 22,64 6 18,83 20,45 08,60 22,04 26,12 18,51 7 15,07 18,23 20,96 17,40 22,01 26,49 8 13,14 15,95 21,38 14,81 20,61 39,16 9 11,36 15,05 32,48 12,83 18,20 41,85 10 08,79 12,32 40,15 09,41 13,70 45,58 Total (não diferenciado) 16,40 22,44 36,82 18,96 28,44 50,00

Fonte: Elaborada pelas autoras com base nos microdados da Pnad de 2008.

* Porcentagem de quanto o grupo não branco tem a mais de saúde não boa em relação ao grupo branco.

Considerando agora os indicadores da condição de saúde, representados na Tabela 4, percebemos que os não brancos possuem maiores índices de doenças crônicas do tipo coluna, artrite ou tendinite, sendoque as mulheres apresentam maiores porcentagens comparadas com os homens, porém, entre mulheres brancas e não brancas, as não brancas são mais desfavorecidas. No item de pessoas que possuem alguma mobilidade ocasionada por alguma limitação física, as mulheres não brancas possuem os maiores índices em todas as categorias de renda, gênero e cor. Os brancos possuem as maiores porcentagens no item de plano de saúde, porém quem mais tem são as mulheres brancas; na categoria cor, as mulheres não brancas no total (não diferenciado) também possuem mais planos de saúde comparada com os homens não brancos.

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Indicadores da condição de saúde ajustada por idade, conforme a renda familiar per capita, gênero e cor (pessoas de 18 a 64 anos). Brasil, 2008.

Possui alguma doença crônica do tipo coluna, artrite ou

tendinite

Possui alguma mobilidade ocasionada por alguma

limitação física

Possui pelo menos um plano de saúde Renda familiar per capita H bran co H não bran co M bran ca M não bran ca H bran co H não bran co M bran ca M não bran ca H bran co H não bran co M bran co M não bran ca 1 19,95 18,54 24,76 21,56 25,38 24,05 34,53 34,58 04,43 01,96 04,83 02,36 2 19,05 18,01 23,13 22,60 22,27 22,39 32,38 34,36 07,44 05,89 07,23 04,56 3 16,68 7,32 23,22 24,08 20,44 20,83 30,44 33,12 11,41 08,78 12,41 09,33 4 16,41 15,90 23,80 21,95 17,89 18,64 28,56 29,14 16,27 12,16 17,29 12,33 5 17,61 16,11 23,08 22,19 17,53 16,86 25,96 28,71 20,46 15,47 20,37 17,12 6 16,37 15,84 21,91 22,22 16,71 17,81 24,59 26,86 23,56 19,29 24,88 21,63 7 16,21 14,94 22,00 23,20 15,46 16,88 22,97 25,57 27,83 24,58 32,83 28,26 8 14,34 14,47 22,87 21,63 13,81 14,81 21,52 22,84 37,19 31,40 42,91 35,47 9 13,93 14,34 20,86 21,42 13,69 14,30 18,87 21,64 46,91 40,96 51,87 46,92 10 12,63 12,89 19,30 20,69 10,88 12,72 15,40 18,85 64,78 52,19 67,70 57,92 Total (não diferencia do) 15,59 16,25 21,91 22,33 16,10 18,82 23,26 28,79 31,12 16,73 34,73 18,66 Fonte: Elaborada pelas autoras com base nos microdados da Pnad de 2008.

Na tabela 5 a variável educação será testada para observar a sua contribuição no estado de saúde não bom. Os maiores índices de saúde não boa encontram-se entre os sem instrução, seguido do fundamental completo ou equivalente. Já os melhores estão associados aos que tem ensino superior completo ou incompleto. As mulheres não brancas têm maiores índices de saúde não boa em todos os níveis de instrução, mostrando mais uma vez a desvantagem de saúde entre as mulheres não brancas.

De acordo com a literatura, a aquisição de escolaridade se relaciona com a trajetória e origem social das pessoas. A origem social influência nos primeiros anos de escolaridade quando a criança tem estímulos dos pais, amigos e professores, construindo maiores aspirações ocupacionais. O fator cor também deve ser observado nesse processo, pois ele aumenta a desigualdade no processo seletivo. Já o fator classe é mais importante do que raça. Os efeitos de classe diminuem nos processos de transição escolar enquanto que e o de raça aumenta no último estágio dessa transição.

A escolaridade pode ser um instrumento de mobilidade social, mas, por outro lado, pode reforçar ainda mais a transmissão das desigualdades. Apesar da facilidade do acesso à escola devido à democratização do ensino, a escolaridade não é distribuída igualmente entre todas as classes. A finalidade da educação é diferente dependendo do estrato social: as classes com propriedades de ativos produtivos veem a escolaridade como um meio que ajuda a ter retornos econômicos nos negócios, enquanto que nas classes de trabalhadores, ela é vista pra adquirir mobilidade social, uma chance de “crescer na vida”. Porém, como a escolaridade demanda o gasto de recursos, muitos desistem e não concluem o ensino médio e superior, voltando à vida para o trabalho.

De acordo com a teoria credencialista (Collins apud SANTOS, 2002), a escolaridade é uma credencial para o acesso aos bens valorizados da sociedade, é uma forma de organizar como as coisas serão consumidas e acessadas através da ocupação; assim, a escolaridade e o diploma se tornam privilégios, fator da desigualdade, já que ela pode ser entendida como a restrição de acesso a bens.

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15 Tabela 5

Prevalência ajustada por idade da autoavaliação do estado de saúde como não boa, conforme as categorias de educação, gênero e cor (pessoas de 18 a 64 anos). Brasil, 2008.

Gênero/ Cor (%)

Nível de instrução Homem branco Homem não branco Diferença % NB/B * Mulher branca Mulher não branca Diferença % NB/B * Sem instrução 37,73 35,87 -04,92 39,72 42,86 07,90 Fundamental incompleto ou equivalente 25,64 28,20 09,98 32,32 36,44 12,74 Fundamental completo ou equivalente 18,38 21,70 18,06 23,83 30,51 28,03 Médio incompleto ou equivalente 19,40 20,55 05,92 22,54 29,12 29,19 Médio completo ou equivalente 12,61 16,62 31,80 15,31 22,48 46,83 Superior incompleto ou equivalente 09,08 12,69 39,75 09,87 16,68 68,99 Superior completo ou equivalente 08,17 11,50 40,75 08,57 14,51 69,31 Não determinado 18,16 22,98 26,54 25,18 30,70 21,92 Total (não diferenciado) 18,01 24,33 35,09 21,26 30,58 43,83

Fonte: Elaborada pelas autoras com base nos microdados da Pnad de 2008.

* Porcentagem de quanto o grupo não branco tem a mais de saúde não boa em relação ao grupo branco.

As análises das tabelas demonstraram que raça, junto com fatores socioeconômicos, influenciam significativamente na percepção do estado de saúde das pessoas. O acesso a recursos e informação ainda são restringidos aos negros, concentrando grande parcela ainda entre os brancos. Quando controlamos as variáveis por classe, vimos também que ainda há um grande número de negros ocupando posições inferiores, ressaltando a discriminação quanto à mobilidade social de negros e a má remuneração de renda desses. Quanto à má remuneração, percebemos que ainda há a discriminação de gênero no mercado de trabalho, pois as mulheres ainda são as que recebem menor salário, mesmo ocupando posições semelhante a dos homens.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitos acreditam que a discriminação racial não existe no Brasil devido à quantidade de negros na população total do país e aos casamentos inter-raciais. A maioria das pessoas se declara como não sendo preconceituosas. Mas quando observamos aspectos como à educação, renda, saúde, entre outros, os negros sempre se encontram em desvantagem. Será mesmo que não há discriminação no país? Como vimos no presente estudo, os brasileiros são guiados por uma ideologia racial que prega que a desigualdade racial se dá pelas diferenças entre as classes sociais e não pela raça; e que os mestiços obtém maior mobilidade social, o que não é verdade, pois os mestiços ainda sofrem discriminações. Apesar dos casamentos inter-raciais no Brasil, ser branco continua a ser uma vantagem, pois ainda hierarquiza, divide e determina o valor do indivíduo. A miscigenação implica maior tolerância racial, mas não evita a discriminação. Deste modo a hierarquia racial se mantém em quatro formas: os casamentos inter-raciais se dão na maioria das vezes entre os pobres; há uma distância social

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entre os brancos e negros na classe média, reforçando a hierarquia racial; a sociabilidade inter-racial varia de acordo com a região; e, apesar dos casamentos, ainda prevalece o racismo, onde a brancura é um bem valioso nas relações com o mercado (TELLES, 2003).

As divisões sociais no Brasil ainda controlam recursos que ocasionam em assimetrias de poder social e de oportunidades de vida. As divisões raciais têm grande influência nas diferenças de saúde, do adoecimento e do risco fatal. Quando associados com fatores socioeconômicos, essas disparidades ficam mais evidentes.

As categorias sociais dividem as pessoas em grupos que possuem recursos valiosos e os grupos que não tem o que reforça ainda mais a desigualdade entre os grupos. No caso da desigualdade racial, os brancos possuem mais vantagens acumuladas em sua fronteira (TILLY, 2006), desfavorecendo os não brancos. Essas vantagens não são expressas no sentido de que negros são mais predispostos a ficarem doentes que brancos, mas sim que os recursos que os brancos obtêm geram vantagens no tratamento e na percepção do estado de saúde.

As divisões raciais também afetam a distribuição de brancos e não brancos na estrutura de classes, influenciando a percepção de saúde. Como foi visto no presente estudo, os brancos ocupam as posições privilegiadas uma vez que detém ativos produtivos; consequentemente, os brancos também possuem melhor estado de saúde. Já os não brancos ocupam as posições mais desprivilegiadas de ativos e recursos e pior condição de saúde.

Relacionando classe social com gênero, as mulheres ocupam posições inferiores que a dos homens devido à divisão de gênero que ainda é muito presente na sociedade brasileira, que é capaz de trazer desvantagem na remuneração no mercado de trabalho e dificuldade no acesso a recursos e até mesmo na saúde, onde se encontram mais vulneráveis devido às conseqüências negativas que as divisões trazem.

No Brasil multicultural o preconceito e a intolerância ultrapassam limites. Quem mais sofre com a discriminação são os não brancos (negros e pardos). Os não brancos são estigmatizados, excluídos e discriminados. Os grupos brancos têm exercido dominantemente o poder de fazer designações raciais, organizar a vida social em termos raciais, e associar um valor inferior às demais categorias (SILVA, 2011). Este estudo buscou demonstrar o poder causal que raça exerce sobre a saúde e como os fatores socioeconômicos agem nesta desigualdade. Algumas observações são necessárias para uma melhor compreensão deste estudo. Primeiramente, é pertinente salientarmos que todas as tabelas demonstraram a desvantagem dos não brancos no que se refere à autoavaliação da saúde como não boa. Porém, os dados de duas tabelas merecem uma atenção especial, sendo estas as tabelas referentes às categorias de classe social e a educação.

Os dados da tabela 1 revelaram que as maiores porcentagens de quanto o grupo não branco têm a mais de saúde não boa em relação ao grupo branco ocorrem entre as categorias de classe mais privilegiadas. Entre os homens as maiores diferenças entre estes grupos ocorrem entre os especialistas autônomos com 64,24% e os capitalistas com 63,23%. Tal diferença torna-se mais significativa entre as mulheres, principalmente, nas categorias de capitalistas com 133,53% e especialista autônomo com 102,71%. Esta tabela também nos revelou que as mulheres negras pertencente a uma das classes menos favorecidas, por exemplo, apresenta pior estado de saúde que uma mulher negra de uma classe com maiores vantagens material. Porém é pertinente ressaltarmos que as pessoas que estão em uma mesma categoria de classe estão sujeitas as mesmas condições materiais, mas por outro lado a sua cor tem gerado efeitos significativos na saúde tanto de homens quanto de mulheres.

Já os dados da tabela 5 revelaram que os maiores índices de saúde não boa ocorrem entre aqueles que não possuem instrução tanto entre homens quanto entre mulheres. Já os menores índices ocorrem entre aqueles que possuem ensino superior. Se observarmos a porcentagem de quanto o grupo não branco tem a mais de saúde não boa em relação ao grupo

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branco percebemos que as maiores diferenças ocorrem entre aqueles que ainda cursam ou já concluíram o ensino superior. Nesta tabela também está demonstrado que os não brancos são os que se encontram em maior desvantagem. A porcentagem total (não diferenciada) de quanto o grupo não branco tem a mais de saúde não boa em relação ao grupo branco nos revelou que entre os homens esta diferença chega a 35,09% e entre as mulheres a 43,83%. Tais resultados deixaram bem claros e especificados a importância da questão racial dentro da desigualdade em saúde.

Este estudo demonstrou que brancos e não brancos ocupam lugares desiguais nas redes sociais e trazem consigo experiências também desiguais, o que acaba influenciando em todos os setores de suas vidas, até mesmo em suas saúdes.

Também é importante ressaltarmos que os importantes atores na determinação das fronteiras sociais são os Estados, pois são guiados por variáveis como a política, as elites, as ideologias populares e as identidades. Mas eles também são os grandes atores capazes de reduzir a desigualdade. Os investimentos em educação, principalmente na educação de base, são necessários para diminuir os efeitos das disparidades sociais, já que é um dos responsáveis pela reprodução da desigualdade. Assim eliminaria ou igualaria a competição pelo ensino superior, em que todos teriam iguais chances para entrar numa universidade pública de qualidade.

Além dos investimentos em educação, é preciso que o governo incentive a divulgação de estudos feitos em universidades. Como vimos, o conhecimento e a informação, que muitas vezes são restritos a maioria da população, são importantes fatores que contribuem na melhora no estado de saúde das pessoas e no acesso a recursos valiosos.

Os recursos públicos ainda são restringidos a uma parcela grande da população. Como exemplo, vimos que a distribuição do plano de saúde ainda é pouca e que os trabalhadores destituídos não os desfrutam para melhorar a condição de saúde. Para amenizar a desigualdade em saúde. Esses recursos devem ser distribuídos de forma heterogênea para recompensar a diferença existente entre as classes, criando assim políticas de equidade eficientes, priorizando os que mais necessitam.

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