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Implantação de pacemakers em animais de companhia

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Academic year: 2021

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Implantação de Pacemakers em Animais de Companhia

Dissertação de Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Candidata: Mariana Correia Conceição

Orientador: Professor Doutor Luís Miguel Viana Maltez da Costa

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seguir os meus instintos e aceitar o desafio de trabalhar comigo numa dissertação de mestrado menos cirúrgica do que a que lhe tinha prometido.

À Universidade da California, Davis, por me proporcionar um período de estágio inesquecível e me demonstrar o nível de excelência que a Medicina Veterinária pode atingir. A Judy Wall, organizadora incansável de um estágio que mudou a minha vida. Aos alunos da turma de 2015, por me ensinarem os ins and outs do Hospital Universitário de Pequenos Animais e me integrarem num grupo brilhante de futuros veterinários. Aos Doutores Lance Visser, Joshua Stern, Satoko Nishimura e Catherine Gunther-Harrington do serviço de Cardiologia, que me fizeram finalmente compreender a lógica e beleza do sistema cardiovascular. Ao Doutor William Culp pelo caso da Sophie e discussão que se seguiu, que determinaram num dia o rumo desta dissertação. A todos os incansáveis médicos e técnicos veterinários da instituição, demasiados para nomear, por falarem comigo de igual para igual e por partilharem comigo um pedaço do seu mundo. E a Pamela Mainini por me dar uma casa-fora-de-casa em Davis.

À minha família, por me apoiar em todas as fases do processo. À minha mãe por me ouvir mesmo quando foi difícil, ao meu pai por ler mais sobre pacemakers do que devia ser autorizado a qualquer pai, e à minha irmã pela paciência em todos os momentos de dúvida e frustração. À Devi e ao Risquinhas, os gatos do meu coração que sempre me distrairam quando precisei, ao mesmo tempo que me relembravam porque quis ser veterinária. Não teria acabado este trabalho sem vocês.

Aos meus amigos pelo mundo fora que acompanharam esta minha aventura. Um abraço especialmente apertado à Babi e à Tess, por terem estado lá para mim desde sempre, e à Erin, Maria, Thalia e Taoufiq, que é como se tivessem estado.

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pré-determinado, aplicado primariamente no tratamento de bradiarritmias cardíacas sintomáticas, com elevado grau de sucesso. O objectivo principal deste trabalho foi descrever e discutir dois casos clínicos de bloqueio atrioventricular de terceiro grau recolhidos durante o período de estágio curricular efectuado na Universidade da California, Davis, nos quais foi implantado um pacemaker definitivo, suportados por uma revisão bibliográfica do estado da arte, e reflectir sobre o papel do pacemaker na clínica de pequenos animais desde a sua transposição da Medicina Humana para Medicina Veterinária, em 1967, até à actualidade. A revisão bibliográfica permite destacar as situações comuns em que este é indicado para pequenos animais, com especial atenção à caracterização do bloqueio atrioventricular, doença do nodo sinusal e miopatria atrial, bem como as diferentes técnicas de colocação dos dispositivos de pacing com o intuito de tratar essas mesmas doenças. Especificamente nos casos contidos neste trabalho, estes receberam inicialmente um pacemaker temporário e depois um sistema definitivo em modo VVIR. Num dos casos, o elétrodo foi colocado através da jugular por método transvascular e no outro de forma transdiafragmática a partir de uma laparotomia cranial; ambos permitem ilustrar o processo de decisão quanto ao tipo de pacemaker e técnica de implantação a utilizar. A interpretação destes casos à luz dos conhecimentos teóricos e práticos adequiridos durante a elaboração deste trabalho permitiu concluir que a familiarização do médico veterinário com as doenças bradioarrítmicas do cão e do gato é uma competência essencial. Com o diagnóstico adequado destas condições e a implantação de um pacemaker por equipas treinadas nas técnicas cirúrgicas existentes, é possível resolver a sintomatologia clínica, reduzindo substancialmente o risco de morte súbita e melhorando a qualidade de vida destes animais.

Palavras-chave: pacemaker, transvascular, epicardial, bloqueio atrioventricular, doença do nodo

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determined rate, used primarily in the treatment of symptomatic bradiarrhythmias, to great success. The main goal of this dissertation was to describe and discuss two clinical cases of third-degree atrioventricular block seen at the University of California, Davis, which received a permanent pacemaker, supported by a revision of the recent literature on the state of the art, as well as to reflect on the role of pacemakers in small animal practice, from its jump from Human Medicine over to Veterinary Medicine, back in 1967, to present day. This literature revision highlights the most common indications for its placement in small animals, with particular emphasis on the characterization of heart block, sick sinus syndrome and silent atrium, in addition to the various methods for implantation of pacing devices with the goal of treating said deseases. The cases described in this work received a temporary pacemaker, followed by the placement of a permanent device in VVIR mode. In one of the cases, the electrode was placed transvenously through the jugular vein, whereas in the other this component was placed using the transdiaphragmatic approach following a cranial laparotomy; both cases illustrate the decision-making process regarding the type of pacemaker system and best surgical technique. The discussion of these cases in light of the theoretical and practical knowledge acquired in the making of this work lead me to conclude that a good level of familiarity with regards to the bardiarrhythic conditions of the dog and cat is an essencial work skill for a veterinarian. A quick diagnosis and the implantation of a pacemaker by teams experienced in the existing surgical techniques allow for the the resolution of associated clinical signs, therefore markedly reducing the risk of sudden death and improving the quality of life for these patients.

Key words: pacemaker, transvenous, epicardial, atrioventricular block, sick sinus syndrome, silent

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Resumo ... v

Abstract ... vi

Índice de Figuras ... xii

Índice de Tabelas ... xii

Lista de Abreviaturas e Siglas ... xiii

I. REVISÃO BILIOGRÁFICA ... 1

1. Métodos de Pesquisa ... 1

2. Contexto Histórico ... 1

3. O Pacemaker – Definições e Funcionamento ... 5

3.1. O Gerador ... 6

3.2. Os Eléctrodos ... 8

3.3. Programação ... 10

3.3.1. Pacing Não-Fisiológico ... 11

3.3.1.1. Ventricular Inhibited Fixed-Rate Pacing (VVI) ... 11

3.3.1.2. Ventricular Inhibited Rate-Responsive Pacing (VVIR) ... 11

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3.3.2.2. Atrial Synchronous Ventricular Pacing (VDD) ... 13

3.3.2.3. Atrial Inhibited Fixed-Rate Pacing (AAI) e Atrial Inhibited Rate-Responsive Pacing (AAIR) ... 13

4. Indicacões em Medicina Veterinária ... 13

4.1. O Caso do Cão ... 14

4.1.1. Bloqueio Atrioventricular ... 17

4.1.2. Disfunção do Nodo Sinusal (Sick Sinus Syndrome) ... 20

4.1.3. Miopatia Atrial (Átrio Silencioso) ... 22

4.1.4. Outras indicações ... 24 4.2. O Caso do Gato ... 25 5. Procedimento cirúrgico ... 27 5.1. Avaliação Pré-Cirúrgica ... 27 5.2. O Protocolo Anestésico ... 28 5.2.1. Antibioterapia no Peri-Operatório ... 32 5.3. O Pacemaker Temporário ... 32 5.3.1. Técnica Transvascular ... 33 5.3.2. Técnica Transtorácica ... 34

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ix 5.4.1. Técnica Transvascular ... 38 5.4.2. Técnica Transdiafragmática ... 41 5.4.3. Técnica Transtorácica ... 42 5.4.4. Técnica Transxifóide ... 43 5.5. Monitorização Pós-Cirúrgica ... 44 6. Prognóstico ... 46 7. Complicações ... 48 7.1. Complicações Maiores ... 50

7.1.1. Alteração das Funções do Pacemaker ... 50

7.1.2. Deslocação do Elétrodo ... 51 7.1.3. Perfuração Cardíaca ... 52 7.1.4. Infeção ... 53 7.1.5. Paragem Cardíaca ... 54 7.1.6. Morte ... 55 7.1.7. Pneumotórax e Quilotórax ... 55

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7.1.11. Complicações Valvulares ... 57

7.1.12. Mobilidade do Gerador ... 57

7.1.13. Síndrome de Twiddler ... 58

7.1.14. Deiscência das Incisões e Erosão Cutânea ... 58

7.2. Complicações Menores ... 58

7.2.1. Seroma e Hematoma ... 58

7.2.2. Arritmias ... 59

7.2.3. Estimulação Muscular ... 60

8. Reavaliação ... 60

II. DESCRIÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS ... 63

1. Considerações Gerais ... 63

2. Caso Clínico 1 – Pacemaker endocardial por técnica transvascular ... 63

2.1. Identificação do Animal ... 63

2.2. História Clínica ... 64

2.3. Exame Físico ... 65

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2.7. Tratamento Cirúrgico ... 66

2.8. Acompanhamento Pós-Cirúrgico ... 68

3. Caso Clínico 2 – Pacemaker epicardial por acesso transdiafragmático ... 69

3.1. Identificação do Animal ... 69 3.2. História Clínica ... 69 3.3. Exame Físico ... 70 3.4. Lista de Problemas ... 71 3.5. Exames Complementares ... 71 3.6. Diagnóstico ... 72 3.7. Tratamento Cirúrgico ... 72 3.8. Acompanhamento Pós-Cirúrgico ... 75 III. DISCUSSÃO ... 79 IV. CONCLUSÃO ... 87 Bibliografia ... 89 Anexos ... 103

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Figura 2 – Tipos de elétrodos. ... 8

Figura 3 – Esquema de funcionamento de um pacemaker temporário transtorácico ... 35

Figura 4 – Estiletes para introdução de elétrodos endocardiais ... 39

Figura 5 – Introdução de um elétrodo epicardial com fixação activa utilizando a técnica transtorácica. ... 43

Figura 6 – Radiografias torácicas ilustrando a correta localização do elétrodo e gerador de um pacemaker após implantação pela técnica transvascular. ... 45

Figura 7: Interrogador/programador utilizado para ler e alterar os parâmetros específicos de um pacemaker ... 62

Figura 8 – Laparotomia e esplenectomia. ... 73

Figura 9 – Implantação do pacemaker pela técnica transdiafragmática. ... 74

Índice de Tabelas

Tabela 1 – Etiologias referidas na literatura para o bloqueio atrioventricular ... 18

Tabela 2 – Agentes sedativos, anestésicos e analgésicos e combinações referidas na literatura para pré-medicação, indução e manutenção para um caso de implantação de pacemaker ... 29

Tabela 3 – Parâmetros do pacemaker do Skip durante a sua hospitalização ... 67

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xiii AAIR – Atrial inhibited rate-responsive

pacing

ALT – Alanina aminotransferase ANP – Péptido natriurético atrial ASA – Sociedade Americana de Anestesiologistas

BPEC – Grupo Britânico para o Pacing e Electrofisiologia

bpm – Batimento por minuto

CanPacers – Companion Animal Pacemaker Registry and Repository

cm – Centímetro Co. – Companhia

DDD – Dual-chamber fixed-rate pacing DDDR – Dual-chamber rate-responsive pacing ECG – Electrocardiograma FA – Fosfatase alcalina Fr – French G – Gauge

HRS - Sociedade do Ritmo Cardíaco Inc. – Companhia incorporada

kg – Kilograma mA – Miliampere

mg/kg – Miligrama por kilograma mm – Milímetro

ms – Milisegundo mV - Milivolt

NASPE - Sociedade Norte Americana para o Pacing e Electrofisiologia

NBG – Código Genérico NASPE/BPEC V – Volt

VDD – Atrial synchronous vetricular pacing VS-1 – Voluntary Standard 1

VVI – Ventricular inhibited fixed-rate pacing VVIR – Ventricular inhibited

rate-responsive pacing Ω – Ohm ½ – Metade ⅓ – Um terço % – Percentagem ® – Marca registada

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I. REVISÃO BILIOGRÁFICA 1. Métodos de Pesquisa

A pesquisa das publicações científicas para a revisão bibliográfica do tema “Pacemakers em Animais de Companhia” foi efetuada nos motores de busca de artigos científicos, nomeadamente PubMed e ScienceDirect, utilizando palavras-chave como “pacemaker”, “transvascular”, “epicárdico”, ‘transdiafragmático”, ‘toracotomia intercostal”, “temporário”, “permanente”, “VVI”, “VVIR”, “DDD”, ‘VDD”, “bloqueio átrio-ventricular”, “doença do nodo sinusal”, “sick sinus syndrome”, “átrio silencioso”, “cão” e “gato”. As mesmas palavras-chave foram pesquisadas na língua inglesa. Os resultados foram selecionados segundo o conteúdo dos resumos dos artigos, com atenção especial aos estudos de revisão dos últimos 20 anos.

Estas publicações foram complementadas posteriormente com artigos assessórios a estas temáticas, de forma a completar informação especificamente sobre a história da electrocardiologia e as várias bradiarritmias descritas no capítulo 3 da parte I. Uma pesquisa compreensiva sobre estas temáticas encontra-se fora do enquadramento da presente dissertação de Mestrado.

2. Contexto Histórico

O conhecimento de que o coração tem propriedades bioelétricas remonta aos inícios da eletrofisiologia (Lüderitz, 2009). As primeiras publicações conhecidas que aludem à possibilidade de modular a atividade cardíaca por esta via datam do meio do século XVII, conhecimento solidificado posteriormente na teoria integrada de John MacWilliam sobre o ritmo cardíaco, em 1889 (Aquilina, 2006).

À primeira vista é, talvez, algo surpreendente que o salto para a electrocardiologia clínica só tenha sido possível no século XX. No entanto, a história do pacemaker tem de ser interpretada à luz da grande complexidade dos seus vários componentes. Para compreender o processo do qual resultou a sua invenção nos anos 20, é necessário ter uma perspetiva conjunta da Medicina com

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outras áreas do conhecimento científico, nomeadamente da Física nos domínios da eletricidade e magnetismo, que sofreram grandes avanços nos séculos XVIII e XIX.

Para tal, foram importantes não só os estudos experimentais das propriedades intrínsecas do tecido muscular, particularmente a famosa demonstração destas em músculo de sapo por Luis Galvani no século XVIII (Verkhratsky et al., 2006), mas também a documentação dos fenómenos arrítmicos e sincopais ao longo dos séculos XVIII e XIX, em paralelo com o avanço da eletrocardiografia (Lüderitz, 2009). Entretanto, inúmeros médicos experimentavam aplicar a eletricidade empiricamente na abordagem a diversas doenças cardíacas, com um grau de sucesso muito variável (Aquilina, 2006).

A Revolução Francesa contribuiu de forma bizarra para o conhecimento médico durante os séculos XVIII e XIX, ao permitir a utilização dos cadáveres decapitados para experimentação (Ward et al., 2013). Desta forma, entre outras teorias, foi possível demonstrar a estimulação ritmada de contrações cardíacas via estímulo elétrico, mesmo após o cessar total da atividade intrínseca do coração (Aquilina, 2006). No mesmo século, Volta inventava a primeira bateria elétrica, um avanço tecnológico que seria mais tarde fulcral para a conceptualização do pacemaker permanente (Verkhratsky et al., 2006). Estavam, assim, estabelecidas as bases para o primeiro pacemaker. Dois médicos dividem o título de inventores do mesmo – Mark Lidwell e Albert Hyman – devido às suas criações individuais, mas quase simultâneas, no início do século XX (Ward et al., 2013). Estes pacemakers rudimentares, compostos por uma agulha inserida numa câmara cardíaca e ligada a um gerador de corrente externo não portátil, não obtiveram bons resultados, e encontraram muita oposição quando apresentados à comunidade científica dos anos 20, confrontada com a dicotomia entre o novo conhecimento científico e o prolongamento externo, anti-natura, da vida (Aquilina, 2006).

Três décadas depois, e em grande parte devido à invenção do transístor em 1947, iniciou-se a época dourada do pacemaker, na qual iniciou-se realizaram os maiores avanços tecnológicos (Ward et al., 2013). Em 1952, Paul Zoll criou o Electrodyne PM-65, um pacemaker externo baseado num estimulador para fins laboratoriais da empresa Grass Manufacturing Co., que tinha de ser transportado com o doente e ligado à corrente externa (Aquilina, 2006). A sua aplicação foi

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sucedida, apesar da dor e irritação devido à presença de elétrodos extra-torácicos pelos quais era conduzida a corrente (Ward et al., 2013). Em 1957, a pedido do cirurgião Walton Lillehei, a Medtronic Inc.. desenvolveu um pacemaker cujo gerador funcionava a bateria e podia ser transportado ao pescoço; este foi implantado com sucesso no ano seguinte numa rapariga de 3 anos com bloqueio sino-atrial secundário a uma cirurgia cardíaca prévia para correção de Tetralogia de Fallot (Aquilina, 2006). O primeiro pacemaker implantável apareceu no ano seguinte, às mãos do cirurgião Ake Sennin e do físico Rune Elmqvist, cuja pesquisa se focara até então em desfibriladores (Aquilina, 2006). A primeira implantação com sucesso foi feita via toracotomia esquerda, utilizando dois elétrodos suturados ao miocárdio, e o gerador implantado na parede abdominal (Aquilina, 2006). O primeiro implante deixou de funcionar horas depois, mas foi substituído por um segundo, que funcionou corretamente por vários dias (Lüderitz, 2003). Em 1960, o trabalho comum do engenheiro elétrico Wilson Greatbatch e dos cirurgiões William Chardack e Andrew Gage, resultaram no primeiro caso de correção duradoura de bloqueio cardíaco via pacemaker (Lüderitz, 2003). O doente, um homem de 77 anos, viveu mais de dois anos pós-cirurgia, recebendo um total de 27 pacemakers durante este período (Lüderitz, 2003), falecendo posteriormente devido a uma doença não-cardíaca (Aquilina, 2006). Após afinada, esta tecnologia foi comercializada como o pacemaker de Chardack-Greatbatch, produzido pela Medtronic Inc.. Greatbach continuou a sua pesquisa nesta área, tornando-se também o inventor e impulsionador da bateria de lítio-iodo, que diminuiu a incidência de falhas associadas à corrosão de dispositivos implantáveis secundária às baterias de mercúrio, causando uma revolução no mercado (Aquilina, 2006).

Na mesma altura em que na Suécia aparecia o pacemaker de Chardack-Gage-Greatbatch, em Birmingham surgiam os pacemakers de indução, com taxas de sobrevivência de mais de 10 anos. Nestes, a bobine e a bateria eram externas, comunicando por indução à distância com uma antena e um elétrodo suturado ao miocárdio. Este mecanismo de funcionamento permitia manter os componentes elétricos fora do corpo do doente, sendo considerados menos falíveis. No entanto, após remoção da bobine externa, nomeadamente durante o banho, decorria necessariamente a disrupção do ritmo cardíaco, predispondo a bradicardia ou síncope. Apesar da sua grande

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popularidade, estes foram lentamente substituídos por pacemakers internos, à medida que os componentes elétricos internos foram melhorados (Aquilina, 2006).

O desenvolvimento da técnica de implantação de um pacemaker permanente por via transvenosa, e sua utilização com sucesso num paciente Humano em 1962, é sem dúvida um dos maiores marcos na história da Cardiologia (Ward et al., 2013). Esta proporcionava uma alternativa pouco invasiva ao método até então utilizado, reduzindo o risco de complicações e a necessidade de anestesia geral. Graças às equipas de Parsonnet, nos Estados Unidos, e Ekstrom, na Suécia, que descreveram a técnica, já se tinha tornado o método de eleição e substituindo a toracotomia a meio da década de 60 (Lüderitz, 2003). Este tipo de cirurgia interventiva permanece, desde então, o método de eleição, sendo constantemente atualizada em função dos mais recentes avanços científicos e encontrando-se atualmente ligada à cirurgia interventiva com imagem em tempo real, devido ao surgimento da fluoroscopia (Schueler, 2000).

Seguiram-se pequenas, mas importantes, alterações ao dispositivo implantado, motivadas pelo rápido desenvolvimento das engenharias elétrica e eletrónica. É o caso do uso de titânio para o revestimento dos circuitos elétricos, da radiofrequência na programação à distância do pacemaker, sem requerer nova intervenção cirúrgica, da inclusão de um microprocessador no gerador (Ward et al., 2013) e do aparecimento de sensores que permitiam não só registar a atividade intrínseca cardíaca, mas também modular o ritmo em resposta às necessidades do doente durante o dia, aumentando a tolerância a esforços físicos (Lüderitz, 2003). O reconhecimento dos benefícios da eletroterapia permitiu ainda a transposição para ramos da Medicina distantes da doença cardíaca, como o controlo da dor e doenças degenerativas (Aquilina, 2006).

O envolvimento da Medicina Veterinária na história do pacemaker iniciou-se relativamente cedo. Inúmeros avanços nos diversos ramos da Medicina Humana dependeram da utilização de modelos animais, como seja o caso das experiências de MacWilliam em gato (Rosen et al., 2008) e as demonstrações de Aldini acerca dos efeitos benéficos da corrente elétrica em casos de síncope canina, no século XIX (Aquilina, 2006). O electroestimulador de Grass foi testado em corações de animais nos quais tinha sido induzido bloqueio cardíaco, e mesmo Greatbatch demonstrou as potencialidades da sua descoberta em 1959 em cão, aos cirurgiões que o aplicaram posteriormente

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em pacientes Humanos (Aquilina, 2006). Apesar desta ligação, só em 1967 a técnica foi utilizada em cão, não como modelo, mas como tratamento (Buchanan, 2003). Seguiu-se a transposição para a Medicina Veterinária da implantação por via transvascular em 1976 (Wess et al., 2006), mais de uma década depois do seu comprovado sucesso em Medicina Humana. Em 1985, foi implantado o primeiro pacemaker num gato (Petrie, 2005).

Atualmente, o pacemaker tornou-se prática comum no maneio clínico de determinadas doenças cardíacas, tanto na Medicina Humana como na Medicina Veterinária, nomeadamente em Hospitais Veterinários de Referência ou Universitários (Oyama et al., 2001).

Tem também visto aplicação ao nível da investigação científica, onde tem sido utilizado para induzir insuficiência cardíaca em modelos experimentais, de modo a permitir o estudo aprofundado desta doença cardíaca, suas implicações hemodinâmicas e o progresso dos métodos de diagnóstico, como seja o caso do artigo publicado em 2008 por Schober et al., estimando pressões de enchimento do ventrículo esquerdo via ecocardiografia (Schober et al., 2008).

3. O Pacemaker – Definições e Funcionamento

Para efeitos da presente dissertação de mestrado, define-se pacemaker artificial como um dispositivo eletrónico médico implantável, capaz de monitorizar e, quando necessário, alterar e estabilizar o ritmo cardíaco através de despolarizações cardíacas artificialmente induzidas a intervalos semelhantes ao ritmo fisiológico espectável. Apesar de John MacWilliam ter descrito a “aplicação de eletricidade para induzir contrações rítmicas…e diretamente estimular a ação de um coração fraco ou interrompido em diástole” (Aquilina, 2006), o termo pacemaker foi introduzido e popularizado por Albert Hyman que o utilizou como nome da sua invenção (Rosen et al., 2008).

O pacemaker é um circuito elétrico fechado, composto por dois elementos principais: o gerador de impulso, e o elétrodo, também chamado eletrocatéter, que faz a ligação entre este e o miocárdio (Wess et al., 2006). Em Medicina Veterinária, o sistema mais comum utiliza apenas um elétrodo, sendo denominado de pacemaker de câmara única, no ventrículo direito. A técnica alternativa, um pacemaker de dupla câmara, com um elétrodo no ventrículo e outro no átrio,

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encontra-se descrita em cão, experimentalmente, para pacientes com bloqueio atrioventricular (Hildebrandt et al., 2009) e disfunção do nodo sinusal (Burrage, 2012).

Os elétrodos atuais têm sensores que lhes conferem a capacidade de recolher informação essencial para que o gerador adapte o seu funcionamento, em tempo real, à atividade do miocárdio. Por sua vez, o gerador é responsável por gerar o impulso elétrico propriamente dito, que é conduzido até ao músculo cardíaco novamente pelo elétrodo, estimulando uma contração cardíaca (Oyama et al., 2001; Petrie, 2005). Este ciclo repete-se a uma frequência cardíaca pré-determinada, de forma semelhante ao marca-passo intrínseco de um coração normal.

3.1. O Gerador

O gerador (Figura 1) constitui o verdadeiro centro de controlo do pacemaker, sendo responsável por processar e armazenar a informação captada pelos sensores e, dependendo do modo como foi programado, modular a sua atividade marca-passo às necessidades do paciente. O gerador pode ser subdividido em microprocessador, fonte de energia e sensores responsivos ao ritmo cardíaco (Coleman et al., 2012). As baterias de uso médico atuais são de iodeto de lítio (Petrie, 2005), tendo um tempo de vida aproximado entre 8 e 12 anos (MacPhail, 2013).

Figura 1 – Gerador de pacemaker de câmara única (esquerda) e dupla câmara (direita) Fonte: St. Jude Medical® (www.sjmglobal.com)

Para além destes componentes básicos, os pacemakers incluem elementos que lhes permitem ser implantes mais versáteis, nomeadamente a possibilidade de comunicação com um

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programa externo, para verificação e potencial reprogramação do mesmo pós-introdução (Coleman et al., 2012), e um mecanismo de segurança que, ao ser ativado, o reverte às definições originais (Petrie, 2005). Todos os constituintes do gerador estão contidos dentro de uma caixa protetora de titânio revestido por resina de poliepóxido (Coleman et al., 2012), que lhes confere maior resistência e durabilidade.

Há três origens descritas para os geradores implantados em animais de companhia. Inicialmente, os pacemakers eram recuperados de dadores humanos após a sua morte, à semelhança do primeiro pacemaker colocado num cão (Buchanan, 2003). Seguidamente, foram implantados modelos novos dos pacemakers desenhados para uso em doentes Humanos (Moïse & Estrada, 2002). Estas duas fontes correspondem à grande maioria dos equipamentos implantados até à data em animais (Johnson et al., 2007; Wess et al., 2006). Com o aumento do número de equipas com diplomados dos Colégios de Cardiologia em anos recentes, Portugal reflete esta tendência para a utilização de pacemakers novos (Veterinária Atual, 2010). Finalmente, apesar de mais caros, existem já alguns fabricantes com modelos desenhados especificamente para animais, como a Dextronic (Dextronic, 2014).

Para efeitos de enquadramento dos casos contidos na presente dissertação de Mestrado, é importante saber que, nos Estados Unidos, existe desde 1990 a CanPacers (Companion Animal Pacemaker Registry and Repository), uma instituição sem fins lucrativos fundada pelo Colégio Americano de Cardiologia Veterinária, responsável pela recolha e distribuição de pacemakers doados pelos fabricantes, entre eles a Guidant Co., Medtronic Inc. e St. Jude Medical Inc., bem como pela manutenção de uma base de dados dos implantes a nível nacional. Os lucros da venda destes equipamentos aos centros de referência capazes de os implantar revertem a favor da investigação científica na área da Cardiologia (CanPacers, 2016). O maior estudo retrospetivo até à data nos Estados Unidos, por Oyama et al., nasceu da informação obtida desta base de dados (Oyama et al., 2001). Actualmente, a CanPacers distribui apenas dispositivos que não foram previamente utilizados (Wess et al., 2006).

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3.2. Os Eléctrodos

Constitui um elétrodo qualquer cabo com propriedades de condução elétrica que liga o gerador ao músculo cardíaco. Os elétrodos têm função dupla, tanto aferente como eferente, considerando-se, para fins teóricos, a transmissão de informação no sentido miocárdio-gerador a sua função sensitiva, e a transmissão do impulso elétrico no sentido inverso a sua função de electroestimulação ritmada, a que se dá o nome de pacing (Coleman et al., 2012). Alguns equipamentos incorporam corticosteróides na porção terminal do elétrodo, com o objetivo de minimizar a reação de corpo estranho no miocárdio, reduzindo desta forma a voltagem necessária para induzir uma contração das câmaras cardíacas (Forterre et al., 2001; Petrie, 2005).

O critério de escolha de um elétrodo depende da técnica cirúrgica, tipo de fixação, e polaridade. O comprimento, no domínio da Medicina Veterinária, não é critério de decisão, já que os elétrodos são mais compridos que o necessário para os pequenos animais, sendo o excesso enrolado e mantido com o gerador na bolsa subcutânea (Petrie, 2005).

Dependendo da técnica cirúrgica escolhida para o paciente, existem elétrodos para o epicárdio e endocárdio (Figura 2), sendo os endocardiais mais comuns, já que foram desenhados com o intuito de serem introduzidos pela técnica endovenosa (Petrie, 2005).

Figura 2 – Tipos de elétrodos.

A: Porção terminal de um elétrodo. B: Elétrodo endocardial de fixação activa. C: Elétrodo endocardial de fixação passiva. D: Elétrodo epicardial de fixação activa. E: Elétrodo epicardial de fixação passiva.

Adaptado de: Sorin Group® (http://www.livanova.sorin.com), Biotronik® (www.biotronik.com), St. Jude Medical® (www.sjmglobal.com) e Oscor® (http://www.oscor.com)

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Quanto ao tipo de fixação, esta pode ser ativa, através de uma ponta tipo parafuso que penetra o miocárdio, ou passiva, na qual o elétrodo não se encontra alojado intramuscularmente, utilizando as trabéculas ventriculares para ficar imóvel no caso dos endocardiais, ou suturas no caso dos epicardiais (Figura 2). A fixação ativa é mais rápida (MacPhail, 2013). O tipo de fixação eleito não tem impacto na incidência de migração do elétrodo (Oyama et al., 2001).

Quando à polaridade, existem sistemas unipolares e bipolares. Nos unipolares, o impulso elétrico passa desde o elétrodo, que funciona como cátodo, e o gerador, ou ânodo, pelos tecidos envolventes; já nos bipolares, existem dois polos no elétrodo, um cátodo e um ânodo, e o impulso é transmitido entre estes, de distal para proximal (Coleman et al., 2012; Petrie, 2005). Apesar dos elétrodos unipolares possuírem menor diâmetro e maior sensibilidade, os bipolares são utilizados preferencialmente, já que evitam a passagem do impulso por tecidos moles, resultando em contrações musculares e interferência (Petrie, 2005). Atualmente, já é possível fabricar elétrodos bipolares de diâmetro igual aos unipolares, pelo que os segundos caíram em desuso (James, 2007). Mesmo assim, os eléctrodos epicardiais são tendencialmente unipolares (MacPhail, 2013).

O elétrodo é conectado ao gerador através de um orifício com parafuso (Petrie, 2005). A porção do elétrodo que se articula com o gerador é a porção extravascular; a parte restante, a porção terminal, é intravascular (Coleman et al., 2012). A correta transmissão do impulso elétrico depende da interface entre os dois componentes principais de um pacemaker, pelo que é essencial que a porção extravascular de um elétrodo encaixe de forma estável e estanque na entrada do gerado. Pela parte dos fabricantes, esta é assegurada via construção das partes com um tamanho universal – IS-1, “International Standard 1” ou VS-1 “Voluntary Standard 1” – , permitindo a troca fácil de peças entre sistemas e substituição mais fácil de partes deficientes (Coleman et al., 2012; Petrie, 2005). Para além do encaixe mecânico, é importante referir que a polaridade do elétrodo tem de ser compatível com o gerador. Um gerador bipolar só permite a utilização de elétrodos com o mesmo tipo de polaridade; um gerador unipolar, por sua vez, aceita elétrodos unipolares e bipolares (Coleman et al., 2012).

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3.3. Programação

Cada gerador é programado individualmente, aquando do momento da implantação, com uma determinada frequência cardíaca artificial e amplitude para estimulação, podendo ser ajustado telemetricamente sempre que necessário (Wess et al., 2006). Estes valores encontram-se definidos no Anexo A e têm como objetivo simular um ritmo cardíaco que respeita os valores de referência para a espécie.

O modo de pacing é a parte do programa que determina em que câmara cardíaca e em que circunstâncias é gerado o impulso. O modo de pacing é de extrema importância, já que afeta a maneira como a condução cardíaca é efetuada entre câmaras. Assim, a escolha do modo adequado para cada animal vai depender da doença cardíaca diagnosticada, sendo necessário um estudo cardíaco prévio, recorrendo principalmente à electrocardiografia (Petrie, 2005) e a ecocardiografia com Doppler (Farrow, 2003).

De forma a estandardizar a terminologia para os modos, o Grupo Britânico para o Pacing e Electrofisiologia (BPEC) e a Sociedade Norte Americana para o Pacing e Electrofisiologia (NASPE) – agora chamada Sociedade do Ritmo Cardíaco (HRS) – criaram o código NBG, um código de 4 letras, aplicável à Medicina Humana e Veterinária. Este código encontra-se resumido no Anexo B. A primeira letra, diz respeito à câmara cardíaca estimulada (V para ventrículo, A para átrio ou D para ambos), a segunda à camara cardíaca cuja atividade é possível registar (V, A ou D), a terceira à resposta do programa à atividade registada (I para inibir, T para desencadear, D para ambos, O para nenhuma resposta), e a ultima letra é adicionada apenas em sistemas denominados responsivos, ou seja, que têm a capacidade de responder com ajustes de frequência (R) (Oyama et al., 2001). Os modos mais frequentemente utilizados são o modo VVI (Bulmer et al., 2006; Oyama et al., 2001; Sisson et al., 1991; Wess et al., 2006) e o modo VVIR (Bulmer et al., 2002; Ferasin et al., 2005; Hildebrandt et al., 2009).

Os modos de pacing podem ainda ser classificados em fisiológicos ou não fisiológicos, consoante permitem ou não a contração sincrónica entre átrios e ventrículos. No pacing não fisiológico, a despolarização começa nos ventrículos e encontra-se dissociada da dos átrios. Em

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humanos, está bem caracterizada uma síndrome secundária à dissociação atrioventricular, e apesar de raramente descrita, é espectável que esta síndrome de pacemaker encontre paralelo nos animais de companhia (Bulmer et al., 2002; Hildebrandt et al., 2009). Por oposição, sabe-se que em Humanos, os modos fisiológicos têm melhores resultados hemodinâmicos e menos complicações a longo prazo (Hildebrandt et al., 2009). São necessários estudos comparativos em Medicina Veterinária, mas tendo em conta a idade média dos animais que necessitam de implantação de pacemaker, poderá ser difícil avaliar o impacto da utilização de sistemas fisiológicos na qualidade de vida, já que os animais geriátricos poderão ter outras comorbilidades que afetem a tolerância ao exercício (Bulmer et al., 2002).

Tendo por base esta nomenclatura e o código NBG, segue-se uma descrição dos principais modos disponíveis e utilizados em Medicina Veterinária para pequenos animais.

3.3.1. Pacing Não-Fisiológico

3.3.1.1. Ventricular Inhibited Fixed-Rate Pacing (VVI)

O elétrodo está colocado no ventrículo direito. Quando se registam despolarizações ventriculares fisiológicas, o sistema está programado para não enviar um estímulo, ficando temporariamente inibido e permitindo ao coração controlar a sua própria atividade, retomando o pacing quando esta cessa (Oyama et al., 2001). Este sistema é programado com um ritmo cardíaco estático, não tendo capacidade de se adaptar às necessidades metabólicas do animal.

3.3.1.2. Ventricular Inhibited Rate-Responsive Pacing (VVIR)

Este modo é superior ao anterior, devido à característica adicional de ser responsivo (Hildebrandt et al., 2009). Para tal, está incluído um sensor de movimento, já que o aumento do movimento corresponde a um aumento das necessidades metabólicas e, consequentemente, da frequência cardíaca necessária a satisfazê-las. Desta forma, o pacemaker aumenta a frequência da sua estimulação com o aumento da atividade do doente, diminuindo a mesma em repouso (Oyama et al., 2001). Na prática, o grau de aumento do metabolismo devido ao exercício físico varia de forma individual, dependendo do porte do animal e aptidão do mesmo. Para encontrar o intervalo

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ótimo de frequência cardíaca para cada animal e evitar tanto a taquicardia como a intolerância a exercício associada a frequências sub-ótimas (Ferasin et al., 2005), recomenda-se fazer um estudo em movimento. Apesar de sensíveis e frequentemente utilizados, a utilização de sensores de movimento é limitada na medida em que não permite o ajuste a variações das necessidades metabólicas não atribuíveis à atividade física, como por exemplo o stress emocional. A alternativa seria a implementação de sistemas de sensor duplo, combinando este com um registo do intervalo QT, visto estar demonstrado que este diminui com o aumento da frequência cardíaca, sendo um indicador mais completo do aumento da taxa metabólica. É importante ter em conta que independentemente das vantagens de qualidade de vida associadas à modulação de ritmo, este modo de pacing não previne a dissociação atrioventricular (Hildebrandt et al., 2009). Apesar deste facto, o modo VVIR aparenta ter melhores resultados do que o modo fisiológico DDD para casos de disfunção ventricular (Farrow, 2003).

3.3.2. Pacing Fisiológico

3.3.2.1. Dual-chamber Fixed-Rate Pacing (DDD) e Dual Chamber Rate-Responsive Pacing (DDDR)

Este modo exige a implantação de um pacemaker de dupla câmara, com dois elétrodos, um no átrio direito e outro no ventrículo, ou três se o objetivo for estimular ambos os ventrículos (Genovese et al., 2013). Foi transposto a partir da Medicina Humana mas na prática ainda é raramente utilizado em Medicina Veterinária (Hildebrandt et al., 2009). O pacemaker consegue detetar e estimular tanto o átrio como o ventrículo, e a sua atividade pode ser inibida ou não quando há despolarizações espontâneas (Oyama et al., 2001), dependendo se a despolarização é completa e corresponde a um ciclo cardíaco normal, ou se a despolarização é anormal. Este modo respeita a sincronia atrioventricular, podendo ser benéfico para doenças do nodo sinusal ou casos de fibrilação atrial crónica (Farrow, 2003). No entanto, o modo DDD implica um procedimento mais longo, com maiores riscos de complicações, e programação mais complexa (Bulmer et al., 2002).

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3.3.2.2. Atrial Synchronous Ventricular Pacing (VDD)

Este sistema tem elétrodos atriais flutuantes em vez de fixos, sendo considerado um sistema de elétrodo único por esta razão (Genovese et al., 2013). Os sensores atriais detetam a despolarização atrial e, após uma pausa programada correspondente ao intervalo PR, o elétrodo ventricular desencadeia a despolarização desta câmara. Existem alguns estudos preliminares para utilização deste modo como uma alternativa ao modo DDD mas, como este, não é ainda prática comum (Bulmer et al., 2002; Hildebrandt et al., 2009). Relativamente ao DDD, os sistemas VDD aparentam ter menores taxas de complicação e um tempo de cirurgia menor, com a mesma sensibilidade de deteção da atividade atrial, mas só podem ser aplicados em animais com função normal no nodo sinusal e cujo porte permite a implantação do sistema (Wiegand et al., 1999). Um autor sugere que só serão viáveis em animais com mais de 10kg de peso vivo (Bulmer et al., 2002). O modo VDD resulta numa melhor função hemodinâmica comparativamente aos modos não-fisiológicos, verificando-se uma menor dilatação do átrio esquerdo e menores concentrações de ANP, norepinefrina e epinefrina circulantes do que os obtidos em modo VVI (Bulmer et al., 2006); no entanto, os benefícios deste modo não foram ainda estudados a longo prazo.

3.3.2.3. Atrial Inhibited Fixed-Rate Pacing (AAI) e Atrial Inhibited Rate-Responsive Pacing (AAIR)

Utilizado frequentemente pelos fabricantes nos testes de funcionamento dos pacemakers em cão, este tipo de pacing atrial foi proposto recentemente para casos em que o problema se encontra a nível do nodo sinusal, sem compromisso da condução atrioventricular (Burrage, 2012; Estrada et al., 2012). O estímulo é aplicado a nível da aurícula direita ou do lado direito do septo atrial, pelo que não permite a condução retrógrada, não-fisiológica, vista com sistemas de pacing ventricular (Estrada et al., 2012).

4. Indicacões em Medicina Veterinária

A implantação de pacemakers artificiais é o gold standard para o tratamento de bradiarritmias graves e não-responsivas ao tratamento farmacológico (Forterre et al., 2001;

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Johnson et al., 2007; Oyama et al., 2001; Sisson et al., 1991; Wess et al., 2006). Só o pacemaker permite a resolução dos sinais clínicos de bradiarritmias graves (Domenech et al., 2005), permitindo ainda reverter ou prevenir a insuficiência cardíaca congestiva secundária à bradicardia em animais sem doença cardíaca estrutural (Oyama et al., 2001; Wess et al., 2006). Os anti-arrítmicos, utilizados frequentemente no tratamento de arritmias ligeiras ou assintomáticas, são uma ferramenta útil a curto-prazo, nomeadamente até à intervenção cirúrgica, ou quando o pacing artificial não é possível, não sendo ideais a longo-prazo como terapia única (Petrie, 2005).

4.1. O Caso do Cão

A bradiarritmia que mais frequentemente requer intervenção cirúrgica é o bloqueio atrioventricular de segundo grau avançado e terceiro grau, compreendendo mais de metade dos casos descritos na literatura, seguida da disfunção do nodo sinusal e, mais raramente, do átrio silencioso (Bulmer et al., 2002; Domenech et al., 2005; Forterre et al., 2001; Hildebrandt et al., 2009; Johnson et al., 2007; Oyama et al., 2001; Sisson et al., 1991; Wess et al., 2006). Estas arritmias podem ser diagnosticadas através de um electrocardiograma em repouso, com a exceção de casos intermitentes que podem requerer um electrocardiograma ambulatório de 24 horas (Holter) ou a utilização de um monitor cardíaco implantável para gravar um evento sintomático observado, como uma síncope (Petrie, 2005).

A etiologia da arritmia raramente é identificável (Fonfara et al., 2010). No entanto, independentemente do fator que possa estar na causa da lesão inicial, este resulta histologicamente em fibrose, esteatose ou miocardite do tecido do esqueleto cardíaco, comprometendo a condução elétrica normal (Fonfara et al., 2010; Holland et al., 1991; Kaneshige, Machida, Nakao, et al., 2007; Kaneshige, Machida, Yamamoto, et al., 2007; Karim Jeraj et al., 1980).

Apesar de poderem ocorrer numa grande variedade de raças ou em animais sem raça determinada, estas bradicardias estão descritas quase exclusivamente em animais de raça pura e verifica-se uma associação entre raças específicas e determinados tipos de bradiarritmia, o que sugere uma componente genética (Fonfara et al., 2010; Wess et al., 2006). Segundo estudos retrospetivos nos Estados Unidos da América, aproximadamente metade da população com

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bradiarritmia é composta por cães das raças Schnauzer Miniatura, Cocker Spaniel Americano, Pastor Alemão, Labrador Retriever e West Highland White Terrier (Oyama et al., 2001; Wess et al., 2006). Na população do Reino Unido, num estudo equivalente, as raças mais representadas eram os Labradores, os Springer Spaniels e os West Highland White Terriers (Fonfara et al., 2010; Johnson et al., 2007). O facto dos estudos Americanos não apresentarem um número relevante de Springer Spaniels pode dever-se à menor popularidade da raça no país, ou a uma linhagem genética diferente, com um risco menor de desenvolver arritmias (Fonfara et al., 2010).

Baseado nos estudos retrospetivos, parece existir um maior número de fêmeas do que machos com bradiarritmias que requerem a implantação de um pacemaker, correspondendo de 55 a 61% dos casos descritos (Fonfara et al., 2010; Johnson et al., 2007; Oyama et al., 2001; Sisson et al., 1991; Visser et al., 2013; Wess et al., 2006). Excetua-se o estudo de Domenech et al. em Itália, no qual os machos representam 64% da amostra (Domenech et al., 2005). No entanto, os estudos retrospetivos não permitem ter em conta a proporção de fêmeas na população total de animais de companhia estudada. Este rácio pode também depender da proporção de bradiarritmias em cada amostra, tendo em conta que a disfunção do nodo sinusal é mais frequente em fêmeas (Oyama et al., 2001), e que não é conhecido atualmente o modo de heritabilidade nas raças em que se pressupõe uma componente genética para este problema.

A idade média dos animais que se apresentam como candidatos à implantação de um pacemaker encontra-se entre os 7 e os 10 anos de idade (Bulmer et al., 2006; Johnson et al., 2007; Oyama et al., 2001; Sisson et al., 1991; Visser et al., 2013; Wess et al., 2006). Desta idade pré-geriátrica a pré-geriátrica resulta necessariamente uma maior incidência de comorbilidades, como doenças endócrinas (Hildebrandt et al., 2009). As comorbilidades mais frequentes são do foro cardíaco, com ou sem sinais de insuficiência cardíaca congestiva, variando as incidências descritas entre 24% (Johnson et al., 2007) e 72% (Hildebrandt et al., 2009). A doença cardíaca concomitante mais frequente é a doença valvular crónica, chegando a representar 70% (Oyama et al., 2001) a 87% (Hildebrandt et al., 2009) dos animais com doenças cardíacas adicionais.

Apesar de atípicos, existem casos de cães tão jovens como 5 meses de idade (Oyama et al., 2001). Uma das causas possíveis para a apresentação de animais mais jovens é a miocardite

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infeciosa em animais com aptidão de desporto ou trabalho (Fonfara et al., 2010). No caso particular dos English Springer Spaniel, a idade de apresentação é mais precoce que nas outras raças, encontrando-se frequentemente abaixo dos 5 anos de idade, pelo que se suspeita de um mecanismo etiopatológico diferente, provavelmente hereditário (Fonfara et al., 2010). A literatura refere uma doença familiar denominada distrofia muscular atrioventricular, diagnosticada em animais com menos de 3 anos de idade, que conduz à fibrose progressiva do miocárdio, podendo manifestar-se como bradicardia, bloqueio atrioventricular de terceiro grau e mesmo progredir para átrio silencioso (Lai, 2009). Esta condição é rara, mas está descrita nesta raça, aliada a anemia e atrofia de múltiplos grupos musculares (Holland et al., 1991; Lai, 2009).

Aquando da apresentação ao médico veterinário cardiologista, os animais com bradicardias graves são quase sempre sintomáticos. Em mais de metade dos casos, os sinais clínicos têm uma história aguda, sendo que nos casos com história crónica, a consulta veterinária resulta do aumento da frequência dos episódios (Wess et al., 2006). Os estímulos iatrotrópicos mais frequentes são síncope – ocorrendo em metade a dois terços dos animais – e intolerância ao exercício, seguidos de letargia e sinais clínicos de insuficiência cardíaca congestiva, como sejam ascite ou edema pulmonar (Domenech et al., 2005; Johnson et al., 2007; Oyama et al., 2001; Wess et al., 2006). Síncope, e mais raramente sinais pré-sincopais como desorientação, ataxia e fraqueza (Johnson et al., 2007) são os sinais clínicos mais frequentes em animais com bradicardias paroxísticas ou intermitentes, devido à marcada variação na frequência cardíaca (Petrie, 2005). Intolerância ao exercício, letargia e insuficiência cardíaca congestiva são os sinais crónicos mais frequentes (Petrie, 2005). Ocasionalmente, as bradicardias crónicas resultam também em síncope, se houver um aumento brusco das necessidades metabólicas, como sejam um episódio de exercício físico. Nestes casos, não há uma diminuição brusca da frequência cardíaca, mas sim um aumento momentâneo do diferencial entre a frequência cardíaca necessária para suster a atividade do animal e a frequência cardíaca a que este se encontra (Petrie, 2005). Há ainda uma fração reduzida de animais que se apresenta assintomática à consulta, ou cujos sinais clínicos estão mascarados por outras doenças cardíacas (Wess et al., 2006).

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4.1.1. Bloqueio Atrioventricular

O bloqueio atrioventricular é a bradiarritmia mais comum no cão, ocorrendo numa maior variedade de raças do que a disfunção do nodo sinusal e o átrio silencioso, e também em animais sem raça determinada, de meia idade a geriátricos (Petrie, 2005).

Este distúrbio de condução define-se como uma alteração da passagem do impulso cardíaco pelo nodo atrioventricular devido a uma doença intrínseca do nodo atrioventricular, feixe de His ou sistema de Purkinje, resultando em arritmia (Santilli et al., 2015).

Pode ser primário, havendo uma predisposição racial para certas formas da doença – especificamente bloqueios de primeiro ou segundo grau em Cocker Spaniels, Dachshunds e braquicefálicos, de segundo ou terceiro grau em Pugs (Rapoport, 2011a) e de terceiro grau em Pastores Alemães e Labrador Retrievers (Hildebrandt et al., 2009; Johnson et al., 2007; Oyama et al., 2001; Wess et al., 2006) – ou uma consequência de inúmeros processos cardíacos ou sistémicos, sumariados na Tabela 1. A miocardite em cães é considerada rara (Fonfara et al., 2010), apesar da sua incidência exata ser desconhecida. Já no caso do Homem, a miocardite é responsável por 6% dos casos de bloqueio de terceiro grau, pelo que potencialmente esta etiologia tem sido subdiagnosticada em cães devido à falta de bons indicadores ante-mortem (Church et al., 2007). Mais frequentemente, o bloqueio atrioventricular é considerado idiopático, já que na maioria dos animais não chega a ser estabelecida uma causa concreta (Malik et al., 2003; Schuller et al., 2007).

Semelhantemente às outras arritmias, o bloqueio atrioventricular é diagnosticado tendo como base alterações do traçado eletrocardiográfico, segundo as quais é subdividido em três graus. O primeiro grau consiste apenas num atraso na passagem do impulso através do nodo atrioventricular (Kraus et al., 2008). Este é um achado médico sem relevância clínica, já que não provoca sintomatologia (Rapoport, 2011a). No segundo grau, existe uma interrupção ocasional da condução através do nodo, identificável pela ausência de complexos QRS após algumas ondas P (Kraus et al., 2008). O bloqueio atrioventricular de segundo grau é considerado avançado quando esta interrupção ocorre consecutivamente duas ou mais vezes (Petrie, 2005). No terceiro grau, o mais grave, há uma interrupção total da comunicação elétrica entre átrios e ventrículos, com o

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estabelecimento de um ritmo ventricular intrínseco de escape dissociado da despolarização ritmada dos átrios (Kraus et al., 2008). Esta dissociação atrioventricular é representada electrocardiograficamente por complexos QRS que não seguem consistentemente as ondas P, devido a serem gerados com uma frequência independente mais lenta (Rapoport, 2011a). Cerca de 44% dos cães com bloqueios atrioventriculares de segundo e terceiro grau são considerados pacemaker-dependentes, condição definida pelo ritmo ventricular de escape ser menor do que 30 batimentos por minuto (Santilli et al., 2015).

Tabela 1 – Etiologias referidas na literatura para o bloqueio atrioventricular

CAUSAS CARDÍACAS FONTE

Miocardite bacteriana

Borrelia burgdorferi (Doença de

Lyme) (Levy & Duray, 1988)

Bartonella spp. (Breitschwerdt et al., 1999; Chomel et al., 2001; Trafny et al., 2010)

Citrobacter koseri (Cassidy et al., 2002)

Rickettsia spp. (Tilley & Smith Jr., 2008)

Miocardite parasitária

Trypanosoma cruzi (Doença de

Chagas) (Caliari et al., 2002; Saunders et al., 2013)

Trichinella spiralis (Sleeper et al., 2006)

Miocardite Auto-imune

myasthenia gravis (Malik et al., 2003)

Lupos Eritematoso sistémico (Malik et al., 2003)

Miocardite de causa desconhecida (Church et al., 2007; Kaneshige, Machida, Nakao, et al., 2007)

Neoplasia Cardíaca

Quimiodectoma (Schuller et al., 2007)

Condrossarcoma (Dupuy-Mateos et al., 2008)

Leiomioma (Gallay et al., 2011)

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Degeneração do sistema de condução em cães geriátricos (Kaneshige, Machida, Yamamoto, et al., 2007)

Enfarte do miocárdio (Jaffe & Bolton, 1974)

Cardiomiopatia hipertrófica (Rapoport, 2011b)

Defeitos congénitos (ex. Defeito do Septo Ventricular, Persistência

da Veia Cava Cranial Esquerda) (Cunningham & Rush, 2007; Rapoport, 2011b)

CAUSAS EXTRACARDÍACAS FONTE

Traumatismo

(Abbott & King, 1993; Cunningham et

al., 2013; Nicholls & Watson, 1995;

Schober et al., 2008)

Intoxicação com Diltiazem (Cole & Drobatz, 2008; Syring et al., 2008) Intoxicação com Digitálicos (Cole & Drobatz, 2008)

Intoxicação com Beta-Adrenérgicos (Cole & Drobatz, 2008)

Hipocalemia (Musselman & Hartsfield, 1976)

Hipercalemia (Kraus et al., 2008; Rapoport, 2011b)

Hipotiroidismo (Panciera, 2001; Swinney & Malik, 1998)

Os animais com as formas mais leves da doença são geralmente assintomáticos, enquanto o segundo grau avançado e terceiro grau se traduzem quase sempre em intolerância ao exercício, fraqueza e síncope (Petrie, 2005; Santilli et al., 2015). O terceiro grau está associado a um elevado risco de morte súbita (Ferasin et al., 2005). Alguns casos podem ainda desenvolver sinais de insuficiência cardíaca congestiva secundária à bradicardia (Petrie, 2005).

A quase totalidade dos casos de bloqueios atrioventriculares de segundo grau avançado ou de terceiro grau necessitam de um pacemaker artificial permanente (Ferasin et al., 2005), já que a utilização de fármacos cronotrópicos se revela ineficaz (Rapoport, 2011a) e há a possibilidade de a doença ser progressiva (Santilli et al., 2015).

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No entanto, quando é possível identificar e tratar adequadamente a causa primária, alguns bloqueios são potencialmente reversíveis. É o caso de intoxicações com diltiazem refratárias ao tratamento médico (Syring et al., 2008), na qual se pode considerar a colocação de um pacemaker temporário. No caso da miocardite secundária à Doença de Lyme, alguns doentes humanos recebem pacemakers temporários, pelo que em teoria, um caso canino poderá ser abordado da mesma forma (Levy & Duray, 1988). De forma a identificar estes casos, é importante efetuar exames complementares após o diagnóstico eletrocardiográfico. Devido à dificuldade de diagnóstico de miocardites com os painéis de testes de rotina, um dos testes laboratoriais a considerar é a medição da troponina sérica, um biomarcador de lesão do músculo cardíaco, antes da colocação de um pacemaker definitivo (Church et al., 2007; Trafny et al., 2010).

O modo de pacing utilizado mais frequentemente até à data para estes casos é o VVIR (Ferasin et al., 2005) mas o modo ideal será um dos modos fisiológicos, que permita coordenar a estimulação ventricular com as despolarizações atriais do animal (Kraus et al., 2008). O prognóstico é bom a excelente tanto para as formas leves da doença como para as formas graves tratadas com pacemaker (Rapoport, 2011a)

4.1.2. Disfunção do Nodo Sinusal (Sick Sinus Syndrome)

A disfunção do nodo sinusal é uma doença primária do tecido de condução, afetando principalmente o nodo sinusal e o resto do sistema de condução em maior ou menor grau (Burrage, 2012). Encontra-se descrita apenas no Homem e no cão (Kavanagh, 2002) e traduz-se num conjunto de alterações eletrocardiográficas, combinando taquicardia sinusal, bradicardia sinusal e pausas sinusais (Petrie, 2005), com ou sem taquiarritmias supraventriculares compensatórias (Sisson et al., 1991). Frequentemente, existe em simultâneo uma depressão da atividade elétrica nos focos ectópicos, resultando em pausas sinusais longas sem ritmos de escape, ou seja, em assístole (Kavanagh, 2002), que pode durar vários segundos (James, 2007). Os episódios sintomáticos correspondem tipicamente aos períodos de cessação da atividade cardíaca (Petrie, 2005). A apresentação clínica depende do débito cardíaco, havendo um espectro de apresentações possíveis desde animais completamente assintomáticos a animais com síncopes recorrentes

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(Kavanagh, 2002). O risco de morte súbita parece ser reduzido para os animais com esta doença (Bulmer, 2011).

No cão, esta síndrome afeta quase exclusivamente Schnauzers Miniatura, Cocker Spaniels e West Highland White Terriers, suspeitando-se de uma componente genética (Johnson et al., 2007; Oyama et al., 2001; Sisson et al., 1991; Wess et al., 2006). Estes cães apresentam-se tipicamente após a meia-idade e parece existir uma maior incidência desta doença em fêmeas (Oyama et al., 2001). Outras raças são ocasionalmente diagnosticadas (Burrage, 2012; Kavanagh, 2002).

Apesar de caracterizada como idiopática, a patogénese desta doença é muito provavelmente multifatorial, incluindo fatores genéticos, degenerativos, imunitários, e eletrolíticos (Kavanagh, 2002). O diagnóstico implica a exclusão de outras causas cardíacas ou sistémicas de arritmia (Burrage, 2012), nomeadamente distúrbios metabólicos e eletrolíticos passíveis de diminuir a atividade do nodo sinusal (Bulmer, 2011).

A gravidade dos sinais clínicos, bem como o grau de bradicardia, condiciona a abordagem clínica ao caso. O tratamento de eleição para animais com manifestações clínicas da doença e animais assintomáticos com bradicardias graves é a implantação de um pacemaker (Kavanagh, 2002). Animais assintomáticos com bradicardias ligeiras devem ser seguidos regularmente utilizando eletrocardiogramas de rotina, e os proprietários ensinados a monitorizar o ritmo cardíaco do seu animal, bem como a detetar os sinais de progressão da doença (Burrage, 2012). Alguns animais nunca desenvolvem sintomatologia (Bulmer, 2011).

Há algumas considerações específicas a ter em conta na abordagem pré-cirúrgica a estes casos. A primeira prende-se com o facto de que a maior parte dos animais com doença do nodo sinusal não têm alterações na condução do nodo atrioventricular, ou seja, não têm em simultâneo um bloqueio atrioventricular (Estrada et al., 2012). Em teoria, esse facto permite a utilização do modo AAI, de forma a reduzir a condução retrógrada observada em sistemas não fisiológicos (Estrada et al., 2012; Genovese et al., 2013). No entanto, há alguma controvérsia em Medicina Humana quanto ao risco do desenvolvimento de bloqueios atrioventriculares após a implementação

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de pacemakers que induzem a contração atrial, pelo que as recomendações atuais em Medicina Veterinária dão preferência ao modo VVI ou VVIR (Estrada et al., 2012).

A segunda consideração é que, enquanto os animais com bloqueio atrioventricular e miopatia atrial são em grande parte pacemaker-dependentes, os animais com doença do nodo sinusal só utilizam o pacemaker como mecanismo sobressalente nos períodos em que o seu ritmo intrínseco falha, razão pela qual podem ser mantidos com menores frequências de estimulação cardíaca (Fonfara et al., 2010; James, 2007).

Terceiramente, as raças estão também predispostas ao desenvolvimento de doença valvular crónica (Estrada et al., 2012). Este facto reforça a necessidade de um estudo ecocardiográfico em qualquer candidato à implementação de um pacemaker artificial. Quando estas doenças se apresentam em conjunto, o proprietário deverá ser informado sobre a possibilidade de o seu animal necessitar simultaneamente de um pacemaker e de maneio farmacológico crónico (Atkins et al., 2009).

O prognóstico nos animais sintomáticos sujeitos à intervenção é bom, havendo resolução completa dos sinais clínicos e aumento da esperança de vida. Sem tratamento clínico, prevê-se um aumento progressivo dos sinais clínicos, bem como do risco de morte súbita (Burrage, 2012). Se a intervenção cirúrgica não for possível, o tratamento farmacológico com anticolinérgicos pode ser tentado para controlo da bradicardia; no entanto, a resposta é reduzida e inconsistente, pelo que o prognóstico com tratamento farmacológico é reservado (Kavanagh, 2002). Adicionalmente, a utilização de medicação para controlo de taquicardias supraventriculares pode agravar a bradicardia de base, pelo que não deve ser utilizada como terapia única (Burrage, 2012).

4.1.3. Miopatia Atrial (Átrio Silencioso)

A miopatia atrial, também referida na literatura como átrio silencioso ou pausa atrial persistente, é uma das formas possíveis de pausa atrial e como tal, caracteriza-se pela ausência de despolarização atrial, apesar do nodo sinusal estar funcional (Schmidt, 2011). Esta forma miopática é pouco comum e tem uma idade de aparecimento mais precoce do que as outras bradiarritmias

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(Sisson et al., 1991; Wess et al., 2006), tendo sido descrita maioritariamente em Springer Spaniel Inglês (Oyama et al., 2001).

Histologicamente, verifica-se fibrose progressiva do miocárdio a nível dos átrios e, por vezes, dos ventrículos, razão pela qual é considerada uma cardiomiopatia (Schmitt & Lefbom, 2016). Esta destruição dos miócitos atriais pode ser idiopática ou secundária a doenças cardíacas – entre elas a miocardite (Karim Jeraj et al., 1980) – e neuromusculares. A forma dos Springer Spaniels resulta de uma distrofia muscular primária (Tilley & Smith Jr., 2008).

Os cães com átrio silencioso apresentam sintomatologia típica de bradiarritmia, já definida anteriormente (Schmitt & Lefbom, 2016). A esta juntam-se frequentemente sinais da diminuição do débito cardíaco, para a qual contribuem vários mecanismos, conduzindo eventualmente a insuficiência cardíaca congestiva (MacAulay, 2002). A ascite parece ser mais comum neste tipo de distúrbio de condução do que as bradiarritmias previamente descritas que não resultam num compromisso severo das funções sistólica e diastólica (Gavaghan et al., 1999)

A electrocardiografia de qualquer tipo de pausa atrial revela bradicardia com um ritmo regular de escape e ausência total de ondas P (Schmidt, 2011). O diagnóstico da forma persistente é feito por exclusão das formas temporária – quando há hipercalemia, ou intoxicação por digitálicos ou por quinidina, enfarte, hipoxia e hipotermia – e terminal – quando se comprova a existência de hipercalemia grave ou como primeira fase da morte cardíaca (Gavaghan et al., 1999; MacAulay, 2002).

Testes complementares mais especializados permitem por vezes identificar a causa provável do processo degenerativo. É possível, por exemplo, tentar despistar doenças neuromusculares mediante a análise de biópsias musculares, ou tentar confirmar uma suspeita de um processo autoimune utilizando os títulos de anticorpos antinucleares; mas apesar dessas ferramentas, o diagnóstico definitivo pode só ser obtido aquando do exame post-mortem (MacAulay, 2002).

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Independentemente da causa, a miopatia atrial é irreversível e requer a implantação de um pacemaker, que aumenta eficazmente a frequência cardíaca e, consequentemente, o débito cardíaco (MacAulay, 2002). Apesar deste facto, o prognóstico a longo prazo é sempre considerado reservado, devido à sua natureza progressiva (Schmidt, 2011). A esperança de vida é muito menor do que para as outras bradiarritmias, tendo inclusive sido referidos tempos de sobrevivência após o diagnóstico tão curtos como 12 a 18 meses (MacAulay, 2002). Tradicionalmente, pensava-se que com a progressão da fibrose dos átrios para os ventrículos, poucos anos após a implantação de um pacemaker artificial a disfunção resultaria eventualmente na falha do pacemaker (Kraus et al., 2008). No entanto, estudos recentes descrevem uma maior esperança de vida com pacing artificial, atingindo estes animais entre os 7 e os 11 anos de idade (Schmitt & Lefbom, 2016; Thomason et al., 2016), pelo que é possível que o prognóstico seja melhor do que o previamente descrito. A aplicação de pacemakers DDD que permitam a contração sequencial das câmaras cardíacas e a combinação do pacing com terapia médica crónica para a insuficiência cardíaca pode melhorar o prognóstico. (Schmitt & Lefbom, 2016).

4.1.4. Outras indicações

Ocasionalmente são implantados pacemakers em cães com doenças cardíacas que não as bradiarritmias descritas previamente no presente capítulo. Estas aplicações médicas deste dispositivo são raras, mas é importante salientar as potencialidades terapêuticas do pacemaker noutras áreas da cardiologia atual ou futura. Para este efeito, segue-se uma pequena descrição das outras indicações médicas encontradas na literatura revista.

Apesar de descrita em menor grau, a síndrome vasovagal é a quarta indicação mais frequente para o pacing artificial, a seguir ao bloqueio atrioventricular, disfunção do nodo atrial e miopatia atrial (Visser et al., 2013). Também denominada síncope neurocardiogénica ou vasodepressora, é uma síncope característica dos animais de raça Boxer, que ocorre sempre após episódios característicos de excitação ou tosse (Johnson et al., 2007). Inicialmente, o animal pode ter um ritmo sinusal normal ou mesmo taquicardíaco, que é seguido por bradicardia ou hipotensão súbitas, levando à síncope, após a qual é recuperada a consciência e o ritmo sinusal (Johnson et al., 2007). A abordagem à maioria dos animais afetados por esta síndrome passa simplesmente pela

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redução dos estímulos conducentes aos episódios de síncope (Thomason et al., 2008). Para aqueles cães Boxer com síncopes frequentes, a implantação de um pacemaker pode ser recomendada (Thomason et al., 2008), apesar de não garantir a resolução completa dos sinais clínicos, particularmente se a síncope se registar devido a hipotensão e não a bradicardia (Johnson et al., 2007). A intervenção médico-cirúrgica pode ser particularmente vantajosa em casos em que a síncope neurocardiogénica coexiste com cardiomiopatia (Thomason et al., 2008). Alguns cães Doberman Pincher com cardiomiopatia parecem ter síncopes em tudo semelhantes às da síndrome vasovagal, e passíveis de ser tratadas da mesma forma (Calvert et al., 1996).

Numa tentativa de paralelizar a Medicina Humana, que combina a ablação do nodo atrioventricular com um pacemaker permanente no tratamento de fibrilação atrial refractária, esta estratégia foi ocasionalmente experimentada em cães com fibrilação atrial, a mais frequente taquiarritmia canina. No entanto, não existe nenhum estudo sistemático até à data que tenha investigado a aplicabilidade da técnica a pequenos animais, pelo que os tratamentos recomendados continuam a ser a cardioversão ou o controlo do ritmo (Gelzer & Kraus, 2004).

Finalmente, pacemakers de câmara dupla em modo DDD têm vindo a ser aplicados ao tratamento de cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva refratária, em Humanos (Begley et al., 2001). Visto que esta cardiomiopatia é pouco frequente em cão, existe apenas um caso descrito em Medicina Veterinária que tenha recebido um pacemaker (Oyama et al., 2001). Uma pesquisa com os termos pacemaker, cardiomiopatia hipertrófica e cão não obteve resultados adicionais.

4.2. O Caso do Gato

Apesar das apresentações clínicas que conduzem o médico veterinário no sentido da implantação de um pacemaker serem iguais no gato e no cão, as diferenças entre as espécies levam a algumas considerações particulares no caso do gato. Nesta secção pretende-se apenas salientar as diferenças relevantes na abordagem às bradiarritmias sintomáticas do gato, assumindo-se na ausência de informação específica que o descrito previamente no capítulo se aplica a estes animais.

Imagem

Figura 1 – Gerador de pacemaker de câmara única (esquerda) e dupla câmara (direita)  Fonte: St
Figura 2 – Tipos de elétrodos.
Tabela 1 – Etiologias referidas na literatura para o bloqueio atrioventricular
Tabela 2 – Agentes sedativos, anestésicos e analgésicos e combinações referidas na literatura para pré-medicação,  indução e manutenção para um caso de implantação de pacemaker
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Referências

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